No capítulo VII, <strong>de</strong>nominado “I<strong>de</strong>ntificação”, Freud examina as diferentes formas <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificação e utiliza a <strong>melancolia</strong> como um exemplo da forma narcísica, na qual ocorre umaregressão do amor objetal para a i<strong>de</strong>ntificação. Cabe <strong>de</strong>stacar aqui que este capítulo é oprimeiro momento em que ele oferece uma <strong>de</strong>scrição sistematizada da i<strong>de</strong>ntificação e do i<strong>de</strong>aldo ego. Portanto, o capítulo é fundamental na evolução da psicanálise (MELTZER, 1989,p.170).Ao introduzir o conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, Freud (1921, p.115) afirma que “Ai<strong>de</strong>ntificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão <strong>de</strong> um laçoemocional com outra pessoa”. Assim, notamos como a i<strong>de</strong>ntificação não é meramente umconceito que diz respeito a uma dinâmica patológica do psiquismo, mas começa a ser pensadacomo a forma básica e primitiva <strong>de</strong> comunicação e ligação entre os seres humanos, sendo,assim, <strong>de</strong>finida como necessária ao psiquismo. Em O ego e o id, Freud (1923, p.41-42) passaa consi<strong>de</strong>rar o conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação não somente necessário, mas principalmenteconstitutivo do aparelho psíquico. Vale aqui reproduzir a passagem <strong>de</strong>ste livro que, emborapublicado apenas dois anos mais tar<strong>de</strong>, nos ajuda a compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> imediato a importância doconceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação:Alcançamos sucesso em explicar o penoso distúrbio da <strong>melancolia</strong> supondo[naqueles que <strong>de</strong>la sofrem] que um objeto que fora perdido foi instalado novamente<strong>de</strong>ntro do ego, isto é, que uma catexia do objeto foi substituída por umai<strong>de</strong>ntificação. Nessa ocasião, contudo, não apreciamos a significação plena <strong>de</strong>sseprocesso e não sabíamos quão comum e típico ele é. Des<strong>de</strong> então, viemos a saberque esse tipo <strong>de</strong> substituição tem gran<strong>de</strong> parte na <strong>de</strong>terminação na forma tomadapelo ego, e efetua uma contribuição essencial no sentido <strong>de</strong> construção do que échamado <strong>de</strong> seu caráter.A princípio, na fase oral primitiva do indivíduo, a catexia do objeto e ai<strong>de</strong>ntificação são, sem dúvida, indistinguíveis uma da outra (FREUD, 1923, p.41-42).Segundo Meltzer (1989, p.171), Freud parece estar se referindo a algo que aconteceem um momento muito inicial do <strong>de</strong>senvolvimento, em que self e objeto não estãodistinguidos e, portanto, a relação <strong>de</strong> objeto libidinal e a i<strong>de</strong>ntificação também seriamindiscrimináveis. Talvez, sugere Meltzer, seja este o momento, com tais características e comuma dinâmica específica, que Freud chama <strong>de</strong> “narcisismo primário”. A apreciação <strong>de</strong>Meltzer nos parece correta e, se caso o for, po<strong>de</strong>mos nos arriscar a dizer que provavelmente a<strong>melancolia</strong> esteja relacionada à etapa <strong>de</strong> constituição do psiquismo, em que se começa adiscriminar o self do objeto, e a se perceber como sujeito separado. Esta nossa hipótese, queaparece inúmeras vezes ao longo <strong>de</strong> nosso trabalho, parece ir se confirmando nos exames<strong>de</strong>talhados dos textos freudianos.136
Retomando as idéias do capítulo VII <strong>de</strong> Psicologia <strong>de</strong> grupo, damo-nos conta <strong>de</strong> queFreud introduz ainda mais um aspecto relevante presente nos laços afetivos – a ambivalênciaafetiva, apontada como uma característica presente na i<strong>de</strong>ntificação – e mostra sua ocorrêncianas vivências que permeiam o complexo <strong>de</strong> Édipo. Assim, o menino teria o pai como ummo<strong>de</strong>lo, gostaria <strong>de</strong> ser como ele, tomá-lo-ia como seu i<strong>de</strong>al. Ao lado disto, <strong>de</strong>senvolve umaligação libidinal com a mãe. Estes dois sentimentos coexistem normalmente até a unificaçãomental. A coexistência <strong>de</strong>stes dois laços passa a ser conflitiva, dando origem ao complexo <strong>de</strong>Édipo, momento em que, <strong>de</strong>vido à ligação libidinal para com a mãe, esta i<strong>de</strong>ntificação com opai assume um colorido hostil e o menino passa também a se i<strong>de</strong>ntificar com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>substituí-lo na relação com a mãe. Este colorido hostil faz-se notar quando o menino percebeque o pai é um obstáculo em seu caminho:A i<strong>de</strong>ntificação, na verda<strong>de</strong>, é ambivalente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início; po<strong>de</strong> tornar-se expressão<strong>de</strong> ternura com tanta facilida<strong>de</strong> quanto um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> afastamento <strong>de</strong> alguém.Comporta-se como um <strong>de</strong>rivado da primeira fase <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> libido, da faseoral, em que o objeto que prezamos e pelo qual ansiamos é assimilado pelaingestão, sendo <strong>de</strong>ssa maneira aniquilado como tal. O canibal, como sabemos,permaneceu nessa etapa; ele tem afeição <strong>de</strong>voradora por seus inimigos e só <strong>de</strong>voraas pessoas <strong>de</strong> quem gosta. (FREUD, 1921, p.115).A i<strong>de</strong>ntificação e a ambivalência são <strong>de</strong>rivados da fase oral, na qual o objeto amado éassimilado pela ingestão e, <strong>de</strong>ssa maneira, aniquilado. A i<strong>de</strong>ntificação po<strong>de</strong> evoluir para oamor objetal, e assim tornar o pai objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, ou então buscar conformar-se ao mo<strong>de</strong>loeleito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação. Freud afirma, então, que há uma distinção entre a i<strong>de</strong>ntificação com opai e a escolha <strong>de</strong>ste como objeto. No primeiro caso, o pai é tomado como mo<strong>de</strong>lo, o pai é oque gostaríamos <strong>de</strong> ser, e, no segundo, como objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, o pai é o que gostaríamos <strong>de</strong>ter. Para Freud, isto nos ensina algo sobre a i<strong>de</strong>ntificação: “a i<strong>de</strong>ntificação esforça-se pormoldar o próprio ego <strong>de</strong> uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado comomo<strong>de</strong>lo” (FREUD, 1921, p.116).O menino procuraria, neste caso, ser como o pai, diferente da menina, que o <strong>de</strong>sejariaenquanto objeto <strong>de</strong> satisfação da libido. E isto leva Freud (ibi<strong>de</strong>m) a <strong>de</strong>finir três formas <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificação. Na primeira, advinda do complexo <strong>de</strong> Édipo, a pessoa quer estar no lugar doobjeto com o qual se i<strong>de</strong>ntifica e para isto assume as características <strong>de</strong>ste objeto. A meninaassume características da mãe porque gostaria <strong>de</strong> estar em seu lugar, por exemplo. Nasegunda forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, a pessoa se i<strong>de</strong>ntifica com o objeto amado, aquele que osujeito gostaria <strong>de</strong> ter. Como nos sintomas neuróticos, em que há repressão e os mecanismosdo inconsciente são predominantes, a i<strong>de</strong>ntificação aparece no lugar da escolha do objeto;neste caso, Freud afirma que a escolha do objeto regri<strong>de</strong> para a i<strong>de</strong>ntificação, e o ego assume137
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