Um registro capital se introduz neste momento, a experiência <strong>de</strong> perda. Por meio dametáfora da perda do seio, Freud (1938, p. 202) oferece um mo<strong>de</strong>lo do nascimento psíquico e<strong>de</strong> narcisação do ego enquanto unida<strong>de</strong>:Não há dúvida <strong>de</strong> que, inicialmente, a criança não distingue entre o seio e seupróprio corpo; quando o seio tem <strong>de</strong> ser separado do corpo e <strong>de</strong>slocado para o“exterior”, porque a criança tão frequentemente o encontra ausente, ele carregaconsigo, como um “objeto”, uma parte das catexias libidinais narcísicas originais.Recapitulando, no início há uma i<strong>de</strong>ntificação entre o sujeito e o objeto – a mãe(enquanto representante do mundo externo) é parte do bebê. A imensa <strong>de</strong>dicação dada por elaa seu filho no início da vida, visando satisfazer suas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maneira imediata, e não<strong>de</strong>ixá-lo sofrer, seria o protótipo fenomenológico <strong>de</strong>sta situação. Para o bebê, não há ausência,nem frustração neste tempo. Já a fase em que nos <strong>de</strong>temos agora é marcada pela ausência doseio. Os diversos momentos que começam a acontecer com mais freqüência, em que o seiomaterno se encontra ausente e não satisfaz mais imediatamente às necessida<strong>de</strong>s do bebê,impondo a frustração, levam-no a perceber que o seio é um objeto separado <strong>de</strong>le, que não estádisponível para gratificá-lo a seu bel-prazer. Isto começa a <strong>de</strong>struir a ilusão <strong>de</strong> ser o centro domundo, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia, <strong>de</strong> auto-satisfação, enfim, é a consciência do<strong>de</strong>samparo em função da <strong>de</strong>pendência materna que emerge. Esta postergação da experiência<strong>de</strong> satisfação é necessária pois é o movimento pelo qual o sujeito é <strong>de</strong>scentrado <strong>de</strong> si mesmo eé colocado em contato com a alterida<strong>de</strong>. Este momento <strong>de</strong> ”perda” apresenta o bebê àrealida<strong>de</strong>. É, no entanto, o momento da consciência da separação e da renúncia à onipotêncianarcísica: trata-se do princípio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que começa a se impor sobre o principio doprazer. A experiência da perda da ilusão <strong>de</strong> fusão com o objeto primário – a mãe – constituise,assim, em uma das metáforas po<strong>de</strong>rosas da teoria psicanalítica que explicam o nascimentoda vida psíquica:A teoria psicanalítica mais genericamente compartilhada admite duas idéias: aprimeira é a da perda do objeto como momento fundamental da estruturação dopsiquismo humano durante o qual instaura-se uma nova relação com a realida<strong>de</strong>. Opsiquismo seria, a partir <strong>de</strong> então, governado pelo princípio da realida<strong>de</strong>, que passaa frente do princípio do prazer, que ele salvaguarda além do mais. Esta primeiraidéia é um conceito teórico, não um fato da observação, pois esta nos mostrariamenos um salto mutativo do que uma evolução gradual. A segunda idéiacomumente aceita pela maioria dos autores é a <strong>de</strong> uma posição <strong>de</strong>pressivadiferentemente interpretada pelos diversos autores. Esta idéia vai ao encontro <strong>de</strong> umfato da observação e <strong>de</strong> um conceito teórico em Melanie Klein e Winnicott. Estasduas idéias, convém insistir, vinculam-se a uma situação geral que se refere a umacontecimento inelutável do <strong>de</strong>senvolvimento. Se perturbações anteriores darelação mãe-criança tornam sua travessia e sua ultrapassagem mais difícil, aausência <strong>de</strong> tais perturbações e a boa qualida<strong>de</strong> dos cuidados maternos não po<strong>de</strong>mevitar este período que <strong>de</strong>sempenha um papel estruturante para a organizaçãopsíquica da criança (GREEN, 1988, p.248-49).126
A perda e a <strong>de</strong>pressão <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>sta são colocadas totalmente em relação com oconceito <strong>de</strong> narcisismo. A perda do seio traz a consciência da separação – e a vivência <strong>de</strong>staconsciência é <strong>de</strong>pressiva – no sentido <strong>de</strong> uma perda que tem <strong>de</strong> ser elaborada. O bebê, frente àvivência <strong>de</strong>sta perda, recorre aos mecanismos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação para a manutenção <strong>de</strong> seupsiquismo. A i<strong>de</strong>ntificação, neste caso secundária, é o meio <strong>de</strong> se conservar uma relação ouum estado que o princípio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> obrigou a abandonar (HORNSTEIN, 1989). Estanoção, do uso <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação secundária com o objeto diante da vivência <strong>de</strong> perda,permite ao ego se apropriar do objeto, ou <strong>de</strong> traços <strong>de</strong>ste, formando assim o ego, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>e os i<strong>de</strong>ais: “é incorporando em si as características <strong>de</strong> um objeto privilegiado que o ego seconstitui como unida<strong>de</strong> autônoma e diferenciada do não-ego” (SIMANKE, 1994).Se for possível <strong>de</strong>finir as i<strong>de</strong>ntificações <strong>de</strong> maneira esquemática, nós asdiferenciaríamos da seguinte maneira: a i<strong>de</strong>ntificação primária é aquela que antece<strong>de</strong> uminvestimento objetal propriamente dito, é uma etapa prévia ao investimento libidinal <strong>de</strong> objetoe coinci<strong>de</strong> com o narcisismo primário. A i<strong>de</strong>ntificação secundária se caracteriza pela retraçãopara o ego do investimento libidinal no objeto; seu significado é incorporar novos objetos noego. Este último é um narcisismo secundário, contemporâneo à formação do ego. Assim, “onarcisismo do ego é um narcisismo secundário, que foi retirado dos objetos” (FREUD, 1923,p.59).Neste interjogo se estabelecem as instâncias i<strong>de</strong>ais. O narcisismo absoluto onipotentedo momento inicial é quebrado pelo <strong>de</strong>senvolvimento do princípio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>. Estaonipotência é renunciada na forma <strong>de</strong> um eu i<strong>de</strong>al ao qual o sujeito se esforçará paraconformar-se. A introjeção do objeto i<strong>de</strong>alizado como onipotente se realizará em um processo<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação secundária (a libido retirada dos objetos para o ego), enriquecendo <strong>de</strong>stamaneira o ego. Há a formação <strong>de</strong> um ego i<strong>de</strong>al que servirá <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para o ego real, que, porsua vez, guarda a onipotência renunciada do narcisismo primário e a onipotência retirada dospais por meio da i<strong>de</strong>ntificação (ANDRADE, 1999):Quando as condições são favoráveis à inevitável separação entre a mãe e a criança,ocorre no seio do Eu uma mutação <strong>de</strong>cisiva. O objeto materno se apaga enquantoobjeto primário <strong>de</strong> fusão, para dar lugar aos investimentos próprios ao Eu,fundadores <strong>de</strong> seu narcisismo pessoal, Eu doravante capaz <strong>de</strong> investir seus própriosobjetos distintos do objeto primitivo (GREEN, 1988, p.273-74).Na realida<strong>de</strong>, estes dois momentos do narcisismo, que são marcados pela experiênciada perda do seio, compõem um processo <strong>de</strong> evolução progressiva que se efetua passo a passo,indo <strong>de</strong> um ego não discriminado do objeto até um ego formado e discriminado do mundo127
- Page 1 and 2:
MARCO ANTÔNIO ROTTA TEIXEIRAA CONC
- Page 3 and 4:
Dados Internacionais de Catalogaç
- Page 5 and 6:
AGRADECIMENTOSMeus sinceros agradec
- Page 7 and 8:
Ora, embora não haja dúvida de qu
- Page 9 and 10:
ABSTRACTTEIXEIRA, M. A. R. Freudian
- Page 11 and 12:
3.2. Ambivalência e melancolia....
- Page 13 and 14:
Ao analisar a trajetória de Iefimo
- Page 15 and 16:
Introdução ao estudo freudiano da
- Page 17 and 18:
apenas em 1917, Freud realiza um es
- Page 19:
Capítulo 1Da melancolia à depress
- Page 26 and 27:
uma visão baseada nos conflitos pe
- Page 28 and 29:
Cláudio Galeno de Pérgamo (129-20
- Page 30 and 31:
A melancolia era amplamente estudad
- Page 32 and 33:
No renascimento, gradualmente o rac
- Page 34 and 35:
Burton diz que a melancolia é uma
- Page 36 and 37:
conhecem mais profundamente o passa
- Page 38 and 39:
desacorrentamento dos alienados e i
- Page 40 and 41:
a ser completamente medicalizada e
- Page 42 and 43:
Nenhum tipo de regime de idéias ou
- Page 44 and 45:
psiquiatria, o que soa irônico, j
- Page 46 and 47:
1.3 Um olhar psicanalítico sobre a
- Page 48 and 49:
humanos. Tal estado, chamado vagame
- Page 50 and 51:
correlato de uma condição inerent
- Page 52 and 53:
não consiste em exorcizá-la, já
- Page 54 and 55:
construir uma teoria sobre estes es
- Page 56 and 57:
ecebe uma classificação - um tipo
- Page 58 and 59:
separação se justifica em sua pr
- Page 60 and 61:
melancolia e central no texto Luto
- Page 62 and 63:
confirmando. Abateu-se sobre o paci
- Page 64 and 65:
perda e ambivalência. O primeiro a
- Page 66 and 67:
intermediário, a uma sensação ex
- Page 68 and 69:
influenciados pelo médico; o que e
- Page 70 and 71:
elementos narcísicos e ambivalente
- Page 72 and 73:
Talvez encontraremos alguma pista p
- Page 74 and 75:
isto para nós é claro e evidente.
- Page 76 and 77: Assim, este registro estaria direta
- Page 78 and 79: Bleichmar (1983), em seu importante
- Page 80 and 81: configuração simultânea do eu e
- Page 82 and 83: Capítulo 2Metapsicologia I - Luto
- Page 84 and 85: como psiquiátricos; entretanto, po
- Page 86 and 87: Com a descoberta e a elaboração d
- Page 88 and 89: noção qualitativa seria a que car
- Page 90 and 91: internaliza as críticas morais atr
- Page 92 and 93: psicopatológico, inaugura um model
- Page 94 and 95: melancolia. Mas, em última instân
- Page 96 and 97: de uma pessoa amada, ou à perda de
- Page 98 and 99: De acordo com Freud (1917[1915]), q
- Page 100 and 101: [...] cada vez que surgem as lembra
- Page 102 and 103: Este objeto, que por algum motivo f
- Page 104 and 105: permite ao sujeito abandonar a liga
- Page 106 and 107: Sempre se sente uma pessoa limitada
- Page 108 and 109: ele acrescenta a importância dos s
- Page 110 and 111: É impossível abandonar a relaçã
- Page 112 and 113: incentivo narcísico de continuar a
- Page 114 and 115: Capitulo 3Metapsicologia II - Os el
- Page 116 and 117: fenômeno central da relação anal
- Page 118 and 119: 3.1.1 Rumo ao conceito de narcisism
- Page 120 and 121: mãe; coloca-se em seu lugar, ident
- Page 122 and 123: amoroso de si próprio; seus instin
- Page 124 and 125: amor, é idealizado e engrandecido,
- Page 128 and 129: externo e dos objetos. Para Freud,
- Page 130 and 131: os termos “vínculo narcísico”
- Page 132 and 133: admirado, uma confiança básica em
- Page 134 and 135: totalmente idealizada - como no cas
- Page 136 and 137: No capítulo VII, denominado “Ide
- Page 138 and 139: as características do objeto. Em r
- Page 140 and 141: a ser odiado é trazido para dentro
- Page 142 and 143: esvaziado e incapaz. A marca desta
- Page 144 and 145: ideal do ego deixa de existir, pode
- Page 146 and 147: de satisfazer ou sustentar as ideal
- Page 148 and 149: mais prejudicial ele será. A fórm
- Page 150 and 151: livro Freud afirma a existência de
- Page 152 and 153: voltará a este tema no capítulo s
- Page 154 and 155: As chamadas pulsões de morte, ao c
- Page 156 and 157: Se nos remetermos ao estudo sobre o
- Page 158 and 159: expressão do sadismo advindo da pu
- Page 160 and 161: Capítulo 4A concepção freudiana
- Page 162 and 163: ainda, em conjunção a qualquer es
- Page 164 and 165: prostração diante deste. O desamp
- Page 166 and 167: simbólico. Klein, e depois Winnico
- Page 168 and 169: situações afetaram a estrutura do
- Page 170 and 171: No segundo caso, aquele de situaç
- Page 172 and 173: Mais do que procurar responder dire
- Page 174 and 175: Vetter (1969) considera o fenômeno
- Page 176 and 177:
através da, agora possível, quím
- Page 178 and 179:
premissa de que estes estados são
- Page 180 and 181:
narcisismo do momento inicial da vi
- Page 182 and 183:
FARINHA, S. A depressão na atualid
- Page 184 and 185:
_____ (1939[1934-1938]). Moisés e
- Page 186:
PERES, U. T. Melancolia. São Paulo