Se nos remetermos ao estudo sobre o narcisismo, veremos que esta idéia já estavacontida nele <strong>de</strong> maneira embrionária. É que, naquele momento, Freud revelava o surgimento<strong>de</strong> uma instância responsável por conter os i<strong>de</strong>ais narcísicos dos pais projetados no bebê; esteúltimo é narcisado por seus pais, e se i<strong>de</strong>ntifica com esta condição narcísica. No entanto, seu<strong>de</strong>senvolvimento no meio social o obriga a renunciar à condição narcísica, fato que acontece,mas não por completo. Como vimos no tópico sobre o narcisismo, a renuncia é feita a partirda internalização <strong>de</strong> uma instância narcísica, o i<strong>de</strong>al do ego, que acaba por conter asaspirações narcisistas do sujeito. Retomamos esta idéia para relacioná-la com a citaçãoanterior, e principalmente ao momento em que Freud afirma sobre o superego: “por um ladoele foi a primeira i<strong>de</strong>ntificação que se efetuou enquanto o ego era fraco...” E este primeiromomento estaria relacionado com o que acabamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver sobre o surgimento do i<strong>de</strong>aldo ego? Tudo indica que sim. Desta forma, o superego seria constituído em dois momentos, oprimeiro na primitiva infância, e o segundo na época da resolução do complexo <strong>de</strong> Édipo.Assim torna-se possível atentarmos para uma questão sobre <strong>de</strong>finir em que momento, no<strong>de</strong>senvolvimento emocional do sujeito, estariam situados os elementos relacionados à<strong>melancolia</strong>. Pelo menos po<strong>de</strong>ríamos situá-los nestes dois momentos relacionados aosurgimento do superego. Tanta a questão narcísica no primeiro momento, quanto a questão daculpa e da repressão no segundo momento, estariam ligados aos elementos melancólicos dopsiquismo.Sobre o caráter do superego:[...] o caráter que lhe foi dado por sua <strong>de</strong>rivação do complexo paterno – a saber, [é]a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter-se à parte do ego e dominá-lo. [...] Tal como a criançaesteve um dia sob a compulsão <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer aos pais, assim o ego se submete aoimperativo categórico do seu superego (FREUD, 1923, p.61).E ainda sobre a relação do superego com o id: “Assim, o superego acha-se semprepróximo ao id e po<strong>de</strong> atuar como seu representante vis-à-vis do ego. Ele <strong>de</strong>sce fundo no id e,por essa razão, acha-se mais distante da consciência (consciousness) que o ego.” (FREUD,1923, p.61).Estes trechos afirmam que a origem do ego e do superego acontece pelo processo <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificação; que o superego, sendo her<strong>de</strong>iro do complexo <strong>de</strong> Édipo, domina o ego erepresenta o id, no sentido <strong>de</strong> conter as proibições aos impulsos vindos <strong>de</strong>ste; e que osuperego está ligado diretamente ao id. Uma forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r tal afirmação e, porexemplo, o caso <strong>de</strong>, em função <strong>de</strong> impulsos reprimidos, o superego con<strong>de</strong>nar o ego pormotivos que este <strong>de</strong>sconhece. Por mais que os motivos sejam <strong>de</strong>sconhecidos para o ego, eles156
o são para o superego; assim, po<strong>de</strong>-se dizer que este último sabia mais do que o ego sobre o idinconsciente – ou sobre os <strong>de</strong>sejos inconcebíveis do Id.Estas consi<strong>de</strong>rações são importantes para esclarecerem as relações do superego com asoutras instâncias, pois é <strong>de</strong>le que vem o sentimento <strong>de</strong> culpa, por motivos conscientes ouinconscientes, que subjuga o ego, presente <strong>de</strong> forma predominante em dois tipos <strong>de</strong> neuroses:a <strong>melancolia</strong> e a neurose obsessiva.Nos casos clínicos que se recusam a aceitar qualquer tipo <strong>de</strong> fala esperançosa por partedo analista e <strong>de</strong> progressos no tratamento, Freud aponta que há subjacente, por trás <strong>de</strong>staatitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> recusa, um “fator ‘moral’, um sentimento <strong>de</strong> culpa, que está encontrandosatisfação na doença e se recusa a abandonar a punição do sofrimento” (FREUD, 1923,p.62). Isolando fatores como a atitu<strong>de</strong> negativa e a rivalida<strong>de</strong> para com o analista, e o apegoaos ganhos secundários da doença, percebe-se que, nesta forma paciente, o que po<strong>de</strong> restarpara explicar este tipo <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanecer doente só po<strong>de</strong> ser um sentimento <strong>de</strong>culpa inconsciente que age sobre o ego. Freud segue dizendo: “esse sentimento <strong>de</strong> culpaexpressa-se apenas como uma resistência à cura que é extremamente difícil <strong>de</strong> superar”(FREUD, 1923, p.62). E em seguida propõe que a atitu<strong>de</strong> do i<strong>de</strong>al do ego <strong>de</strong>termina agravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma neurose. É partindo <strong>de</strong>stas questões que ele se aproxima do exame dosentimento <strong>de</strong> culpa e, por fim, da <strong>melancolia</strong>.Um sentimento <strong>de</strong> culpa normal consciente se baseia na tensão entre o ego e osuperego. A con<strong>de</strong>nação do superego sobre o ego é o que o origina. Referindo-se à<strong>melancolia</strong> e à neurose obsessiva, Freud diz que: “Em duas enfermida<strong>de</strong>s muito conhecidas osentimento <strong>de</strong> culpa é superintensamente consciente; nelas, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego <strong>de</strong>monstra umaseverida<strong>de</strong> particular e com freqüência dirige sua ira contra o ego <strong>de</strong> maneira cruel.”(FREUD, 1923, p.63)Estamos agora mais próximos da <strong>melancolia</strong>, e da ambivalência, nossos objetos <strong>de</strong>estudo neste tópico. Nas linhas seguintes, Freud irá abordar estes pontos examinando arelação do superego com a <strong>melancolia</strong> e com a i<strong>de</strong>ntificação narcísica. Vejamos:Na <strong>melancolia</strong>, a impressão <strong>de</strong> que o superego obteve um ponto <strong>de</strong> apoio naconsciência (consciousness) é ainda mais forte. Mas aqui o ego não se arrisca afazer objeção; admite a culpa e submete-se ao castigo. [...] na <strong>melancolia</strong> o objeto aque a ira do superego se aplica foi incluído no ego mediante i<strong>de</strong>ntificação.(FREUD, 1923, p 64)A ira voltada para o objeto provém do superego e o objeto se inclui no ego pelaregressão à i<strong>de</strong>ntificação. Diante disso, o superego se volta contra o objeto, que agora resi<strong>de</strong>no interior do ego. Esta ira, que castiga tão severamente o ego, segundo Freud, é uma157
- Page 1 and 2:
MARCO ANTÔNIO ROTTA TEIXEIRAA CONC
- Page 3 and 4:
Dados Internacionais de Catalogaç
- Page 5 and 6:
AGRADECIMENTOSMeus sinceros agradec
- Page 7 and 8:
Ora, embora não haja dúvida de qu
- Page 9 and 10:
ABSTRACTTEIXEIRA, M. A. R. Freudian
- Page 11 and 12:
3.2. Ambivalência e melancolia....
- Page 13 and 14:
Ao analisar a trajetória de Iefimo
- Page 15 and 16:
Introdução ao estudo freudiano da
- Page 17 and 18:
apenas em 1917, Freud realiza um es
- Page 19:
Capítulo 1Da melancolia à depress
- Page 26 and 27:
uma visão baseada nos conflitos pe
- Page 28 and 29:
Cláudio Galeno de Pérgamo (129-20
- Page 30 and 31:
A melancolia era amplamente estudad
- Page 32 and 33:
No renascimento, gradualmente o rac
- Page 34 and 35:
Burton diz que a melancolia é uma
- Page 36 and 37:
conhecem mais profundamente o passa
- Page 38 and 39:
desacorrentamento dos alienados e i
- Page 40 and 41:
a ser completamente medicalizada e
- Page 42 and 43:
Nenhum tipo de regime de idéias ou
- Page 44 and 45:
psiquiatria, o que soa irônico, j
- Page 46 and 47:
1.3 Um olhar psicanalítico sobre a
- Page 48 and 49:
humanos. Tal estado, chamado vagame
- Page 50 and 51:
correlato de uma condição inerent
- Page 52 and 53:
não consiste em exorcizá-la, já
- Page 54 and 55:
construir uma teoria sobre estes es
- Page 56 and 57:
ecebe uma classificação - um tipo
- Page 58 and 59:
separação se justifica em sua pr
- Page 60 and 61:
melancolia e central no texto Luto
- Page 62 and 63:
confirmando. Abateu-se sobre o paci
- Page 64 and 65:
perda e ambivalência. O primeiro a
- Page 66 and 67:
intermediário, a uma sensação ex
- Page 68 and 69:
influenciados pelo médico; o que e
- Page 70 and 71:
elementos narcísicos e ambivalente
- Page 72 and 73:
Talvez encontraremos alguma pista p
- Page 74 and 75:
isto para nós é claro e evidente.
- Page 76 and 77:
Assim, este registro estaria direta
- Page 78 and 79:
Bleichmar (1983), em seu importante
- Page 80 and 81:
configuração simultânea do eu e
- Page 82 and 83:
Capítulo 2Metapsicologia I - Luto
- Page 84 and 85:
como psiquiátricos; entretanto, po
- Page 86 and 87:
Com a descoberta e a elaboração d
- Page 88 and 89:
noção qualitativa seria a que car
- Page 90 and 91:
internaliza as críticas morais atr
- Page 92 and 93:
psicopatológico, inaugura um model
- Page 94 and 95:
melancolia. Mas, em última instân
- Page 96 and 97:
de uma pessoa amada, ou à perda de
- Page 98 and 99:
De acordo com Freud (1917[1915]), q
- Page 100 and 101:
[...] cada vez que surgem as lembra
- Page 102 and 103:
Este objeto, que por algum motivo f
- Page 104 and 105:
permite ao sujeito abandonar a liga
- Page 106 and 107: Sempre se sente uma pessoa limitada
- Page 108 and 109: ele acrescenta a importância dos s
- Page 110 and 111: É impossível abandonar a relaçã
- Page 112 and 113: incentivo narcísico de continuar a
- Page 114 and 115: Capitulo 3Metapsicologia II - Os el
- Page 116 and 117: fenômeno central da relação anal
- Page 118 and 119: 3.1.1 Rumo ao conceito de narcisism
- Page 120 and 121: mãe; coloca-se em seu lugar, ident
- Page 122 and 123: amoroso de si próprio; seus instin
- Page 124 and 125: amor, é idealizado e engrandecido,
- Page 126 and 127: Um registro capital se introduz nes
- Page 128 and 129: externo e dos objetos. Para Freud,
- Page 130 and 131: os termos “vínculo narcísico”
- Page 132 and 133: admirado, uma confiança básica em
- Page 134 and 135: totalmente idealizada - como no cas
- Page 136 and 137: No capítulo VII, denominado “Ide
- Page 138 and 139: as características do objeto. Em r
- Page 140 and 141: a ser odiado é trazido para dentro
- Page 142 and 143: esvaziado e incapaz. A marca desta
- Page 144 and 145: ideal do ego deixa de existir, pode
- Page 146 and 147: de satisfazer ou sustentar as ideal
- Page 148 and 149: mais prejudicial ele será. A fórm
- Page 150 and 151: livro Freud afirma a existência de
- Page 152 and 153: voltará a este tema no capítulo s
- Page 154 and 155: As chamadas pulsões de morte, ao c
- Page 158 and 159: expressão do sadismo advindo da pu
- Page 160 and 161: Capítulo 4A concepção freudiana
- Page 162 and 163: ainda, em conjunção a qualquer es
- Page 164 and 165: prostração diante deste. O desamp
- Page 166 and 167: simbólico. Klein, e depois Winnico
- Page 168 and 169: situações afetaram a estrutura do
- Page 170 and 171: No segundo caso, aquele de situaç
- Page 172 and 173: Mais do que procurar responder dire
- Page 174 and 175: Vetter (1969) considera o fenômeno
- Page 176 and 177: através da, agora possível, quím
- Page 178 and 179: premissa de que estes estados são
- Page 180 and 181: narcisismo do momento inicial da vi
- Page 182 and 183: FARINHA, S. A depressão na atualid
- Page 184 and 185: _____ (1939[1934-1938]). Moisés e
- Page 186: PERES, U. T. Melancolia. São Paulo