através da, agora possível, químicas dos psicofármacos, fazendo com que o limiar suportávelpara as paixões baixasse radicalmente.Diante <strong>de</strong> qualquer angústia, tristeza ou outro <strong>de</strong>sconforto psíquico, os clínicospassaram a prescrever, sem pestanejar, os psicofármacos mágicos, isto é, osansiolíticos e anti<strong>de</strong>pressivos. A escuta da existência e da história dos enfermos foisendo progressivamente <strong>de</strong>scartada e até mesmo, no limite, silenciada. Enfim, poressa via tecnológica, a população passou a ser ativamente medicalizada, numaescalas sem prece<strong>de</strong>ntes (BIRMAM, 2001, p.242).A medicalização indiscriminada é um fato que vai ao encontro do aumento do<strong>de</strong>samparo na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, pelo fim das utopias e dos messiânicos alimentados namo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. I<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> força e controle emocional diante das dificulda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> segurança eflexibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> eficiência e <strong>de</strong>senvolvimento sem limites, enfim, i<strong>de</strong>ais que alimentam umailusão <strong>de</strong> onipotência nos indivíduos, são veiculados pela mídia e pelos ambientes <strong>de</strong> trabalho,representando uma socieda<strong>de</strong> centrada no espetáculo e na cultura do narcisismo (do eu). Estesfatos, somados ao i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> exorcização da dor, expõe o sujeito a pressões advindas <strong>de</strong> todos oslados, colocando-o em uma corrida sem fim, em busca <strong>de</strong> alcançar e conformar-se <strong>de</strong> maneiraabsoluta a todas estas <strong>de</strong>mandas. Por serem <strong>de</strong>mandas platônicas – o indivíduo nunca seráeficiente o bastante, ou nunca pelo tempo necessário, etc. – o sujeito sempre sentirá que estáfracassando <strong>de</strong> alguma maneira, permanecendo em uma condição <strong>de</strong> permanente fragilida<strong>de</strong>narcísica e <strong>de</strong>samparo.Nesta acepção, as “pequenas” tragédias po<strong>de</strong>m ter um valor traumático, pois o queinteressa é a invasão do sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, a ruptura da continuida<strong>de</strong>significativa do eu sem que, necessariamente, a causa traumática em si seja algo <strong>de</strong>dimensão maciça e avassaladora, como no caso das guerras (MENDLOWICZ,2006, p.56).No caso da <strong>de</strong>pressão, por exemplo, é comum recebermos pacientes em nossosconsultórios que se queixam <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> sofrimento, falta <strong>de</strong> interesse pela vida e pelotrabalho, um vazio permanente, etc. Sentem-se impotentes diante dos limites impostos pelavida, os tratando como obstáculos a serem superados com facilida<strong>de</strong>, apenas por seu esforçopróprio. Suas dificulda<strong>de</strong>s em vencer estes limites – os quais muitas vezes são intransponíveis– são sentidas como falhas a serem superadas e corrigidas. O pedido dirigido aopsicoterapeuta é para que os aju<strong>de</strong> a parar <strong>de</strong> sofrer. A eliminação do sofrimento e acorroboração <strong>de</strong> uma onipotência fantasiada tornam-se suas principais metas. No entanto logoem seguida, o paciente relata que per<strong>de</strong>u recentemente um ente querido, ou sofreu uma gran<strong>de</strong><strong>de</strong>silusão amorosa, ou ainda teve sérias dificulda<strong>de</strong>s no trabalho, como uma <strong>de</strong>missão ourebaixamento <strong>de</strong> cargo. O tal limite da realida<strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>ncia com clareza. O espantoso diante176
<strong>de</strong>ste quadro é que o pedido do paciente é feito no sentido <strong>de</strong> erradicar seu sofrimento, porquesegundo consta o pensamento da socieda<strong>de</strong> em geral, não <strong>de</strong>vemos, ou não po<strong>de</strong>mos sofrer. Opaciente costuma sentir que tem algo <strong>de</strong> errado com ele por sentir medo, sofrer, ou encontrarsefrágil. No entanto, sabemos que situações como a perda <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> longos anos, ou<strong>de</strong> um ente querido, inserem uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sofrimento na vida psíquica <strong>de</strong>qualquer sujeito vivo, e exigem consequentemente, um gran<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> tolerância eelaboração.Não costumamos dizer que este tipo <strong>de</strong> paciente está <strong>de</strong>primido, mas que estápassando por um tipo <strong>de</strong> sofrimento contingencial, inerente a situação <strong>de</strong> estar vivo e <strong>de</strong>relacionar-se com outras pessoas. Seria um período <strong>de</strong> luto necessário, ou <strong>de</strong> recomposiçãonarcísica. Não há nada <strong>de</strong> errado com ele, exceto o fato <strong>de</strong>le achar que tem alguma doençaque precisa ser curada. Em “O mal estar na civilização” (1930[1929]), Freud já dizia o quanto<strong>de</strong> sofrimento acompanha a nossa vida em socieda<strong>de</strong>. O problema é que a socieda<strong>de</strong> passou aencarar o sofrimento como uma doença; e quão comum é um paciente, como este a que nosreferimos, dizer que está tomando algum tipo <strong>de</strong> anti<strong>de</strong>pressivo ou ansiolítico para ajudá-lo asuperar ou a agüentar uma fase <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>. Assim, um simples luto, ou um períodonecessário <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> uma frustração, foi transformado em nossa socieda<strong>de</strong> em um<strong>de</strong>svio ou doença a ser curada, e porque não, transformada em <strong>de</strong>pressão. Conforme afirmaFédida (2002, p.182) – em tom irônico – a <strong>de</strong>pressão vai na contracorrente dos i<strong>de</strong>ais daatualida<strong>de</strong>, e com isso, precisa ser eliminada, ali mesmo on<strong>de</strong> aparece e incapacita, isto é, nossintomas.Nesse contexto, a <strong>de</strong>pressão teria se tornado uma espécie <strong>de</strong> paradigma negativo danova pragmática do “si-mesmo” e, <strong>de</strong>sse modo, a contrapartida psicopatológica <strong>de</strong>uma i<strong>de</strong>alização da performance, necessária para se manter adaptado e criativo nasmutações e mudanças aceleradas que vivemos. E suma, se estamos <strong>de</strong>primidos, nãoé preciso buscar num passado da infância a causa (experiências <strong>de</strong> perda, abandono,separação). E mesmo que fosse assim, o conhecimento <strong>de</strong>sses fatores predispondo à<strong>de</strong>pressão não seria <strong>de</strong> modo algum diretamente eficaz no sentido <strong>de</strong> chegar à cura.A adaptação performante pressupõe que o estado <strong>de</strong>primido seja tratado ali on<strong>de</strong> éincapacitante, ou seja, ao nível <strong>de</strong> seus sintomas comportamentais.Vale dizer, que a perda muitas vezes necessita ser elaborada em um espaço <strong>de</strong>recolhimento, em que o sujeito possa conectar-se com o corte que a provocara. Só a partir <strong>de</strong>uma elaboração é que se torna possível simbolizar, e assim, transformar sofrimento emcriativida<strong>de</strong>, esperança e liberda<strong>de</strong>.É por isto que nossa <strong>concepção</strong> <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> mente melancólico, vem na contramãoda maneira atual <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r os estados <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão/<strong>melancolia</strong>. Pois partindo da177
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