ainda, em conjunção a qualquer estado neurótico – como a histeria, neurose obsessiva,síndrome do pânico, etc – ou psicótico, como no caso <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>pressão presente em umpaciente esquizofrênico.Nos textos freudianos, a terminologia <strong>melancolia</strong> foi <strong>de</strong>finida como uma neurosenarcísica, uma psicopatologia com características específicas e distintivas, separada daspsicoses e das neuroses <strong>de</strong> transferência. Nesta <strong>de</strong>finição, a <strong>melancolia</strong> seria uma formaneurótica <strong>de</strong> um luto – na qual não houve possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração da perda –, fortementerelacionada à organização narcísica do sujeito. Quanto ao termo <strong>de</strong>pressão, este era reservadogeralmente para <strong>de</strong>screver um estado, afeto ou sintoma, todos compostos pela mesmanatureza penosa e aflitiva, resultando em tristeza, <strong>de</strong>sgosto, preocupação e inibição. Taisestados, afetos ou sintomas <strong>de</strong>pressivos estariam presentes em qualquer tipo <strong>de</strong>psicopatologia, até mesmo na <strong>melancolia</strong>. Cabe ressaltar que no texto freudiano não seencontra enunciado explicitamente uma diferença entre <strong>melancolia</strong> e <strong>de</strong>pressão, muito menosuma teoria sobre esta última. No entanto, é possível perceber a partir do exame dos textos que,na maior parte das vezes, os dois termos eram usados <strong>de</strong> maneira distinta. Em algunsmomentos, Freud (1905[1901], 1905, 1926 [1925]) referiu-se a <strong>melancolia</strong> como uma graveforma <strong>de</strong> estados <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, o que nos levou a supor que o autor estaria sugerindo queentre estes dois estados não existiria uma diferença <strong>de</strong> natureza psíquica, mas <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>.A <strong>melancolia</strong> seria assim um estado <strong>de</strong>pressivo puro, intenso e mais acentuado, no qual seacrescentaria alguns elementos. A <strong>de</strong>pressão seria caracterizada como uma forma mais branda<strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>. Estas idéias formadas a partir do exame dos escritos <strong>de</strong> Freud merecerão, emum estudo posterior, uma atenção maior.Como vimos não há em Freud uma teoria sobre a <strong>de</strong>pressão. Entretanto, há claramenteuma teoria explícita sobre a <strong>melancolia</strong>. Pela semelhança dos quadros clínicos, o luto e a<strong>melancolia</strong> foram aproximados por Freud como espaços psíquicos <strong>de</strong> vivência <strong>de</strong> situações <strong>de</strong>perda. Igualmente, o luto e a <strong>de</strong>pressão também se assemelham clinicamente, assim como a<strong>de</strong>pressão e a <strong>melancolia</strong> são estados muito próximos. Em função da aproximação constante,na teoria <strong>freudiana</strong>, <strong>de</strong>stes três estados, fomos levados a procurar algo em comum entre elesque fosse além dos sintomas. O que encontramos <strong>de</strong> imediato foi que todos eles se inserem noregistro da perda. Não só o luto e a <strong>melancolia</strong>, mas também a <strong>de</strong>pressão é encampada poreste registro. Nestes estados há uma ressonância traumática da vivência <strong>de</strong> perda, que é asituação paradigmática da origem do luto, da <strong>melancolia</strong> e da <strong>de</strong>pressão. No entanto, comovimos a pouco, a noção <strong>de</strong> perda <strong>de</strong>ve ser esgarçada a toda série <strong>de</strong> vivências que provoqueno sujeito sentimentos <strong>de</strong> impotência e <strong>de</strong>sesperança para a realização do <strong>de</strong>sejo162
(BLEICHMAR, 1997). São vivências impactantes <strong>de</strong> perdas reais ou psíquicas,acompanhadas <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> impotência, frustrações, incapacida<strong>de</strong> para realização e<strong>de</strong>samparo.Frente ao exposto, as contribuições <strong>de</strong> “Luto e <strong>melancolia</strong>” po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem, serampliadas até a <strong>de</strong>pressão. E vice-versa. Freud, com este artigo, inaugurou o que constituiu acompreensão básica dos transtornos <strong>de</strong>pressivos, tratou <strong>de</strong> ir mais além da <strong>de</strong>scrição eenumeração dos sintomas, e buscou uma condição básica entre os distintos tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão,caracterizando estas como uma reação à perda real, i<strong>de</strong>al ou imaginária <strong>de</strong> um objeto(BLEICHMAR, 1997). Frente a isto, é possível estabelecer um <strong>de</strong>nominador comum entre<strong>melancolia</strong> e <strong>de</strong>pressão: sendo estes estados indistinguíveis em seu âmago 22 , é a vivência doregistro da perda, como também os elementos melancólicos neles presentes, que osaproximam. Foi a partir <strong>de</strong> “Luto e <strong>melancolia</strong>”, que Freud colocou em evidência taiselementos presentes no psiquismo 23 , os quais estamos <strong>de</strong>nominando <strong>de</strong> elementosmelancólicos. Quando estes elementos entram <strong>de</strong> alguma forma em colapso ou ruptura, setornam visíveis na forma dos processos psíquicos da <strong>melancolia</strong>. O registro da perda, comoregistro da vivência traumática por excelência, po<strong>de</strong> ser aproximado à idéia <strong>de</strong>senvolvida porFreud (1926[1925]) sobre a condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo da vida inicial. Por meio da metáfora donascimento, Freud revelou no sujeito um estado inerente a sua existência, a <strong>de</strong>pressivida<strong>de</strong>,que surge frente a sentimentos <strong>de</strong> impotência, fragilida<strong>de</strong>, frustração, abandono ou, em umaúnica palavra, <strong>de</strong>samparo. O nascimento passou a ser a experiência paradigmática da vivênciado trauma, isto é, da experiência <strong>de</strong> vir ao mundo bruscamente e ser exposto <strong>de</strong> maneirarepentina aos estímulos advindos do interior e do exterior, inaugurando a condição <strong>de</strong><strong>de</strong>samparo.A separação com o corpo da mãe expõe o Eu incipiente do recém nascido a ataques<strong>de</strong> duas origens: um afluxo, uma intoxicação, diria Freud, vinda do exterior, e uminfluxo, interno, das exigências e necessida<strong>de</strong>s pulsionais: “... a situação traumáticacontra a qual somos impotentes faz convergir um perigo interior e exterior, ou operigo real com as solicitações pulsionais” (1926). A angústia e a <strong>de</strong>pressãoabrigam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si – sob aspectos diferentes – os rastros do <strong>de</strong>samparo infantil,associado com o traumatismo (DELOUYA, 2002, p.29).A condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo tornou-se, após 1926, o protótipo <strong>de</strong> qualquer eventotraumático, produtor <strong>de</strong> angústia... e, <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão. Segundo Delouya (2002), o <strong>de</strong>samparo é oestado protótipo da <strong>de</strong>pressão – esta seria como uma conseqüência do trauma, isto é, uma22 Cf. KRISTEVA, 1989.23 Já apareciam antes, mas não sistematizados e articulados em relação a <strong>melancolia</strong>.163
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