No segundo caso, aquele <strong>de</strong> situações específicas que se configuram como arriscadaspara o amor-próprio do ego, <strong>de</strong>stacamos os momentos nos quais o sujeito estabelece umaextrema <strong>de</strong>pendência do objeto ou da realização <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais, em momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoou imposição do <strong>de</strong>stino. Parece a mesma situação que a primeira, mas a diferença consisteem a problemática ser <strong>de</strong>slocada <strong>de</strong> uma característica <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> do sujeito para o umasituação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> vital extremamente necessária. O mo<strong>de</strong>lo maior para estas situações éa do bebê que estabelece um vínculo narcísico não por escolha, mas por necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sobrevivência, porque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua mãe para sobreviver, não só psiquicamente, mastambém concretamente. Situações externas, como por exemplo, a do sujeito que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>terminada chance <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong>cisiva em sua vida, ou do trabalhador que se aposentae fica sem perspectivas <strong>de</strong> vida, isto é, sem provisões narcísicas (sustentação do autoconceito) que eram obtidas através do trabalho; ou ainda do funcionário <strong>de</strong> uma empresa queestá se <strong>de</strong>senvolvendo em uma <strong>de</strong>terminada tarefa, em busca <strong>de</strong> alcançar um objetivo oui<strong>de</strong>al, e liga-se narcisicamente para adquirir condições <strong>de</strong> alcançá-los. Enquanto o recursonarcísico, que sempre assume uma tônica narcísica, permanece no mundo externo, causa nosujeito um sentimento <strong>de</strong> vazio interior que é preenchido através do estabelecimento <strong>de</strong> umarelação narcísica.Será que o sujeito, ao iniciar um novo investimento almejando adquirir um recursonarcísico a partir das relações com os objetos (uma forma inaugural <strong>de</strong> investimento) passapor um período <strong>de</strong> indiscriminação com o objeto ou i<strong>de</strong>al? Isto justificaria o uso do processo<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação narcísica, o qual seria posto em ação no momento <strong>de</strong> falhas e rupturas narelação com o objeto. A falha ou fracasso da relação, mesmo sendo causada pelo objeto oupor fatores que estão fora do controle do sujeito no mundo externo, via i<strong>de</strong>ntificação, ésempre também falha do sujeito. Neste fase, em função <strong>de</strong>sta problemática, o sujeito nãoconseguiria discriminar entre o ego e o objeto; para alcançar a internalização do recursonarcísico ele se i<strong>de</strong>ntifica com o objeto. Recursos estes, narcísicos, que <strong>de</strong>sejam serincorporados pelo sujeito, em um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, no qual sua capacida<strong>de</strong> pararealização po<strong>de</strong> estar em questão. Se o sujeito recorre inconscientemente a i<strong>de</strong>ntificaçãonarcísica é porque, por algum motivo, não consegue discriminar a separação entre seu ego e oobjeto. Esta situação leva o sujeito a por em ação os processo que foram <strong>de</strong>scritos por Freudna <strong>melancolia</strong>, dando origem a um estado <strong>de</strong> mente melancólico. A perda, aqui invocadanovamente, somada a uma relação narcísica, dispararia a i<strong>de</strong>ntificação narcísica e ossentimentos <strong>de</strong> ódio próprios da ambivalência, caracterizando um estado <strong>de</strong> mentemelancólico.170
Nestes dois vértices, o estado melancólico seria causado pelo fato do objeto perdidoser muito precioso para a organização narcísica do sujeito, ou seja, por existir um fortecomponente narcísico na relação. No entanto, no primeiro a causa estaria na estrutura psíquicae, no segundo, em situações externas que evocassem uma condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo e o registroda perda; situação <strong>de</strong> ameaça narcísica que po<strong>de</strong>ria constituir um possível trauma. “Se osestados <strong>de</strong>pressivos visam a um espaço <strong>de</strong> gozo do qual o sujeito se sente apartado, a função<strong>de</strong>pressiva seria, então, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m narcísica, <strong>de</strong> preservação e garantia <strong>de</strong>sse espaço”(DELOUYA, 2001, p.44). Neste sentido, a situação traumática seria aquela que se tornariaameaçadora para o narcisismo do sujeito, já que estas situações estão sempre ligadas a perdas(registro da perda), seja do objeto amoroso, <strong>de</strong> partes <strong>de</strong> si próprio, dos i<strong>de</strong>ais, do amor dosuperego. (MENDLOWICZ, 2006).O que preten<strong>de</strong>mos enfatizar com isto, é que nem todo estado <strong>de</strong>pressivo oumelancólico po<strong>de</strong> ser diretamente ligado a sujeitos narcísicos, isto é, a problemas ocorridos naépoca da constituição do ego. Também os indivíduos que se encontram em uma situação <strong>de</strong>ameaça a seu narcisismo, situação esta que coloca o sujeito face a face com sua condição <strong>de</strong><strong>de</strong>samparo, po<strong>de</strong> dar origem a um estado <strong>de</strong> mente melancólico. Esta questão não <strong>de</strong>ve serpensada <strong>de</strong> forma isolada, mas em conjunto com a condição da socieda<strong>de</strong> atual.Se aceitarmos que a clínica das <strong>de</strong>pressões aumentou consi<strong>de</strong>ravelmente nasocieda<strong>de</strong> contemporânea, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar o valor traumático dasperdas súbitas que não cessam <strong>de</strong> acontecer – perda <strong>de</strong> emprego, extinção <strong>de</strong> certosofícios, ruptura <strong>de</strong> relações longas e significativas, solidão, perda <strong>de</strong> prestígio sociale po<strong>de</strong>r [...] (MENDLOWICZ, 2006, p.56).No mundo contemporâneo temos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar principalmente dois fatoresrelacionados aos estados <strong>de</strong>pressivos: a baixa do limiar <strong>de</strong> tolerância ao sofrimento psíquico ea exposição contínua do sujeito a condições <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>, rupturas, violências <strong>de</strong> todo tipo,solidão e i<strong>de</strong>ais exigentes no campo da ação, do sentir e do corpo (BIRMAN, 2006). Taisfatores estariam agindo em conjunto e predispondo os indivíduos à injurias narcísicas, isto é,perdas significativas que, em primeira ou última instância, afetam o narcisismo do sujeito.A questão que norteia estas colocações po<strong>de</strong> ser formulada da seguinte maneira: Oprocesso psíquico da <strong>melancolia</strong> <strong>de</strong>scrito por Freud em 1917 po<strong>de</strong> manifestar-se em todo serhumano, em maior ou menor grau, sob a forma <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> mente melancólico, diante <strong>de</strong>uma situação que evoque o registro da perda. E <strong>de</strong>sta forma, revelar o componente narcísicoque subjaz no âmago dos estados <strong>de</strong>pressivos e melancólicos, constituindo sua essência eorigem?171
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