ele acrescenta a importância dos sentimentos ambivalentes e dos conflitos <strong>de</strong>correntes, sendoque tal ambivalência explicará a auto-<strong>de</strong>strutivida<strong>de</strong> do melancólico.Sua intenção é tentar explicar a satisfação encontrada na <strong>melancolia</strong> em suas autorecriminaçõese auto-censuras. Fazendo primeiramente uma alusão à neurose obsessiva, Freudmostra-nos que o luto po<strong>de</strong>ria seguir um curso patológico <strong>de</strong>vido à marcante ambivalênciapresente nesta neurose. Assim, ao nutrir sentimentos <strong>de</strong> ódio – coexistindo junto ao amor –contra a pessoa amada, o sujeito obsessivo se sentiria responsável ou causador da perda doobjeto por tê-lo <strong>de</strong>sejado; isto <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aria intensos sentimentos <strong>de</strong> culpa expressas em autorecriminações.Contudo, não seria este o caso do melancólico, pois encontraríamos a presençada i<strong>de</strong>ntificação narcísica, isto é, a regressão da libido ao narcisismo ou, dito <strong>de</strong> uma outraforma, a fase narcisista. Seria este uma forma <strong>de</strong> luto patológico. Segundo Laplanche (1987),Freud estaria indicando nesta parte que uma perda, somada a uma forte ambivalência presentena relação com o objeto perdido, daria origem a um luto patológico. Novamente faremos usodas significativas palavras <strong>de</strong> Freud, no momento em que ele insere a questão daambivalência, para então comentá-las:Mas, ao contrário do luto patológico, o que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia a <strong>melancolia</strong> geralmenteabarca mais do que uma nítida perda ocasionada pela morte. Abrange todas assituações por meio das quais os elementos opostos <strong>de</strong> amor e ódio se inseriram narelação com o objeto, ou lograram reforçar uma ambivalência já preexistente, porexemplo, situações <strong>de</strong> ofensa, negligência e <strong>de</strong>cepção. Esse conflito <strong>de</strong>ambivalência, seja ele <strong>de</strong> origem mais real, ou mais constitutiva, é um dosimportantes pré-requisitos para o surgimento da <strong>melancolia</strong> (FREUD, 1917[1915],p.110, grifo nosso).Vários pontos merecem ser consi<strong>de</strong>rados nesta passagem. O primeiro <strong>de</strong>les é aqueleque diz respeito ao fato que ocasiona a <strong>melancolia</strong>. Como já comentamos anteriormente, eFreud o confirma nesta passagem, a perda sofrida pelo melancólico não é somente da morte<strong>de</strong> um ente querido, mas frustrações vividas na relação objetal: por ofensa, <strong>de</strong>sprezo,<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração, negligência ou <strong>de</strong>cepção 14 : [...] “para produzir o quadro da <strong>melancolia</strong> ésuficiente ocorrer um prejuízo <strong>de</strong> um Eu que ignora o objeto (isto é, basta uma mágoa <strong>de</strong>natureza puramente narcísica causada ao eu)” (FREUD, 1917[1915], p.112). Outro pontoimportante nesta passagem é aquele em que Freud associa esta perda à ambivalência, oumelhor, ao conflito causado pela ambivalência. Tal frustração se dá no momento no qual um14 Na tradução <strong>de</strong> Marilene Carone (1992, p.136), encontramos: “ofensa, <strong>de</strong>sprezo e <strong>de</strong>cepção”. Na <strong>de</strong> JaimeSalomão (1996, p.256), temos: “<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração, <strong>de</strong>sprezo e <strong>de</strong>sapontamento”. Na <strong>de</strong> Hanns (2006, p.110):“ofensa negligencia e <strong>de</strong>cepção”. Em todos os casos fica evi<strong>de</strong>nte que se trata <strong>de</strong> uma frustração vivida narelação com o objeto.108
conflito ambivalente, já existente, aparece e entra em ação, complicando a relação com oobjeto.O conflito causado pela ambivalência traz as marcas da qualida<strong>de</strong> do vínculo com oobjeto. Como o vinculo é narcísico, a ambivalência – que é uma característica própria dasrelações afetivas – não po<strong>de</strong> ser vivida na relação com o objeto. Na ligação narcísica, arelação <strong>de</strong>ve ser vivida como purificadas <strong>de</strong> elementos frustrantes e ruins, e isto quer dizerque a relação é i<strong>de</strong>alizada. Amor e ódio são vividos como incompatíveis, causando umconflito <strong>de</strong> difícil resolução para o sujeito. A imagem <strong>de</strong> uma encruzilhada na qual qualquercaminho levasse à <strong>de</strong>struição seria a<strong>de</strong>quada para <strong>de</strong>screver o conflito do melancólico.Nesta lógica, que é própria do vínculo narcísico, não há espaço para sentimentos <strong>de</strong>ódio porque o objeto é essencial para a manutenção do narcisismo do sujeito, que precisamanter a satisfação obtida na relação acima <strong>de</strong> qualquer coisa. Entretanto, ele esbarra naimpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter uma relação sem frustração, sem limites e <strong>de</strong>senganos; em suma, arealização i<strong>de</strong>alizada como perfeita não é possível na realida<strong>de</strong>. Em algum momento estasatisfação será interrompida, simplesmente porque não é possível que o objeto possa atendê-lacompletamente. Esta é uma ilusão do melancólico, que procura alcançá-la a todo custo.Freud <strong>de</strong>monstra que o momento da perda é aquele que põe em evi<strong>de</strong>ncia, ou aumenta,uma ambivalência já existente na relação. O ódio já existe, mas é feito um esforço no sentido<strong>de</strong> negar sua existência. A ambivalência existe como característica intrínseca a qualquerinvestimento afetivo, embora possa variar a intensida<strong>de</strong> do conflito causado por ela. Quantomaior o ódio e menor a tolerância a ele na relação, maior será o conflito. No caso domelancólico, quando a fruição da satisfação obtida na relação narcísica é interrompida, o ódiovem à tona visando expressar sua revolta contra algo que para ele é impensável. O ódio surge<strong>de</strong>spertando sentimentos <strong>de</strong> vingança, justamente porque a fruição narcísica é interrompida.Neste momento a <strong>de</strong>pendência narcísica do objeto se evi<strong>de</strong>ncia, e o sentimento domelancólico é que, sem ele, sua sobrevivência seria impossível. No entanto, o ódio não po<strong>de</strong>ser dirigido ao objeto. O massacre do objeto significaria um massacre das provisõesnarcísicas. É este o momento em que o melancólico chega a uma encruzilhada. Seu <strong>de</strong>sejo éabandonar o objeto, mas isto se mostra impossível:Uma vez tendo <strong>de</strong> abdicar do objeto, mas não po<strong>de</strong>ndo renunciar ao amor peloobjeto, esse amor refugia-se na i<strong>de</strong>ntificação narcísica, <strong>de</strong> modo que agora atuacomo ódio sobre este objeto substituto, insultando-o, rebaixando-o, fazendo-osofrer e obtendo <strong>de</strong>sse sofrimento alguma satisfação sádica. A indubitavelmenteprazerosa autoflagelação do melancólico expressa, como fenômeno análogo naneurose obsessiva, a satisfação <strong>de</strong> tendências sádicas e <strong>de</strong> ódio (FREUD,1917[1915], p.110).109
- Page 1 and 2:
MARCO ANTÔNIO ROTTA TEIXEIRAA CONC
- Page 3 and 4:
Dados Internacionais de Catalogaç
- Page 5 and 6:
AGRADECIMENTOSMeus sinceros agradec
- Page 7 and 8:
Ora, embora não haja dúvida de qu
- Page 9 and 10:
ABSTRACTTEIXEIRA, M. A. R. Freudian
- Page 11 and 12:
3.2. Ambivalência e melancolia....
- Page 13 and 14:
Ao analisar a trajetória de Iefimo
- Page 15 and 16:
Introdução ao estudo freudiano da
- Page 17 and 18:
apenas em 1917, Freud realiza um es
- Page 19:
Capítulo 1Da melancolia à depress
- Page 26 and 27:
uma visão baseada nos conflitos pe
- Page 28 and 29:
Cláudio Galeno de Pérgamo (129-20
- Page 30 and 31:
A melancolia era amplamente estudad
- Page 32 and 33:
No renascimento, gradualmente o rac
- Page 34 and 35:
Burton diz que a melancolia é uma
- Page 36 and 37:
conhecem mais profundamente o passa
- Page 38 and 39:
desacorrentamento dos alienados e i
- Page 40 and 41:
a ser completamente medicalizada e
- Page 42 and 43:
Nenhum tipo de regime de idéias ou
- Page 44 and 45:
psiquiatria, o que soa irônico, j
- Page 46 and 47:
1.3 Um olhar psicanalítico sobre a
- Page 48 and 49:
humanos. Tal estado, chamado vagame
- Page 50 and 51:
correlato de uma condição inerent
- Page 52 and 53:
não consiste em exorcizá-la, já
- Page 54 and 55:
construir uma teoria sobre estes es
- Page 56 and 57:
ecebe uma classificação - um tipo
- Page 58 and 59: separação se justifica em sua pr
- Page 60 and 61: melancolia e central no texto Luto
- Page 62 and 63: confirmando. Abateu-se sobre o paci
- Page 64 and 65: perda e ambivalência. O primeiro a
- Page 66 and 67: intermediário, a uma sensação ex
- Page 68 and 69: influenciados pelo médico; o que e
- Page 70 and 71: elementos narcísicos e ambivalente
- Page 72 and 73: Talvez encontraremos alguma pista p
- Page 74 and 75: isto para nós é claro e evidente.
- Page 76 and 77: Assim, este registro estaria direta
- Page 78 and 79: Bleichmar (1983), em seu importante
- Page 80 and 81: configuração simultânea do eu e
- Page 82 and 83: Capítulo 2Metapsicologia I - Luto
- Page 84 and 85: como psiquiátricos; entretanto, po
- Page 86 and 87: Com a descoberta e a elaboração d
- Page 88 and 89: noção qualitativa seria a que car
- Page 90 and 91: internaliza as críticas morais atr
- Page 92 and 93: psicopatológico, inaugura um model
- Page 94 and 95: melancolia. Mas, em última instân
- Page 96 and 97: de uma pessoa amada, ou à perda de
- Page 98 and 99: De acordo com Freud (1917[1915]), q
- Page 100 and 101: [...] cada vez que surgem as lembra
- Page 102 and 103: Este objeto, que por algum motivo f
- Page 104 and 105: permite ao sujeito abandonar a liga
- Page 106 and 107: Sempre se sente uma pessoa limitada
- Page 110 and 111: É impossível abandonar a relaçã
- Page 112 and 113: incentivo narcísico de continuar a
- Page 114 and 115: Capitulo 3Metapsicologia II - Os el
- Page 116 and 117: fenômeno central da relação anal
- Page 118 and 119: 3.1.1 Rumo ao conceito de narcisism
- Page 120 and 121: mãe; coloca-se em seu lugar, ident
- Page 122 and 123: amoroso de si próprio; seus instin
- Page 124 and 125: amor, é idealizado e engrandecido,
- Page 126 and 127: Um registro capital se introduz nes
- Page 128 and 129: externo e dos objetos. Para Freud,
- Page 130 and 131: os termos “vínculo narcísico”
- Page 132 and 133: admirado, uma confiança básica em
- Page 134 and 135: totalmente idealizada - como no cas
- Page 136 and 137: No capítulo VII, denominado “Ide
- Page 138 and 139: as características do objeto. Em r
- Page 140 and 141: a ser odiado é trazido para dentro
- Page 142 and 143: esvaziado e incapaz. A marca desta
- Page 144 and 145: ideal do ego deixa de existir, pode
- Page 146 and 147: de satisfazer ou sustentar as ideal
- Page 148 and 149: mais prejudicial ele será. A fórm
- Page 150 and 151: livro Freud afirma a existência de
- Page 152 and 153: voltará a este tema no capítulo s
- Page 154 and 155: As chamadas pulsões de morte, ao c
- Page 156 and 157: Se nos remetermos ao estudo sobre o
- Page 158 and 159:
expressão do sadismo advindo da pu
- Page 160 and 161:
Capítulo 4A concepção freudiana
- Page 162 and 163:
ainda, em conjunção a qualquer es
- Page 164 and 165:
prostração diante deste. O desamp
- Page 166 and 167:
simbólico. Klein, e depois Winnico
- Page 168 and 169:
situações afetaram a estrutura do
- Page 170 and 171:
No segundo caso, aquele de situaç
- Page 172 and 173:
Mais do que procurar responder dire
- Page 174 and 175:
Vetter (1969) considera o fenômeno
- Page 176 and 177:
através da, agora possível, quím
- Page 178 and 179:
premissa de que estes estados são
- Page 180 and 181:
narcisismo do momento inicial da vi
- Page 182 and 183:
FARINHA, S. A depressão na atualid
- Page 184 and 185:
_____ (1939[1934-1938]). Moisés e
- Page 186:
PERES, U. T. Melancolia. São Paulo