<strong>de</strong> satisfazer ou sustentar as i<strong>de</strong>alizações narcisistas do sujeito. Já mostramos anteriormenteque a perda do melancólico não constitui uma perda concreta, mas uma perda da satisfação do<strong>de</strong>sejo narcísico; o objeto é indigno <strong>de</strong> amor por <strong>de</strong>cepcionar em alguma medida as exigênciasnarcísicas do sujeito: “O ego seria incitado à rebelião pelo mau tratamento por parte <strong>de</strong> seui<strong>de</strong>al, mau tratamento que ele encontra quando houve uma i<strong>de</strong>ntificação com um objetorejeitado” (FREUD, 1921, p.143).Com esta conjetura, Freud encerra este capítulo, que nos trouxe como contribuição aidéia <strong>de</strong> que, na <strong>melancolia</strong>, o i<strong>de</strong>al do ego é o seu punidor, sendo a fonte das autorecriminaçõesdirigidas originalmente ao objeto que se encontra agora introjetado no ego.Trouxe também a idéia <strong>de</strong> uma suspensão da função do i<strong>de</strong>al do ego tendo comoconseqüência a mania, on<strong>de</strong> o ego, livre <strong>de</strong> sua parte severa e punitiva, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> umtriunfo, da abolição <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração pelos outros e <strong>de</strong> auto-censuras.Formulamos, com base nestas contribuições, a idéia <strong>de</strong> que o melancólico é movido pelo<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser novamente seu i<strong>de</strong>al; que <strong>de</strong>seja habitar um estado <strong>de</strong> não diferenciação entre oego e o seu i<strong>de</strong>al, procurando sempre alcançar um estado altamente i<strong>de</strong>alizado. A mania seriao momento <strong>de</strong> concretização <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>sejo. Ao se ligar narcisicamente no objeto, o sujeito ofaz buscando realizar este <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> indiferenciação, colocando tal objeto em um lugari<strong>de</strong>alizado, ou seja, no lugar <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego. O fracasso da realização das expectativasi<strong>de</strong>alizadas na relação com o objeto obriga o ego a se i<strong>de</strong>ntificar com este objeto, que eraresponsável por realizar seus <strong>de</strong>sejos inalcançáveis. No entanto, o objeto, agora i<strong>de</strong>alizado aocontrário, isto é, não mais como sublime, mas como fracassado ou <strong>de</strong>cepcionante, passa a serum objeto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação que não enriquece o ego, mas que evi<strong>de</strong>ncia o seu fracasso. Criase,assim, uma situação <strong>de</strong> tensão extrema entre o ego e o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego. Toda esta situação nosremete imediatamente ao conceito <strong>de</strong> narcisismo, peça chave e fundamental para alcançarmosum entendimento <strong>de</strong>stas questões. Antes <strong>de</strong> encerrar, iremos fazer algumas consi<strong>de</strong>raçõessobre a i<strong>de</strong>alização e <strong>melancolia</strong>.Freud (1917[1915]) percebeu que, na <strong>melancolia</strong>, sempre há uma perda em suaorigem. Tal perda, porém, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> natureza mais i<strong>de</strong>al do que real. “O que” é perdido, nocaso da <strong>melancolia</strong>, vai além <strong>de</strong> uma perda real, <strong>de</strong> uma morte. O que se encontra é uma perda<strong>de</strong> um objeto investido e i<strong>de</strong>alizado narcisicamente, ou a perda <strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al.Trata-se <strong>de</strong> perdas que o melancólico não po<strong>de</strong> conceber, e, menos ainda, perceber.Quando, por exemplo, em uma relação i<strong>de</strong>alizada somente como boa – na qual osaspectos ruins não po<strong>de</strong>m estar presentes – os aspectos in<strong>de</strong>sejáveis vêm à tona e não po<strong>de</strong>mser negados, po<strong>de</strong> ocorrer uma perda da satisfação do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> uma relação só boa, ou do146
objeto i<strong>de</strong>alizado somente como bom. Neste caso vemos não uma perda real, <strong>de</strong> uma morte,por exemplo, mas <strong>de</strong> uma relação i<strong>de</strong>alizada.A <strong>melancolia</strong> seria comum, portanto, em situações <strong>de</strong> perdas, <strong>de</strong>sapontamento,<strong>de</strong>silusão, fracassos, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração e <strong>de</strong>sprezo. A estas situações, po<strong>de</strong>mos acrescentarfortes i<strong>de</strong>alizações no vínculo com o objeto. Nas palavras <strong>de</strong> Freud (1914, p. 113), ai<strong>de</strong>alização “é um processo que ocorre com o objeto e por meio do qual o objeto éengran<strong>de</strong>cido e exaltado, sem sofrer alterações em sua natureza”.Não sejamos puristas a ponto <strong>de</strong> julgar a i<strong>de</strong>alização como um processo negativo, quesempre acabará em <strong>melancolia</strong>. Na verda<strong>de</strong>, uma quantia <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização é necessária e atésaudável. O problema é sua predominância – uma i<strong>de</strong>alização extremada, absoluta etotalitária. Aqui também há uma questão <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>: quanto maior a i<strong>de</strong>alização maior adistância do objeto real, ou da realida<strong>de</strong> da relação com o objeto. Lembremos que existemmuitas situações nas quais a i<strong>de</strong>alização é um traço importante e necessário.Outro aspecto da i<strong>de</strong>alização é o da qualida<strong>de</strong>. Quando o objeto tem <strong>de</strong> ser todo bom,ou quando aquela saída para tal problema é a única, ou quando aquele é o único emprego e aúnica opção e nenhum outro serve etc., vemos i<strong>de</strong>alizações do tipo totalitárias, que valorizamapenas um aspecto parcial como a totalida<strong>de</strong>, com exclusivida<strong>de</strong>. Isto acarreta que, frente asituações que obriguem a pessoa a <strong>de</strong>si<strong>de</strong>alizar – sempre presentes na vida, já que asi<strong>de</strong>alizações não po<strong>de</strong>m permanecer intocadas para todo o sempre – o sujeito se verácondicionado aos aspectos i<strong>de</strong>alizados.Analisemos alguns exemplos: a pessoa i<strong>de</strong>aliza a vaga <strong>de</strong> trabalho para a qual está secandidatando como a única possível em sua vida, como aquela que viria salvá-la <strong>de</strong> todos osproblemas etc, como uma chance única e imperdível; “se não <strong>de</strong>r certo, não sei o que será <strong>de</strong>minha vida”, diz ela. E ela não consegue a hipotética vaga. Quando se <strong>de</strong>parar com a situação<strong>de</strong> não conseguir o emprego, sentirá que per<strong>de</strong>u a única chance <strong>de</strong> sua vida, que nenhumaoutra possibilida<strong>de</strong> existe, e provavelmente se fragilizará. Ou então o homem que i<strong>de</strong>aliza aparceira como o único sentido <strong>de</strong> sua existência, a única mulher que po<strong>de</strong> entendê-lo esatisfazê-lo, passa a não fazer mais nada a não ser pensar e <strong>de</strong>dicar-se a ela. Trabalha por ela,vive por ela, <strong>de</strong>ixa os amigos <strong>de</strong> lado. Ao ser <strong>de</strong>ixado por esta parceira, ele se verá semnenhum sentido para sua vida, que provavelmente terá <strong>de</strong> reconstruir a duras penas. Ou aindaa dona <strong>de</strong> casa que <strong>de</strong>dicou a sua vida àquele marido que é o melhor do mundo. Ao ser<strong>de</strong>ixada por ele, verá sua vida ameaçada e sem sentido.A i<strong>de</strong>alização é uma questão <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>. Quantida<strong>de</strong>, porque quantomaior a i<strong>de</strong>alização, menor será a qualida<strong>de</strong> do vínculo estabelecido com o objeto e, portanto,147
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