expressão do sadismo advindo da pulsão <strong>de</strong> morte. Na afirmação seguinte, temos umaintegração das idéias sobre o papel do superego e o sadismo na <strong>melancolia</strong>:Se nos voltarmos primeiramente para a <strong>melancolia</strong>, <strong>de</strong>scobrimos que o superegoexcessivamente forte que conseguiu um ponto <strong>de</strong> apoio na consciência dirige suaira contra o ego com violência impiedosa, como se tivesse se apossado <strong>de</strong> todo osadismo disponível na pessoa em apreço. Seguindo nosso ponto <strong>de</strong> vista sobre osadismo, diríamos que o componente <strong>de</strong>strutivo entrincheirou-se no superego evoltou-se contra o ego. O que está influenciando agora o superego é, por assimdizer, uma cultura pura do instinto <strong>de</strong> morte e, <strong>de</strong> fato, ela com bastante freqüênciaobtém êxito em impulsionar o ego à morte, se aquele não afasta o seu tirano atempo, através da mudança para a mania (FREUD, 1923, p.65-66, grifos nossos).A ambivalência, no âmago do conflito melancólico, se expressa através do predomíniodo sadismo, que se encontra entrincheirado no superego. Desta forma, Freud mostra como, noestado melancólico, o superego <strong>de</strong>senvolve tamanha rigi<strong>de</strong>z e severida<strong>de</strong> para com o ego. OSuperego se torna uma cultura pura da pulsão <strong>de</strong> morte. Examinemos melhor esta afirmação.A pulsão <strong>de</strong> morte, fonte do sadismo, geralmente tem dois <strong>de</strong>stinos. Um <strong>de</strong>les é a fusão comos componentes eróticos e o outro é a sua <strong>de</strong>scarga para o mundo externo e para outrosorganismos em forma <strong>de</strong> agressivida<strong>de</strong>. Freud nos mostra que, quanto mais uma pessoacontrola a sua agressivida<strong>de</strong> para o exterior, mais severo e punitivo se torna o seu superego,restando a este voltar tamanha agressivida<strong>de</strong> contra o ego; seria uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento.Isto porque o ego fica espremido, esforçando-se para ser moral, entre o id, que é amoral, e osuperego, que é supermoral. A hipótese que Freud oferece para a severida<strong>de</strong> do superego, queé voltada para o ego sem pieda<strong>de</strong>, é a <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sfusão pulsional na formação do superego noperíodo da i<strong>de</strong>ntificação com as figuras paternas. Em miúdos, na formação do superego, que éfruto da i<strong>de</strong>ntificação com o pai, os impulsos passam por uma espécie <strong>de</strong> sublimação ou<strong>de</strong>ssexualização. Ocorrendo esta <strong>de</strong>sfusão entre as pulsões eróticas e <strong>de</strong> morte, esta última éliberada sob a forma <strong>de</strong> inclinação à agressão e à <strong>de</strong>struição, formando assim o caráter cruel esevero do superego. Então, na <strong>melancolia</strong>, o que acorre é que “[...] o ego, tendo ganhocontrole sobre a libido por meio da i<strong>de</strong>ntificação, é punido pelo superego por assimproce<strong>de</strong>r, mediante a instrumentalida<strong>de</strong> da agressivida<strong>de</strong> que estava mesclada com a libido”(FREUD, 1923, p.67).No processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> libido objetal provinda do id é tomada pelo ego,tornando-se sua proprieda<strong>de</strong>. Por fim, Freud encerra este capítulo <strong>de</strong>stacando algumas funçõesdo ego e seu relacionamento com o id e o superego. Seria importante ainda <strong>de</strong>stacar que oego, mediante seu trabalho <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e sublimação, ajuda as pulsões <strong>de</strong> morte do id acontrolarem a libido, mas com isso corre o risco <strong>de</strong> se tornar o objeto <strong>de</strong>stas pulsões<strong>de</strong>strutivas. Acumulando libido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, o ego, na i<strong>de</strong>ntificação ou sublimação, vê-se158
frente às pulsões <strong>de</strong> morte que são apropriados pelo superego e que são originariamenteliberados por estes dois processos que resultam em uma <strong>de</strong>sfusão pulsional. Neste sentido, “omedo da morte na <strong>melancolia</strong> só admite uma explicação: que o próprio ego se abandonaporque se sente odiado e perseguido pelo superego, ao invés <strong>de</strong> amado” (FREUD, 1923,p.70).Numa analogia com a função paterna <strong>de</strong> proteção, Freud explica esta afirmativadizendo que o ego quer viver e ser amado e que o superego, enquanto representante do id,guarda a função protetora paterna <strong>de</strong> salvar e proteger. O ego, percebendo-se abandonado,<strong>de</strong>ixa-se morrer.Antes <strong>de</strong> encerrar, voltemo-nos ainda para uma última idéia <strong>de</strong> Freud:A gran<strong>de</strong> significação que o sentimento <strong>de</strong> culpa tem nas neuroses torna concebívelque a ansieda<strong>de</strong> neurótica comum seja reforçada nos casos graves pela formação <strong>de</strong>ansieda<strong>de</strong> entre o ego e o superego (medo da castração, da consciência, da morte)(FREUD, 1923, p.71).Na <strong>melancolia</strong>, consi<strong>de</strong>rada uma <strong>de</strong>stas neuroses graves, encontramos intensossentimentos <strong>de</strong> culpa e recriminações e percebemos também este acentuado aumento <strong>de</strong>ansieda<strong>de</strong> entre o ego e superego. O melancólico não aceita o fato <strong>de</strong> perceber-se comlimitações, o que po<strong>de</strong> ser dito simbolicamente <strong>de</strong> outra maneira: não aceita o fato <strong>de</strong> serfinito e limitado. No entanto, com isto não estamos afirmando que o melancólico nega acastração, mas sim que a percepção <strong>de</strong>sta é representada para si próprio como fracasso, falha,<strong>de</strong>feito ou, até mesmo, mutilação. Observa-se que geralmente as queixas e críticas que omelancólico costuma proliferar contra si próprio e contra o mundo são exageradas, severas,exigentes e rígidas. Um “homem comum” 20 diante das mesmas limitações teria uma outrapostura, que é a <strong>de</strong> aceitar e compreen<strong>de</strong>r os limites impostos pelas condições da vida e, porque não?, também da morte. Assim, o melancólico, em oposição ao “homem comum”,castiga-se pelas fatalida<strong>de</strong>s comuns da vida, e não por gran<strong>de</strong>s acontecimentos. Por oraparemos por aqui, pois examinaremos estas questões mais amplamente no capítulo que sesegue. Concluímos, assim, que, na <strong>melancolia</strong>, o conflito ambivalente é expressão <strong>de</strong> umintenso conflito entre o ego e o superego.20 Expressão usada apenas para se distinguir o indivíduo que hipotéticamente teria uma estrutura melancólica doindivíduo não melancólico.159
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