voltará a este tema no capítulo seguinte – “As duas classes <strong>de</strong> instintos” – que também seráabordado por nós mais adiante.Neste momento nos <strong>de</strong>paramos com uma questão: aqui Freud atribui ao id o gran<strong>de</strong>reservatório <strong>de</strong> libido. Sabemos que em vários momentos diferentes Freud afirmou que ora oreservatório <strong>de</strong> libido seria o id, ora o ego. Strachey soluciona esta questão no apêndice <strong>de</strong>stemesmo livro, afirmando que o id seria a fonte da libido e o ego o reservatório. Desse modo, alibido partiria do Id e, após abandonar os objetos, voltaria para ele, formando assim seucaráter.Freud tece todas estas consi<strong>de</strong>rações para na verda<strong>de</strong> estabelecer uma origem para asua nova instancia psíquica, o superego. Sua origem é atribuída à primeira e mais importantei<strong>de</strong>ntificação na vida <strong>de</strong> uma pessoa – a i<strong>de</strong>ntificação do sujeito com seus pais ou cuidadoresresponsáveis. Esta i<strong>de</strong>ntificação aconteceria <strong>de</strong> forma direta, sem proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma catexialibidinal <strong>de</strong> objeto, sendo <strong>de</strong>pois, secundariamente, reforçada pelas i<strong>de</strong>ntificações regressivas.Esta origem é atribuída ao momento do complexo <strong>de</strong> Édipo na seguinte sentença: “o superegoé o her<strong>de</strong>iro do complexo <strong>de</strong> Édipo” (FREUD, 1923, p.48). O superego é <strong>de</strong>finido como frutodas proibições edipianas internalizadas no ego, que se instala como uma parte diferenciada emseu interior por intermédio das i<strong>de</strong>ntificações com o pai e com a mãe. No entanto, o superegonão é apenas a instância coibidora; na verda<strong>de</strong>, ele assume dupla função: o <strong>de</strong> i<strong>de</strong>al e o <strong>de</strong>proibição. A primeira é expressa na máxima ”você <strong>de</strong>veria ser assim” (como o seu pai); nestesentido, o superego seria entendido como <strong>de</strong>tentor dos mo<strong>de</strong>los e i<strong>de</strong>ais que o sujeito seesforçará para atingir ou alcançar. Esta <strong>concepção</strong> vai ao encontro <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentosanteriores; no entanto, aparece sob o nome <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>al do ego”.A segunda função atribuída ao superego é a <strong>de</strong> proibição – “você não po<strong>de</strong> ser assim”(como o seu pai, no sentido <strong>de</strong> ocupar o seu lugar). Diz-se que o ego internalizou as leis doÉdipo, que é também a lei da cultura: a proibição ao incesto e o parricídio. Destainternalização resultaria o superego:“Muito certo”, po<strong>de</strong>mos dizer, ”e aqui temos a natureza mais alta, neste i<strong>de</strong>al doego ou superego, o representante <strong>de</strong> nossas relações com nossas relações comnossos pais. Quando éramos criancinhas, conhecemos essas naturezas maiselevadas, admiramo-las e tememo-las, e, posteriormente, colocamo-las em nósmesmos.” (FREUD, 1923, p.48).Freud <strong>de</strong>fine, então, o ego ─ enquanto parte diferenciada do id ─ como representanteda realida<strong>de</strong> e do mundo externo, enquanto o superego – parte diferenciada do ego ─ é orepresentante do mundo interno, isto é, dos impulsos do id: “Erigindo esse i<strong>de</strong>al do ego, o ego152
dominou o complexo <strong>de</strong> Édipo e, ao mesmo tempo, colocou-se em sujeição ao id” (FREUD,1923, p.49).Definidas as instâncias psíquicas, suas origens e funções, ele passa a examinar mais<strong>de</strong>talhadamente as relações entre elas. O sentimento <strong>de</strong> culpa, tão comum nos tiposneuróticos, seria uma expressão <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas relações: um conflito entre o ego e o superego,ou, <strong>de</strong> outra forma, um conflito entre mundo externo (representado pelo ego) e interno(representado pelo id e o superego), entre o real e o psíquico. O sentimento <strong>de</strong> culpaconsistiria em uma tensão entre o ego e as exigências e proibições do superego. Uma tensãoentre as proibições e exigências do superego e os <strong>de</strong>sempenhos concretos do ego seriaexperimentada pelo sujeito com sentimento inconsciente <strong>de</strong> culpa:O superego retém o caráter do pai, enquanto que quanto mais po<strong>de</strong>roso o complexo<strong>de</strong> Édipo e mais rapidamente sucumbir à repressão (sob a influência da autorida<strong>de</strong>do ensino religioso, da educação escolar e da leitura), mais severa seráposteriormente a dominação do superego sobre o ego, sob forma <strong>de</strong> consciência(conscience) ou, talvez, <strong>de</strong> um sentimento inconsciente <strong>de</strong> culpa (FREUD, 1923,p.47).O superego, como sabemos, é a parte do ego que aparece como punitiva, ainda que <strong>de</strong>forma pouco <strong>de</strong>finida, no capítulo XI <strong>de</strong> Psicologia <strong>de</strong> grupo e análise do ego. Freudrelaciona, neste viés, as auto-acusações do melancólico ao superego: é ele o responsável pelasacusações voltadas ao objeto que, na <strong>melancolia</strong>, acaba se voltando contra o próprio ego. Pois,em função da i<strong>de</strong>ntificação com o objeto perdido, este último passa a residir introjetado <strong>de</strong>ntrodo ego. Esta noção será ampliada com a introdução do conceito <strong>de</strong> pulsão <strong>de</strong> morte, comoveremos a seguir.3.2.2 A <strong>melancolia</strong> e a pulsão <strong>de</strong> morte“As duas classes <strong>de</strong> Instinto” é o nome do capítulo IV <strong>de</strong>ste trabalho <strong>de</strong> Freud, no qualele trata dos instintos <strong>de</strong> morte e vida (Eros) e das relações <strong>de</strong>stes com o id, o ego e osuperego. Neste capítulo, interessa-nos a explicação que ele oferece para a ambivalência e ossentimentos <strong>de</strong> culpa.Inicialmente Freud apresenta sua nova visão das pulsões recentemente <strong>de</strong>senvolvidaem Além do Principio do Prazer, em 1920. Parte da premissa <strong>de</strong> que as pulsões são divididasem duas gran<strong>de</strong>s classes, sendo Eros, que abrange tanto as pulsões sexuais <strong>de</strong>sinibidas, quantoas inibidas em seu fim, como também as pulsões <strong>de</strong> autoconservação, a classe mais acessívelà observação e ao estudo. Ele tem a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligação, expansão e preservação da vida.153
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