livro Freud afirma a existência <strong>de</strong> um conflito inato <strong>de</strong>corrente da ambivalência, querepresenta a eterna luta entre as tendências <strong>de</strong> amor e ódio, isto é, a luta entre os instintos <strong>de</strong>vida e os instintos <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição ou morte. O sentimento <strong>de</strong> culpa é <strong>de</strong>finido como a expressãoda tensão entre estas duas tendências opostas (FREUD, 1930). Cabe lembrar que aambivalência é comumente associada por Freud ao sentimento <strong>de</strong> culpa presente nas neuroses,e, como vimos, na <strong>melancolia</strong>. Assim, o conflito <strong>de</strong>vido à ambivalência assume um papel vitalna formação <strong>de</strong> muitas neuroses como na <strong>melancolia</strong>, na neurose obsessiva, na histeria e naparanóia. O homem resolve seu conflito entre o amor e ódio, ou entre Eros e morte,projetando a hostilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>slocando inicialmente para um objeto amado e, <strong>de</strong>pois estabelecetabus para se proteger da opressão vinda <strong>de</strong> fora. A ambivalência, segundo já assinalamos, foiconsi<strong>de</strong>rada por Freud presentes em todos os indivíduos, no entanto “é o fator quantitativoque tem importância na psicopatologia” (NAGERA, 1981, p.131).A ambivalência é a coexistência <strong>de</strong> sentimentos opostos <strong>de</strong> amor e ódio presente emtoda relação <strong>de</strong> objeto. Em uma relação estável com o objeto, estes sentimentos opostos –expressão das pulsões opostas <strong>de</strong> vida e morte – estão unidos sob a primazia do amor. Aocontrário, em uma relação na qual a predominância seja o ódio, existe também, <strong>de</strong> maneirasubjacente, sentimento <strong>de</strong> amor. Esta união po<strong>de</strong> ser abalada pela ocasião da perda, pondo emmarcha uma <strong>de</strong>sunião pulsional (LAPLANCHE, 1987, p.307). Em resumo, estas são as idéias<strong>de</strong>senvolvidas e aprofundadas no texto que estudaremos a seguir. Abordaremosprincipalmente o livro O ego e o id (1923), por nele conter o essencial sobre o assunto daambivalência e por relacioná-la imediatamente com os sentimentos <strong>de</strong> culpa e com a<strong>melancolia</strong>.3.2.1 Melancolia, sadismo e culpa: as relações entre o Id, o Ego e o SuperegoAs contribuições trazidas por Freud no livro O ego e o id (1923) são <strong>de</strong> fundamentalimportância não só para a compreensão da <strong>concepção</strong> <strong>freudiana</strong> <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>, mas tambémpor introduzir <strong>de</strong>finitivamente a segunda tópica, abarcando os aspectos estruturais, dinâmicose econômicos do aparelho psíquico. A psicanálise incorporou tão solidamente estas idéias queé quase impossível imaginar um trabalho psicanalítico que não se refira em algum momentoao ego, ao id e ao superego e à dinâmica entre estas estruturas. Tanto na vida psíquica normal,quanto nas psicopatologias, elas nos ajudam a pensar e a enten<strong>de</strong>r como se relacionam osdiferentes e contraditórios elementos presentes na vida psíquica.150
No início do capítulo III <strong>de</strong> O ego e o id (1923), Freud apresenta pela primeira vez aidéia <strong>de</strong> uma parte diferenciada do ego sob o nome <strong>de</strong> “superego”; e esta idéia vinha sendoesboçada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o narcisismo sob o nome <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>al do ego”. Aqui, Freud afirma que osuperego está vinculado ao inconsciente. E novamente, como em outros trabalhos, através da<strong>melancolia</strong>, elucida e compreen<strong>de</strong> processos da mente normal.Neste caso, ele afirma que o processo típico da <strong>melancolia</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação – a saber,diante da perda <strong>de</strong> uma ligação libidinal com um objeto, substituir esta ligação pela instalaçãodo objeto no interior do ego – é muito comum e típico na dinâmica psíquica, e está na base daformação do “caráter” do ego. E neste processo um investimento objetal é substituído por umai<strong>de</strong>ntificação.O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação já havia sido <strong>de</strong>finido em Psicologia <strong>de</strong> grupos como aforma mais antiga <strong>de</strong> relação entre o sujeito e o objeto. Aqui, Freud afirma que, na fase oralprimitiva, a mais inicial do <strong>de</strong>senvolvimento, um investimento libidinal <strong>de</strong> objeto e ai<strong>de</strong>ntificação são indistinguíveis. Ou seja, no início da vida, a ligação do bebê com sua mãe ébaseado numa indiferenciação, “o bebê está i<strong>de</strong>ntificado com sua mãe”. Já num segundomomento, as catexias <strong>de</strong> objeto que provenham do id, <strong>de</strong>vido às tendências eróticas, obriga oego a sujeitar-se a elas.No processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, que acompanha o momento <strong>de</strong> o sujeito ter <strong>de</strong>abandonar um objeto, a pessoa instala o objeto <strong>de</strong>ntro do ego, causando assim uma alteraçãonele. Neste sentido, Freud revela que é “possível supor que o caráter do ego é um precipitado<strong>de</strong> catexias objetais abandonadas e que ele contém a história <strong>de</strong>ssas escolhas <strong>de</strong> objeto”(FREUD, 1923, p. 42). Ora, ele nos chama atenção para o fato <strong>de</strong> que a formação do ego se dáatravés da i<strong>de</strong>ntificação com seus objetos <strong>de</strong> ligação libidinal.O ego, frente a isto, através do movimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, tenta obter controle sobreo id, mesmo tendo que sujeitar-se às exigências <strong>de</strong>ste último:Quando o ego assume as características do objeto, ele está-se forçando, por assimdizer, ao id como um objeto <strong>de</strong> amor e tentando compensar a perda do id, dizendo:“Olhe, você também po<strong>de</strong> me amar, sou semelhante ao objeto” (FREUD, 1923,p.43).A este processo – substituição da catexia objetal por uma i<strong>de</strong>ntificação - Freud referesecomo uma transformação da libido do objeto em libido narcísica. Logo em seguida, supõeque talvez todo processo <strong>de</strong> sublimação assemelhe-se a esse processo em que o egotransformaria a libido objetal em narcísica, e <strong>de</strong>pois forneceria outro objetivo a ela. O autor151
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