amoroso <strong>de</strong> si próprio; seus instintos egoístas e seus <strong>de</strong>sejos libidinais ainda não sãoseparáveis pela nossa análise.Embora ainda não estejamos em posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver com exatidão suficiente ascaracterísticas <strong>de</strong>ssa fase narcisista, na qual os instintos sexuais até entãodissociados se reúnem numa unida<strong>de</strong> isolada e catexizam o ego como objeto, játemos motivos para suspeitar que essa organização narcisista nunca é totalmenteabandonada. Um ser humano permanece até certo ponto narcisista, mesmo <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> ter encontrado objetos externos para a sua libido. As catexias <strong>de</strong> objetos queefetua são, por assim dizer, emanações da libido que ainda permanece no ego epo<strong>de</strong> ser novamente arrastada para ele. A condição <strong>de</strong> apaixonado, que épsicologicamente tão notável e é o protótipo normal das psicoses, mostra essasemanações em seu máximo, comparadas com o nível do amor a si mesmo (FREUD,1913, p.99).Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar do texto acima que o ego passa a ser tomado como um objeto para alibido, que é investida no próprio ego. Esboça-se com isso uma idéia que será muito<strong>de</strong>senvolvida posteriormente, a <strong>de</strong> tomar a si mesmo como objeto, po<strong>de</strong>ndo tanto amar-se –narcisismo – quanto odiar-se, como é o caso da <strong>melancolia</strong>, em que, além do narcisismo,temos o aspecto da ambivalência muito acentuado. Certamente a ambivalência é muitoacentuada no início do <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong>ve coincidir com a fase narcísica, na qual tudo oque for sentido como contra-narcísico se torna alvo do ódio.Mais uma vez Freud, através da exceção e dos estados patológicos, compreen<strong>de</strong> anormalida<strong>de</strong>. O narcisismo, como fase normal e <strong>de</strong>pois como remanescente presente nopsiquismo ao longo da vida, surge dos estudos da paranóia, da megalomania e da onipotênciado pensamento. Outra idéia importante neste texto é aquela em que o ser humano nuncaabandona totalmente seu narcisismo. A implicação imediata <strong>de</strong>sta afirmação po<strong>de</strong> ser notadapor ser ela a base sobre a qual Freud irá postular, no texto sobre o narcisismo, o conceito <strong>de</strong>i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ego – a instância her<strong>de</strong>ira do narcisismo que não po<strong>de</strong> ser renunciada totalmente – etambém a idéia das bases da auto-estima, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos resquícios do narcisismo dainfância. Essa idéia <strong>de</strong> narcisismo nunca foi totalmente abandonada, e também torna possíveldar sustentação para a noção <strong>de</strong> que o ego é um lugar para o qual a libido sempre po<strong>de</strong>retornar quando necessário – em situações <strong>de</strong> perda e <strong>de</strong> separação. O “estar apaixonado”seria o extremo do esvaziamento libidinal, ou emanamento da libido para os objetos, comoFreud preferia. Enquanto a psicose seria o outro extremo, o pólo que representaria onarcisismo, aquele em que toda a libido estaria investida no ego. Neste último caso, a relaçãocom o mundo externo e a ligação com os objetos ficariam completamente prejudicadas. Freud(1913, p. 100), ainda em Totem e Tabu, realiza uma discussão sobre o narcisismo e opensamento onipotente. Ele parece realmente inspirado com a idéia do narcisismo, pois lhereserva um longo trecho, dando-lhe papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque em um dos tópicos do capítulo III:122
Os homens primitivos e os neuróticos, como já vimos, atribuem uma altavalorização — a nossos olhos, uma supervalorização — aos atos psíquicos. Essaatitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> perfeitamente ser relacionada com o narcisismo e encarada como umcomponente essencial <strong>de</strong>ste. Po<strong>de</strong>-se dizer que, no homem primitivo, o processo <strong>de</strong>pensar ainda é, em gran<strong>de</strong> parte, sexualizado. Esta é a origem <strong>de</strong> sua fé naonipotência dos pensamentos, <strong>de</strong> sua inabalável confiança na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>controlar o mundo e <strong>de</strong> sua inacessibilida<strong>de</strong> às experiências, tão facilmenteobteníveis, que po<strong>de</strong>riam ensinar-lhe a verda<strong>de</strong>ira posição do homem no universo.Com relação aos neuróticos, encontramos que, por um lado, uma parte consi<strong>de</strong>rável<strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong> primitiva sobreviveu em sua constituição e, por outro, que a repressãosexual que neles ocorreu ocasionou uma maior sexualização <strong>de</strong> seus processos <strong>de</strong>pensamento. Os resultados psicológicos <strong>de</strong>vem ser os mesmos em ambos os casos,quer a hipercatexia libidinal do pensamento seja original, quer tenha sido produzidapela regressão: narcisismo intelectual e onipotência <strong>de</strong> pensamentos.Há, neste fragmento, uma comparação entre o homem primitivo e o narcisismo, nosentido <strong>de</strong> em ambos predominar o pensamento onipotente, que nada mais é do que umasupervalorização dos atos psíquicos – um componente essencial do narcisismo. No auge <strong>de</strong>sua inspiração, Freud faz uma comparação entre o <strong>de</strong>senvolvimento da humanida<strong>de</strong> e sua<strong>concepção</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento do sujeito psíquico, isto é, entre a filogênese e a ontogênese.A fase animista, dos povos primitivos, correspon<strong>de</strong>ria à fase do narcisismo, em que seacredita na onipotência do pensamento e na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controlar o mundo. A fasereligiosa correspon<strong>de</strong>ria à fase da escolha do objeto, cuja característica é a ligação da criançacom os pais, e, por último, a fase científica, representada como a maturida<strong>de</strong> em que o homemrenuncia ao principio do prazer e busca os objetos <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo no mundo externo. A arteseria o único campo em que é mantida a onipotência dos pensamentos, no qual a realizaçãodos <strong>de</strong>sejos se torna possível graças à ilusão artística. Trata-se <strong>de</strong> uma ilusão que produzefeitos emocionais como se fossem reais.Depois do livro Totem e Tabu, Freud finalmente <strong>de</strong>dica um texto exclusivo ao tema donarcisismo, em 1914, no qual examina <strong>de</strong>tidamente seus aspectos e propõe uma série <strong>de</strong> idéiasoriginais para a psicanálise.3.1.2 Introdução ao narcisismoEm 1914, Freud escreve o trabalho Sobre o narcisismo: uma introdução, elevando otermo ao estatuto <strong>de</strong> conceito psicanalítico. Neste estudo, o narcisismo é <strong>de</strong>finido como umperíodo primitivo da infância em que as pulsões parciais e auto-eróticas que coexistiam <strong>de</strong>modo anárquico e sem objeto específico se reúnem numa unida<strong>de</strong> e investem o ego <strong>de</strong>catexias libidinais. Desta forma se origina o ego, bem como a sua libido. Trata-se <strong>de</strong> uma fasedo <strong>de</strong>senvolvimento infantil na qual o ego, agora se unificando, é tomado como objeto <strong>de</strong>123
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