As chamadas pulsões <strong>de</strong> morte, ao contrário, não são facilmente constatáveis e têm comoobjetivo o retorno da vida ao estado original inanimado, ou seja, o estado inorgânico. OSadismo é o principal representante <strong>de</strong>sta segunda classe, que consiste em uma forma <strong>de</strong>neutralizar seus impulsos e <strong>de</strong>sviá-los para o mundo externo. Assim a “pulsão <strong>de</strong> morte” seexpressa como pulsão <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição dirigida contra o mundo externo e outros organismos: “Osurgimento da vida seria, então, a causa da continuação da vida e também, ao mesmo tempo,do esforço no sentido da morte. E a própria vida seria um conflito e uma conciliação entreessas duas tendências” (FREUD, 1923, p.53).E ele postula ainda que estas duas classes <strong>de</strong> pulsões fun<strong>de</strong>m-se, misturam-se e ligamse,e que isto acontece <strong>de</strong> modo regular e extensivo. Do contrário, ocorre também uma<strong>de</strong>sfusão mais ou menos completa <strong>de</strong>stas pulsões. Freud acredita que é através da fusão dascélulas dos organismos que os instintos <strong>de</strong> morte são neutralizados e <strong>de</strong>sviados do interior doorganismo. Uma constatação da fusão das pulsões po<strong>de</strong> ser observada no componente sádicodos instintos sexuais. Cabe perceber aí, diz Freud, que, para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga (satisfação),habitualmente a pulsão <strong>de</strong> morte se coloca a serviço <strong>de</strong> Eros.Já no caso do sadismo puro encontrado nas perversões, por exemplo, temos umacondição que revela uma situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfusão entre a pulsão <strong>de</strong> morte e <strong>de</strong> vida e que resultano surgimento pronunciado da pulsão <strong>de</strong> morte e estabelece relações com algumas neuroses.Neste ponto ela se faz imprescindível para a compreensão da <strong>melancolia</strong>.Na regressão da libido ao ego, o que se observa é uma <strong>de</strong>sfusão das pulsões, e, <strong>de</strong>modo reverso, na progressão <strong>de</strong>stas – como <strong>de</strong> uma fase anal para a genital – tem-se umincremento <strong>de</strong> pulsões eróticas. Estas noções sobre a dinâmica das pulsões são <strong>de</strong> extremaimportância para compreen<strong>de</strong>rmos o que Freud enten<strong>de</strong> por ambivalência afetiva, que, comovimos em Luto e Melancolia (FREUD, 1917[1915], p.256), exerce papel importante naneurose melancólica.Freud afirma que provavelmente a ambivalência consistiria em uma fusão pulsionalque não se completou. A partir da observação clínica ele realiza a seguinte constatação:Ora, a observação clínica <strong>de</strong>monstra não apenas que o amor, com inesperadaregularida<strong>de</strong>, se faz acompanhar pelo ódio (ambivalência), e que, nosrelacionamentos humanos, o ódio é freqüentemente um precursor do amor, mastambém que, num certo número <strong>de</strong> circunstâncias, o ódio se transforma em amor eo amor em ódio (FREUD, 1923, p.55).Baseado nesta afirmação, Freud adverte que não po<strong>de</strong>mos presumir umatransformação direta <strong>de</strong> amor em ódio. Há <strong>de</strong> se supor a existência <strong>de</strong> uma energia neutra e<strong>de</strong>slocável, que po<strong>de</strong> ser adicionada aos impulsos eróticos ou <strong>de</strong>strutivos. Esta energia,154
disponível no ego e no id, seria Eros <strong>de</strong>ssexualizado, que proce<strong>de</strong> do estoque narcísico <strong>de</strong>libido, que é colocada a serviço do princípio do prazer, para neutralizar bloqueios e facilitar<strong>de</strong>scargas (FREUD, 1923, p.57). Esta energia <strong>de</strong>slocável é libido <strong>de</strong>ssexualizada e po<strong>de</strong> ser<strong>de</strong>scrita como energia sublimada por reter a finalida<strong>de</strong> principal <strong>de</strong> Eros, que é unir e ligar, ouuma tendência à unida<strong>de</strong>, característica do ego. No processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, em que o egoretira para si as primeiras cargas <strong>de</strong> investimento da libido objetal provinda do id, e semodifica, constata-se o processo <strong>de</strong> transformação da libido erótica em libido do ego,envolvendo uma <strong>de</strong>ssexualização, um abandono dos objetivos sexuais (FREUD, 1923, p.58).Isto <strong>de</strong>nota uma importante função do ego em relação a Eros:Apo<strong>de</strong>rando-se assim da libido das catexias do objeto, erigindo-se em objetoamoroso único, e <strong>de</strong>ssexualizando ou sublimando a libido do id, o ego estátrabalhando em oposição aos objetivos <strong>de</strong> Eros, e colocando-se a serviço <strong>de</strong>impulsos instintuais opostos (FREUD, 1923, p. 58).Desta forma, esta função do ego auxiliaria o id a lidar com as tensões provocadas pelalibido – a força que introduz distúrbios no processo da vida – e com o princípio do prazer (atendência a evitar o <strong>de</strong>sprazer). Este auxílio do ego ao id consistiria na sublimação <strong>de</strong> umpouco <strong>de</strong>ssa libido. O movimento que faz o ego se apo<strong>de</strong>rar da catexia <strong>de</strong> libido objetal e seimpor ao id como objeto amoroso, o narcisismo do ego, é, segundo Freud, um narcisismosecundário que foi retirado dos objetos. Outra maneira, ou a primeira e mais imediata, <strong>de</strong> o idlidar com a libido, é procurando a satisfação <strong>de</strong>sta libido <strong>de</strong> maneira não <strong>de</strong>ssexualizada.3.2.3 Culpa e <strong>melancolia</strong>O quinto e último capítulo, “As relações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do ego”, encerra este trabalho <strong>de</strong>Freud e faz algumas referências mais específicas à <strong>melancolia</strong> e à neurose obsessiva. O queestá em pauta nesta parte é o sentimento <strong>de</strong> culpa que, segundo Freud, advém do superego eestá relacionado às neuroses. Logo no início <strong>de</strong>ste capítulo, encontramos uma boa síntesesobre a segunda tópica, isto é, o id, ego e superego:[...] o ego é formado, em gran<strong>de</strong> parte, a partir <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificações que tomam o lugar<strong>de</strong> catexias abandonadas pelo id; [...] a primeira <strong>de</strong>stas i<strong>de</strong>ntificações sempre secomporta como uma instância especial no ego e <strong>de</strong>le se mantém à parte sob forma<strong>de</strong> um superego [...] (FREUD, 1923, p.61).E, mais especificamente, sobre o superego: “[...] por um lado ele foi a primeirai<strong>de</strong>ntificação que se efetuou enquanto o ego era fraco; por outro, é o her<strong>de</strong>iro do complexo<strong>de</strong> Édipo e, assim, introduziu os objetos mais significativos no ego.” (FREUD, 1923, p.61).155
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