Vetter (1969) consi<strong>de</strong>ra o fenômeno <strong>de</strong>pressivo, em sua gênese e psicopatologia, comoo estado afetivo básico que subjaz as inúmeras manifestações clínicas <strong>de</strong>pressivas, como a<strong>de</strong>pressão neurótica, a <strong>melancolia</strong>, a mania, a psicose maníaco-<strong>de</strong>pressiva, as personalida<strong>de</strong>snarcísicas, entre outras.Cintra (2000), em sua tese <strong>de</strong> doutorado sobre a <strong>de</strong>pressão, chama a atenção para uma“<strong>de</strong>pressão fundamental ou primária existindo como potencial à <strong>de</strong>pressão mesmo nopsiquismo normal”. Sem entrar nos amiú<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta idéia, que a autora chama <strong>de</strong> tendência doaparelho psíquico, gostaríamos <strong>de</strong> ressaltar a convergência <strong>de</strong> tal idéia com nossa questãonorteadora do trabalho. Um potencial para a <strong>de</strong>pressão está, neste sentido, fortementerelacionado às questões <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> mente melancólico.Ainda Marucco (1987, p.12) pergunta-se não menos <strong>de</strong> uma vez, pela proximida<strong>de</strong>entre <strong>de</strong>pressão e <strong>melancolia</strong>, se a <strong>de</strong>pressão não seria uma forma disfarçada <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>.Afinal, como na passagem <strong>de</strong> Delouya (2001) citada no início <strong>de</strong>ste trabalho 27 ,enten<strong>de</strong>mos que a <strong>de</strong>pressão/<strong>melancolia</strong> não se apresentam somente em estadospsicopatológicos graves. São estados mentais realmente familiares, com os quais nos<strong>de</strong>paramos em nosso cotidiano, e aos quais todos somos sujeitos. Sua gravida<strong>de</strong>, suasconseqüências e sua instalação <strong>de</strong> modo patológico ou não, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> inúmeros fatoresrelacionados as condições psíquicas <strong>de</strong> cada ser humano. O registro da perda, que po<strong>de</strong>remeter ao trauma do nascimento e a condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, está presente no psiquismo,po<strong>de</strong>ndo ser evocado diante qualquer tipo <strong>de</strong> injúria narcísica.Estou consi<strong>de</strong>rando aqui a noção <strong>de</strong> trauma como injúria narcísica grave, comobem sugeriu Abraham. Mas acredito que tal injúria po<strong>de</strong> ser causada, pelo menosparcialmente, por um trauma recente, provocando uma ruptura no eu, que per<strong>de</strong> osentido <strong>de</strong> si próprio e do mundo em que vive. Quando ocorre uma perdatraumática, um laço significativo que dava sentido à vida do sujeito é rompido, ovazio inva<strong>de</strong> a cena psíquica e o sujeito mergulha no <strong>de</strong>samparo, per<strong>de</strong>ndo avalorização <strong>de</strong> si próprio. A fragilida<strong>de</strong> narcísica abre as portas para a entradatriunfal da pulsão <strong>de</strong> morte, que ora ataca o eu (supereu sádico), culpando o sujeito,ou propala a <strong>de</strong>svitalização, tornando-o apático, <strong>de</strong>sinteressado, entediado, ou,ainda, mostra sua eficácia das duas formas (MENDLOWICZ, 2006, p.56).A injúria narcísica é uma forma <strong>de</strong> abalo causado na organização narcísica –organização responsável pela sustentação do psiquismo, e que está relacionado a integração erecursos egóicos e ao contentamento consigo mesmo. Tal injúria afeta também os aspectos27 “Depressão, dor e angustia referem-se a estados mentais que nos são tão familiares a ponto <strong>de</strong> interrogar oleigo sobre a legitimida<strong>de</strong> em fazê-los pertencer às classes que compõem os quadros clínicos da psicopatologia.”(DELOUYA, 2001, p.13)174
ambivalentes, isto é, os nossos sentimentos <strong>de</strong> amor e ódio pelo mesmo objeto e a maneirapela qual nossa mente organiza e tolera este paradoxo emocional.Desta maneira, compreen<strong>de</strong>mos os estados <strong>de</strong>pressivo-melancólicos como estados quese agravam <strong>de</strong> acordo com a organização e funcionamento psíquico <strong>de</strong> cada indivíduo. E istose relaciona com a força do ego ou, em outras palavras, a capacida<strong>de</strong> e recursos do self. Sobrea questão da <strong>melancolia</strong> em Freud e os processos psíquicos a ela relacionados, Andra<strong>de</strong>(1999, p.647) salienta: “É evi<strong>de</strong>nte que estes processos não se restringem à <strong>melancolia</strong> ou aonarcisismo primário, sendo antes ocorrência universal no psiquismo, tornando-sepatológicos ou não <strong>de</strong> acordo com fatores quantitativos”. Nesta mesma direção proposta porAndra<strong>de</strong> (1999), os estados <strong>de</strong>pressivos po<strong>de</strong>m ser entendidos como uma escala <strong>de</strong> graus, queacentuam-se; como em uma imagem <strong>de</strong>gradê, na qual, à medida que se avance em direção aoseu ponto mais crítico, se acrescentem elementos e formas <strong>de</strong> organização psíquicas que tornao estado mental mais comprometido.Com esta maneira <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r os estados melancólicos, sabemos que acabamospor ir na contra mão do pensamento vigente, principalmente da psiquiatria, <strong>de</strong> que os estados<strong>de</strong>pressivos são estados psicopatológicos a serem corrigidos pela ação <strong>de</strong> psicofármacos.Atualmente, com a administração indiscriminada <strong>de</strong> psicotrópicos, observamos uma cultura<strong>de</strong> baixa tolerância à frustração e alta a<strong>de</strong>são a categorizações dos sentimentos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>psicopatologias. Neste sentido, Birman (2001, p.245) chama atenção para um esforço da pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><strong>de</strong> erigir uma cultura centrada no evitamento da dor e do sofrimento psíquicos.Assim, preten<strong>de</strong>-se a sedação da angústia e a eliminação das excitações excessivascom os ansiolíticos. Da mesma forma, busca-se s eliminação das paixões<strong>de</strong>pressivas com os anti<strong>de</strong>pressivos. A busca <strong>de</strong> um suposto i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> estesiapsíquica no sujeito, a normalização <strong>de</strong> seus humores intempestivos, é a finalida<strong>de</strong>nas práticas médicas e psiquiátricas. Em contrapartida, busca-se a promoção dosparaísos artificiais (Bau<strong>de</strong>laire) e do gozo pelas drogas pesadas.Com o <strong>de</strong>senvolvimento das neurociências e dos psicofármacos a partir dos anoscinqüenta, a psiquiatria passou a fundamentar suas práticas no rigoroso discurso da ciênciabiológica. Com isto, as psicoterapias foram aos poucos sendo <strong>de</strong>ixadas <strong>de</strong> lado em primaziados modos medicamentosos <strong>de</strong> intervenção, supostamente infalíveis. Além disso a terapêuticacalcada nos psicotrópicos, abriu a possibilida<strong>de</strong> do Oci<strong>de</strong>nte relacionar-se com o sofrimentomental <strong>de</strong> uma maneira nova; uma mudança significativa que afetou as relações dosindivíduos com suas paixões. Quaisquer transformações “negativas” do humor ou qualquerforma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto psíquico, passaram a <strong>de</strong>mandar prontamente sua regulação e eliminação175
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