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Sem título-4 - Visão Judaica

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VISÃO JUDAICA • outubro de 2007 • Chesvan / Kislev • 5768O dia em que chegou o Messias3Sérgio Feldman *vida judaica nos séculosXVI e XVII não foifácil. No mundo judeuibérico, ou sefaradi,acabara-se um longoconvívio e uma permanênciajudaica em Sefarad (PenínsulaIbérica) que hoje seria Espanhae Portugal.No final do século XV, em 1492,os judeus foram expulsos da Espanha(então reinos de Castela e Aragão)pelos Reis Católicos, Fernandoe Isabel. A Inquisição já havia sidoinstaurada e os cristãos novos, descendentesdos judeus convertidos àforça a partir de 1391, eram acusadosde seguir sendo judeus às escondidas,e por vezes eram sentenciadosa duras penas que podiamchegar à fogueira. Assim, quem optoupor ficar na Espanha (reinos ibéricos)como convertido, sofria o preconceitoe os riscos de ser acusado,julgado e sentenciado; já quem nãose convertera e emigrara, tinha perdidobens e a estabilidade, fugindopelo Mediterrâneo para rincões distantese tendo que recomeçar a vida.Em Portugal algo ainda mais trágicose deu: o rei Manuel não querendoperder “seus judeus” optou por expulsá-los,mas sem deixá-los sair, nãooferecendo navios. No porto de Lisboamesmo, os “judeus” foram batizados“em pé”. Conversão forçada.Milhares de judeus foram “violentados”,daí seu nome em hebraico:Anusim ou violentados.Na distante Polônia outra tragédiaocorrera. Os poloneses usavamos judeus para cobrar os impostosdos camponeses russos eucranianos, que viviam sob o domíniopolonês. Uma revolta estalaem 1648: bandos de cossacos serebelam contra os dominadores polonesese seus “cobradores” judeus.Os poloneses fogem na sua maioria,mas os judeus são massacrados aosmilhares. O líder cossaco foi o cruele sanguinário Bogdan Chmielnickique organizou uma chacina dos judeus.Fala-se de cerca de 250 a 500mil judeus exterminados, entre 1648e 1656. Mesmo que não haja consensonestes números, trata-se damaior chacina de judeus até o Holocaustoproduzido pelos nazistas.A memória judaica polonesa mantevedatas de luto e jejum por doisséculos. Os efeitos serão duradouros:pobreza, órfãos e viúvas, comunidadesinteiras arrasadas e milharesde judeus vendidos como escravosalem da terrível mortandade.O desconsolo e a falta de perspectivasacentuaram uma saída sobrenatural.Tanto os sefaradim (judeus deorigem ibérica), quanto os ashkenazim(judeus poloneses, especialmente)se viram diante de uma situaçãoinsuportável. Apelar paraD-us era a saída. O Messias deveriaestar em vias de chegar e resgatarseu povo humilhado e oprimido.O Messias veio. Seu nome era ShabetaiTzvi. Nascido em 1626, na cidadeturca de Esmirna, que na épocafazia parte do Império Turco ouOtomano. Tzvi era de origem sefaradi,de boa aparência e intelectualmentebem dotado. Estudou como agrande parte dos jovens judeus a Torá(Pentateuco), o Talmud e a Cabala.Seu mestre foi o rabino Iosef Ascupi,que era o líderespiritual dasua comunidadeem Esmirna. Sendosimpatizantedo grande sábioAri (ou rabi ItzchakLuria) deSafed, um místicoe profundoconhecedor dadoutrina cabalística,foi influenciadopor suasconcepções. Jejuavae meditavapor longos períodos.A solidão eramuito comum aeste jovem que sedivorciou de suaShabetai Tzviesposa e optou por uma vida de estudoe meditação relendo o Zohar einterpretando a Cabala do rabino Ari.Queria se integrar no processo da Redençãodivina e ajudar na vinda doMessias que redimiria o povo judeue a humanidade. Caia seguidamenteem estado de inconsciência ou emêxtase cabalístico.Em 1648 quando o violento esanguinário líder cossaco Chmielnickiiniciara suas matanças de judeus,este jovem judeu pronunciou o “inefávelNome de D-us”, ou seja, o Tetragramaque nas orações é substituídopor Adonai e nas falas por Hashem.Só o Sumo Sacerdote poderiapronunciá-lo em ocasiões especiaisno Templo. Isso só ocorreria quandoviesse o Messias. Um tumulto ocorreue não foi fácil de buscar um entendimento.Uns se entusiasmarame outros o acusaram de heresia e loucura.Ele jejuava e “mergulhava” emmeditação e êxtase. Seus seguidoreso exaltaram, mas o rabi Iosef Ascupie outros eruditos da sua cidadeo excomungaram.Shabetai não se melindrou e saindoda cidade, começou a sua “peregrinaçãoe desterro” que foramuma seqüência de visitas e pregaçõesnas cidades do Império Turco: Constantinopla,Cairo, Salônica e Jerusalém.Os judeus que haviam sidoexpulsos da “Espanha” viam nestemomento a esperada Redenção. Asnotícias do massacre dos judeus peloscossacos na Ucrânia e Polôniaacentuaram o clima espiritual. A vindado Messias se daria num contextode crise e de provações e isto nãoera diferente da realidade tanto dossefaradim, quanto dos ashkenazim.Multidões o seguiam. Alguns adeptossaíram de remotos lugares, venderamseus pertences e se lançaramao encontro do enviado. O sábio rabinoNatan de Gaza referendou a suacondição messiânica e aumentou seuprestígio. Chegou ao ponto de afirmarque o Messiasde Esmirna tirariao cetro do Sultãoe devolveria osjudeus a Jerusalém,onde reinariae traria um reinode paz e felicidade.Seu retorno aEsmirna foi glorioso.Aclamadopelos judeus entregritos entusiasmadose louvoresao “ReiMessias” e ao Libertador.As posturasdo pretensoMessias nãoeram de todo ortodoxas:permitia danças coletivasentre homens e mulheres e alternavamomentos de depressão e autoclausuracom momentos de euforiae pregação entusiasmada.Suas atitudes não eram condizentescom um homem santo.O autor Gershon Scholem, emsua obra “A Mística <strong>Judaica</strong>”, editadano Brasil pela Editora Perspectiva,traz um capítulo sobre o“sabatianismo” ou heresia de ShabetaiTzvi. Nele salienta o papelmarcante de Natan de Gaza na ‘definição’de Shabetai como Messiase na explicação de seus gestos ‘inadequadose até bizarros e sacrílegos’,como ações que reordenavamo caos do mundo, ou seja, de Tikun.O conceito de Tikun é complexo,mas de maneira simplificadaseria o ‘conserto do mundo’. Osgestos não ortodoxos do Messiasserviam para arrumar o Mundo eafastar o mal do Universo. Uma adequaçãode certos comportamentos‘não judaicos’ do “Pseudo Messias”para fazê-los aceitáveis e inteligíveis.Scholem admite a possibilidadede que Shabetai Tzvi fossemaníaco-depressivo, mas o afirmade maneira comedida. Faltam elementospara esta avaliação.A data era simbólica: 1666. Aprofecia que corria de “boca a boca”era de que nesta data ocorreria oconfronto de Shabetai com o Sultãoturco otomano. No inicio desteano um séqüito de seguidores acompanhouo Messias a Istambul, a capitalotomana. O Sultão não relutouem detê-los e isolar Shabetaina fortaleza de Abidos. Isso não fezesmorecer os seguidores. Marcavamvisitas e o consultavam: nada mudara,apesar de tudo.Eram as penúrias que antecediama grande transformação. Simpatizantesse dirigiam a Istambul, para tentarver Shabetai. O Messias estava‘doente’, mas logo se recuperaria efaria portentos e milagres. Nada faziaos seguidores desistirem de seusonho. O Jejum de Tishá Be Av (novedo mês de Av) no qual se recordavaa destruição dos dois templos foiabolido pelos seguidores, pois embreve seria reconstruído o Templo,na sua versão definitiva. A Redençãoestava próxima.Isso não se deu. Shabetai foi intimadoa se encontrar com o Sultão.Este lhe solicitou provas de seuspoderes. Não conseguiu e foi intimadoa se converter ao Islã ou serexecutado sumariamente. Shabetaiaceitou se converter e junto comele, o fizeram sua esposa Sara e muitosde seus discípulos. Ele foi nomeadoMehmet Efendi e ainda assim,nos meses seguintes, alegava aseus discípulos que sua conversãoseria uma parte das dores do Messias.Era algo que os judeus seferadimnão achavam estranho: os marranosibéricos que haviam sido convertidosà força nos reinos da atualEspanha (Castela e Aragão) seguiam“judaizando’, às escondidas,apesar da perseguição da Inquisição.A conversão forçada e o criptojudaísmoeram familiares aos judeusda região do Mediterrâneo.O Sultão, irritado, exilouMehemet Effendi (ShabetaiTzvi) para Dulcina, naatual Albânia. Ele viveuseus últimos anos isoladomas sempre alegando suacondição messiânica. Suamorte, em 1676, não extinguiuseu movimento. Osseguidores achavam que elerenasceria e reapareceria consumandoa redenção. Os rabinostiveram serias dificuldades na seqüênciados séculos XVII e XVIII,com os sabatianistas. Os nazistas aniquilaramvários núcleos de seguidoresque ainda existiam nos Bálcãs,durante o Holocausto. O escritor judeubrasileiro Moacyr Scliar fez umconto sobre a “Balada do falso Messias”,que transcorre em Quatro Irmãos(RS), nas colônias agrícolas judaicas.Um texto digno de um imortal da Academia.Busque e leia. Vale a pena.Sérgio Feldman* Sérgio Feldman édoutor em História pelaUFPR e professor deHistória Antiga e Medievalna Universidade Federal doEspírito Santo, em Vitória, eex-professor adjunto deHistória Antiga do Cursode História da UniversidadeTuiutido Paraná.

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