a ser odiado é trazido para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> “casa”, tornando o ambiente do lar um local inóspito e <strong>de</strong>constante conflito, que acabaria dividido em duas partes: uma que julga e outra quepermanece subjugada. Segundo Freud, o ego está i<strong>de</strong>ntificado com o objeto odiado, isto é,introjetou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si o objeto perdido. O conflito seria autenticamente contra um outro,abrigado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si. Neste ponto sabemos o nome daquele que acusa e maltrata: i<strong>de</strong>al doego, uma instância que reúne não só proibições, mas também exigências do meio externo.Desse modo, i<strong>de</strong>ntificação e i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego se encontram. O abandono do objeto externo e suaintrojeção no ego provocam a separação <strong>de</strong>ssa parte do ego que contém o objeto; assim, aparte separada assume a função <strong>de</strong> i<strong>de</strong>al do ego ou torna-se o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego (MELTZER, 1989,p.171).Esta idéia, da exigência internalizada agindo sobre o ego e seus objetos, abre umcampo importante <strong>de</strong> problematização em torno da <strong>melancolia</strong>. Pois é possível pensar que oódio possa ser fruto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cepção, ou seja, que havia <strong>de</strong> antemão exigências voltadas paraum objeto que “fracassou” em atendê-las. Ao introjetar o objeto no ego, este também passa aser fracassado diante <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>al do ego. O ódio e a culpa estariam então aliados ao fracasso.Seria, pois, cabível afirmar que uma exigência <strong>de</strong> que não exista distância entre o ego e o seui<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego causaria uma busca, constante no sujeito, por diminuir tal distância, por satisfazertodas as exigências do i<strong>de</strong>al e, finalmente, para ser <strong>de</strong> novo o seu próprio i<strong>de</strong>al. Projeto <strong>de</strong>retorno narcísico, impossível <strong>de</strong> ser realizado, tornando o sujeito susceptível à <strong>melancolia</strong>.3.1.7 I<strong>de</strong>alização, i<strong>de</strong>al do ego e <strong>melancolia</strong>O capítulo VIII é intitulado “Estar amando e hipnose”, e volta-se, entre outrasquestões, para o fenômeno da i<strong>de</strong>alização do objeto. Freud examina o amor e o compara coma hipnose e a formação <strong>de</strong> grupos. A sua tese é a <strong>de</strong> que, entre estes três estados – <strong>de</strong> estaramando, estar hipnotizado e fazer parte <strong>de</strong> uma formação <strong>de</strong> grupo – encontramos umacaracterística em comum: o ser amado, o hipnotizador e o lí<strong>de</strong>r do grupo constituem objetosi<strong>de</strong>alizados para o sujeito, isto é, pessoas que foram colocadas no lugar do i<strong>de</strong>al do ego. Sãoobjetos que <strong>de</strong>sfrutam, da parte do sujeito, <strong>de</strong> certa liberda<strong>de</strong> quanto à crítica, e que sãosupervalorizadas; suas características e qualida<strong>de</strong>s são elevadas e altamente valorizadas pelosujeito.No texto sobre o narcisismo, Freud (1914, p.112-13) <strong>de</strong>fine a i<strong>de</strong>alização como umprocesso que ocorre com o objeto, por meio do qual ele é psiquicamente engran<strong>de</strong>cido eexaltado na mente do sujeito, sem sofrer alteração em sua natureza. Já neste capítulo, em140
1921, Freud retoma este ponto propondo a seguinte fórmula: o objeto foi colocado no lugardo i<strong>de</strong>al do ego:A tendência que falsifica o julgamento nesse respeito é a i<strong>de</strong>alização. Agora,porém, é mais fácil encontrarmos nosso rumo. Vemos que o objeto está sendotratado da mesma maneira que nosso próprio ego, <strong>de</strong> modo que, quando estamosamando, uma quantida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> libido narcisista transborda para o objeto.Em muitas formas <strong>de</strong> escolha amorosa, é fato evi<strong>de</strong>nte que o objeto serve <strong>de</strong>sucedâneo para algum inatingido i<strong>de</strong>al do ego <strong>de</strong> nós mesmos. Nós o amamos porcausa das perfeições que nos esforçamos por conseguir para o nosso próprio ego eque agora gostaríamos <strong>de</strong> adquirir, <strong>de</strong>ssa maneira indireta, como meio <strong>de</strong> satisfazernosso narcisismo (FREUD, 1921, p.122).A forma <strong>de</strong> escolha amorosa a que Freud se refere nesta passagem é a escolhanarcísica, aquele tipo específico <strong>de</strong> investimento objetal que foi <strong>de</strong>senvolvido no texto sobre onarcisismo. Uma escolha que visa à satisfação do narcisismo e <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al inatingível. Sefizermos a ligação entre estas afirmações e a <strong>melancolia</strong>, lembraremos rapidamente que umadas características presentes nela é a <strong>de</strong> que o tipo <strong>de</strong> ligação com o objeto é narcísico, isto é,o melancólico realizou uma escolha narcísica <strong>de</strong> objeto. Finalmente chegamos a um achadoimportante: se o vínculo narcísico é um vínculo no qual o objeto se torna i<strong>de</strong>alizado, no casoda <strong>melancolia</strong>, o objeto perdido ou abandonado pelo sujeito teria sido também i<strong>de</strong>alizado. Etalvez mais um passo seja dado neste momento no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir que, na <strong>concepção</strong><strong>freudiana</strong> <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>, temos uma <strong>de</strong>cepção para com o objeto que leva o sujeito aabandoná-lo, e que este abandono ocorre por insatisfação na relação i<strong>de</strong>alizada com o objeto,vista como perfeita, e on<strong>de</strong> não há discriminação entre ego e objeto; um projeto <strong>de</strong> fusãoamorosa sem limites e sem críticas. Estabelece-se uma relação que se constitui com basesnarcísicas, visando à satisfação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais narcisistas do self, e tornando, assim, o objetoi<strong>de</strong>alizado. O objeto não é reconhecido enquanto tal, mas como uma maneira <strong>de</strong> satisfazer asi<strong>de</strong>alizações. Destacamos, pois, que, <strong>de</strong> alguma forma, o objeto escolhido narcisicamente<strong>de</strong>ve ter características para po<strong>de</strong>r conter a i<strong>de</strong>alização. O i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego é responsável, segundoFreud, pelo teste <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, por verificar a realida<strong>de</strong> das coisas. O ego toma uma percepçãocomo real se a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la é confirmada pela instância mental chamada i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego. Se osujeito i<strong>de</strong>aliza as características do objeto, tem-se então uma forma <strong>de</strong> tomar o objetosegundo seus próprios i<strong>de</strong>ais, uma forma narcísica <strong>de</strong> se relacionar. A i<strong>de</strong>alização seria entãoum elemento qualitativo da vinculação narcísica.Nesta situação, quanto mais o objeto é investido narcisicamente e i<strong>de</strong>alizado, mais oego se torna <strong>de</strong>spretensioso e mo<strong>de</strong>sto e o objeto, mais sublime e precioso. É uma situação emque o objeto fica com todas as características i<strong>de</strong>alizadas e almejadas e o sujeito permanece141
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