25No esforço dos interlocutores <strong>em</strong> colocar a linguag<strong>em</strong> frente a um e a outro,que Bakhtin elaborou um dos princípios-chave <strong>de</strong> sua teoria, o dialogismo, pois,segundo ele, o locutor enuncia antecipando o que o outro vai dizer, isto é,experimentando ou projetando o lugar <strong>de</strong> seu ouvinte, que po<strong>de</strong> concordar ou discordardo que foi dito.Deslocando o significado da comunicação externamente ao locutor e aointerlocutor, o teórico russo coloca <strong>em</strong> cheque toda a forma <strong>de</strong> se pensar o ensino dalíngua materna, uma vez que, para ele, os lingüistas da época tais como Vossler eSaussere, não consi<strong>de</strong>ravam a presença do outro no diálogo, ou quando faziamreferência a um receptor, este era passivo, não tendo nenhuma, ou quase nenhuma,função na comunicação.Para Bakhtin a unida<strong>de</strong> real da comunicação discursiva é o enunciado, “um elo<strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia muito complexa <strong>de</strong> outros enunciados” (BAKHTIN, 1992, p. 311). Todaenunciação completa é constituída <strong>de</strong> significação, <strong>de</strong> t<strong>em</strong>a ou sentido. Essesel<strong>em</strong>entos se integram formando um todo, e sua compreensão só é possível através dainteração. Cada esfera <strong>de</strong> utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis<strong>de</strong> enunciado, constituindo-se assim os gêneros do discurso. O autor afirma que “senão existiss<strong>em</strong> os gêneros do discurso e não os domináss<strong>em</strong>os, se tivéss<strong>em</strong>os <strong>de</strong> criálospela primeira vez no processo da fala, se tivéss<strong>em</strong>os <strong>de</strong> construir cada um dosnossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível” (BAKHTIN, 1992, p.302).A oração, a qual a Gramática da Aca<strong>de</strong>mia 2 subdivi<strong>de</strong> <strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s fônicas,sílabas e fon<strong>em</strong>as, dá à língua uma forma fragmentária, pois não transmite uma idéiaou um pensamento. Essa forma <strong>de</strong> pensar foi muito utilizada no ensino <strong>de</strong> línguamaterna pela pedagogia tradicional e alvo <strong>de</strong> reflexões do estudioso, que observou:a oração, assim como a palavra é uma unida<strong>de</strong> significante da língua; porisso, consi<strong>de</strong>rada isoladamente.[...] Não obstante, é impossível adotar arespeito <strong>de</strong>ssa oração isolada, uma atitu<strong>de</strong> responsiva-ativa a não ser quesaibamos que o locutor, mediante essa oração, disse tudo que queriadizer e que essa oração não é precedida e n<strong>em</strong> seguida <strong>de</strong> outras oraçõesprovenientes do mesmo locutor (BAKHTIN, 1992, p. 306).2 Referindo-se à Aca<strong>de</strong>mia Russa, na época recém inaugurada.
26Dessa forma, ao <strong>em</strong>basar o ensino da língua na perspectiva bakhtiniana, ossujeitos envolvidos no processo <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> pautar sua prática<strong>em</strong> exercícios estruturais, técnicas <strong>de</strong> redação e treinamento para habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leituraque não preparam o aluno para as situações reais do ato da fala.Não obstante a fragmentação da obra <strong>de</strong> Mikhail Bakhtin e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>tradução <strong>de</strong> suas idéias, o valor <strong>de</strong> seu trabalho é inegável e permanece instigando efazendo refletir sobre a linguag<strong>em</strong> e suas relações entre os sujeitos, pois “muito maisque um teórico das questões literárias ou da substância social da linguag<strong>em</strong> é umpensador, um filósofo, <strong>de</strong>ntre os maiores <strong>de</strong>ste século” (FARACO, 2007, p. 12), cujascontribuições no campo do estudo da linguag<strong>em</strong> causaram uma ruptura entre osubjetivismo e o objetivismo, relacionando o falante da língua a um contexto histórico esocial.O teórico enten<strong>de</strong> o ato da comunicação como um ato social, histórico esocialmente construído, por sujeitos inseridos <strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminado momento histórico esocial, cuja compreensão ativa e responsiva só é possível quando “opõe ao outro umacontrapalavra”. (BAKHTIN, 1992, p.137).Segundo ele, “O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro,senão uma das formas, é verda<strong>de</strong> que das mais importantes da interação verbal”(BAKHTIN, 1992, p. 123). Entretanto, po<strong>de</strong>-se compreen<strong>de</strong>r a palavra “diálogo” <strong>em</strong> umsentido mais amplo, isto é, não apenas como a comunicação <strong>em</strong> voz alta, <strong>de</strong> pessoascolocadas face a face, mas como todo o ato <strong>de</strong> comunicação verbal, <strong>de</strong> qualquer tipoque seja, pois para ele:A vida é dialógica por sua natureza. Viver significa participar <strong>de</strong>um diálogo... O hom<strong>em</strong> participa neste diálogo todo e com todasua vida: com olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com todo ocorpo, com seus atos 3 . (BAKHTIN, 1982, apud FARACO, 2007).3La vida es dialógica por su naturaleza. Vivir significa participar en un diálogo... El hombre participa en este diálogo todo y contoda su vida: con ojos, labios, manos, alma, espíritu, con todo el cuerpo, con sus actos
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