uma visão baseada nos conflitos penosos entre paixões e norma, as tragédias <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s sãoo testemunho do nascimento <strong>de</strong>sta última <strong>concepção</strong> “passional”. Nas obras <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>spresenciamos o nascimento <strong>de</strong> uma <strong>concepção</strong> do homem enquanto dotado <strong>de</strong> umaindividualida<strong>de</strong> intelectual e afetiva. Portanto, é pertinente aproximar esta visão da psicologia.A <strong>melancolia</strong> em Eurípi<strong>de</strong>s é fruto <strong>de</strong> uma esmagadora natureza conflituosa, entre as paixões,os <strong>de</strong>sejos, e as normas sociais. Lembrar da <strong>concepção</strong> <strong>freudiana</strong> do conflito entre os <strong>de</strong>sejos ea realida<strong>de</strong>, entre as pulsões e a cultura, é quase inevitável (PESSOTI, 1994, p.46).Após estas duas visões, a mítico-religiosa e a passional-psicológica, temos o adventoda visão médica. Com Hipócrates a loucura se torna uma doença. E a <strong>melancolia</strong> passa a ser<strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> doença, <strong>de</strong> patologia, e, segundo algumas leituras, <strong>de</strong> causa orgânica. A doutrinahipocrática sobre a <strong>melancolia</strong> foi hegemônica ao longo dos séculos, e sua corrente po<strong>de</strong> serchamada <strong>de</strong> organicista. A medicalização da loucura pela corrente hipocrática, significou, <strong>de</strong>acordo com Pessotti (1994, p.58), um retardo do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma <strong>concepção</strong>psicogênica ou psicológica, como aquela sugerida <strong>de</strong> forma embrionária pelos textos trágicos<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s.Ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Hipócrates, <strong>de</strong>stacamos aqui uma quarta importante <strong>concepção</strong> da<strong>melancolia</strong>, a aristotélica, que, como vimos, toma a <strong>melancolia</strong> como saú<strong>de</strong> e como condição<strong>de</strong> genialida<strong>de</strong>. Embora se baseie em um resíduo chamado bile negra – que era também asubstância <strong>de</strong> base da teoria hipocrática – sua ênfase recai sobre outros aspectos. Pessotti(1994, p.80) inclui a visão aristotélica da loucura na corrente hipocrática organicista;entretanto, o projeto <strong>de</strong> Aristóteles para a <strong>melancolia</strong> não é médico, e muito menos o <strong>de</strong>conceituá-la enquanto doença. As bases para suas reflexões partem <strong>de</strong> uma idéia organicista;contudo, a qualida<strong>de</strong> mesma do texto é filosófica. Assim, Aristóteles, pelo menos no“Problema XXX”, não po<strong>de</strong> ser tomado como um simples organicista da corrente hipocrática.Mas, antes disso, ele parece querer <strong>de</strong>stacar o caráter profundo e <strong>de</strong> exceção do homemmelancólico. Sem contar sua postulação <strong>de</strong> que não existe uma norma <strong>de</strong> caráter: cada um temseus aspectos distintivos e próprios que o <strong>de</strong>finem e o qualificam. Assim, como Hipócrates,ele também enten<strong>de</strong> que normalmente o homem é vítima <strong>de</strong> alterações orgânicas, sendo queestas são <strong>de</strong>finidas por ele como estados <strong>de</strong> humor presente na vida cotidiana. Tanto um<strong>de</strong>sânimo quanto uma profunda paz são frutos da mistura <strong>de</strong> um resíduo que existenormalmente em todo homem, como uma potencialida<strong>de</strong> para se combinar. Se à primeiravista po<strong>de</strong>mos tomar o texto <strong>de</strong> Aristóteles como organicista, na verda<strong>de</strong> sua tese não se apóiano exame <strong>de</strong> estados como doença, mas <strong>de</strong> estados que estão presentes nos caráteres <strong>de</strong> todohomem, ou do caráter <strong>de</strong> exceção – a <strong>melancolia</strong>. Por isso <strong>de</strong>finimos a tese aristotélica sobre a26
<strong>melancolia</strong> como uma quarta visão. Estas quatro concepções da <strong>melancolia</strong> – mítico-religiosa,passional-psicológica, organicista e aristotélica – irão permear os dois próximos milênios,compondo as diversas concepções <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong> até os dias atuais.Ainda no mundo clássico, a <strong>melancolia</strong> continua presente nos escritos De arte médica,<strong>de</strong> Aulus Cornélius Celsus (25a.C. – 50 d.C.), que recomenda a exposição ao sol para otratamento da <strong>melancolia</strong>. Este autor mantém a visão <strong>de</strong> Hipócrates e associa a <strong>melancolia</strong> àbílis negra: uma insânia que dura mais tempo e consiste numa tristeza que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> daatrabílis (bile negra) (PESSOTI, 1998, p.27).No império romano, que tem sua ascensão por volta do século II d. C., <strong>de</strong>stacamosvários nomes importantes na área da medicina que se interessaram pelo estudo da <strong>melancolia</strong>.Foram médicos influenciados por Hipócrates que adotaram a teoria da bile negra, mastambém <strong>de</strong>senvolveram suas próprias idéias através <strong>de</strong> observações sistemáticas dos quadros<strong>de</strong> diversas doenças (CORDÁS, 2002, p.23).Areteu da Capadócia (séc. I d.C.) foi consi<strong>de</strong>rado o “Hipócrates” da medicina mental,sendo talvez o primeiro a sugerir a unida<strong>de</strong> nosológica entre a mania e a <strong>melancolia</strong>. Famosopor suas acuradas observações sobre a loucura, <strong>de</strong>screvia a <strong>melancolia</strong> como uma alteração dopneuma. Se este for quente e seco dará origem à <strong>melancolia</strong>; para sua terapêutica <strong>de</strong>ve-seprocurar a satisfação do <strong>de</strong>sejo. Pois na <strong>melancolia</strong> teríamos presente uma associação comuma carência sexual e afetiva. O médico romano diferenciou duas causas básicas para o mal:uma biológica e outra psicológica, uma espécie <strong>de</strong> “reação <strong>de</strong>pressiva” (CORDÁS, 2002,p.25; PESSOTTI, 1994, p.64; PESSOTTI, 1999, p.15).Rufus <strong>de</strong> Éfiso (98-117) também consi<strong>de</strong>rava que a <strong>melancolia</strong> era originada pela bílisnegra. Distinguia-a em dois tipos, a natural e a adquirida. A primeira era do tipo que dotava oshomens <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong> e a segunda era fruto da dieta. O vinho era recomendado notratamento, pois combatia a bílis negra (SCLIAR, 2003). Soranus <strong>de</strong> Éfeso é um dos únicosque rompe com a tradição hipocrática. Para ele, a <strong>melancolia</strong> seria originada por um estado <strong>de</strong>intensa constrição das fibras. Os sintomas são má disposição, ansieda<strong>de</strong>, prostração, tristeza,choro sem motivo, idéias persecutórias e inchaço da região epigástrica.Inspirado em Soranus, Célio Aureliano (séc. I ou II) enten<strong>de</strong> que a <strong>melancolia</strong> écausada por um estado <strong>de</strong> tensão ou constrição no organismo. Se este estado afeta o estômagocausa a <strong>melancolia</strong>, se afeta a cabeça, a mania. Sua <strong>concepção</strong> toma a loucura como umadoença corporal, orgânica (PESSOTI, 1994, p.68).27
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