fenômeno central da relação analítica, a transferência, e no <strong>de</strong>stino das fantasiasedipianas (MEZAN, 1998, p.184).Frisamos nesta breve passagem do texto <strong>de</strong> Mezan o momento em que o autor apontaa existência <strong>de</strong> uma “estreita relação” entre o narcisismo e os sentimentos <strong>de</strong> amor e ódio,relação apreendida no conceito <strong>de</strong> ambivalência. Tal afirmação justifica a importância <strong>de</strong>stessentimentos em relação ao narcisismo e, conseqüentemente, em acordo com o proposto porFreud, relacionam-se prontamente as pré-condições da <strong>melancolia</strong>, e a ela propriamente dita.A ambivalência tem papel importante para a compreensão do funcionamento psíquicoenvolvido na <strong>melancolia</strong>, tanto antes da instalação do conflito – no que se refere à relaçãocom o objeto – quanto após sua instalação no interior do aparelho psíquico, sendo expressaatravés <strong>de</strong> auto-acusações, auto-recriminações, rebaixamento da auto-estima e sentimentos <strong>de</strong>culpa pelo doente melancólico.Para a compreensão do conflito gerado pela ambivalência para com o objeto, temos <strong>de</strong>consi<strong>de</strong>rar também o conflito que se estabelece <strong>de</strong>ntro do aparelho psíquico do melancólico.Os sentimentos <strong>de</strong> culpa, auto-acusações e perda <strong>de</strong> auto-estima estão intimamenterelacionados à ambivalência. Em O ego e o id (1923), Freud atribui o conflito do melancólicoa um conflito entre o ego e superego, e o sentimento <strong>de</strong> culpa a uma tensão entre estas duasinstâncias. Na <strong>melancolia</strong>, o superego se apo<strong>de</strong>ra do sadismo que se volta contra o ego, localon<strong>de</strong> o objeto perdido se encontra instalado. Nesta dinâmica origina-se o conflito entre o egoe o superego, o qual se manifesta sob a forma <strong>de</strong> impulsos <strong>de</strong> auto-<strong>de</strong>struição e auto<strong>de</strong>svalorizaçãodo melancólico. Frente a estas breves colocações, ressaltamos a importância<strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rarem os conceitos <strong>de</strong> superego, sadismo e a dualida<strong>de</strong> das pulsões – pulsão <strong>de</strong>vida e pulsão <strong>de</strong> morte – bem como a psicodinâmica dos sentimentos <strong>de</strong> culpa. Estes, emconjunto, formam os elementos ambivalentes do psiquismo.Neste capítulo realizaremos uma incursão ao interior da metapsicologia <strong>freudiana</strong> afim <strong>de</strong> elucidar estes dois elementos, os narcísicos e os ambivalentes. Estes, em conjunto eem inter-relação com a perda, geram conflitos, conformando o que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong>“elementos melancólicos da mente”, os quais encontram expressão direta através dossentimentos <strong>de</strong> culpa, impotência e inferiorida<strong>de</strong>, todos presentes na <strong>melancolia</strong>.116
3.1 Narcisismo e <strong>melancolia</strong>Ao a<strong>de</strong>ntrar o “campo” do narcisismo, passamos a cada vez mais pisar em solopantanoso. Embora exista uma gran<strong>de</strong> polêmica e inúmeros problemas e contradições emtorno <strong>de</strong>ste conceito, conforme apontam muitos autores freudianos, como Green (1988),Laplanche (1987), Roudinesco & Plon (1998) e Garcia-Rosa (1998) 16 , não é aqui nossoobjetivo abordar estas questões. Uma <strong>de</strong>las gira em torno da conveniência <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir ou não onarcisismo primário como anobjetal. Não preten<strong>de</strong>mos neste estudo procurar a solução <strong>de</strong> taisproblemas, nem nos aprofundarmos nas discussões <strong>de</strong> tais contradições. Pedimos licença aoleitor para que nos permita abordar o tema do narcisismo buscando sua essência, sem a<strong>de</strong>ntrarnesta problemática. O que nos interessa realmente são os aspectos do narcisismo que nospermitem compreen<strong>de</strong>r a <strong>concepção</strong> <strong>freudiana</strong> <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>. Procuramos compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>que forma tais conceitos se relacionam na produção e no estabelecimento da <strong>melancolia</strong>. Aofim <strong>de</strong>sta tarefa, teremos em mãos uma das chaves para a compreensão da teoria <strong>freudiana</strong> da<strong>melancolia</strong>. Iremos inicialmente percorrer a evolução do conceito do narcisismo até 1914,para então passar ao exame das relações entre narcisismo e <strong>melancolia</strong>.16 Sobre esta problemática acerca do narcisismo, consultar: Narcisismo <strong>de</strong> vida, narcisismo <strong>de</strong> morte, AndréGreen (1988); Problemáticas I, Laplanche (1987); Dicionário <strong>de</strong> Psicanálise, Roudinesco & Plon (1998) eIntrodução à metapsicologia <strong>freudiana</strong>, vol. 3, L. A. Garcia-Roza (1998).117
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