[...] cada vez que surgem as lembranças e as inúmeras situações <strong>de</strong> expectativa quemostram quanto a libido ainda está vinculada ao objeto perdido, a realida<strong>de</strong> logo seapresenta com o veredicto <strong>de</strong> que o objeto não mais existe; assim, o Eu é por assimdizer confrontado com a questão <strong>de</strong> se <strong>de</strong>seja partilhar o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>sse objeto;entretanto, em face das inúmeras satisfações narcísicas que a vida propicia, o Euacaba persuadido a ir dissolvendo seus liames [Bindung] com o objeto aniquilado(FREUD, 1917[1915], p.114).Quando este processo, ao qual Freud se refere como trabalho <strong>de</strong> luto, se conclui, o egofica livre e <strong>de</strong>sinibido para se ligar a um novo objeto. O objeto é então consi<strong>de</strong>rado pelo egocomo <strong>de</strong>finitivamente morto ou perdido: “o luto compele o Eu a <strong>de</strong>sistir do objeto,<strong>de</strong>clarando-o morto e oferecendo ao Eu o prêmio <strong>de</strong> continuar vivo [...]” (FREUD, 1917[1915], p.115). Entretanto, persiste a lembrança <strong>de</strong> um vínculo que já existiu no passado eproporcionou gratificações. Este lembrança, que geralmente é sentida na vivência da sauda<strong>de</strong>,é sentida sempre em relação a um vínculo que não existe mais na realida<strong>de</strong>. Se o sujeito aindanão elaborou a perda do objeto, seu sentimento será sempre <strong>de</strong> dor por um objeto cujo vínculofoi interrompido, mas que necessita ser restaurado. A dor se mantém enquanto não forrealizado todo o recolhimento da libido, pois uma das condições para que o ego volte a<strong>de</strong>sfrutar da vida é que estabeleça novamente ligações com o mundo, que torne a <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong>novos vínculos libidinais. Aquele objeto perdido não será esquecido, mas preservado nasauda<strong>de</strong>. Sua ausência não provocará mais a terrível dor do luto – <strong>de</strong>sligar a libido do objeto éum processo dolorido –, que é constatar na realida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>saparecimento do vínculo amoroso.Neste sentido, continuar vivo po<strong>de</strong>ria ser entendido como um prêmio para o sujeito.São, resumidamente, estas as idéias <strong>de</strong> Freud sobre o luto por ele apresentadas emLuto e <strong>melancolia</strong>. Vejamos agora o que ele diz acerca da <strong>melancolia</strong>.2.3 A Melancolia e os elementos melancólicosNo início <strong>de</strong> seu artigo, Freud alerta que tratará da <strong>melancolia</strong> <strong>de</strong> origem psicogênica.Diante da perda <strong>de</strong> algo significativo, como um objeto ou um i<strong>de</strong>al, a pessoa enluta-se.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>, ela passa por um processo <strong>de</strong> sofrimento lento e gradualque resulta na <strong>de</strong>sinibição da libido que, encontrando-se livre, po<strong>de</strong>rá investir novamente emnovos objetos ou i<strong>de</strong>ais. No entanto, a reação diante da perda para alguns não é o luto, mas a<strong>melancolia</strong>.100
As características encontradas em uma pessoa melancólica são as mesmas <strong>de</strong> umapessoa enlutada, salvo em dois aspectos. O primeiro traço distintivo é uma intensa redução <strong>de</strong>auto-estima, expressando-se em auto-recriminações e auto-envilecimento (FREUD, 1917[1915], p.105).Freud consi<strong>de</strong>ra a <strong>melancolia</strong> uma reação à perda <strong>de</strong> um objeto amado; porém, quandonão há uma perda real <strong>de</strong>ste tipo, “constata-se que a perda po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> natureza mais i<strong>de</strong>al”(FREUD, 1917 [1915], p.105). O outro traço distintivo em relação ao luto é que, na<strong>melancolia</strong>, existe dificulda<strong>de</strong> em perceber o que foi perdido, supondo-se que provavelmenteo paciente não saiba conscientemente o que per<strong>de</strong>u. Segundo Freud (1917 [1915], p.105),Esse <strong>de</strong>sconhecimento ocorre até mesmo quando a perda <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adora da<strong>melancolia</strong> é conhecida, pois, se o doente sabe quem ele per<strong>de</strong>u, não sabe dizer oque se per<strong>de</strong>u com o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong>sse objeto amado. [...] a inibiçãomelancólica nos parece enigmática, porque não po<strong>de</strong>mos ver o que estariaabsorvendo <strong>de</strong> tal maneira o doente.Neste sentido, na <strong>melancolia</strong> ocorre uma perda objetal retirada da consciência. Temos,então, <strong>de</strong>finidas duas características que estão presentes na <strong>melancolia</strong> e ausentes no luto: aperda retirada da consciência e a redução da auto-estima - um empobrecimento do ego. Apessoa que se encontra melancólica faz questão <strong>de</strong> provar que é a pior pessoa do mundo, <strong>de</strong>exaltar suas fraquezas e se dizer merecedora <strong>de</strong> punições:O paciente nos <strong>de</strong>screve seu Eu como não tendo valor, como sendo incapaz emoralmente reprovável. Ele faz autocensuras e insulta a si mesmo e espera serrejeitado e punido. Rebaixa-se perante qualquer outra pessoa, e lamenta pelos seusparentes, por estarem ligados a uma pessoa tão indigna como ele. O doente nãochega a pensar que uma mudança das circunstâncias <strong>de</strong> vida se tenha abatido sobreele; ao contrário, esten<strong>de</strong> sua autocrítica ao passado e afirma, em verda<strong>de</strong>, nunca tersido melhor (FREUD, 1917 [1915], p.105).Devido a esta redução da auto-estima e às intensas auto-recriminações, Freud afirmaque o melancólico per<strong>de</strong>u seu amor próprio e que isto aponta para uma perda relativa ao seuego. Então surge uma contradição ─ segundo a analogia com o luto, até o momento, a perdaparecia-nos relativa a um objeto externo; entretanto, evi<strong>de</strong>ncia-se uma perda relacionada aoego; se no luto é o mundo que se torna pobre e vazio para o paciente, na <strong>melancolia</strong> é o egoque se apresenta <strong>de</strong>ssa maneira: <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> valor e miserável. Freud resolve estacontradição através da seguinte explicação: se observarmos atentamente as auto-acusações dopaciente, perceberemos que, em última instância, elas se referem a um objeto externo. “Assim,tem-se nas mãos a chave para o quadro da doença: as auto-recriminações são recriminaçõesdirigidas a um objeto amado, as quais foram retiradas <strong>de</strong>sse objeto e <strong>de</strong>sviadas para opróprio Eu” (FREUD, 1917 [1915], p.108).101
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