8VISÃO JUDAICA • outubro de 2007 • Chesvan / Kislev • 5768* Daniel Benjamin Barenbeiné jornalista, trabalha no site decombate a distorção na imprensa,“De Olho na Mídia”(www.deolhonamidia.org.br). Écoordenador do movimento juvenilBetar de SP e exerce voluntariamentecargos de Hasbará na OrganizaçãoSionista de São Paulo, Espaço K eAish Brasil, e orador nas sinagogasBeit Menachem e Kehilat AchimTiferet. É sheliach da comunidade deBelém do Pará. Possui um livropublicado na internet sobreneonazismo digital:www.varsovia.jor.brDaniel Benjamin Barenbein *melhor expressão para definireste fenômeno é o queusou a esposa de um amigomeu não-judeu quandoconversávamos em um encontrode ex-colegas de faculdade:“parece que esta praganão morre”.Não, não morre. Ela vive. Se transmuta,adquire novas formas,e às vezes volta nasantigas e clássicasAo completar-se mais um ano doatentado terrorista contra a Amia, oCentro Simon Wiesenthal repudiou oconteúdo do informe “O processo Amiado início até a atualidade”, publicadono website em espanhol da agenciaestatal de noticias do Irã, a Irna. Odocumento apresenta a versão iranianasobre as responsabilidades noatentado terrorista que teve lugar emBuenos Aires, em 18/7/1994 e que resultouna morte de 85 pessoas.Neonazismo: aqui e em Israel“A linguagem e o conteúdo desteinforme apresentam uma visão conspiratóriaque remete diretamente aosinfames ‘Protocolos dos Sábios deSião’, o libelo anti-semita que descreveum suposto plano judaico paradominar o mundo e que desde suapublicação em 1905 tornou-se a Bíbliado anti-semitismo contemporâneo”,assinalou Shimon Samuels, diretorde Relações Internacionais doCentro Wiesenthal.Para exemplo ilustrativo, o Centrodestacou os seguintes pontos doinforme:— “Os acontecimentos posterioresreferentes ao caso Amia (…) demonstra(m) em seu conjunto a existênciade uma conspiração premeditada na qualse divisa o papel do sionismo internacionale seus agentes argentinos”.— “O governo argentino enfrentavaa (…) presunção de que alguns altosmembros do governo e a judiciáriotivessem falsificado totalmente provasa favor dos sionistas”.— “Depois da viagem de NéstorKirchner, atual presidente da Argentina,aos Estados Unidos e seu encontrocom 12 grupos e associações judaicasnorte-americanas em 2003, ele,que teve muito em conta as observaçõesdo governo argentino para conseguirajuda financeira, comprometeusea fechar o expediente segundo ogosto dos sionistas”.— “Em vista disso, deu força àsuspeita de que as explosões fossemna realidade uma trama premeditadana qual participariam alguns responsáveispelo governo e do judiciário daArgentina, em concomitância com osforos sionistas”.— “Entre os grupos que estão fazendoum prosseguimento do caso encontram-se(…) o Centro de Estudosmesmo.Nos últimosanos vimos adoença infestaro islami s m ocriandoaté o termoislamofascismo.<strong>Sem</strong>pre omesmo, sóque com roupagemdiferente:em vez deuma raça, uma religiãosuperior, umaluta contra os valoresocidentais, contra a moral e a consciência,e uma cruzada e guerra mundialque não vê inocentes, não contavítimas e que tudo pode, de homens-bombaa mísseis, passando poraviões-camicases.Mas como se não bastasse jános dar esta tremenda dor de cabeçaneste upgrade, o neonazismoresolveu adaptar a sua versão clássicaaos tempos modernos: seja osneonazistas do time gaúcho doGrêmio, a Frank Weltner e seuodioso site Jew Watch (Vigiando osJudeus), que desastrosamente estáentre os primeiros no site de procuraGoogle, quando se digita apalavra “Jew” (uma das formas inglesasde se escrever judeu). Justamentepara tentar reverter estequadro, é que o De Olho Na Mídiaestá com uma petição em seu site,pedindo que o Google procure reverteresta situação.Porém, uma coisa tínhamos comocerteza absoluta. Temos um portoseguro. Um lugar onde isto não nosatinge: Israel. Agora, nem mais issotemos. Por incrível e absurdo quepossa parecer, os neonazistas atacamagora também no Estado judeu.Como isso foi possível? Muito simples.Por conta de uma lei que é bonitana teoria, mas cheia de buracosna prática. Ao definir que até netosde judeus foram considerados pertencentesà “raça” e mortos por Hitler,I’S”, portanto, deveriam ser assimconsiderados para serem salvospelo Estado judeu, uma encrenca dotamanho do mundo foi criada.Começando pelo fato de que entraem choque direto com a definiçãoreligiosa judaica de quem pertencea este povo. Nenhuma linhaou corrente religiosa aceita este padrão.Para o judaísmo, judeu é aqueleque nasce filho de uma mãe judia oupassa por um processo de conversão.Segundo e mais importante emnosso caso: boa parte destas pessoasnão tem vínculo algum com o judaísmo,interesse algum em ser vistocomo judeu, já perderam qualquerconexão com a religião.Porque vieram então? No casomais grave de falha da “lei do retorno”,centenas de milhares de russosnão-judeus entraram em Israel paraescapar da miséria russa e receberbenefícios no novo país, as vezes paraisso até forjando documentos e/ouconversões ao judaísmo.Com isto, além de trazerem drogas,prostituição, máfia, crimes,entre outras coisas que poderíamosmencionar, e não se enquadraremcomo judeus (dos cerca de 1,2 milhõesde imigrantes russos, cercade 300.000 não se consideramabertamente judeus, bairros cristãosinteiros se vêem nas regiõesem que vivem russos e etc.), tambémconseguiram a proeza de importarneonazismo.Mas a culpa é nossa, não deles.Eles fizeram o seu papel. Nós deixamosisso acontecer e contrariamosmais uma vez uma lei da Torá, achandoque poderíamos contar uma “coisinhaaqui e ali”, e estamos pagandoum preço muito alto por isso.O neonazismo em todas as suasformas. Para completar, estupefatohoje leio que o presidente norteamericanoGeorge Bush disse quenão vai apoiar a lei que tramita noCongresso para reconhecer o genocídioperpetrado pelos turcos contraos armênios no começo do séculopara não desagradar os aliadosturcos no Oriente Médio. Quetriste dia este. Em que por fatorespolíticos, por interesses momentâneos,por alinhamentos e convenções,se está disposto a fazer revisãoda história. E quem nega umgenocídio, pode negar todos, inclusiveo Holocausto.A sombra do mal está a espreita,cada vez avançando mais e mais eencobrindo a luz da bondade e dafraternidade. Vamos ficar de braçoscruzados ou vamos agir? A decisãocomeça com você leitor. Uma pessoaé um mundo. E o mundo está emperigo. Você e só você pode salválo.Haja, antes que seja tarde demais.Atentado à AmiaO Irã usa os ‘Protocolos’ para encobrir a verdadeJurídicos e Sociais [numa aparente alusãoao Centro de Estudos Legais e Sociais– CELS], que é uma instituição influentesionista”. Mais adiante, descrevea Memória Ativa como “a ONG judaicacom sede nos EUA”.— “Deve-se ter presente que o governoargentino tem uma capacidadelimitada para resistir aos lobbyes (sic)sionistas”.“O informe pega alguns dadosreais isolados para realizar uma construçãoretórica e propagandísticaorientada para o encobrimento. Odespacho do promotor Alberto Nismanassinala responsabilidades muitoclaras por parte de ex-membrosdo governo do Irã e da cúpula doHezbolá na realização do atentadocontra a Amia”, acrescentou SérgioWidder, representante para a AméricaLatina do Centro Wiesenthal.“Neste novo aniversário do atentadocontra a Amia, formulamos um chamamentopara que se redobrem os esforçosinternacionais para que os responsáveisdesse ataque sejam levadosà Justiça e para que Irã e o Hezboláprestem contas diante dos tribunais porsuas atividades terroristas. Trata-se deuma dívida pendente com as vítimas,com seus familiares, com a sociedadeargentina e com a comunidade internacional”,concluiu.
VISÃO JUDAICA • outubro de 2007 • Chesvan / Kislev • 5768Inquisição à mesa9*Breno Lerner éeditor e gourmand,especializado emculinária judaica.Escreve pararevistas, sites ejornais. Dáregularmentecursos eworkshops. Temtrês livrospublicados, doisdeles sobreculinária judaica.Breno Lerner *Em poucos momentos da históriada humanidade, a comida teve tantodestaque como no final da Idade Média.Por um lado, o mundo era vasculhadoa procura de especiarias e temperos,por outro, logo após as grandesdescobertas, a malfadada Inquisiçãoutilizava os hábitos culináriosdo cidadão como forma de denúnciade suas convicções religiosas.Joana Fernade, de Mathoim – Bahiafoi denunciada , em 1560, por suamucama, por “fritar cebolas em óleo edepois jogá-las numa panela com carnepara todos comerem. Foi retornada aPortugal...” (Denunciações 25 pg. 261)Nesta época, uma cozinha quaseúnica, uniu as velhas receitas dospaíses do Oriente, com as novas técnicase temperos desenvolvidos e descobertospelas, então, duas grandespotências da terra.O arroz, laranjas, alcachofras,amêndoas, açafrão, alcarávia, alcaparrasentre outros, passaram a fazer partedos cardápios ibéricos.Novos pratos como o bolinho decarne (albóndigas ou yullica), o cozido(dáfina), conservas em açúcar (almíbar)ou em álcool, são frutos destaunião de técnicas e temperos.Dentre estes, de especial interesseaos brasileiros, está o cozido.Tradicional comida do Shabat, porser preparado de véspera, este pratosefaradi acabou influenciando e sendotransformado em pratos tradicionaisde cozinha italiana (bollito), espanhola(olla podrida, puchero, fabada)e portuguesa (cozido misto).Segundo Câmara Cascudo, em sua‘História da Alimentação no Brasil’, anossa feijoada é descendente direta docozido português, ao contrário do queafirmam alguns historiadores, que definemsua origem no aproveitamentodas partes menos nobres do porco pelosescravos, misturando-os com feijão.Uma tese da Escola de El Molino,o centro de pesquisa culinária de Granada,inclusive afirma que a dáfinacomeçou a ser preparada com porcopelos marranos, que faziam questãode mostrar sua aderência aos hábitosde sua nova religião.Nesta sociedade em ebulição, osjudeus de uma hora para outra, tiveramde adaptar e modificar seus hábitos,principalmente culinários, parafugir dos delatores e inquisidores.Uma das filhas de Manoel Fernandes,no Pernambuco, delatou suamadrasta, Clara, por ”comer frangofrio em fatias coberto por óleo aossábados...” (Primeiras Visitações,pg. 260/61)Recomendações quanto ao que comemas pessoas, se lavam e tiram aGravura britânica, publicada em Londres em 1756. O rei português, D. José I, frente a umaLisboa em ruínas, pergunta a um padre anglicano quais as causas do terramoto; osacerdote protestante mostra-lhe um “auto-da-fé”, dizendo que “queimar pessoas provocaa ira divina”. (Jan Kozak Collection, Universidade de Berkeley, Califórnia)(Fonte: Ruada Judiaria)gordura da carne e o nervo ciático,se evitam o porco, o coelho, mariscos,se comem ovos cozidos em velórios,se evitam principalmente alingüiça, eram feitas, ao povo, aosdelatores e inspetores.Uma das invenções dos entãocriptojudeus resultou na tradicionalalheira portuguesa. Para fingir quecomiam lingüiça, criaram um recheioque levava miolo de pão, alho eschmaltz (gordura de galinha), queera então preparado e comido comolingüiça. A alheira incorporou-se definitivamenteao cardápio lusitano,sendo considerada hoje, um dos pratostípicos de Portugal.O Pêssach tornou-se um pesadelopara os judeus e criptojudeus.Seguir todas as recomendaçõessobre a limpeza da casa e proibiçãode fermentados era praticamenteVJ INDICAHomem comumPhilip Roth – Companhia das LetrasLIVROautorevelar-se.Um curioso, embora triste, hábito,era coletar o chametz em casa,colocá-lo em um bolso com um furoe, disfarçadamente, deixá-lo escorrerpelas ruas.Datam desta época inúmeras receitasde como preparar o matzáem casa, o que normalmente erafeito à noite, nos porões.Um estudo feito pela historiadoraLinda Davidson revela que em47% das delações feitas para a Inquisiçãoportuguesa estava envolvidoum hábito culinário.Uma escrava denunciou Maria deLuna de Almazan (México) em 1505porque “ela me mandou assar seisou sete pães sem fermento e depoisserviu-os a alguns convidados...”(Carrondo/Conde, pág. 92)Andrés Bernardez, o assim chamadocapelão do Inquisidor Geral,recomendava em um de seus escritos:“Existe uma forma judaica decozinhar e comer, a que todos devemosestar atentos. Eles preparamseus pratos, principalmente a carne,com muito alho e cebola, fritando-osao invés de assá-los ouutilizar a banha de porco”.Uma outra conseqüência deInquisição foi que, os judeus, emsua permanente fuga, acabaramespalhando os produtos descobertose trazidos do Novo Mundo portoda a Europa e parte da África.Assim, o tomate, a pimentachili, a batata, o milho, o feijão ea abóbora espalharam-se mundoafora levados, mais uma vez, pelosjudeus. Como conseqüência,alguns pratos clássicos acabaramsurgindo nos guetos e judiarias:bolos de chocolate, cremes de baunilha,molhos de tomate e abóboraforam alguns deles que, emborasem definitiva comprovaçãohistórica, tornaram-se conhecidosa partir desta época.Mais uma vez, o povo judeucumpriu sua sina de, a partir deuma desgraça, espalhar aos quatrocantos cultura (gastronômicaque seja...) e novos hábitos.Parece-me que desde o cativeirodo Egito, este povo nãotem feito outra coisa que nãoseja carregar suas convicções,crenças e cultura de um cantopara outro do mundo.No último meio século, conseguimosum lugar para depositartoda esta carga e criar (ou recriar)uma grande nação. Agora,só falta um pouco de paz...Numa narrativa direta, íntima e ao mesmo tempo universal, Philip Roth explora o tema daperda, do arrependimento e do estoicismo. O autor de Complô contra a América, querelatava o encontro angustiante de uma família com a história, agora volta sua atençãopara a luta de um homem contra a mortalidade, conflito que dura sua vida inteira.Acompanhamos o destino do homem comum de Roth a partir de seu primeiro confronto coma morte, nas praias idílicas dos verões da infância, passando pelos conflitos familiares e pelasrealizações profissionais da idade adulta, até a velhice, quando ele fica dilacerado ao constatara deterioração de seus contemporâneos e dele próprio, atormentado por uma série de males físicos.Artista comercial de sucesso, trabalhando numa agência publicitária em Nova York, ele tem dois filhos do primeiro casamento,que o desprezam, e uma filha do segundo casamento, que o adora. É amado pelo irmão, um homem bom cuja saúde perfeitatermina por despertar sua inveja rancorosa, e é também o ex-marido solitário de três mulheres muito diferentes, tendo elepróprio destroçado os três casamentos. No final, é um homem que se transformou naquilo que não quer ser.