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abusos, trabalho precoce, distância da escola: o lado ... - CNM/CUT

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há 90 anos Revolução Russa mudou o mapa e abalou a história do mundonº 17 outubro/2007 www.revistadobrasil.netSandra, 12anos, hojeestu<strong>da</strong> e querser professoraalegriaferi<strong>da</strong>Abusos, <strong>trabalho</strong> <strong>precoce</strong>,distância <strong>da</strong> <strong>escola</strong>: o <strong>lado</strong> sombrio<strong>da</strong> infância brasileiraCaco Barcellos Profissão dramaturgoAmor aos 60 Paixão faz bem à saúde


ConteúdoCarta ao LeitorCapa 8Felici<strong>da</strong>de por um triz: o desafiode combater o <strong>trabalho</strong> infantilPolítica 14O valerioduto do PSDB chega aoSTF e vira “mineiro”, e não tucanoEntrevista 18Caco Barcellos leva ao teatro apeleja entre o morro e o asfaltoMídia 22Em tempo de renovar concessões,quem avalia se emissoras merecem?Saúde 26Atletas em busca de alto rendimentoextrapolam limites <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> saudávelHistória0Os dias que abalaram a Rússia, há90 anos, e seu legado para o mundoEmanuel e Célia: vivendo um grande amorComportamento6Histórias de amor que, na melhori<strong>da</strong>de, dão novo sentido à vi<strong>da</strong>Perfil 40Michel Joelsas, de garoto curioso a atorprincipal de filme que pode ir ao OscarViagem 42Os barcos de Manaus Moderna e ovaivém dos destinos via Rio NegroseçõesCartas 4Ponto de Vista 5Resumo 6Curta essa dica 46Crônica 50augusto CoelhoTelevisão brasileira: concessão de espaço público sem controle nem contraparti<strong>da</strong> socialOlhar para a mu<strong>da</strong>nçaOmodo de pensar televisão ganhou novas leituras depois <strong>da</strong> decisão do presidentevenezuelano, Hugo Chávez, de não renovar a concessão <strong>da</strong> RadioCaracas Televisión, a RCTV, a segun<strong>da</strong> maior emissora do país. Qual foi aver<strong>da</strong>deira motivação para o fechamento? Para a mídia, foi mero “atentadocontra a democracia e a liber<strong>da</strong>de de imprensa”. Mas pela internet houve umtropel de apoio à decisão chavista, que seria uma resposta à tentativa de golpe contra seugoverno urdi<strong>da</strong> na casa do dono <strong>da</strong> emissora.O documentário Digan la Ver<strong>da</strong>d, produzido pelo governo venezuelano, alinha entrevistas,depoimentos e argumentos jurídicos a favor <strong>da</strong> não renovação. No filme, chamam aatenção trechos <strong>da</strong> programação <strong>da</strong> RCTV, dos programas de auditório, de <strong>da</strong>nças de banheiras,de novelas e de noticiários. Deslocados do tubo, revelam baixarias que vão de encontroà digni<strong>da</strong>de humana.Paixões à parte, o debate no Brasil produziu lições. Brasileiros passaram a constatar queas televisões não podem – ou não deveriam poder – tudo. Descobriram que tevês são concessõespúblicas que podem ou não ser renova<strong>da</strong>s. Alguns movimentos chegaram a pedir anão renovação <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> Rede Globo, com vali<strong>da</strong>de expira<strong>da</strong> no dia 5 de outubro.Sobrou também para as rádios, igualmente concessões do espaço público. Descobriu-seque milhares de emissoras famosas e de boa audiência operam com outorgas venci<strong>da</strong>s háanos mediante inúmeros artifícios para transmitir a partir de locais e potências tão irregularesquanto as rádios comunitárias, as únicas persegui<strong>da</strong>s, lacra<strong>da</strong>s e com prisão de operadores.Sobrou ain<strong>da</strong> para os jornais e revistas com excessiva parti<strong>da</strong>rização, nunca assumi<strong>da</strong>,enrusti<strong>da</strong>, travesti<strong>da</strong> de imparciali<strong>da</strong>de em que as versões sobrepõem-se aos fatos.Se o Brasil mudou, é possível esperar que a mídia brasileira mude também. Seja por entenderque seu papel democrático e republicano tem como matéria-prima primeiro a informação,depois a opinião. Seja pela pressão social, que passe a condicionar renovações deconcessões à avaliação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do conteúdo. Ou pela ocupação dos espaços <strong>da</strong> comunicaçãopor novos veículos, com olhar para uma nação em que a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e a digni<strong>da</strong>dehumana prevaleçam sobre as ideologias e os mercados. Nossa parte está sendo feita.2007 outubro REVISTA DO BRASIL


Conselho editorialAntônio de Lisboa Amancio Vale(Simpro-DF); Artur Henrique <strong>da</strong> SilvaSantos (<strong>CUT</strong>-Nacional); Carlos AlbertoGrana (<strong>CNM</strong>-<strong>CUT</strong>); Carlos Ramiro deCastro (Apeoesp); Djalma de Oliveira(Sinergia <strong>CUT</strong>/SP); Eduardo Alencar(Sindicato dos Bancários do MatoGrosso); Edílson de Paula Oliveira(<strong>CUT</strong>-SP); Edson Cardoso de Sá(Sindicato dos Metalúrgicos deJaguariúna); Ivan Gomes Caetano(Sindicato dos Bancários de Patosde Minas e Região); Izidio de BritoCorreia (Sindicato dos Metalúrgicosde Sorocaba); José Carlos Bortolato(Sindicato dos Trabalhadores emEmpresas Editoras de Livros);José Lopez Feijóo (Sindicato dosMetalúrgicos do ABC); Laercio Alencar(Sindicato dos Bancários do Ceará);Luiz Cláudio Marcolino (Sindicatodos Bancários de São Paulo, Osascoe Região); Marcos Benedito <strong>da</strong> Silva(Afubesp); Paulo Lage (Sindicato dosQuímicos e Plásticos do ABC); RenatoZulato (Sindicato dos Químicos ePlásticos de São Paulo); Rita Serrano(Sindicato dos Bancários do ABC);Rodrigo Lopes Britto (Sindicato dosBancários de Brasília); Rui Batista Alves(Sindicato <strong>da</strong>s Bebi<strong>da</strong>s de São Paulo);Sebastião Cardozo (Fetec/<strong>CUT</strong>/SP);Silvia M. de Lima (SindSaúde/SP);Vagner Freitas de Moraes (Contraf-<strong>CUT</strong>);Valmir Marques (FEM/SP e Sindicatodos Metalúrgicos de Taubaté); Viníciusde Assumpção Silva (Sindicato dosBancários do Rio de Janeiro);Wilson Marques (Sindicato dosEletricitários de Campinas)Diretores responsáveisJosé Lopez FeijóoLuiz Cláudio MarcolinoDiretores financeirosIvone Maria <strong>da</strong> SilvaTarcísio SecoliInformação que transformaNúcleo de planejamento editorialCláudia Motta, José Eduardo Souza,Krishma Carreira e Paulo SalvadorEditoresPaulo Donizetti de SouzaVander FornazieriAssistente editorialXandra StefanelRevisãoMárcia MeloRe<strong>da</strong>çãoRua São Bento, 365, 19º an<strong>da</strong>r,Centro, São Paulo, CEP 01011-100Tel. (11) 3241-0008CapaFoto de Paulo PepeDepartamento comercial(11) 3106-9178Adesão ao projeto(11) 3241-0008Atendimento: Claudia Aran<strong>da</strong>ImpressãoBangraf (11) 6940-6400Simetal (11) 4341-5810DistribuiçãoGratuita aos associados<strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des participantesTiragem360 mil exemplaresCartasPode pararSomos alunos <strong>da</strong>8ª série do ensinofun<strong>da</strong>mental. Arevista tem estiloousado, estimulaa socie<strong>da</strong>de e ogoverno a respeitarnossos direitos.A reportagem“Pode parar” (edição16) é muito interessante, pois o trânsitonas grandes ci<strong>da</strong>des é um dos problemasmais sérios que enfrentamos. Sugerimostambém assuntos que contemplem nossafaixa etária, como música, <strong>da</strong>nça, esporte,drogas, exploração de <strong>trabalho</strong> infantil.Andréa, Darlane, Nathalia, Ingrid, Greicy,Uriel, Bruno, Fábio, Richerd, Michel e professoraImacula<strong>da</strong>Escola Estd. Fidelino Figueiredo, S. Paulo (SP)Onze de setembroMuito confortante foi ler a crônica de MouzarBenedito (“Triste 11 de setembro”, edição16). Na sua maneira peculiar de escrever,disse tudo que eu precisava ler nessedia. Sou sua fã. E parabéns a to<strong>da</strong> a equipe<strong>da</strong> Revista do Brasil. O dinamismo de vocêsnos impulsiona a crer no exercício <strong>da</strong>democracia e <strong>da</strong> participação.Ana Cecília Canonico de Souza, S. Paulo (SP)canonicosouza@yahoo.com.brContemp<strong>lado</strong>Na edição nº 16 <strong>da</strong> Revista do Brasil fuicontemp<strong>lado</strong> com duas reportagens. “Umdia em Brasília” menciona a ratificação <strong>da</strong>Convenção 158 <strong>da</strong> OIT, que já vigorou noBrasil entre janeiro de 1996 e setembro doano seguinte. Em 15 de março de 1996 conquistamosa primeira decisão na Justiça doTrabalho do país determinando a reintegraçãode trabalhadores com base naquelanorma. A segun<strong>da</strong> matéria, “A turma dodeixa disso”, relata o avanço <strong>da</strong>s soluçõesextrajudiciais de conflitos, idealiza<strong>da</strong>s pormim em 1991 e regulamenta<strong>da</strong>s através deConvenção Coletiva de Trabalho celebra<strong>da</strong>desde 1993. Hoje a idéia é implanta<strong>da</strong> emtodos os segmentos <strong>da</strong> Justiça brasileira.Euso José <strong>da</strong> Silva, presidente do Sindicatodos Comerciários de Patos de Minas (MG)eusosilva@uai.com.brMetralhadoraÉ o cúmulo do absurdo a quanti<strong>da</strong>de dealunos na sala de aula. É brincadeira? Oumontagem para impressionar? Como épossível uma professora <strong>da</strong>r aula para tantacriança assim? Como podem prestar atençãoao que a professora ensina? Enquantoisso a imprensa ignora esse fato. Divulgamaravilhas do governo, CPMF para cobrirrombos futuros... Escrevi demais? Ah, achoque nem vão publicar mesmo!José Guimarães e Silva, Pouso Alegre (MG)mokoloton@gmail.comHonesti<strong>da</strong>deVocês são uma rari<strong>da</strong>de. Parabéns pelasmagníficas reportagens, a honesti<strong>da</strong>de e orespeito ao povo brasileiro.Ademir Augusto Giorni, São Roque (SP)augustogiorni@uol.com.brDireito de saberO povo brasileiro esperava do CongressoNacional ser mais aberto com o voto, paradecidir a cassação do atual presidente <strong>da</strong>casa, Renan Calheiros. A decisão do voto secretocontraria a democracia. Temos o direitode ser informados sobre quem se omite.Manoel José de Santana, Recife (PE)manoellimoeiro@uol.com.brMais estu<strong>da</strong>ntes leitoresA re<strong>da</strong>ção recebeu três cartinhas posta<strong>da</strong>s emuma mesma agência paulistana dos Correios,comentando a edição 15, mês de agosto. OLuís e o Hélio, <strong>da</strong> Rua Paulo Bender, afirmamter gostado <strong>da</strong>s novi<strong>da</strong>des trazi<strong>da</strong>s pelareportagem “Novos Caminhos do Emprego”.A Aman<strong>da</strong>, <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Vila Ema, escreveu sobrea reportagem de capa: “Fiquei surpresa aosaber que muitos homens não usam camisinha,apesar de tanta informação. A camisinha émuito importante para evitar abortos e doenças.Todos deveriam usar com prazer”.E a Renata, <strong>da</strong> Rua Sargento Mor AntonioTeixeira, gostou <strong>da</strong> reportagem “Ro<strong>da</strong> Viva”porque o projeto “estimula o desenvolvimentoe o potencial de aprendizagem e integraprofessores, estu<strong>da</strong>ntes e comuni<strong>da</strong>des,incentivando as pessoas a ler”.revista@revistadobrasil.netAs mensagens para a Revista do Brasilpodem ser envia<strong>da</strong>s para o e-mail acima oupara Rua São Bento, 365, 19º an<strong>da</strong>r, Centro,São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que asmensagens venham acompanha<strong>da</strong>s denome completo, telefone, endereço e e-mailpara contato. REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Ponto de Vista PorMauro SantayanaO Senado e a RepúblicaArecente crise no Senado provocouvárias reações na im-dos estados mais ricos. A extinção do Senadonores e menos desenvolvidos, em benefícioprensa e na opinião pública,deixaria a União sob o comando direto <strong>da</strong>salgumas procedentes e outrasdesprovi<strong>da</strong>s de lucidez.A outra insensatez é a proposta de quebanca<strong>da</strong>s mais numerosas <strong>da</strong> Câmara.Tudo começou com a informação de queo senador Renan Calheiros tinha uma filhafora do casamento e a sustentava com aaju<strong>da</strong> de um lobista. Ter filhos fora do casamentonão é fato incomum, tanto entre políticosquanto entre quaisquer outros grupossociais. É um acidente do amor, ou doshormônios. Pode ser também – quando odeixe de existir o voto secreto. O voto secretoé uma conquista <strong>da</strong> democracia moderna,seja nas eleições, seja no Parlamento.Até 1930, no Brasil, o eleitor comum votavaa descoberto, quase sempre na presença deseu patrão, e sempre diante <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>despoliciais. Um trabalhador jamais chegariaao Parlamento e menos ain<strong>da</strong> ao PoderExecutivo com o voto aberto. Além depai é homem rico ou conhecido – fruto deuma cila<strong>da</strong>. Tenha sido uma coisa ou outra,Renan errou ao nãoconstituir uma violência, e de só eleger patrões,o sistema permitia a fraude. As listas,o assunto é de interesse restrito. A conduta licenciar-se de início, o quepriva<strong>da</strong> de um homem público não interferepermitiria investigações com os nomes dos eleitores e de seus votos,em seu desempenho político.sem constrangimento.eram substituí<strong>da</strong>s por outras, falsas, elegendosempre os candi<strong>da</strong>tos <strong>da</strong>s oligarquias go-O fato de usar um lobista para o pagamento<strong>da</strong> mesa<strong>da</strong> destina<strong>da</strong> à filha não chegaa ser, em si mesmo, ilícito – desde que para a oposição fechar foi instituído o voto secreto e, com ele, a elei-Acabou <strong>da</strong>ndo pretextovernamentais. Só com a Revolução de 1930o dinheiro tenha sido do próprio senador. o cerco contra Lulação dos primeiros candi<strong>da</strong>tos populares.A ação de lobistas entre poderes públicosé conheci<strong>da</strong>, desde que o sistema se iniciou(como tantas outras coisas) em Washington,no saguão de um hotel, no século 19.Seria melhor que não houvesse tal intermediação,mas sempre existiu, desde quehá governo no mundo.Houve, sem embargo, acusações maisgraves, que devem ser investiga<strong>da</strong>s. Mas,por mais graves tenham sido, não eram suficientespara tentar, como tentou a oposição,transformar a questão em crise institucional.Houve, de parte a parte, erros emá-fé. Renan Calheiros errou ao não licenciar-sedo cargo no início <strong>da</strong> crise, o quepermitiria a investigação dos fatos sem oconstrangimento de sua presença na chefia<strong>da</strong> Casa. Isso deu pretexto à oposição parafechar o cerco contra Lula.Entre as reações insensatas, a mais grave éa sugestão de extinguir o Senado <strong>da</strong> República.Lembra a anedota famosa, do sujeito queflagra a mulher em ato de adultério no sofáe man<strong>da</strong> retirar o móvel <strong>da</strong> sala. O Senadoé absolutamente necessário a uma união deestados em república federativa como a doBrasil. Os senadores representam os estadospelos quais foram eleitos. Como as banca<strong>da</strong>ssão iguais (três senadores por uni<strong>da</strong>de federativa),nele não há estados maiores nem menores.A Câmara dos Deputados, eleita pelavotação proporcional, pode ser controla<strong>da</strong>pelas banca<strong>da</strong>s dos estados mais populosose de maior poder econômico e coman<strong>da</strong>r, assim,o governo federal. Dessa forma, o governocentral passaria a dominar os estados me-O voto secreto é a única garantia paraque, nas casas legislativas, o parlamentarvote de acordo com a sua consciência,sem sofrer a pressão do Executivo, <strong>da</strong> mídiaou de grandes corporações. Podemosaceitar a votação aberta, quando estejamem causa os próprios parlamentares. Nessassituações, a pressão <strong>da</strong> opinião públicapara conhecer o voto de ca<strong>da</strong> deputado ousenador pode ser legítima. Como foi legítimaa pressão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil organiza<strong>da</strong>para que a mídia se libertasse <strong>da</strong> coação dogoverno militar e desse voz à opinião públicapara exigir o voto aberto, no ColégioEleitoral, a fim de eleger Tancredo e acabarcom as eleições indiretas no Brasil.Enfim, é preciso ver as coisas sem o calor<strong>da</strong> paixão, se queremos continuar sobo regime democrático.Wilson Dias/ABrMauro Santayana <strong>trabalho</strong>u nos principais jornais brasileiros desde 1954. Foi colaborador de Tancredo Nevese adido cultural do Brasil em Roma nos anos 80. É colunista do Jornal do Brasil e articulista de diversas publicações2007 outubro REVISTA DO BRASIL


Resumo PorPaulo Donizetti de Souza e Vitor NuzziTrabalho escravoA Pagrisa, usina de açúcar e álcool do Pará, comemorou recorde deprodução em agosto, apesar <strong>da</strong> “crise” causa<strong>da</strong> pelo Ministério do Trabalhoe Emprego. Qual crise? Em mais de 12 anos de atuação, o grupomóvel de fiscalização ao <strong>trabalho</strong> escravo retirou 25 mil trabalhadoresde situação análoga à escravidão; a maior operação, em junho, alcançou1.064 empregados. Onde? Na Pagrisa. Um grupo de senadores ligados aoagronegócio contestou os resultados e foi visitar a usina, mais para fiscalizara fiscalização do que as condições dos trabalhadores. Kátia Abreu(DEM-TO) quer rediscutir o conceito de <strong>trabalho</strong> escravo e “compatibilizarlegislação para garantir emprego”.Compatibilizar a lei para que não haja inconveniente em alojamentossuperlotados? Jorna<strong>da</strong>s de até 14 horas? Falta de água potável? Humilhaçõese ameaças? A secretária de Inspeção do Trabalho do MTE, RuthVilela, suspendeu as ações do grupo móvel, temendo que essa tentativade desqualificar a fiscalização agrave a situação de risco em que vivem osintegrantes do grupo móvel (agentes <strong>da</strong> PF, do MTE, Ministérios Públicosdo Trabalho e Federal), freqüentemente ameaçados por fazendeiros.O MTE aguar<strong>da</strong> posição <strong>da</strong> Advocacia-Geral <strong>da</strong> União sobre as reaçõesdo Senado para retomar as operações, que fazem do Brasil referênciainternacional no combate ao <strong>trabalho</strong> escravo.Que é isso, companheiro?O governo teve de se desdobrar entre opositores e aliadospara prorrogar a CPMF até 2011. Lula, opositor doimposto, quando criado, verificou que o governo nãose preparou para conseguir viver sem ele. Falta um planoque aponte a redução gradual de seu peso no orçamento<strong>da</strong> União e no bolso dos brasileiros, até se tornaralgo irrisório, que preserve apenas a função de patrulharmovimentações financeiras e combater a sonegação. Ascentrais sindicais também dão seu puxão de orelha pelalição de casa não feita. Na reunião do Conselho Nacionalde Desenvolvimento Econômico e Social, no último dia20, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,José Lopez Feijóo, defendeu o fim dos 0,38% <strong>da</strong> CPMFsobre os salários.Questão de honraAções do grupo móvel de fiscalizaçãoAno Operações Empresas Pessoas Indenizaçõesfiscaliza<strong>da</strong>s liberta<strong>da</strong>s (em R$)1995 11 77 84 —1996 26 219 425 —1997 20 95 394 —1998 18 47 159 —1999 19 56 725 —2000 25 88 516 472,8 mil2001 29 149 1.305 958,0 mil2002 30 85 2.285 2,1 milhões2003 67 188 5.223 6,1 milhões2004 72 275 2.887 4,9 milhões2005 85 189 4.348 7,8 milhões2006 109 209 3.417 6,4 milhões2007* 76 141 3.544 5,1 milhõestotal 87 1.818 25.312 33,8 milhões* Até 27/9. Fonte: SIT/MTEAvanços no FórumO Fórum Nacional <strong>da</strong> Previdência ain<strong>da</strong> não terminou. Mas previsões epressões por reforma que volte a atacar direitos não se confirmaram. Até aquia <strong>CUT</strong>, que tem levado o Fórum a sério, conseguiu emplacar alguns consensosentre os representantes <strong>da</strong>s centrais, dos empresários e do governo federal:o piso dos benefícios permanece vincu<strong>lado</strong> ao salário mínimo; as regrascontinuam diferencia<strong>da</strong>s para homens e mulheres; tempo de recebimentode seguro-desemprego será contado como tempo de contribuição; é precisocriar mecanismos que facilitem a adesão e inclusão de mais trabalhadores nosistema e agilizar a cobrança dos devedores; empreendimento privado quereceber crédito público deve gerar empregos formais; a gestão <strong>da</strong> Previdênciadeve ter participação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.Ival<strong>da</strong>: “Queromeus direitos”Ival<strong>da</strong> Silva nasceu em Alagoinha (PE), tem 42 anose chegou com a família a São Paulo quando tinha 3.Enquanto parentes e amigos logo tiraram proveito <strong>da</strong>emergente indústria automobilística, o emprego comque sonhava só viria em 1993, na fábrica de autopeçasFris Moldu Car, em São Bernardo. Começou uma era demuitas realizações. Até que uma amiga de fábrica precisousacar o FGTS, em 2000, e descobriu que a empresanão o recolhia. Com o tempo, a cesta básica foi corta<strong>da</strong>e Ival<strong>da</strong> passou a pagar pelo plano de saúde. Há um ano,com 260 funcionários, a empresa parou de pagar saláriose direitos trabalhistas. Os administradores são acusadosde saquear a fábrica. Um grupo de empregadosacampa em frente ao portão há sete meses, para que osdonos não tirem nenhum patrimônio. O grupo não desiste.“É questão de honra. Quero meus direitos. Só isso”,desabafa Ival<strong>da</strong>. Ela espera que a fábrica ain<strong>da</strong> retome aprodução, mas em forma de cooperativa, sob controledos trabalhadores.Raquel Camargo REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Kerlon:drible<strong>da</strong> focaFusão e ebuliçãoProtesto: 19mil empregosameaçadosvalter camapnato/abrMundoanimalAtlético x Cruzeiroé uma <strong>da</strong>s rarasoportuni<strong>da</strong>des de vermineiro nervoso. Nomês passado, finalzinhodo jogo, 4 a 3 para oCruzeiro, o jovem atacanteKerlon faz a sua joga<strong>da</strong>característica: avançacontra a área adversária“petecando” a bola com acabeça, o drible <strong>da</strong> foca. Porcausa <strong>da</strong> foca, o atacante <strong>da</strong>raposa levou um safanãodo zagueiro Coelho, doGalo, que acabou suspensopor 120 dias pelo tribunalesportivo. O agressor atérecebeu manifestações desoli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de de um zagueirocarioca, que afirmou quechutaria a cabeça <strong>da</strong> foca.Assim caminha o futebol-arte.cruzeiro esporte clubeBancários de todo o Brasil estiveram entre os dias 25 e 27 de setembroem Brasília para cobrar do Executivo e do Congresso regras contrademissões em massa caso se concretize a compra do banco ABN Amropelo espanhol Santander. A direção do Santander já previu 19 mil degolasem todo o mundo. Como na Europa há acordos e leis mais rígidosna proteção ao emprego, os brasileiros temem que as demissões se concentrempor aqui, onde o ABN controla o Real e não há leis que regremprocessos de fusão entre empresas. Os sindicalistas cobram reconhecimentoà Convenção 158 <strong>da</strong> Organização Internacional do Trabalho, queobstrui demissões imotiva<strong>da</strong>s. Conseguiram apoio de parlamentares edo Ministério do Trabalho. O assunto assunto será aprofun<strong>da</strong>do na Comissãode Trabalho <strong>da</strong> Câmara.Irado pero no muchoA reação às declarações do presidente <strong>da</strong> Philips – deque o Piauí não faria falta se sumisse do mapa – ain<strong>da</strong>rende frutos. Para o megaempresário João Claudino, aira popular foi oportuna. Dono <strong>da</strong> principal rede de lojasde departamentos de Teresina, o barão tirou os produtosPhilips de suas prateleiras. Mas Claudino os mandoupara lojas que mantém em outras ci<strong>da</strong>des do Nordeste,segundo gente bem informa<strong>da</strong> <strong>da</strong> capital. E, enquantoespera a raiva passar, negocia preços e melhores margensde lucro com o fabricante.2007 outubro REVISTA DO BRASIL


capaPor Xandra StefanelQuando nasceu, João eracolocado num travesseirodentro do carrinho de madeira,junto com as frutasque sua mãe iria vender.Sem ter com quem deixar os dois filhos,a ambulante Ana Maria Sobrinho os levavapara o <strong>trabalho</strong>. Hoje João, 12 anos,e seu irmão Carlos, 14, seguem o ofício<strong>da</strong> mãe: vender frutas pelo centro de SãoPaulo. Os dois estu<strong>da</strong>m à tarde e trabalhamde manhã. Carlos, que já foi reprovadona <strong>escola</strong> uma vez, prefere trabalhara “aprontar coisa erra<strong>da</strong> por aí”. Como sehouvesse apenas duas alternativas: <strong>trabalho</strong>ou criminali<strong>da</strong>de.Nos centros urbanos, a face mais expostado <strong>trabalho</strong> infantil está nas ruas e semáforos.Na região do chamado Centro Administrativode Teresina, as amigas Elaine, de13 anos, e Sandra, 12, viviam entre as pedintes.“É costume nas famílias as criançasirem pra rua pedir”, conta Elaine. “A genteprimeiro aprende a pedir, depois começa a‘pegar’”, revela Sandra, amenizando a expressãofurtar. Hoje ambas mantêm distânciado ofício <strong>precoce</strong>. Elaine está na 5ª sériee sonha ser bailaria. Sandra, na 6ª, adoraPortuguês e é freqüentadora <strong>da</strong> biblioteca.“Quero ser professora.”O estímulo aos estudos e o direito de sonharelas conquistaram nas ativi<strong>da</strong>des naCasa de Zabelê – uma referência na capitalpiauiense no <strong>trabalho</strong> com meninas em situaçãode risco. A iniciativa surgiu do conselhocomunitário <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, tendo à frentea Ação Social Arquidiocesana (ASA), comapoio do Banco Interamericano de Desenvolvimentoe <strong>da</strong> prefeitura.Com o tempo, agregou parceiros comoUnicef/Criança Esperança e o projeto PetrobrasFome Zero. A Casa de Zabelê atende124 jovens e desenvolve ativi<strong>da</strong>des deacompanhamento e reforço <strong>escola</strong>r, oficinasde <strong>da</strong>nça, serigrafia e mo<strong>da</strong>. As famíliasdos jovens recebem bolsa de 50 reais. Ca<strong>da</strong>dia de falta nas ativi<strong>da</strong>des gera um descontode 2,50 na mesa<strong>da</strong>; se a falta for na <strong>escola</strong>,o desconto é de 5 reais.De acordo com a coordenadora CarlaSimon Borges, as parcerias proporcionamuma receita de 55 mil reais, o bastante parabancar uma equipe de pe<strong>da</strong>gogos, psicólogos,assistentes sociais, pessoal de apoioe manter as ativi<strong>da</strong>des. “As meninas nãoO Brasil vem obtendoavanços contra o<strong>trabalho</strong> infantil. Maso número de jovensque têm a infânciaameaça<strong>da</strong> por algumaforma de ocupaçãoain<strong>da</strong> é alto para umpaís que quer ser felizquando crescerFelici<strong>da</strong>depor umtriz REVISTA DO BRASIL outubro 2007


sem brincadeira são trata<strong>da</strong>s como coitadinhas,mas prepara<strong>da</strong>sEm Recife, Cleópatra cata elimpa sururu desde os 9 anos para li<strong>da</strong>r com sua reali<strong>da</strong>dee enfrentá-la. Paraque nosso atendimento sejaapenas uma passagem, na<strong>da</strong> de dependência”,afirma. Trata-se de um exemplo concretode como tem de ser o combate à violaçãodos direitos <strong>da</strong>s crianças: uma somade atitudes entre poder público, organizações<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil, organismos internacionais,empresas e comuni<strong>da</strong>de.Integração de açõesUma <strong>da</strong>s tarefas do poder público é a fiscalização.O Ministério do Trabalho informater visitado, de janeiro a agosto desteano, 227 mil locais, nos quais regularizouo vínculo de 34 mil aprendizes e determinouregistro em carteira de outros 1.800adolescentes entre 16 e 18 anos.A fiscalização alcançou no período outros4.200 menores de 16 anos em situaçãoirregular, casos em que se procura encaminharas famílias dos jovens para ações deprevenção – como programas educacionaise de transferência de ren<strong>da</strong>.Apesar dos avanços na fiscalização, muitasenti<strong>da</strong>des atuantes na causa consideramque o empenho dos poderes públicos diantedos problemas <strong>da</strong> infância deixa a desejar.Programas como o Peti e o Bolsa Famíliasão reconhecidos como importantesarmas no combate à pobreza, mas insuficientesdiante de tantas dimensões que precisamser ataca<strong>da</strong>s.Instituições lidera<strong>da</strong>s pela Fun<strong>da</strong>çãoAbrinq compuseram a Rede de MonitoramentoAmiga <strong>da</strong> Criança. São dezenas quese debruçam sobre as contas públicas paraverificar se metas e programas vêm sendocumpridos. O Plano Plurianual 2003-2007previa investimentos de 56 bilhões de reaisem áreas volta<strong>da</strong>s para melhorar a situação<strong>da</strong> infância (educação, saúde, saneamento,profissionalização etc.). Uma <strong>da</strong>s queixas<strong>da</strong> Rede é a falta de sistematização <strong>da</strong>s informações.Outra é o grau de priorizaçãoorçamentária.De acordo com um dos relatórios <strong>da</strong>Rede, os gastos anuais com a dívi<strong>da</strong> pública,por exemplo, representaram o equivalentea 21 vezes o gasto anual com as açõesdo Plano Presidente Amigo <strong>da</strong> Criança.“Quando consideramos as despesas executa<strong>da</strong>scom o Plano e a população decrianças e adolescentes, constatamos que,de ca<strong>da</strong> 1.000 reais gastos pelo governo federal(em média), apenas 35 foram destinadosàs crianças e aos adolescentes”, observao mesmo relatório.A subsecretária dos Direitos <strong>da</strong> Criançae do Adolescente <strong>da</strong> Secretaria Especial deDireitos Humanos <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República(SEDH), Carmen Silveira de Oliveira,admite que o Plano de Ação PresidenteAmigo <strong>da</strong> Criança deve ser revisado.“Estamos estu<strong>da</strong>ndo formas de superar asLeo Cal<strong>da</strong>s/AEna calça<strong>da</strong>, vendendo frutas com a mãeCarlos, 14 anos, e João, 12, acompanham a mãe durante to<strong>da</strong> a manhã no carrinhode frutas pelas ruas do centro de São Paulo. À tarde vão para a <strong>escola</strong>xandra stefanel2007 outubro REVISTA DO BRASIL


Da intimi<strong>da</strong>de com a rua para a oportuni<strong>da</strong>deA infância pobre, a desestruturação familiare a intimi<strong>da</strong>de com os acontecimentos “<strong>da</strong> rua”levaram Maria de Fátima Vieira <strong>da</strong> Silva, 18 anos,para muito perto <strong>da</strong> prostituição, em companhiade amigas. Fátima já passou por um aborto aos15 anos e há três freqüenta a Casa de Zabelê, emTeresina. Fez curso de mo<strong>da</strong> e, após um árduoprocesso de seleção, passou a trabalhar na lojinhados produtos <strong>da</strong> Casa, como aprendiz. Promovi<strong>da</strong>para a uni<strong>da</strong>de que funciona num espaço cedidopor um shopping, hoje trabalha <strong>da</strong>s 12h às 18h eganha 400 reais por mês. “Tenho as manhãs livrese à noite termino o colégio. Depois quero estu<strong>da</strong>rAdministração”, planeja. Mas antes de galgar suasconquistas esteve por um triz.É assim que vive to<strong>da</strong> criança e adolescenteque tem seus direitos vio<strong>lado</strong>s. O <strong>trabalho</strong> ampliasua vulnerabili<strong>da</strong>de ao aliciamento para ativi<strong>da</strong>descomo tráfico de drogas e exploração sexual. “Aexploração sexual comercial não se dá só nosroteiros turísticos. Ela se interiorizou, está emtodos os lugares. São 932 municípios de todosos estados brasileiros com casos denunciados”,lamenta a coordenadora do Programa de Combateao Abuso e Exploração Sexual de Crianças eAdolescentes <strong>da</strong> Secretaria Especial de DireitosHumanos <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República (SEDH),Socorro Tabosa.Esses números serviram de base paraimplantação de algumas medi<strong>da</strong>s de combate. OMinistério <strong>da</strong> Saúde promoveu a capacitação deagentes, o <strong>da</strong> Educação implantou a campanhaEscola Que Protege. A SEDH atua também comparcerias em âmbitos regionais. “O ataque aoproblema tem de envolver vários atores. Já temosganhos principalmente na área <strong>da</strong> prevenção”, dizSocorro, coordenadora do Disque 100, serviço dediscagem direta gratuita que recebe denúncias<strong>da</strong>s vítimas e encaminha aos órgãos de defesa ede responsabilização dos agressores. A discagemé direta e gratuita e funciona todos os dias, <strong>da</strong>s 8hàs 22h, em todos os estados.Um mapeamento feito pela Polícia RodoviáriaFederal, SEDH e OIT identificou, até julhodeste ano, 1.918 pontos – bares, restaurantes,postos de gasolina e prostíbulos –,suscetíveis àexploração sexual de crianças e adolescentesàs margens dos 61 mil quilômetros <strong>da</strong> malharodoviária do país.A coordenadora do programa Afeto de Combateà Exploração Sexual, Glória Maria Motta Lara,destaca que a rede de exploração sexual age e seorganiza nos moldes do narcotráfico. Para ela, asocie<strong>da</strong>de é tolerante com a violação dos direitos,a começar pela erotização <strong>precoce</strong> estimula<strong>da</strong>pela mídia. “A criança que trabalha está fragiliza<strong>da</strong>e desprotegi<strong>da</strong> e essa é a principal porta deentra<strong>da</strong> para a exploração. Ser conivente, nãodenunciar, é fazer parte dessa violenta retira<strong>da</strong> dedireitos”, alerta Glória.dificul<strong>da</strong>des de identificação dos <strong>da</strong>dos locais,dos municípios, que muitas vezes podemser ocultados pelos <strong>da</strong>dos nacionais.Precisamos chegar às áreas mais críticas.”Ela atribui a dificul<strong>da</strong>de na sistematizaçãode informações ao ineditismo do esforço deintegração <strong>da</strong>s mais diversas áreas de atuaçãodo governo. “Superados esses desafios,a política global vai deixar marcas duradourasna área <strong>da</strong> infância e adolescência”,acredita Carmen.Enti<strong>da</strong>des reclamam também que a absorçãodo Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil (Peti) pelo Bolsa Família, noano passado, em vez de representar soma deesforços, dividiu-os. Segundo a diretora deProteção Social <strong>da</strong> Secretaria de Assistênciado Ministério do Desenvolvimento Social(MDS), Valéria Gonelli, a medi<strong>da</strong> visou“racionalizar a gestão dos programas, eliminara duplici<strong>da</strong>de de benefícios e a concorrênciaentre programas”.A secretária-executiva do Fórum Nacionalde Erradicação do Trabalho Infantil, IsaMaria de Oliveira, desaprova a integraçãodos programas. “O Bolsa Família tem muitomérito no combate à pobreza, mas hoje háfamílias que negam a situação de <strong>trabalho</strong>infantil para receber a ren<strong>da</strong> do BF; e mantêmas crianças na <strong>escola</strong> num turno e, nooutro, no <strong>trabalho</strong>”, alerta. O MDS está testandoo Sistema de Controle de Condicionali<strong>da</strong>desdo Peti para acompanhar a freqüência<strong>escola</strong>r e as ofertas de ativi<strong>da</strong>desdo contraturno.O Relatório Global de 2006 <strong>da</strong> OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) consideraque o Brasil se destaca mundialmentepela busca do esforço integrado – entre asvárias esferas de governo e entre agentes<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil – visando à implantaçãode políticas públicas com controle social.E vê como adversi<strong>da</strong>des, além do quadrode pobreza, núcleos no meio agrícola e noserviço doméstico que resistem à mu<strong>da</strong>nçade mentali<strong>da</strong>de. A OIT ressalta ain<strong>da</strong> aimportância do envolvimento dos municípiosna identificação de crianças passíveisde inclusão no Peti. Até agosto, constavamdo ca<strong>da</strong>stro único dos programas sociaismais de 875 mil beneficiários do Peti.Valéria, do MDS, admite que esses mecanismosde identificação têm de ser aprimorados:“A Pnad de 2005 apontou quase3 milhões de crianças e adolescentes trabalhandoe o nosso orçamento previa bolsapara todos, mas uma parcela significativanão foi identifica<strong>da</strong>”.Longa caminha<strong>da</strong>O Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil foi criado ain<strong>da</strong> durante o governoFernando Henrique, no final dos anos 90.O programa hoje é acompanhado por 33organismos públicos e privados – a ComissãoNacional de Erradicação do TrabalhoInfantil (Conaeti, cria<strong>da</strong> em 2003) – coma missão de <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de ao esforçoque começou na déca<strong>da</strong> de 90. Resultadosjá aparecem. Em 1995, a participação decrianças e adolescentes no <strong>trabalho</strong> atingia18,7% <strong>da</strong> população de 5 a 17 anos. Em 2006esse contingente caiu para 11,1%. Porém, éain<strong>da</strong> uma população muito numerosa debrasileiros com o futuro comprometido.Em sua mais recente Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílios (Pnad), o IBGEidentificou 2,7 milhões de pessoas com menosde 16 anos trabalhando ou procurandoemprego, formando, indevi<strong>da</strong>mente, 2,6%10 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Fátima, 18,na loja <strong>da</strong>Casa deZabelê, emTeresina (PI)paulo pepe“crianças deveriam estu<strong>da</strong>r e brincar”Kelly vendia balas nos semáforos de São Paulo. Acolhi<strong>da</strong> pelo Projeto Travessia,hoje, aos 15 anos, faz diversas oficinas, entre elas a de costurajailton Garcia<strong>da</strong> população economicamente ativa (PEA)– há dez anos, eram 3,7 milhões de <strong>precoce</strong>s(4,6% <strong>da</strong> PEA). O Estatuto <strong>da</strong> Criança e doAdolescente proíbe to<strong>da</strong> forma de <strong>trabalho</strong>nessa fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; dos 14 aos 16 anos, sãoaceitas ativi<strong>da</strong>des de aprendizagem.Cleópatra John Martins do Nascimento,de 14 anos, é uma desses milhares decrianças com a formação arranha<strong>da</strong> peloofício fora de hora. Moradora <strong>da</strong> Ilha deDeus, região de manguezais na zona sul doRecife, ela cata e limpa sururu desde os 9anos. Divide o tempo do <strong>trabalho</strong> com osestudos <strong>da</strong> 8ª série e aos fins de semana vaià feira de Jaboatão dos Guararapes vendero marisco. “Fico cansa<strong>da</strong>, com sono e meubraço dói. Gosto de brincar de cor<strong>da</strong>, jogarbola e vôlei, mas fiquei sem tempo.”Dona Edilene Maria Martins, tia que elaconsidera mãe, diz que sem a menina ficadifícil, pois to<strong>da</strong> a ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> família vem2007 outubro REVISTA DO BRASIL 11


PolíticaPor BernardoKucinskiO valerioduto do PSDBO julgamento do STF no caso do “mensalão” pode não ter sido político,mas o <strong>da</strong> mídia é. Agora que a origem do valerioduto está chegando aoSupremo, a mãe de todos os escân<strong>da</strong>los é trata<strong>da</strong> como mensalão“mineiro”, e não tucanoDepois de acolher a maioria <strong>da</strong>s denúncias do procurador-geral<strong>da</strong> República no caso do “mensalão”,é inevitável que o Supremo Tribunal Federal (STF)também aceite as denúncias contra os envolvidosno “escân<strong>da</strong>lo do valerioduto”, incluindo altas figurasdo PSDB, como o senador Eduardo Azeredo, ex-presidente dopartido, e o governador de Minas, Aécio Neves.Foi na campanha de Azeredo ao governo de Minas em 1998 queMarcos Valério criou o engenhoso esquema de camuflar com empréstimosbancários as doações de caixa dois de empreiteiras, assimcomo dinheiro desviado de contratos de publici<strong>da</strong>de de órgãospúblicos. Canalizados para sua empresa, a SMP&B, esses recursospagaram a caríssima campanha do PSDB e seus aliados. Quatroanos depois, Marcos Valério proporia o mesmo esquema à coalizãoPT-PL para financiar a campanha de 2002.O mensalão foi um filhote do valerioduto, esse sim a mãede todos os escân<strong>da</strong>los, tanto pela ordem dos acontecimentosquanto pela sua dimensão. Por um dos documentos apreendidospela Polícia Federal, 150 políticos podem ter sido beneficiadospelo valerioduto, entre os quais 82 deputados federaisou estaduais. É certo que o indiciamento atingirá a casa <strong>da</strong>s dezenas.O inquérito estima que a campanha de Azeredo tenhachegado a 100 milhões de reais. Os empréstimos de facha<strong>da</strong> dosbancos somaram 28,5 milhões. Mas seu comitê só registrou oficialmente8,55 milhões.Alguns juristas dizem que a independência demonstra<strong>da</strong> pelosjuízes no caso do mensalão foi um marco na evolução <strong>da</strong> democracia.Por isso, fica difícil agora para o STF recuar aos velhos temposem que se submetia docilmente à ditadura militar e à violênciados pacotes econômicos. Por exemplo, nunca julgou o seqüestro<strong>da</strong> poupança pelo governo Collor. O STF sinalizou que a “Repúblicae suas instituições já não toleram costumes frouxos”, avaliouo jornalista Luiz Martins.A imprensa admite que o Supremo nunca foi tão independente,embora não queira <strong>da</strong>r esse mérito ao presidente Lula, que nomeoua maioria dos atuais ministros. Também a Polícia Federal e o MinistérioPúblico nunca foram tão independentes, na opinião dojurista Fábio Konder Comparato. O voto do relator Joaquim Barbosa,contundente, foi elogiado pela mídia e seu autor, o primeiroministro negro do Supremo, nomeado por Lula por esse motivoemblemático, exaltado em to<strong>da</strong>s as capas de revistas.Houve deslizes, alguns deles sérios, mas eles não alteram o caráterhistórico do julgamento. O principal foi a devassa dos diálogosprivados entre dois juízes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski,pelo fotógrafo de O Globo. Cármen Lúcia decidiu renunciar e sóvoltou atrás ao ser adverti<strong>da</strong> de que a repercussão seria ain<strong>da</strong> mais<strong>da</strong>nosa para todos. Juristas e advogados também acham que juízesnão devem <strong>da</strong>r entrevistas à imprensa. E quase todos os ministrosdo Supremo deram entrevistas e continuam <strong>da</strong>ndo, assim comoo procurador-geral.Governador deMinas Gerais,Aécio Neves(PSDB): passívelde indiciamentoFabio Pozzebom/ABr14 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


EduardoAzeredo,senadorpor MinasGerais (PSDB):empréstimosde facha<strong>da</strong>somaram28,5 milhõesde reaisJosé Cruz/ABrFaca no pescoçoO ministro Marco Aurélio de Mello, por exemplo, disse aos jornalistasque o banqueiro Salvatore Cacciola tinha o “direito natural”de fugir à Justiça. Com apoio <strong>da</strong> cúpula do Banco Central dogoverno Fernando Henrique, o banqueiro deu um prejuízo diretode 1,6 bilhão de reais ao povo brasileiro, ou mais de 3 bilhões dereais no câmbio <strong>da</strong> época, algo como 30 vezes os valores do valeriodutode Minas ou do mensalão. Fugiu graças a um habeas corpusconcedido pelo próprio Marco Aurélio. Por isso, já há propostaspara incluir novas tipificações de crimes de imprensa na Lei deImprensa, assim como para proibir juízes de <strong>da</strong>r entrevistas, nonovo código de ética que está sendo discutido pelo Conselho Superior<strong>da</strong> Magistratura.Algumas críticas ao julgamento – por exemplo, a <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s provas – fazem parte do jogo natural de defesa, o chamado“direito de espernear”. É tradição na Justiça, na fase de inquérito,o benefício <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong> ficar com a promotoria: “in dubio pro societatis”,diz o latim dos advogados. Já no julgamento, propriamente,o beneficio <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong> é do réu. “In dubio pro reo.” Por isso, umdos juízes, ao votar pela aceitação <strong>da</strong> denúncia contra Gushiken,admitiu que se fosse o julgamento final do caso ele não teria dúvi<strong>da</strong>sem inocentá-lo.Sentindo-se “fura<strong>da</strong>” por O Globo, a Folha de S.Paulo deu primeirapágina a meros fragmentos de uma fala de Lewandowskiao telefone ouvi<strong>da</strong> clandestinamente por uma repórter do jornal,entre eles a frase que ficaria famosa: “O Supremo votou com afaca no pescoço”. A expressão impressionou tanto que entrou novocabulário <strong>da</strong> política. Até que ponto essa pressão <strong>da</strong> mídia influinos votos? Certamente, no caso-limite de Gushiken, em quea denúncia foi aceita por apenas um voto de diferença, o clima depressão foi decisivo.O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, amigo de vários juízesdo Supremo, revelou em entrevista à Folha que muitos juízes lhedisseram ter sido “difícil suportar” a pressão. O cientista políticoFábio Wanderley Reis considerou a pressão “indesejável”, já que ainstituição deveria julgar de modo imparcial.Moralismo de classeEm muitos julgamentos promotores usam o argumento do “clamorpopular” para pedir rigor nas sentenças. Mas estaríamos mesmofrente a um “clamor popular”? Fábio Konder Comparato dizque não. Que houve, isso sim, uma “grande vocalização <strong>da</strong> classemédia, que é retrógra<strong>da</strong>”. Diz que juízes são muito sensíveis a essavocalização porque eles próprios se originam <strong>da</strong>s classes médias.E por que a classe média? Trata-se de uma classe muito sensívelao discurso moralista, como já apontou nossa sociologia. Tantoassim que um discurso puramente moralista mobilizou a classemédia para a Marcha <strong>da</strong> Família com Deus e pela Proprie<strong>da</strong>de,que abriu caminho ao golpe de 1964. O cientista político Amauryde Souza apontou outro fator para a grita <strong>da</strong> classe média, em entrevistaao Estadão: “O Brasil melhorou nos últimos 15 anos, masnão há percepção disso pela classe média”, que se sente explora<strong>da</strong>,pagando mais impostos.Se há convergência na avaliação do julgamento pelo Supremo,predominam as críticas ao desempenho <strong>da</strong> mídia, apesar <strong>da</strong> contribuiçãodos jornalistas nas investigações e ao mostrarem que, portrás <strong>da</strong> falsa soleni<strong>da</strong>de do Tribunal, os juízes são pessoas comunsque brigam entre si e têm medo <strong>da</strong> opinião pública.Belluzzo diz que a “mídia simplificou demais: “Ficou uma coisade bandidos contra mocinhos”. A mídia não contextualizou de formaadequa<strong>da</strong> o episódio do mensalão, deixando-se pautar e usardescara<strong>da</strong>mente pela oposição. Por exemplo, endossou o truquede chamar o caixa dois <strong>da</strong> coalizão PT-PL de “mensalão”, para diferenciá-lodo valerioduto, quando é óbvio que deputados do PTnão precisavam de mesa<strong>da</strong> para votar pelo governo.Como reconhece Maria Inês Nassif, no jornal Valor Econômico,por quase dois anos a oposição tratou o caso do mensalão comouma anomalia introduzi<strong>da</strong> pelo PT no sistema político, quandona ver<strong>da</strong>de Marcos Valério era simplesmente um profissional doramo <strong>da</strong> lavagem de dinheiro em montagem de caixa dois paracampanhas eleitorais, um profissional que não tem partido. Emvez de se debruçar sobre as razões pelas quais esses esquemas passarama existir, e apoiar uma reforma política ampla, a mídia, areboque <strong>da</strong> oposição, limitou-se a demonizar o PT.2007 outubro REVISTA DO BRASIL 15


Juiz Marco Auréliode Mello: “direitonatural” de fugirWilson Dias/ABrLuiz Gonzaga Belluzzo também adverte que a mídia deveria evitarse colocar na posição de juiz. “Existe uma instituição encarrega<strong>da</strong>de julgar”, diz o professor <strong>da</strong> Unicamp, elogiando o desempenhodo Supremo. No Observatório <strong>da</strong> Imprensa, nosso principalórgão de acompanhamento crítico <strong>da</strong> imprensa, o jornalista LuizMartins diz que ca<strong>da</strong> vez mais os jornalistas investigativos dãopreferência ao “prato pronto” que lhes é oferecido ora pela polícia,ora pelo Ministério Público: “A imprensa funcionaria então comouma espécie de tribunal ad hoc, capaz de acusar e julgar com extremarapidez, sendo a execração pública uma forma de julgamento,ain<strong>da</strong> que, por vezes, à custa de inocentes”.Luiz Martins analisou longamente a tese <strong>da</strong> faca no pescoço edisse que, embora publici<strong>da</strong>de opressiva seja um conceito ain<strong>da</strong>não incorporado pela mídia, já freqüenta o jargão do mundo jurídico:“Significa exatamente a falta de condições de deliberação ejulgamentos tranqüilos, sem qualquer coação, sem qualquer facano pescoço. Significa também o linchamento midiático, vexaminosoe precipitado, tão odioso quanto provas obti<strong>da</strong>s sob torturae que depois de restabeleci<strong>da</strong>s as condições normais até anulamum processo”.O fato é que a mídia já condenara os líderes petistas e se sentiriaderrota<strong>da</strong> se o STF não aceitasse os pedidos de indiciamento.Foi como se tivesse se tornado uma <strong>da</strong>s partes do processo. Umadimensão dramática do episódio, que tem a ver apenas indiretamentecom a mídia, foi a profundi<strong>da</strong>de do mal-estar provocadopelas denúncias do mensalão em petistas e simpatizantes.O partido tinha de fato construído uma imagem de instituiçãodota<strong>da</strong> de uma ética superior. Mesmo eleitores que não simpatizavamcom o PT admiravam suas figuras emblemáticas, comoGenoino, Merca<strong>da</strong>nte, Suplicy, Marina Silva, Olívio Dutra. Tudoisso acabou a partir <strong>da</strong>s denúncias de Roberto Jefferson, deixandoum sentimento de grande vazio nas pessoas. Um sentimentode per<strong>da</strong> coletiva.É consenso entre analistas políticos que calou fundo a hipocrisiados dirigentes petistas ao proclamarem que “O PT não roubanem deixa roubar”, enquanto por baixo do pano adotavam métodosilegais de financiamento de campanha dos tucanos. Enganaro eleitor foi mais <strong>da</strong>noso que o próprio fato de usar caixa dois, oqual o brasileiro enfim parece tolerar. É essa dimensão que talvezescape aos dirigentes do PT quando alegam que ain<strong>da</strong> é o partidomais ético. Tecnicamente pode ser ver<strong>da</strong>de. Mas não responde aosentimento de decepção.Curiosamente, a mídia foi ain<strong>da</strong> mais hipócrita, as descer a lenhano PT, sem mencionar, durante esses dois anos, o valeriodutode Azeredo. Também é indiscutível que a mídia investiu pesadona ampliação <strong>da</strong>s denúncias, na criminalização do PT e na criaçãode um clima de suspeição generaliza<strong>da</strong> contra todos os petistas.Durante a cobertura <strong>da</strong>s CPIs, era comum as manchetes dos jornaisreproduzirem ao pé <strong>da</strong> letra as falas acusatórias <strong>da</strong> oposição,esta ain<strong>da</strong> mais hipócrita.O <strong>da</strong>no à imagem do partido não será revertido. Essa é a tragédia<strong>da</strong> condenação pela mídia. É uma condenação que gru<strong>da</strong>na imagem <strong>da</strong>s pessoas como uma mancha de caqui em roupabranca. Não há alvejante que tire. Se <strong>da</strong>qui a dois anos o processochegar a seu final e maioria dos réus for absolvi<strong>da</strong>, a mídia dirá:“Acabou em pizza”.O julgamento do Supremo pode não ter sido político, no sentidoestrito. Mas o <strong>da</strong> mídia só é político. Agora que o valeriodutodos tucanos está chegando ao STF, qual o comportamento <strong>da</strong>mídia? Foram perguntar ao Fernando Henrique se ele sabia. Não.Falam de valerioduto tucano? Não. Falam em valerioduto de Minas.E foram pinçar no relatório <strong>da</strong> Promotoria a única referênciaa um ministro de Lula, Mares Guia, jogando isso nas manchetes,para de novo implicar o PT. Omitem, inclusive, que esse políticoera do PTB na época em que Marcos Valério e o PSDB criaramo valerioduto.Bernardo Kucinski é professor titular do Departamento de Jornalismo e Editoração <strong>da</strong> ECA/USP. Foi produtor e locutor noserviço brasileiro <strong>da</strong> BBC de Londres e assistente de direção na televisão BBC. É autor de vários livros sobre jornalismo16 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Pasquale PorPasquale Cipro NetoSoneto de fideli<strong>da</strong>deDia desses, depois de alguns “pulos” com o controleremoto, parei no Multishow, canalde TV por assinatura. Estava no ar umprograma que homenageava Tom Jobim− mestre Tom Jobim! Antes dechamar ca<strong>da</strong> um dos convi<strong>da</strong>dos, Lorena Calábriafazia comentários acerca <strong>da</strong> músicaque seria apresenta<strong>da</strong> e de quem a interpretaria.Lorena começou a falar deEu Sei Que Vou Te Amar, uma <strong>da</strong>sobras-primas de Tom Jobim e Viniciusde Moraes. O intérprete? PaulinhoMoska, um dos ótimos representantes<strong>da</strong> nova (já não tão nova) geração <strong>da</strong> MPB,<strong>da</strong> qual fazem parte Chico César, Zeca Baleiroe Lenine, entre outros.Repetindo o que fazia o próprio Viniciusquando interpretava a canção ao <strong>lado</strong> deToquinho e de alguma <strong>da</strong>s muitas cantorasque acompanharam a dupla, Paulinhorecitou o poema “Soneto de fideli<strong>da</strong>de”,que Vinicius escreveu em Estoril(Portugal), em 1939: “De tudo, ao meuamor serei atento/ Antes, e com tal zelo,e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele seencante mais meu pensamento./ Quero vivê-lo em ca<strong>da</strong> vão momento/E em seu louvor hei de espalhar meu canto/ E rir meu risoe derramar meu pranto/ Ao seu pesar ou seu contentamento./ Eassim, quando mais tarde me procure/ Quem sabe a morte, angústiade quem vive/ Quem sabe a solidão, fim de quem ama/ Eupossa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, postoque é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure”.É bom lembrar que essa composição poética de Vinicius é exemplode soneto italiano, já que é forma<strong>da</strong> por catorze versos, distribuídosem dois quartetos e dois tercetos. A rima merece observaçãoacura<strong>da</strong>. O primeiro verso do primeiro quarteto terminaem “atento”, que rima com “pensamento”, palavra final do últimoverso do quarteto. O segundo verso termina em “tanto”, que rimacom “encanto”, que encerra o terceiro verso. Temos aí a rima abba.No segundo quarteto, o processo se repete (“momento/contentamento”;“canto/pranto”). E nos dois tercetos? A rima se dá como seMuita gente sai <strong>da</strong> <strong>escola</strong> semsaber que em poesia são normaisas inversões e que é precisopercebê-las para poder de fatocompreender o texto poéticoeles formassem um sexteto (“procure/dure”;“vive/tive”; “ama/chama”).Como leu Paulinho Moska essa bela obra deVinicius? Leu bem, muito bem. Sem se deixarlevar pela rigidez formal do soneto,o que significaria ler ca<strong>da</strong> verso comofrase completa, Paulinho privilegiouo fio sintático do texto. Tradução:em vez de parar no fim doprimeiro verso (“atento”), como jávi muita gente graú<strong>da</strong> fazer, Paulinhofoi até o fim <strong>da</strong> primeira oração e leu assim:“De tudo, ao meu amor serei atentoantes”.Temos aí um exemplo de hipérbato,que na<strong>da</strong> mais é do que a inversão <strong>da</strong> ordemnatural <strong>da</strong>s palavras. Em vez de “Serei atentoao meu amor antes de tudo” (ordem direta),o poeta escreveu “De tudo, ao meuamor serei atento antes” (ordem indiretaou inversa), justamente para que “atento”rimasse com “pensamento” e para quea métrica (número de sílabas poéticas)fosse a deseja<strong>da</strong>.Na hora de ler o primeiro terceto, nova demonstração de competênciade Paulinho, que não parou em “procure”, mas em “morte”,e leu deste modo: “E assim, quando mais tarde me procure quemsabe a morte, angústia de quem vive...”.Agora, por favor, releia o poema. Tente “colar” direito suas partes.Releu? Percebeu, por exemplo, que o poeta define a mortecomo “angústia de quem vive” e a solidão como “fim de quemama”? Percebeu que uma <strong>da</strong>s duas (talvez a morte, talvez a solidão)o procurará? Percebeu que nesse momento ele poderá dizera si mesmo (a respeito do amor que teve) o que está nos dois versosfinais do poema?Lamento dizer, mas muita gente sai <strong>da</strong> <strong>escola</strong> sem saber que ofim de um verso não é necessariamente o fim de uma estruturafrasal. E sem saber que em poesia são normais as inversões e que,por isso, é preciso percebê-las para poder de fato compreender otexto poético. O famoso poema de Vinicius é apenas um dos tantosexemplos de como se pode ler sem compreender.Pasquale Cipro Neto é professor de Língua Portuguesa, idealizadore apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, <strong>da</strong> TV Cultura2007 outubro REVISTA DO BRASIL 17


entrevistaMinha cria é umhomem-bombaJovens dos morros cariocas planejam operaçãocamicase para resgatar suas mães, seqüestra<strong>da</strong>s pelo asfalto.E Caco Barcellos leva ao palco a socie<strong>da</strong>de dramática edesigual que contaminou sua vi<strong>da</strong> de repórterA mãe domenino <strong>da</strong>favela sai decasa segun<strong>da</strong>e volta nosábado. Criaos filhos <strong>da</strong>classe médiadurante asemana eos seus nodomingo. Éum seqüestroque ocorretodos os diasnum paísde gravesdiferençassociaisPor Tom CardosoPor esta a polícia do Rio de Janeiro não esperava:os traficantes preparam um grandeataque camicase contra a burguesia <strong>da</strong>zona sul. Calma, Cabral. É apenas fantasia<strong>da</strong> cabeça do escritor e repórter CacoBarcellos, transforma<strong>da</strong> em peça de teatro. Osama, oHomem-Bomba do Rio, assina<strong>da</strong> pelo jornalista, estréiaem novembro e será encena<strong>da</strong> por jovens de <strong>escola</strong>sparticulares e públicas. É parte do Projeto Conexões,parceria entre Cultura Inglesa São Paulo, British CouncilBrasil, Colégio São Luís, National Theatre (<strong>da</strong> Inglaterra)e Teatro-Escola Célia Helena.Barcellos vê semelhanças entre o jovem traficante doRio e os meninos do Oriente Médio. Viveu pessoalmentea reali<strong>da</strong>de dos morros cariocas, num grandeesforço de reportagem que resultou no livro Abusado,o Dono do Morro Dona Marta, a trajetória do traficanteMarcinho VP. E também conhece a rotina dos jovenspalestinos, resultado de reportagens na Faixa de Gaza,feitas nos tempos de correspondente <strong>da</strong> TV Globo emParis. Na<strong>da</strong> escapa ao olho clínico de Caco Barcellos.Em 1992, ele lançou Rota 66 – A História <strong>da</strong> Polícia QueMata, livro-denúncia que ajudou a decifrar o grupo deextermínio coman<strong>da</strong>do pela tropa de elite <strong>da</strong> PolíciaMilitar de São Paulo. Até hoje Barcellos continua sendoprocessado por sol<strong>da</strong>dos e recebendo homenagens<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de carente <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. A última foi um rapbatizado Rota 66, composto por Afro X.Editor do programa “Profissão Repórter”, sopro deresistência jornalística em meio à programação do Fantástico,Barcellos continua acompanhando de perto aspolíticas de repressão à violência e não poupa críticasàs invasões aos morros cariocas termina<strong>da</strong>s em execuções.“Se o uso <strong>da</strong> violência policial fosse bom, eficiente,São Paulo seria hoje um paraíso”, compara.Barcellos recebeu reportagem <strong>da</strong> Revista do Brasilno seu laboratório de jornalismo, a re<strong>da</strong>ção do “ProfissãoRepórter”. Havia acabado de sair de uma exaustivacobertura de 12 horas <strong>da</strong> tragédia com o Airbus<strong>da</strong> TAM, em Congonhas. E, como bom repórter, nãobaixou as antenas.É possível escrever uma peça de teatro, trabalharcomo repórter e ain<strong>da</strong> pensar em escrever um novolivro?Já estou acostumado a esse ritmo. Ontem (17 de julho)cheguei às 19 horas em Congonhas, após o acidentecom o Airbus <strong>da</strong> TAM, com a equipe do “ProfissãoRepórter”. Fiquei lá por quase 12 horas. Chegamos aquina re<strong>da</strong>ção e corremos para a ilha de edição.Em 1975 você também escreveu uma peça basea<strong>da</strong>em temas sociais, como pobreza e violência...Eu ain<strong>da</strong> trabalhava como repórter em Porto Alegre,para o jornal Folha <strong>da</strong> Manhã, cobrindo assuntos relacionadosà violência. Escrevia crônicas sobre a minha vi<strong>da</strong>cotidiana de repórter. Um diretor de teatro achou queeu levava jeito e me chamou para ajudá-lo a desenvolveruma peça. Já havia pré-roteiro. Era sobre uma mulhercom problemas mentais persegui<strong>da</strong> pela polícia. Agora,não. É também uma encomen<strong>da</strong>, mas com liber<strong>da</strong>de totalna escolha do tema. Tentei escrever como ficcionista,mas to<strong>da</strong> hora me sentia preso a uma espécie de camisa-de-forçarepresenta<strong>da</strong> pelas histórias ver<strong>da</strong>deiras douniverso em que me envolvo no <strong>trabalho</strong> de repórter.Sempre que eu tentava criar uma história ficava preso auma necessi<strong>da</strong>de de coerência, de verossimilhança.Você vai usar personagens do seu livro Abusado?Sim, indiretamente. Eu tenho um farto material depesquisa desse livro. Fiz centenas de entrevistas, to<strong>da</strong>sgrava<strong>da</strong>s, e isso me ajudou a entender a rotina dos adolescentese jovens que habitam os morros do Rio. É claroque o processo de gírias é muito dinâmico. Se hoje eusubir o morro do Rio já não vou entender muita coisa.Mas o universo continua o mesmo. E o personagemprincipal <strong>da</strong> peça, o Osama, é muito parecido com osmeninos retratados no Abusado. Ele é uma mistura detraficantes do Rio com delinqüentes de São Paulo.Por que Osama?Você lembra de um jovem (Carlos Eduardo de MeloMenezes) que invadiu (em novembro do ano passado) oprédio <strong>da</strong> Bolsa de Valores, em São Paulo, com um cintode explosivos? Não havia dinamite, era apenas uma18 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Há semelhançasentre o jovemtraficante do Rio eo que vive na Faixade Gaza: a revolta,a indignação,a inquietude, oabandono social, arelação entre ricos epobres. São fatoresem comumJailton Garcia


Não épossívelempresárioganhar umafortuna enão colocara mão nobolso e pagarmelhoressalários.Se nãomu<strong>da</strong>r essamentali<strong>da</strong>degananciosa,não há comodiminuir aviolênciaJailton Garciacena para chamar a atenção. Ficou lá horas, de braçoscruzados. Mas essa história me ajudou a pensar numpersonagem, meio fantasioso, meio real. E o nome Osamasurgiu <strong>da</strong> minha necessi<strong>da</strong>de de traçar um paraleloentre o jovem traficante dos morros do Rio e os jovensdo Oriente Médio.Há semelhança entre esses dois universos?Sim. Eu estive – nos quatro anos em que fui correspondente<strong>da</strong> TV Globo na Europa – algumas vezes naregião de conflito entre israelenses e palestinos. Há,sim, semelhanças entre o jovem traficante do Rio e omenino que vive na Faixa de Gaza: a revolta, a indignação,a inquietude, o abandono social, a relação entrericos e pobres. São fatores em comum. É claro que hágrandes diferenças, provavelmente mais diferenças. Aquestão <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de, por exemplo. Um jovem palestinoé capaz de <strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> por sua causa, pela sua religião;já o jovem brasileiro, dificilmente. Essa é umapequena vantagem brasileira. Pequena vantagem, poiso jovem brasileiro acompanha a socie<strong>da</strong>de brasileira emata por qualquer bobagem.O Osama é um camicase...Sim! Ele quer fazer uma revolução camicase no Riode Janeiro. Está disposto a morrer pela libertação de suamãe e de outras mães que estão presas trabalhando emcasas <strong>da</strong> burguesia carioca. A peça é centra<strong>da</strong> em doispersonagens principais: o Osama e o Diboa. O Diboa éde uma família de classe média carioca. É filho de umexecutivo de uma indústria de metais conhecido como“Lacerdinha” e neto de Carlos Lacer<strong>da</strong> (1914-1977, governadordo antigo Estado <strong>da</strong> Guanabara). Seu pai éuma espécie de Carlos Lacer<strong>da</strong> contemporâneo.Por que a referência a Carlos Lacer<strong>da</strong>?O Carlos Lacer<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> está muito presente na socie<strong>da</strong>decarioca, nas re<strong>da</strong>ções de jornais e televisão, inclusive.O <strong>lado</strong> conservador, a intolerância, principalmentecom as classes mais pobres. O Lacer<strong>da</strong> era umconservador radical – expulsou os pobres <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de doRio de Janeiro. Vários condomínios <strong>da</strong> periferia do Rio,semelhantes à Ci<strong>da</strong>de de Deus, foram obras de seu governo.Ele só não conseguiu expulsar todos os pobres<strong>da</strong> zona sul por causa <strong>da</strong> ação forte de Leonel Brizola,que foi o primeiro a <strong>da</strong>r legali<strong>da</strong>de ao povo <strong>da</strong> favela.E o Lacerdinha também é uma figura intolerante, umpai severo, reacionário, que acaba sendo decisivo nocomportamento do filho, o Diboa, um delinqüente queconhece o Osama, líder do tráfico, que aos 20 anos resolvese aposentar. Osama tem uma idéia diferente dotráfico, quer fazer algo mais radical, um ataque camicasecontra a elite carioca.Nesse sentido ele se parece com o Marcinho VP(traficante, principal personagem do livro Abusado,morto em 2003)?Tem um pouco, sim. Aquele <strong>lado</strong> marginal, meio romântico,idealista. O Osama, que já conseguiu ter umpé-de-meia com o dinheiro do tráfico, quer formar umgrupo camicase para recuperar as mães que eles perderam.Que é algo real, rotineiro na vi<strong>da</strong> dos jovens ecrianças do morro. A mãe do menino <strong>da</strong> favela sai decasa na segun<strong>da</strong>-feira de manhã e só volta no sábado,no fim <strong>da</strong> tarde. Os filhos só convivem com as mães nodomingo. É um seqüestro que ocorre todos os dias numpaís de graves diferenças sociais como o Brasil.O Osama resolve, então, libertar sua mãe.Sim. E o Diboa também. Seu pai, o Lacerdinha, éalcoólatra e bate na mulher todos os dias. E o Diboa,com pena <strong>da</strong> mãe, quer uma arma para expulsar opai de casa. Ele é consumidor de drogas e acaba conhecendoo Osama numa academia de ginástica. Osdois se unem para aju<strong>da</strong>r as mães e decretam guerraao Lacerdinha e à burguesia carioca. Tudo isso aconteceno atual cenário de violência do Rio. Só não possote contar o final (risos). Mas a peça se desenrola apartir desse conflito, que é muito comum na vi<strong>da</strong> dosmeninos de morro. É difícil o pai, que trabalha comoporteiro ou operário, e a mãe, que passa a semanalimpando a casa <strong>da</strong> patroa, convencerem o filho, queganha dinheiro com o tráfico, que compra aparelhodoméstico, o aparelho novo de televisão, o som importado,o DVD, a sair dessa vi<strong>da</strong>.Mas você não acha que esse glamour em torno dotraficante de drogas se perdeu um pouco nos últimosanos?É, de fato o “<strong>trabalho</strong>” para o tráfico é um tédio só.Aliás, no mundo <strong>da</strong> malandragem o traficante é vistopelos assaltantes como uma figura menor. O assaltanteplaneja o assalto, convoca um grupo de assaltantes nomorro e parte para o ataque. Terceiriza o crime, só vaina boa. E depois gasta o dinheiro do assalto com mulherese festas. Ou distribui a ren<strong>da</strong> entre os parentes.Não precisa se esconder. Vai para o morro vizinho, eacabou. Já o traficante tem de ficar no morro, ficar noseu território, manter o estoque de cocaína, de armas.Tem de comprar a polícia para não morrer, tem de terrelações com políticos; tem de agra<strong>da</strong>r à comuni<strong>da</strong>de.Tem um monte de “responsabili<strong>da</strong>des” que torna a vi<strong>da</strong>muito chata. O bandido mais experiente, que quer granafácil, vi<strong>da</strong> boa, não quer saber do tráfico.Do livro Rota 66 ao Abusado você construiu to<strong>da</strong>uma antropologia <strong>da</strong> polícia. Como foi esse processo?E como você vê a polícia nos dias de hoje?No Rota eu fiz algo bem específico, que era provarque aquela facção <strong>da</strong> polícia era um grupo de extermínioorganizado. Nunca fiz nenhuma pesquisa paraavaliar o desenvolvimento <strong>da</strong> polícia, a evolução, mas,como estou o tempo todo na rua, acabo conhecendobem o modo de agir de ca<strong>da</strong> grupo policial. Vejo, por20 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


exemplo, que o Rio adotou, com as milícias, a mesmatécnica dos antigos pés-de-pato (grupos de extermíniode São Paulo, formados em sua maioria por policiais),de pegar dinheiro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, de cobrar pedágio,para garantir a segurança.Os pés-de-pato ain<strong>da</strong> existem em São Paulo?O ex-PM em folga que pegava o dinheiro do comerciantepara garantir a segurança? Sim, ain<strong>da</strong> existe, masnão com a mesma força. No Rio está mais organizado.Como você vê a nova conduta adota<strong>da</strong> pelo governadorSérgio Cabral? Laudos do Instituto MédicoLegal mostram que oito <strong>da</strong>s 19 mortes ocorri<strong>da</strong>sdurante a invasão policial ao Complexo doAlemão, em junho, foram causa<strong>da</strong>s por tiros àqueima-roupa.A atitude <strong>da</strong> polícia carioca é indefensável. Acho quese a intenção fosse desarmar as pessoas, sem mortes,seria muito bom. Há situações, claro, ain<strong>da</strong> mais numainvasão ao Complexo do Alemão, em que a morte é inevitável,sobretudo em legítima defesa. Agora, o que meparece, como apontaram to<strong>da</strong>s as enti<strong>da</strong>des de direitoshumanos, é que houve execuções. Acho que a violênciagera mais violência. Como ci<strong>da</strong>dão brasileiro, eu nãoquero ain<strong>da</strong> mais violência do que a gente já tem. E seuso <strong>da</strong> violência policial fosse bom, fosse eficaz, SãoPaulo seria hoje um paraíso.Mas a violência também parte dos traficantes. Aterceira geração do Comando Vermelho é considera<strong>da</strong>a mais violenta de to<strong>da</strong>s as gerações.O brasileiro é muito matador. É o terceiro povo maisviolento do mundo. E a violência não está só na polícia,mas em todos segmentos. E no crime organizadotambém. A terceira geração do Comando Vermelho éviolentíssima, controla<strong>da</strong> hoje por matadores. O chefedo morro do Rio é igualzinho ao coronel <strong>da</strong> PM. Amentali<strong>da</strong>de é a mesma: ninguém tem direito à vi<strong>da</strong>,direito a na<strong>da</strong>.E a socie<strong>da</strong>de brasileira também aju<strong>da</strong> a legitimara violência, quando aplaude as execuções<strong>da</strong> PM, quando pede a Rota nas ruas, quandotenta linchamentos...Sem dúvi<strong>da</strong>. Quando era correspondente em Paris,fui à periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para entender como se <strong>da</strong>vaa relação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de mais pobre com a polícia.Não havia um só caso de execução nos últimos anos.E, quando houve, o policial foi punido com rigor. Aqui,não. Tudo é motivo para matar. A socie<strong>da</strong>de brasileira,por exemplo, não tolera o crime quando envolve patrimônio,mas tolera um assassinato que envolve a honrade alguém. Há uma legitimi<strong>da</strong>de silenciosa.O que você acha do programa de segurança adotadopelo prefeito de Nova York (de 1994 a 2002),Rudolph Giuliani, o Tolerância Zero? Ele poderia serimplantado aqui, ou no Brasil repressão não combinacom eficiência?É preciso dizer que, ao contrário do que as pessoaspensam, o Tolerância Zero não deu certo porque reprimiuseveramente o crime, e sim porque implantouum plano de valorização dos policiais, sobretudo umaumento salarial. Eu tenho certeza de que se pagassemmelhor o sol<strong>da</strong>do <strong>da</strong> PM do Rio, por exemplo, haveriamenos corrupção e menos violência.Mas o orçamento do governo do Rio não se comparaao orçamento de Nova York...Não, não se compara. Mas é preciso que a socie<strong>da</strong>deto<strong>da</strong> se mobilize. Não é possível que os empresáriosque estão ganhando fortuna com especulação não coloquema mão no bolso para aju<strong>da</strong>r a diminuir o problema<strong>da</strong> violência. Eu não entendo de economia, massei que os banqueiros, por exemplo, acumularam umafortuna nos últimos 15 anos. E continuam, mesmo comlucros exorbitantes, pagando salários baixos aos empregados.O mesmo vale para os outros empresários.Enquanto não mu<strong>da</strong>r essa mentali<strong>da</strong>de gananciosa, enquantonão houver distribuição de ren<strong>da</strong>, não há comodiminuir a violência.Você chegou a receber várias ameaças de mortena época do lançamento do livro Rota 66, principalmentepor parte dos policiais. As ameaçascontinuam?As ameaças acabaram, já a perseguição na Justiça,não. Mas fui inocentado em todos os processos. Ocurioso é que raramente sou processado por coronéis,apenas por sol<strong>da</strong>dos. Pedem sempre a mesma quantia:1 milhão de reais (risos). O pior é que eles alegam pobrezae, mesmo eu ganhando a ação, acabo tendo dearcar com as custas do processo. A receita com o Rota66, um dos campeões de ven<strong>da</strong>s <strong>da</strong> editora, não superaas despesas gera<strong>da</strong>s pelos processos.É ver<strong>da</strong>de que tem sol<strong>da</strong>do descontente que lheman<strong>da</strong> cartas anônimas denunciando o superior?Você virou uma espécie de corregedor não oficial<strong>da</strong> PM?É, recebi durante muito tempo cartas de policiais, denunciando<strong>abusos</strong> de seus oficiais. Mas isso parou umpouco. Eu recebo muitas cartas anônimas com fotos dejovens executados, sem causa aparente. A matança naperiferia, por parte dos policiais, continua forte.O Rota 66 acabou virando livro de referência parajovens <strong>da</strong> periferia. Chegou até a virar título deum rap.É, fiquei muito feliz com a homenagem. As históriasque esses meninos contam nas letras são fascinantes.Valem mais do que qualquer livro. Eles são os ver<strong>da</strong>deirosrepórteres <strong>da</strong> periferia.Comoci<strong>da</strong>dãobrasileiro, eunão queroain<strong>da</strong> maisviolência doque a gentejá tem. Ese uso <strong>da</strong>violênciapolicial fossebom, fosseeficaz, SãoPaulo seriahoje umparaísoJailton Garcia2007 outubro REVISTA DO BRASIL 21


mídiaDeolhoemvocêA televisão influenciahábitos, valores e é aprincipal responsávelpela informação eformação <strong>da</strong> opiniãopública no Brasil.Sua programação, noentanto, não reflete adiversi<strong>da</strong>de brasileira.O que você tem a vercom isso?Por Bia BarbosaDurante a ditadura, no finaldos anos 60 um dos interessesdeclarados do governoera controlar e padronizaras informações, evitandoque “bolsões de subversão” se formassem.Nesse cenário a Rede Globo se consolidoucomo emissora de alcance nacional e diversasoutras TVs cresceram. Quase quatro déca<strong>da</strong>sdepois, a influência <strong>da</strong> imprensa escritacontinua pequena diante do gigantismodos canais de televisão. “A maioria absolutados brasileiros só se informa e se entretémpela televisão. Ela dita hábitos, valores, formaconsensos e organiza, segundo seus interesses,grande parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de”, acredita oprofessor de Comunicação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede São Paulo Laurindo Lalo Leal Filho.A psicanalista Maria Rita Kehl acrescenta,ain<strong>da</strong>, que a televisão funciona comoformadora não só de opinião, mas de atitudesde consumo: “As novelas, os programasde auditório, os seriados, tudo funcionade modo a ‘educar’ o telespectador aviver de acordo com os parâmetros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>deem que o consumo dita as regras<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia”. A identificação dessa influênciajá é antiga.Em 1998, por exemplo, o levantamento realizadopelo Instituto Jaime Troiano “Estratégiasde Consumidor”, sobre a imagem queas mulheres entre 20 e 45 anos de São Paulo,<strong>da</strong>s classes A e B, tinham de si mesmas,revelou que de ca<strong>da</strong> dez entrevista<strong>da</strong>s noveestavam profun<strong>da</strong>mente insatisfeitas com opróprio corpo. Na avaliação de psicólogos,os números mostram o poder <strong>da</strong> mídia emformar padrões sociais. Grande parte dessespadrões é construí<strong>da</strong> pela teledramaturgia.Resultado de uma luta importante de artistas,diretores e produtores na déca<strong>da</strong> de 70contra os chamados “enlatados” que vinhamde fora do país, a novela é hoje dona do horárionobre. “No entanto, muitas vezes a novelaidealiza a reali<strong>da</strong>de brasileira e a maquiade acordo com conveniências de mercado”,analisa o ator Sérgio Mamberti, hoje à frente<strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Identi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Diversi<strong>da</strong>deCultural do Ministério <strong>da</strong> Cultura.A diversi<strong>da</strong>de cultural e regional do Brasilparece mesmo longe <strong>da</strong> programação <strong>da</strong>TV aberta. O gaúcho O<strong>da</strong>cir MendonçaMoura, de 62 anos, conta que fora do RioGrande Sul nunca viu programas que falassem<strong>da</strong> sua região. Aposentado, ele gosta deassistir a telejornais. “Quem está nos grandescentros nunca fica sabendo o que estáacontecendo no restante do país.”22 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Hannibal Hanschke/REUTERSOs canais não são de proprie<strong>da</strong>de dos grupos de comunicação. São concessões públicas. Por serfisicamente limitado, o espaço por onde circulam os sinais de Rádio e TV deve ser regu<strong>lado</strong> pelo EstadoDo outro extremo do Brasil, a advoga<strong>da</strong>paraense Ingrid Leão, de 26 anos, relata quedesde que se mudou para São Paulo, há doisanos, nunca viu na<strong>da</strong> do seu estado na televisão.“A diversi<strong>da</strong>de cultural que temos nãoaparece. A programação segue o mesmo formato:esporte, humor, auditório, novelas.”A diversi<strong>da</strong>de cultural e regional, no entanto,deveria ser um dos princípios queregem a radiodifusão, conforme a Constituição– que estabelece também (artigo221) que a produção e a programação<strong>da</strong>s emissoras de rádio e TV devem atenderpreferencialmente a finali<strong>da</strong>des educativas,artísticas, culturais e informativas erespeitar valores éticos e sociais <strong>da</strong>s pessoase <strong>da</strong> família. Mas, ain<strong>da</strong> sem regulamentação,os artigos <strong>da</strong> Comunicação na Carta Magnaseguem ignorados. “A ordem dessas priori<strong>da</strong>desfoi submeti<strong>da</strong> à função de servir de veículopublicitário. A publici<strong>da</strong>de, que sustenta asemissoras, tornou-se a razão de ser <strong>da</strong> programação,o que representa uma grave inversãode valores”, afirma Maria Rita Kehl.ConcessõesOs canais de rádio e TV não são de proprie<strong>da</strong>dedos grupos de comunicação. São concessõespúblicas, <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo Poder Executivo epelo Legislativo a organizações que pretendemexplorar o serviço <strong>da</strong> radiodifusão. Por ser fisicamentelimitado, o espectro eletromagnético– as on<strong>da</strong>s por onde circulam os sinais de rádioe TV – deve ser regu<strong>lado</strong> pelo Estado.Essas concessões têm tempo limitado– dez anos para rádio e 15 para TV –, duranteo qual as emissoras têm obrigações acumprir. Além <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de à programaçãocom finali<strong>da</strong>des educativas, artísticas, culturaise informativas, prevista na lei, o tempode publici<strong>da</strong>de a ser veicu<strong>lado</strong> deveria serlimitado e o controle de empresas que possuemconcessões por parte de parlamentares,proibido, justamente para que não legislemem causa própria. Outras, ain<strong>da</strong>,limitam o número de concessões que umaempresa pode ter em ca<strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de.Essas obrigações estão longe de ser cumpri<strong>da</strong>s.Não bastasse a inexistência de fiscalizaçãopor parte do poder público, há umacaracterística peculiar no Brasil que faz2007 outubro REVISTA DO BRASIL 23


com que os concessionários não se preocupemcom elas. A renovação <strong>da</strong>s concessõesé automática, sem critérios nem avaliaçõesdo serviço prestado. Para que uma concessãonão seja renova<strong>da</strong> automaticamente épreciso o voto nominal de dois quintos doCongresso. “Mas os deputados não se atrevema desafiar os donos <strong>da</strong>s concessões”, dizMaria Rita Kehl. Para ela, bastaria verificarse as emissoras cumpriram o papel previstona Constituição: “Se cumpriram, renove-sea concessão; se não, não”.Para o professor Lalo, <strong>da</strong> USP, o problemacomeça no momento de escolher quempoderá receber uma concessão de TV. Asempresas passam por um processo de licitaçãoe vence a que paga mais pelas outorgas.Para o especialista, as concessõesdeveriam ser <strong>da</strong><strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> comparaçãoentre os projetos de programação a seroferecidos ao público. “Seria a forma idealpara acabarmos com a mesmice que encontramosatualmente”, afirma. “O projetoseria acompanhado ao longo dos 15 anos.Caso não o cumprissem, as emissoras poderiamser puni<strong>da</strong>s. Isso é comum em diversospaíses, mas inexiste no Brasil. A faltade acompanhamento dá às emissoras liber<strong>da</strong>depara pôr seus interesses empresariais,políticos e religiosos acima do interesse público”,analisa.O paranaense David Domingues <strong>da</strong> Silva,de 25 anos, já foi viciado em TV, antes de trabalharcomo auxiliar de câmbio em São Paulo.Hoje, assiste a programas de entrevistas,visão críticaMamberti: “Épreciso ‘confiardesconfiando’em tudo quepassa na TV”jornais, novela, desenhos. “Se pudesse mu<strong>da</strong>r,colocaria mais documentários.” Em teoria,Davi – e todos os telespectadores – deveriapoder participar <strong>da</strong> definição do quepassa na TV, já que é para atender ao interessepúblico que as emissoras recebem concessão.“Nos últimos dez anos aumentou onúmero de organizações preocupa<strong>da</strong>s comIvone perez


estranhezaA paraense Ingrid Leãonão se indentifica coma TV que assisteJailton garciaessa questão. Mas está longe de ser um movimentogeneralizado. A assimetria existenteentre o poder dos meios de comunicaçãotradicionais e o <strong>da</strong>s vozes que os criticamain<strong>da</strong> é grande”, afirma Lalo.“As pessoas já dizem que é preciso ‘confiardesconfiando’ em tudo que passa naTV. Há, portanto, uma perspectiva crítica”,aponta Sérgio Mamberti. Ele apostana chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> TV digital para ampliar aparticipação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de na programação.“Num futuro próximo, a interativi<strong>da</strong>deque o formato digital trará vai permitirmais diálogo e debate com os meios de comunicação”,acredita.Diversas enti<strong>da</strong>des e movimentos sociais,no entanto, não esperaram a TV digital paramu<strong>da</strong>r esse cenário. Neste mês, iniciaramcampanha nacional por controle social nasconcessões. Fazem parte <strong>da</strong> campanha enti<strong>da</strong>descomo a <strong>CUT</strong>, a UNE, o MST, o ColetivoIntervozes e o Fórum Nacional pela Democratizaçãodos Meios de Comunicação.Reivindicam a implantação de mecanismosde participação de integrantes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de– independentes dos poderes, do governo e<strong>da</strong>s emissoras –, desde a fiscalização <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>dena programação <strong>da</strong>s emissoras atéo processo de renovação <strong>da</strong>s concessões.A idéia, longe de configurar uma tentativade censura, como alegam grandes empresários<strong>da</strong> mídia, é proporcionar à socie<strong>da</strong>demecanismos para acompanhar a programaçãoe identificar eventuais <strong>abusos</strong>, irregulari<strong>da</strong>despor parte de emissoras.Para saber mais sobre a campanhapelo controle social nas concessões:www.intervozes.org.brA concessão não renova<strong>da</strong> <strong>da</strong> RCTV, <strong>da</strong> VenezuelaEm maio, quando venceuo prazo <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong>venezuelana Radio CaracasTelevisión (RCTV), segun<strong>da</strong>maior emissora de TV emaudiência no país, o governodo presidente Hugo Chávezdecidiu não renová-la. A razãofoi o envolvimento <strong>da</strong> rede natentativa de golpe de Estadoocorri<strong>da</strong> no país em 2002. Aação foi planeja<strong>da</strong> na casa deMarcel Granier, seu proprietário.Em todo o mundo, grandesempresas de comunicação eassociações do setor acusaramo governo venezuelano de “violara liber<strong>da</strong>de de expressão”. Masnão noticiaram, por exemplo,que nos últimos 20 anos a RCTV,além de incitar o golpe de 2002,foi suspensa diversas vezes peloPoder Judiciário por veicularinformações falsas, pornografiaem horário inadequado,violação dos direitos humanos etrabalhistas.A não-renovação deconcessões públicas é umprocedimento comum em diversospaíses, considerado assunto desoberania nacional. Ao longo <strong>da</strong>história, várias emissoras nosEstados Unidos não tiveramconcessões renova<strong>da</strong>s. O mesmoaconteceu na Inglaterra, durantea gestão <strong>da</strong> primeira-ministraMargaret Thatcher. O jornalespanhol Diagonal contabilizou236 fechamentos, revogaçõese não-renovações de canais derádio e televisão em 21 paísesdo mundo. Nenhum deles foiconsiderado autoritário.Nathalie Vera/REUTERSTV sem povo Venezuelanos ironizam programação <strong>da</strong> RCTV2007 outubro REVISTA DO BRASIL 25


saúdeQuandoo esporteé rudeRotina de atletas não é exemplo para quemdeseja aproveitar os benefícios <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>defísica. Esporte com moderação pode ser bom,mas passou disso é filosofia de vi<strong>da</strong> cerca<strong>da</strong>de riscos por todos os <strong>lado</strong>sCompetiu na Olimpía<strong>da</strong> de 2004com o joelho recém-operadoAbandonou o Pando Rio com o pé inchadoPor Giedre MouraQuando entra em um avião, oex-jogador de basquete OscarSchmidt precisa sentaronde possa esticar a pernaesquer<strong>da</strong>. A culpa não é dosseus 2,05 metros de altura, e sim do joelho.Castigado por mais de 30 anos de saltos,corri<strong>da</strong>s e que<strong>da</strong>s nas quadras, não dobradireito. São três lesões sérias, constantesindicações para cirurgias. A dor é o preçopor ter sido o mais importante jogadorde basquete do Brasil. Ele não se arrependede na<strong>da</strong>, mas não usa meias palavras aodizer que esporte de alto rendimento na<strong>da</strong>tem a ver com vi<strong>da</strong> saudável. Ganhou me<strong>da</strong>lhas,dores e limitações. Assim é o esportecompetitivo.Médicos, profissionais de educação físicae esportistas são unânimes em afirmar queatletas de alta performance não são exemplo aser seguido por quem deseja melhorar a quali<strong>da</strong>dede vi<strong>da</strong> e pôr fim ao sedentarismo. Lesões,patologias do coração, disfunção hormonalsão mais comuns em gente que treinade quatro a cinco horas por dia com grandeesforço do que em uma pessoa que caminhauma hora quatro vezes por semana.A alta profissionalização, a busca pelaquebra de recordes, a necessi<strong>da</strong>de de performanceca<strong>da</strong> vez mais eleva<strong>da</strong> exigem emdemasia dos atletas de ponta e decretaramo fim do slogan “esporte é saúde”, que pormuito tempo foi exibido na TV. “Levamos ocorpo ao limite <strong>da</strong> exigência física e, é claro,isso não é saúde, é uma opção de vi<strong>da</strong>. Minhaopção sempre foi o basquete e assumito<strong>da</strong> a sua exaustão. Se o time ficava quatro26 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


A primeira lesão <strong>da</strong>ginasta Daiane dosSantos foi aos 17 anos,no tendão de AquilesEduardo Knapp/Folha Imagemtendão <strong>da</strong> pata de ganso. Eu nem gosto defazer ressonância magnética, sempre aparecealgo novo”, brinca.O esporte brasileiro está repleto dessesdesastres. Ana Moser, Gustavo Kuerten, ogoleiro Marcos, do Palmeiras, que já se afastou13 vezes para ser submetido a cirurgiase fisioterapias. O meia Pedrinho, do Santos,também é um deles. Aos 30 anos, comemorouem setembro 50 jogos sem se machucar.Mas nos últimos dez anos de ativi<strong>da</strong>deesteve pelo menos dois em tratamento. Nofutebol, além dos impactos do esforço convive-secom a imprudência – ou desleal<strong>da</strong>de– dos muy amigos de profissão.Aos 20 anos, no início de uma carreira altamentepromissora e dois dias antes de seapresentar para a seleção brasileira, ain<strong>da</strong>no Vasco <strong>da</strong> Gama, Pedrinho recebeu umaentra<strong>da</strong> forte de um jogador do Cruzeiro erompeu o ligamento do joelho direito. “Fiqueiseis meses parado e me machuquei denovo. Depois foi a vez do joelho esquerdo.Era muito jovem e não imaginava que issopudesse acontecer. O <strong>lado</strong> psicológico é omais complicado. Mas o futebol é assim, umesporte de muito contato, e sei que possome machucar a qualquer hora novamente”,afirma o meia. Quando passou pelo Palmeiras,entre 2002 e 2005, Pedrinho chegoua pedir ao clube a suspensão dos saláriosenquanto estivesse fora de jogo.Conviver com a dorNão são apenas os atletas profissionaisque correm o risco de transformar o esporteem algo prejudicial à saúde. Se no caso dosesportistas de alto rendimento essa é umaopção clara em busca <strong>da</strong> vitória, para pessoascomuns que se encantam com a ativi<strong>da</strong>defísica e começam a levar o corpo àexaustão, sem o devido acompanhamento,o risco pode ser ain<strong>da</strong> maior.Ao mesmo tempo em que o sedentarismoé alto na população brasileira, cresceentre os que já fazem ativi<strong>da</strong>de física a tendênciade partir para a sobrecarga. “Parafazer uma caminha<strong>da</strong> leve a pessoa nãoprecisa se submeter a uma diversi<strong>da</strong>de deexames médicos, mas o que tem acontecidoé que ela passa a correr e logo quer participarde uma maratona, sem saber se temcondições. E começam os riscos cardiovascularese também de lesões. Se a pessoa temuma artrose no joelho, não adianta escolhera corri<strong>da</strong> para se exercitar”, avisa o médicodo esporte André Pedrinelli.A receita é antiga, mas pouca gente a respeita:fazer uma grande avaliação física antesde se submeter aos exercícios prolongados ede alto impacto. Não basta o exame médicode academia. O que também difereos esportistas profissionais<strong>da</strong>s pessoas comuns é a equipeque dá suporte às ativi-Chegou a jogar uma parti<strong>da</strong>com a mão direita quebra<strong>da</strong>Oscar: “Se o timeficava quatro horastreinando, eu treinavaoutras quatro”horas treinando, eu treinava outras quatro.Era maluco mesmo”, conta Oscar.O cestinha <strong>da</strong> seleção brasileira perdeuas contas de quantas vezes entrou nas quadrascom dores e chegou a ponto de jogarcom a mão direita quebra<strong>da</strong>, justamente a“mão santa”. A primeira contusão séria foiaos 17 anos, quando fraturou um dos tornozelose passou três meses sem botar o péno chão. “Senti muita dor, cansaço, e essaé a rotina de qualquer atleta. Mesmo depoisde parar de jogar ain<strong>da</strong> descubro coisas.Fiquei sabendo que tenho bursite noAndré Durão/Ag.IstoÉTem três lesõesgraves no joelhoFraturou o tornozelo eteve de ficar 3 meses semcolocar o pé no chão


Rompeu os ligamentosdos dois joelhosPedrinho, hoje no Santos: “O <strong>lado</strong>psicológico é o mais complicado,mas sei que posso me machucarnovamente a qualquer hora”assecom/santos f.c.<strong>da</strong>des. A ginasta Daiane dos Santos contacom um time de dez pessoas que cui<strong>da</strong>mde sua rotina de treinamento, alimentação,rendimento e trato psicológico. E mesmocom a mais qualifica<strong>da</strong> equipe a atleta nãoestá livre dos perigos <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de.“Uma <strong>da</strong>s coisas que aprendi foi a convivercom a dor. E não é uma dor leve,muitas vezes é absur<strong>da</strong>, mas você precisase preparar, enfrentar e descobrir seulimite. Agora que passou o Mundial (deGinástica Artística), vou cui<strong>da</strong>r do meu pépara conseguir chegar bem nas Olimpía<strong>da</strong>sde Pequim”, revela Daiane, que chegoua competir com o pé direito inchado noPan, mas teve de desistir <strong>da</strong> final no solo.Sua primeira lesão foi aos 17 anos, no tendãode Aquiles.Daiane mantém rotina de treinamentosde até seis horas diárias. Passou porduas cirurgias nos joelhos. Após a primeira,conseguiu o título de campeã mundialna ginástica artística. Mas a segun<strong>da</strong> comprometeuo desempenho na Olimpía<strong>da</strong> de2004. “Tive um período de recuperaçãomuito curto e hoje meu joelho não dobradireito, provavelmente vou conviver coma dor por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. Mas eu escolhi”, refletea ginasta.Aos 45 anos de i<strong>da</strong>de, o ex-arremessadorde <strong>da</strong>rdo e hoje professor de educaçãofísica Pedro Caetano sabe exatamente doque Daiane dos Santos está falando. Campeãopaulista e brasileiro universitário nosanos 80, Caetano ain<strong>da</strong> sente as dores nocotovelo que lesionou em virtude do treinamentointenso. Na época, o contato comas técnicas mais avança<strong>da</strong>s era pequenoe o treinamento do atletismo significava,basicamente, a exaustão. Eram sete horasdiárias de esforços repetitivos, força, resistência.“Você começa a treinar criança,quando vê está competindo e quando percebese machucou. Hoje questiono até queponto o esporte de alto rendimento não éuma loucura”, in<strong>da</strong>ga o professor.A rotina de Caetano hoje é tranqüila,três ou quatro vezes por semana de exercíciosmoderados, o bastante para garantirbenefícios cardiovasculares, controlara pressão, o colesterol e outras enfermi<strong>da</strong>desassocia<strong>da</strong>s ao sedentarismo. Mas nãoesquece a época do <strong>da</strong>rdo. Sente o braçoao dirigir e precisa se poupar quandodemonstra aos alunos um arremesso dehandball. “O esporte tem vários <strong>lado</strong>s, eleé importante não só para o físico comotambém para a parte psicológica, ensina adisciplina, a perseverança. Porém, quandovai além disso, mostra uma opção devi<strong>da</strong> que realmente não é a mais saudável”,avalia Caetano.Exceção: o triatletaCarlos Galvão nuncateve lesões sériasPaulo pepe28 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


EstudosÀ medi<strong>da</strong> que a medicina e a biologiaavançam para pôr em ativi<strong>da</strong>de atletascom massa muscular ca<strong>da</strong> vez mais potente,surge a necessi<strong>da</strong>de de estudos capazesde diagnosticar até que ponto a evoluçãonão é prejudicial. Para o professor de educaçãofísica Reury Frank Bacurau, as pesquisasain<strong>da</strong> são pequenas, pois o alto nívelesportivo é algo novo e os efeitosreais ain<strong>da</strong> não podem ser totalmentemedidos.Bacurau preparou uma tese dedoutorado para a qual submeteuratos a esforços intensos e moderadospara verificar a reaçãodo sistema imunológico. O animaltreinado de forma modera<strong>da</strong>teve aumento e melhoria <strong>da</strong>imuni<strong>da</strong>de, enquanto o que foi submetidoa treinamento intenso apresentou reduçãonesse índice. É preciso, porém, ver a pesquisacom cautela, pois trata de uma questão específica– os tumores. “Ain<strong>da</strong> temos muitopara pesquisar. Sabemos que o esporte dealto nível não é saudável, mas falta apurar oquanto ele realmente prejudica.”O pesquisador lembra que além <strong>da</strong>s tradicionaislesões e dos problemas cardíacosque têm levado alguns atletas à morte súbita,geralmente por apresentarem algumacardiopatia, existem as questõeshormonais. É fato que para umamulher menstruar ela precisa deO alto nívelesportivoé algonovo e osefeitos reaisain<strong>da</strong> nãopodem sertotalmentemedidosum determinado estoque de gordura no organismo.O nível baixo de gordura de umamaratonista, por exemplo, impede a menstruação,com risco de causar um desequilíbrio,item que pode ter relação com casos decâncer e também com a maior fragili<strong>da</strong>dedos ossos. “Volto a afirmar que ain<strong>da</strong> nãotemos <strong>da</strong>dos precisos, temos de pesquisar.Ao reduzir o treinamento as mulheres voltama menstruar, mas quais serãoos efeitos no longo prazo?”,questiona Reury.No caso dos esportistas amadoresque não possuem devidoacompanhamento especializado,uma <strong>da</strong>s síndromes maiscomuns é a de overtraining,o excesso de treinamento. Équando o corpo sinaliza haveruma falta de equilíbrio entre a quanti<strong>da</strong>dede ativi<strong>da</strong>de física, o descanso e a alimentação.E efeitos como depressão, cansaço, irritabili<strong>da</strong>de,per<strong>da</strong> de massa muscular, insônia,falta de apetite invadem o cotidiano dospraticantes. Embora a saí<strong>da</strong> para resolver oproblema seja simples, reduzir a ativi<strong>da</strong>defísica e melhorar a alimentação, o esportistadepara com outra faceta pouco discuti<strong>da</strong> −o <strong>da</strong>no psicológico, pois a ativi<strong>da</strong>de físicapode virar vício.“E nem falamos ain<strong>da</strong> do doping. Quemtrabalha com educação física vê muitosatletas e sabe que é impossível chegara uma massa muscular tãoampla sem anabolizantes. Oassunto é tabu, quem é pegono doping representauma parcela muitopequena dosLesão no cotovelo devidoao excesso de treinamentoque os utilizam. A Volta <strong>da</strong> França de ciclismo,por exemplo, já está sendo chama<strong>da</strong>de Volta <strong>da</strong> Farsa, devido ao grande usode anabolizantes pelos atletas”, completa opesquisador.Homens de ferroA rotina do consultor de marketing esportivoe triatleta Carlos Galvão tem sidointensa. Corre, na<strong>da</strong>, pe<strong>da</strong>la e faz musculaçãotodos os dias, alternando as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des,em alta carga, de domingo a domingo.Sua vi<strong>da</strong> está assim desde junho, quando intensificouos treinamentos para participaragora em outubro de uma <strong>da</strong>s provas quemais exigem do corpo: o torneio mundialde Ironman (Homem de Ferro), no Havaí.A mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de cria<strong>da</strong> há 20 anos inclui3.800 metros de natação no mar, 180 quilômetrosde bicicleta e, para terminar, umamaratona: 42 quilômetros de corri<strong>da</strong>. Paraa maioria, mais de dez horas de exercício físicosem parar. “Em 1999 eram 12 mil pessoasfazendo o Ironman, agora são maisde 50 mil. O número não pára de crescer.É uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de para quem quer a surpresa,a motivação, a força de vontade. Oimportante não é vencer, e sim terminar aprova”, conta Galvão.Triatleta desde 1998, o esportista diz quenunca sentiu nenhum problema associadoao esporte de altíssima performance. A únicavez em que se machucou e ficou mesesparado foi no futebol. O Ironman, em suaopinião, tem uma particulari<strong>da</strong>de que otorna mais seguro que as corri<strong>da</strong>s de rua:quem se arrisca a participar <strong>da</strong> prova sabeque precisa de um acompanhamento médicoe profissional especializado. Galvãonunca foi vítima do overtraining, sabe quevai reduzir a rotina de treinamentos após aprova. “O esporte muitas vezes é uma filosofiade vi<strong>da</strong> e tem seus riscos associados.Até hoje não tive nenhum problema sériocom o triatlo, o mais difícil mesmo temsido conciliar a vi<strong>da</strong> de treinamentoscom a social. Sair para jantarfora, só com quem topa voltarpara casa antes <strong>da</strong>s 10<strong>da</strong> noite.”roberto ParizottiPedro Caetano foicampeão paulista ebrasileiro de arremessode <strong>da</strong>rdo nos anos 802007 outubro REVISTA DO BRASIL 29


históriaTodo opoder aossovietesEntre a tirania stalinista e o legado do bem-estar social decorrente <strong>da</strong>sombra revolucionária, aqueles dez dias que abalaram a Rússia, em1917, são essenciais à compreensão do mundo contemporâneoPor Igor FuserAexpressão “os dez dias queabalaram o mundo” ficou famosaa partir do título do livroem que o jornalista norteamericanoJohn Reed relata,como testemunha ocular, o momento emque os trabalhadores assumiram o poderna primeira revolução socialista vitoriosa,em 25 de outubro de 1917. O Estado queemergiu <strong>da</strong>quele movimento – a União Soviética– já desapareceu, mas o mundo ain<strong>da</strong>sente os tremores <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de poder peloscomunistas liderados por Lenin. “To<strong>da</strong>vez que os trabalhadores desafiarem a dominaçãoe a exploração sob o capitalismo,a Revolução Russa será referência”, afirmao cientista político Lúcio Flávio de Almei<strong>da</strong>,<strong>da</strong> PUC-SP.Noventa anos depois, turistas fazem filapara visitar o corpo embalsamado de Lenin,na Praça Vermelha, em Moscou. Na saí<strong>da</strong>do mausoléu de mármore negro, o visitantepercorre os túmulos dos “heróis <strong>da</strong> UniãoSoviética”, enterrados ao pé <strong>da</strong>s muralhas doKremlin, fortaleza medieval que é o própriosímbolo do poder no país. Conquistas, contradiçõese fracassos <strong>da</strong> revolução estão representadosnaquela galeria mortuária. Láestá também Josef Stalin, um dos tiranosmais brutais do século passado. Lenin reprovavaa maneira truculenta de Stalin trataras divergências. O ditador bigodudo, que osucedeu em 1924, repousa numa cova igualà de outros dirigentes, como Leonid Brejnev,que ordenou a invasão <strong>da</strong> Tchecoslováquia(1968) e do Afeganistão (1979).A Praça Vermelha abriga, por outro <strong>lado</strong>,personagens admiráveis como o marechalGeorgi Jukov, coman<strong>da</strong>nte do Exército Vermelhoem 1945. Jukov esteve à frente <strong>da</strong>stropas que derrotaram os nazistas nas batalhasdecisivas <strong>da</strong> 2ª Guerra Mundial e comandoua vitória final em Berlim, quandoum sol<strong>da</strong>do soviético balançou a bandeira<strong>da</strong> foice e martelo no topo do prédio semidestruídodo Parlamento alemão. Sem oesforço titânico dos soviéticos, que amargaram20 milhões de mortes na luta contrao nazismo, o conflito provavelmente teriatido outro desenlace. Lá está, também, opróprio John Reed, militante de esquer<strong>da</strong>dos Estados Unidos que chegou a combaterao <strong>lado</strong> dos revolucionários durante a guerracivil que se seguiu a 1917 e morreu de tifoem 1920, num hospital de Moscou.Mas o que mais me impressionou nobreve trajeto pelo túnel do tempo <strong>da</strong> ex-URSS foi a homenagem a um famoso poroutro motivo. Todos os túmulos ao <strong>lado</strong> doKremlin estavam, quando estive lá, em julho,enfeitados por um par de cravos vermelhos.Apenas um, entre dezenas de mortosilustres, recebera de mãos anônimasflores comuns: o do cosmonauta Yuri Ga-Popular até hoje “Paz, pão e terra”: lema dos bolcheviques, liderados por Leninhulton archive30 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


hoje oposiçãoDesafiando a polícia e suasbombas de gás, jovenscomunistas desfilam por SãoPetersburgo na chama<strong>da</strong>“Marcha dos Descontentes”,dia 3 de março deste anoAlexander Demianchuk/REUTERS


garin, primeiro ser humano a viajar ao espaço,em 1961, a bordo <strong>da</strong> nave Vostok. Suapresença ali sublinha o avanço econômico,tecnológico e a admiração alcançados pelaURSS antes de esbarrar nos limites que afizeram naufragar.Na Rússia capitalista de hoje, o aniversário<strong>da</strong> revolução será desdenhado pela agen<strong>da</strong>oficial. O presidente Vladimir Putin, exagente<strong>da</strong> KGB, a polícia secreta do regimesoviético, governa com apoio dos antigos“oligarcas” do Partido Comunista que privatizaram,em benefício próprio, as fatias maisgor<strong>da</strong>s do patrimônio estatal. A herança soviéticadivide opiniões. “Há polarização entreos que encaram a revolução com simpatiaou como catástrofe”, observa o economistaAlexander Kolganov, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de deMoscou. “Entre os apoiadores há outra divisão:os nacionalistas, para quem a revoluçãofez <strong>da</strong> Rússia segun<strong>da</strong> maior potência domundo; e os socialistas, que vêem nos bolcheviquesos seus ideais de justiça social.”Na avaliação de Kolganov, um legado maisconcreto é o conjunto de conquistas sociaisque ain<strong>da</strong> vigoram no país, como o largo alcance<strong>da</strong> educação e saúde. “Nem Yeltsin (opresidente que liderou a transição para o capitalismo)nem Putin conseguiram dissolvera segurança social no país”, diz. O economistaKolganov explica que, para a maioria dosrussos, Lenin e o socialismo são assuntos dopassado. A população estaria hoje volta<strong>da</strong>para a sobrevivência numa socie<strong>da</strong>de competitivae, ao contrário do que sonhavam osbolcheviques, ca<strong>da</strong> vez mais desigual.Dados organizados pela economista brasileiraLenina Pomeranz, do Instituto deEstudos Avançados <strong>da</strong> USP, mostram a espantosaconcentração de ren<strong>da</strong> ocorri<strong>da</strong> noperíodo pós-soviético. O contingente <strong>da</strong> populaçãonas faixas de ren<strong>da</strong> mais baixas reúne77%, enquanto 22,6% dos russos estãonum nível médio e apenas 0,4% pode serconsiderado rico. Em 1989 as cama<strong>da</strong>s médiascompunham dois terços do total.Passado nãotão distantePraça Vermelha, em Moscou,onde fica o Kremlin e a Catedralde São Basílio, ain<strong>da</strong> é cenáriopara desfiles militares como apara<strong>da</strong> que comemora o dia emque os soviéticos tomaram oParlamento alemão, no fim <strong>da</strong>2ª Grande GuerraEmpobrecimentoLenin ain<strong>da</strong> é a figura histórica mais popular<strong>da</strong> Rússia e sua lembrança permanecevisível nas estátuas que escaparam <strong>da</strong> on<strong>da</strong>de demolição dos ícones do regime soviético.Não há como apagar a memória <strong>da</strong>queleque foi, segundo o historiador EricHobsbawm, o personagem mais importantedo século 20. No mundo inteiro estãosendo organizados eventos em que se discutiráo legado de 1917. No Departamentode História <strong>da</strong> USP, um seminário aberto aopúblico – Revolução Russa: uma Jovem de90 Anos – é organizado pelo professor OsvaldoCoggiola para ocorrer entre 12 e 14de novembro (informações pelo telefone 113091-3760). “A luta vitoriosa dos bolcheviquescontinua sendo a principal experiênciarevolucionária <strong>da</strong> era contemporânea”,enfatiza Coggiola.Para ele, os “descaminhos” que ocorreramdepois de 1917 podem ser analisados a partirde dois pontos de vista: como álibi paradesqualificar o socialismo ou como ponto departi<strong>da</strong> para a superação dos erros cometidos.Afinal, o que foi a Revolução de Outubroe o que ela significa na atuali<strong>da</strong>de? Comose explica o chocante contraste entre a esperançana vitória dos socialistas e os fracassosque levaram ao fim <strong>da</strong> União Soviética?Essa experiência pode ser entendi<strong>da</strong> apartir <strong>da</strong>s circunstâncias que envolveram atoma<strong>da</strong> do poder pelos bolcheviques, comoeram conhecidos os comunistas russos em1917. Quando Karl Marx e Friedrich Engelsescreveram o Manifesto Comunista,em 1848, nem de longe imaginavam que oprimeiro país a abolir o capitalismo fossea retrógra<strong>da</strong> Rússia, onde, para se ter umaidéia, somente em 1861 os camponeses ficaramlivres <strong>da</strong> servidão, regime de <strong>trabalho</strong><strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. O socialismo, de acordocom Marx, só poderia ser implantadonas nações de maior desenvolvimento capitalista,como Inglaterra, França ou Alemanha,onde a classe trabalhadora já estariaem condições de exercer o poder.O que precipitou o levante revolucionáriona Rússia foi a incapaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> burguesiade oferecer uma alternativa à monarquiaabsolutista, que desmoronou diante<strong>da</strong> crise provoca<strong>da</strong> pelas derrotas do exér-32 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


orgulho nacional Putin participa decerimônia em homenagem a Yuri GagarinReutersRevolução permanente Leon Trotski acreditava que o sucesso <strong>da</strong> revolução só seriapossível se ela atingisse outros países. Morto em 1940, o bolchevique não viu que suarevolução, embora à força, acabou entrando em quase todo o Leste EuropeuViktor Korotayev /REUTERShulton archivecito imperial russo na 1ª Guerra Mundial.Em fevereiro de 1917, os trabalhadores deMoscou, exasperados com a guerra e coma fome, deflagraram uma greve geral. Astropas despacha<strong>da</strong>s pelo czar Nicolau II, aoinvés de reprimir o movimento, confraternizaramcom os grevistas. Depois de quatrodias de caos, a monarquia ruiu e formouseum governo provisório, liderado pelospartidos liberais.O povo reivindicava o fim <strong>da</strong> participaçãorussa numa guerra que só interessava àselites, envolvi<strong>da</strong>s nas disputas geopolíticaseuropéias. Os jovens <strong>da</strong>s classes pobres, enviadosaos milhões para o matadouro doscampos de batalha, desertavam e voltavampara casa. A população urbana exigia umfim à escassez de alimentos causa<strong>da</strong> pelaguerra. E os camponeses – 85% <strong>da</strong> população– queriam a redistribuição <strong>da</strong>s terras,em mãos <strong>da</strong> nobreza.Paz, pão e terraDurante os oito meses de governo provisórioos políticos burgueses falharam ematender às deman<strong>da</strong>s populares. Trabalhadoresdo campo e <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des se organizaramem conselhos, os sovietes, nos quais asdecisões eram toma<strong>da</strong>s com a participaçãode todos. No início os bolcheviques eramminoria entre os partidos de esquer<strong>da</strong> queatuavam nos sovietes. Mas eram os únicosque defendiam, com coerência, o lema “paz,pão e terra”. A única vantagem real com que2007 outubro REVISTA DO BRASIL 33


Lenin e os bolcheviques contavam era a capaci<strong>da</strong>dede reconhecer o que as massas queriam;“de conduzir, por assim dizer, por saberseguir”, explica Hobsbawm.Em outubro de 1917, quando o governoprovisório resolveu reprimir os conselhosde trabalhadores, os bolcheviques já erammaioria. Lenin, ao ver neles uma alternativade poder, lançou a palavra de ordem<strong>da</strong> insurreição: “Todo o poder aos sovietes”.Com a adesão dos sol<strong>da</strong>dos que voltavam<strong>da</strong>s frentes de batalha, os revolucionáriosassumiram rapi<strong>da</strong>mente o controle<strong>da</strong>s principais ci<strong>da</strong>des, Moscou e São Petersburgo.Os bolcheviques emitiram, semper<strong>da</strong> de tempo, os decretos que atendiamaos anseios do povo, como o <strong>da</strong> reformaagrária. As fábricas, abandona<strong>da</strong>s por seusproprietários, não foram estatiza<strong>da</strong>s deimediato, mas coloca<strong>da</strong>s sob a gestão dosoperários. Um acordo de paz foi assinado,mas durou pouco. Durante quatro anos,a guerra civil entre as forças revolucionárias(os “vermelhos”) e conservadoras (os“brancos”) espalhou morte e devastaçãopor to<strong>da</strong> a Rússia.Nem Lenin nem os demais líderes bolcheviques,como Leon Trotski, que organizouo Exército Vermelho, acreditavamque seria possível construir o socialismoisola<strong>da</strong>mente, num único país. O movimentoseria o estopim de uma revoluçãointernacional que mobilizaria trabalhadoresem nações capitalistas mais adianta<strong>da</strong>s.A febre revolucionária se espalhoupela Europa Central. No entanto, somentena Rússia, gigante e subdesenvolvi<strong>da</strong>,os revolucionários mantiveram o poder.A eles só restava a opção de levar adianteo projeto socialista, em condições maisdesfavoráveis que a imagina<strong>da</strong> em 1917.IdealistaJohn Reed, oamericano quemorreu por umarevolução quese perdeuNesse processo, muitos erros foramcometidos.“Lenin, Trotski e seus companheirosreduziram drasticamenteas liber<strong>da</strong>des democráticas apartir de 1918, o que facilitou oprocesso de burocratização posterior”,afirma o cientista políticoMichel Löwy, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede Paris. Ele recor<strong>da</strong> que RosaLuxemburgo, uma <strong>da</strong>s líderes <strong>da</strong>fracassa<strong>da</strong> revolução na Alemanha,apoiava com entusiasmo osbolcheviques, mas criticava a inclinaçãopara práticas autoritárias. Ela apontava oesvaziamento dos conselhos operários, quese tornavam mero instrumento do PartidoComunista.Ain<strong>da</strong> assim, a transformação do jovemregime soviético na monstruosa máquinaestatal do stalinismo não foi automática.“Não se deve estabelecer um sinal de identi<strong>da</strong>deentre o Estado revolucionário de 1917a 1924 e o Estado contra-revolucionário <strong>da</strong>burocracia”, alerta Löwy, lembrando quequase todos os líderes do movimento de1917 foram eliminados, incluindo Trotski,assassinado em 1940 por um agente stalinistadurante seu exílio, no México.Até hoje se discute se o regime que sobreviveuaté 1991 pode ser chamado de socialismo,uma vez que o poder, exercido emnome dos trabalhadores, sucumbiu à burocraciae ao totalitarismo. Por outro <strong>lado</strong>,as sete déca<strong>da</strong>s de existência <strong>da</strong> URSS mostraramque é possível conduzir um país modernosem a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meiosde produção – ou seja, sem patrões. O regimesoviético transformou um país atrasadonuma poderosa economia mundial, capazde vencer a Alemanha nazista, de enviar navesao espaço, de proporcionar àpopulação condições de alimentação,saúde, moradia e educação.“Para milhões de habitantes<strong>da</strong>s aldeias, o desenvolvimentosoviético significou a aberturade novos horizontes, a fuga <strong>da</strong>strevas e <strong>da</strong> ignorância para a ci<strong>da</strong>de,a luz e o progresso”, constataHobsbawm em seu livro A Erados Extremos.Grande ironia é que a experiênciasoviética trouxe mais benefíciospara os trabalhadores em outraspartes do mundo do que para os própriosrussos. Muitos estudiosos estão convencidosde que o medo do socialismo foi umdos principais motivos que levaram os paísescapitalistas mais desenvolvidos, sobretudona Europa Ocidental e na América doNorte, a empreender importantes reformassociais. Nesses países, o “perigo bolchevique”teria removido a resistência <strong>da</strong>s classesdominantes às reivindicações históricasdos sindicatos de trabalhadores, como saláriose jorna<strong>da</strong>s dignos e proteção social– conquistas que agora, sem o fantasma docomunismo, se vêem ameaça<strong>da</strong>s pela ofensivaneoliberal. Em outras partes do mundo,o exemplo <strong>da</strong> Revolução Russa inspiroulutas de libertação contra o colonialismoeuropeu.Talvez ain<strong>da</strong> seja cedo para uma avaliaçãodo legado de 1917. A única certeza éque, sem levar em conta esse acontecimentograndioso, o mundo em que vivemos setorna incompreensível. Para aqueles quenão aceitam o triunfo do capitalismo apósa dissolução <strong>da</strong> URSS como “o lance final <strong>da</strong>História”, a proeza dos bolcheviques seguecomo uma referência permanente.


Retratopaulo pepeDoce vi<strong>da</strong> essa minhaAroçade O<strong>da</strong>ir até que dá para o consumo interno,só que dinheiro não faz. A criação de caprinosaju<strong>da</strong>, mas a ren<strong>da</strong> é pouca. O jeito foi pedir o reforço<strong>da</strong>s abelhas para adoçar a vi<strong>da</strong>. Conformese aprimoram a técnica de captura e a li<strong>da</strong> com aapicultura, as esperanças vão-se alimentando. Na casa de O<strong>da</strong>ire nas dezenas de outras que formam a Cooperativa Apícola <strong>da</strong>Grande Picos (Cooapi), em Picos (PI). Por sua desenvoltura,O<strong>da</strong>ir José <strong>da</strong> Costa foi escolhido agente de desenvolvimentorural do Assentamento União. Ele é quem faz o meio de campoentre a comuni<strong>da</strong>de e os parceiros, como Sebrae e Fun<strong>da</strong>çãoBanco do Brasil, que apóiam o empreendimento com conhecimentode gestão, planejamento, tecnologia e recursos. Acooperativa existe desde 1996 e está perto de alcançar o melhordesempenho <strong>da</strong> história. Tirando de 25 a 30 quilos de mel, decolméia em colméia, a produção vai ultrapassar as 10 tonela<strong>da</strong>s/ano.Para alegria de O<strong>da</strong>ir, sua pequena Mirele, de 2 anos,Hélio, 4, e Homero, 6. E também <strong>da</strong>s cabras. Com a ren<strong>da</strong> vindopredominantemente do mel, até elas, praticamente parte <strong>da</strong>família, poderão ficar mais tranqüilas. (Paulo Donizetti)2007 outubro REVISTA DO BRASIL 35


comportamentoElixir <strong>da</strong> juventudeEnquanto as mulheres têmmaior capaci<strong>da</strong>de de sea<strong>da</strong>ptar aos percalços <strong>da</strong>i<strong>da</strong>de, os homens acimade 60 encontram no amor,mais que um grande aliado<strong>da</strong> saúde, uma causaque rejuvenesceo espíritoAmor maduroEmanuel e Céliaresolveram viverjuntos em Brasília17 anos depois dese conhecerem36 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


augusto coelhoPor Miriam SangerEmbora a Organização Mundialde Saúde considere idosasas pessoas a partir dos 60anos, essa classificação já parecebeirar o equívoco. Livresedos estereótipos e olhe à sua volta. Ossessentões estão por todo <strong>lado</strong>, produzindocomo nunca, iniciando novos negóciose carreiras, curtindo a vi<strong>da</strong> em todosos seus aspectos. E mais: estão amando.Amam a mulher que conheceram há 40,50 anos; amam pela segun<strong>da</strong> vez, depoisde um casamento desfeito ou <strong>da</strong> viuvez;amam pela terceira vez, na esperança convictade que desta vez acertarão no alvo;ou amam mais uma vez como se fosse a últimae infinitamente enquanto dure. Longe<strong>da</strong> improvisação, os homens brasileirosbuscam o amor com maturi<strong>da</strong>de e romantismo,e não por convenção, vontade derachar as despesas nem de viver antes malacompanhadosdo que sós.Trata-se, com o perdão do trocadilho, deum senhor romântico, que dá aulas sobreas maravilhas do amor. Uma atitude, aliás,que faz bem ao corpo e à alma. “Emboranão haja estudos consoli<strong>da</strong>dos, não háLonge <strong>da</strong>improvisação,os homensbrasileirosbuscam oamor commaturi<strong>da</strong>de eromantismodúvi<strong>da</strong>s de que a manutenção<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> amorosa ao longo dosanos protege a saúde e está diretamenterelaciona<strong>da</strong> com adiminuição <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de”,afirma José Antonio Curiati,geriatra do Hospital Sírio-Libanêse médico supervisor doserviço de geriatria do Hospital<strong>da</strong>s Clínicas, em São Paulo. Nos EstadosUnidos, foram realiza<strong>da</strong>s pesquisasque ofereceram um <strong>da</strong>do concreto: quandohá um relacionamento fixo, a quanti<strong>da</strong>dede relações sexuais é muito maior doque entre os solitários – e já está documentadoque o grau de ativi<strong>da</strong>de sexualestá diretamente ligado à boa saúde cardiovascular.“O bom dessa fase é justamente a capaci<strong>da</strong>dede internalização <strong>da</strong> relação, do erotismoe até dos prazeres materiais. Acreditoque estou vivendo agora meu melhor momento,um momento de encantamento. Éo sagrado entrando no meu coração”, descreve,quase recitando, Emanuel Tadeu MedeirosVieira, jornalista que, aos 62 anos,declara-se apaixonado pela médica Céliade Souza, com quem vive desde maio desteano. O casal se conheceu em 1990, naBahia, onde Célia morava antes de se mu<strong>da</strong>rpara Brasília, para unir-se ao namorado– e lá se foram quase 17 anos de i<strong>da</strong>s evin<strong>da</strong>s. “As pessoas estão mais preocupa<strong>da</strong>scom seus carros e casas, perderam o sentidodoméstico e do encontro. Célia foi umabênção na minha vi<strong>da</strong>”, descreve, destacandoa segurança afetiva e a maturi<strong>da</strong>de do romance.“Não temos rotina, reinventamos oencanto a ca<strong>da</strong> momento.”O dia-a-dia do casal é de causar invejaa qualquer dupla adolescente: passeios demãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s, conversas transparentes e semartifícios, o prazer assumido de dividir ascoisas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. “Minha impressão é de quedá mais vontade de ser autêntico. O amordá uma espécie de fortalecimento interiorpara li<strong>da</strong>r com os pedregulhos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Rejuvenesceo espírito.”Estímulo do tempoO bem proporcionado à saúde física,emocional e mental pelo amor aju<strong>da</strong> tambémna prevenção a muitas doenças comunsaos que avançam nas fases dos “enta”.O homem que tem uma companheira vivemais e é menos suscetível à depressão e aoestresse. “O amor sempre traz repercussõespositivas, em qualqueri<strong>da</strong>de. Mas para os homensdepois dos 60 anos representauma nova perspectiva, umnovo direcionamento. É umelemento revitalizador, poislança novos objetivos e comprometimentos”,afirma o professore doutor Ailton Amélio<strong>da</strong> Silva, psicólogo formado pela Universi<strong>da</strong>dede São Paulo e autor dos livrosMapa do Amor e Para Viver um GrandeAmor, assinalando o que chama de vantagenspredominantemente masculinas.“As mulheres raramente se casam quandochegam a essa i<strong>da</strong>de solteiras. E quandosozinhas, por viuvez ou separação, têmcapaci<strong>da</strong>de de a<strong>da</strong>ptação maior que a doshomens. Por isso acredito que seja o homemo mais beneficiado pelo amor nessaépoca <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.”Que o diga Flávio Aguiar. Românticoconvicto, ele vive, aos 60 anos, um relacionamentoque revoluciona sua vi<strong>da</strong>: para estarperto <strong>da</strong> ama<strong>da</strong>, que reencontrou nesteano, Flávio mudou-se para a Alemanha. Vaiviver ao <strong>lado</strong> de Zinka Ziebell, uma brasileirahá 20 anos radica<strong>da</strong> naquele país. Flávio é2007 outubro REVISTA DO BRASIL 37


prazer intenso pelas coisas boas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> Paulo e a namora<strong>da</strong>, Fátima, conquista<strong>da</strong> há oito meses, vão a todos os bailes que aparecemgerardo lazzaripai e avô, tem uma vi<strong>da</strong> familiar ativa e nãolhe faltam amigos e ativi<strong>da</strong>des – é professorrecém-aposentado de Literatura Brasileira<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (USP), editor-chefe<strong>da</strong> agência Carta Maior e colaborador<strong>da</strong> RdB. Mas não pensou duas vezesao ter certeza do que sente por Zinka, queconhece há mais de dez anos. É uma paixãode primeira quali<strong>da</strong>de – e está abraçando acausa com to<strong>da</strong> a força de seus braços.“Reencontramo-nos depois de muitosanos distanciados, mas desta vez tivemoscerteza de que queremos, e merecemos,viver esse amor com to<strong>da</strong> a intensi<strong>da</strong>de”,descreve o professor. Amigos o encontrame elogiam sua joviali<strong>da</strong>de. “Alguns estranhame consideram minha atitude um gestoadolescente, ain<strong>da</strong> têm a antiga perspectivade que o amor não foi feito para quemtem 60.” É o terceiro casamento de Flávio,que promete para breve uma festa com boloe tudo o mais. “Acho que a i<strong>da</strong>de é um fatorpositivo para a paixão, pois me faz querervivê-la ain<strong>da</strong> mais intensamente. Na ver<strong>da</strong>de,o tempo nos impulsiona para o amor,pois a gente já sabe, a essa altura, que ele écurto e temos pressa”, brinca.Novos sentimentosO médico Curiati não aceita que umapessoa de 60 anos possa hoje ser enquadra<strong>da</strong>na terceira i<strong>da</strong>de – a menos que aOMS admita que exista uma quarta, quintaou sexta i<strong>da</strong>de. “Do ponto de vista funcional,o homem nessa fase está absolutamenteinteiro. E, quando se vê apaixonado, a joviali<strong>da</strong>dee a saúde ficam ain<strong>da</strong> mais evidentes,embora não existam estudos que atestemesse fato”, ressalva Curiati. A energiatambém se expressa nos dias agitados dessesapaixonados. Normalmente com filhoscriados, netos apenas nos fins de semana,aposentados ou com a carreira estabeleci<strong>da</strong>,a palavra de ordem é se divertir.Paulo Luiz Melloni, separado há trêsanos, não aparenta seus 71 enquanto <strong>da</strong>nçaco<strong>lado</strong> à namora<strong>da</strong>, a viúva Fátima TeodoroPereira, em todos os bailes que encontrapela frente. Ain<strong>da</strong> que às vezes umpouco perturba<strong>da</strong> pelo ciúme <strong>da</strong>s filhasdela – evento comum entre os novos relacionamentos“maduros”, segundo os especialistas–, a sintonia entre os dois não deixadúvi<strong>da</strong> de que o sentimento que os une é oamor, recheado por um prazer intenso pelascoisas boas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. “Não acho que somosfeitos para ficar sozinhos. Não importaa i<strong>da</strong>de: o gostoso é ter com quem curtirnovos sentimentos”, diz Paulo, abraçado ànamora<strong>da</strong> conquista<strong>da</strong> há oito meses.Van<strong>da</strong> de Moura e Armando Santos saemdiariamente para <strong>da</strong>nçar e têm muita coisaem comum – são sorridentes, ótimos<strong>da</strong>nçarinos e aposentados, o que garantetempo para o namoro, iniciado há quatroanos. Eles se conheceram em um baile noSesc Pompéia, em São Paulo. “Sempre nosvíamos e, quando percebemos, estávamosacertando nossos passos”, brinca Armando.“Nosso amor, talvez pela maturi<strong>da</strong>de quejá conquistamos, é muito espontâneo, pontuadopela sinceri<strong>da</strong>de, pela leal<strong>da</strong>de e peloQuando há um relacionamento fixo, a quanti<strong>da</strong>de de relações sexuais é maior do que entre os38 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Cumplici<strong>da</strong>de João e Luiza: “A opinião de ambos é sempre decisiva para qualquer ação”Além-Mar Flávio foi para a Alemanha casar com Zinka: paixão de primeira quali<strong>da</strong>deJailton Garciamarilene vargas/arquivo pessoalrespeito. A Van<strong>da</strong> é leal, grande confidentee, puxa!, como gosto <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de dela”,enumera o namorado.De primeiraE nem sempre é necessária mais de umatentativa para encontrar a “cara-metade”. Aocontrário do que se imagina, não só existemcasamentos duradouros como tambémos que são duradouros e apaixonados. JoãoVicente Júnior, de 70 anos, celebrará suasbo<strong>da</strong>s de ouro com Luiza no ano que vem.To<strong>da</strong>s as tardes os dois saem para passear.Sentam-se quietos, abraçados, observam oque acontece. Trocam cochichos, as mãossempre <strong>da</strong><strong>da</strong>s. Na hora de falar sobre o queos mantém cúmplices há tanto tempo, ambossorriem encabu<strong>lado</strong>s. “Talvez seja o fatode sempre termos feito tudo juntos. Muitoscasais <strong>da</strong> nossa i<strong>da</strong>de já não toleram ficarsozinhos um com o outro. Nós não: adoramosviajar a dois. Não sei se há uma fórmu<strong>lado</strong> amor, mas, se existir, podemos dizerque a nossa foi manter sempre a sereni<strong>da</strong>dee a compreensão um com o outro”, descreveJoão. “Continuamos nos amando, mas depoisde tantos anos o que sentimos deve serdiferente do que os que se conhecem há menostempo. Em primeiro lugar, a opinião deambos é sempre decisiva para qualquer ação.Nem saberíamos viver separados.”Essa é exatamente uma <strong>da</strong>s frases preferi<strong>da</strong>sdo administrador de empresas ReynaldoDanilo Vernice, de 77 anos, há 52anos casado com Ruth. “Sempre brincocom ela: ‘Espero que eu morra primeiro,pois sem você não vou conseguir nem encontrarminhas camisas!’” Se a frase não parecena<strong>da</strong> romântica, Reynaldo tem muitosargumentos para consertá-la. “Quando tomamosa decisão de noivar, decidimos queca<strong>da</strong> um faria aquilo que achava que deviafazer. Ela, por exemplo, resolveu ir estu<strong>da</strong>r,numa época em que as amigas dela viravamdonas-de-casa. Em segundo lugar, prometemoscumplici<strong>da</strong>de eterna. E, terceiro, respeito.Tenho uma foto dela em minha mesade <strong>trabalho</strong>, ela aos 25 anos. Vejo Ruth atéhoje assim”, descreve o administrador. Eambos concor<strong>da</strong>m: o amor é fun<strong>da</strong>mental.“Gosto de tudo o que ela é e só vejo um defeito:casou-se comigo.”Colaborou: Maurício Thuswohlsolitários e o grau de ativi<strong>da</strong>de sexual está diretamente ligado à boa saúde cardiovascular2007 outubro REVISTA DO BRASIL 39


perfilO anoemqueMichelsaiu <strong>da</strong>rotinaAtor principal do filmeO Ano em Que MeusPais Saíram de Férias,Michel Joelsas dáautógrafos, tira fotoscom fãs e freqüentaeventos, mas nãose deslumbra. Ain<strong>da</strong>brinca, estu<strong>da</strong> e fazplanos para o futurogerardo lazzari40 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Por Guilherme BryanMichel nunca havia sequerestre<strong>lado</strong> campanhaspublicitárias e foiparar direto na tela docinema. A vi<strong>da</strong> começoua virar a partir de um teste do qual participaramoutras 2 mil crianças de várias <strong>escola</strong>sju<strong>da</strong>icas em todo o país, incluindo ocolégio I. L. Peretz, onde estu<strong>da</strong> desde o maternal.“Comecei a fazer o teste por curiosi<strong>da</strong>de,fazíamos um pequeno texto e umaencenação”, conta. Como nos movimentosdo videogame, foi passando de fase, avançandoe, de repente, foi parar no cinema.Michel Joelsas virou Mauro, personagem –principal! – de um dos melhores filmes <strong>da</strong>safra brasileira dos últimos tempos, produçãoescolhi<strong>da</strong> para concorrer a uma indicaçãoao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro,O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias(2005), dirigido por Cao Hamburger.Sua mãe, Marisa Dias, também foi surpreendi<strong>da</strong>.Num primeiro momento nemse preocupou em saber direito que teste eraaquele: “Como o pedido veio do colégio,que é absolutamente confiável, nem atenteimuito para o que era e autorizei. Durantetrês meses outros pedidos de autorizaçãovieram. Só fui saber o que era de fato quandoo Michel, então com 10 anos, me disseque estava entre 12 crianças que participariamdo filme. Foi então que vi que era oCao Hamburger. Lembrei do Castelo Rá-Tim-Bum e percebi que se tratava de um<strong>trabalho</strong> realmente sério”.Na história, os pais de Mauro, envolvidosna luta contra a ditadura militar na vira<strong>da</strong><strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 para a de 70, o deixam nacasa do avô, no bairro paulistano do BomRetiro. Para interpretá-lo, seria necessáriosaber a respeito desse período <strong>da</strong> históriado Brasil e também dos hábitos e tradições<strong>da</strong> cultura ju<strong>da</strong>ica. Enquanto os pais sofriamas agruras <strong>da</strong> repressão no momentomais cruel <strong>da</strong> ditadura, Mauro estavatotalmente entregue à euforia <strong>da</strong> Copa doMundo do México. A poesia do filme misturacom equilíbrio a obscuri<strong>da</strong>de do terrorà memória do melhor futebol do mundo,em meio a uma crônica que reconstróicom leveza o dia-a-dia naquele reduto <strong>da</strong>comuni<strong>da</strong>de ju<strong>da</strong>ica.Michel lembra-se do clima <strong>da</strong>s filmagenscomo de altíssimo astral e de grande integraçãona equipe. “A cena em que chorei,por exemplo, exigiu grande concentração.Já na cena <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça maluca (ao som do hit<strong>da</strong> Jovem Guar<strong>da</strong> Eu Sou Terrível), comvários colegas meus, eu me diverti muito”,conta. Outro momento marcante foi quandoconheceu um dos maiores atores do Brasil,Paulo Autran, que faz uma participaçãoespecial no início do filme.Nas cenas externas, filma<strong>da</strong>s em Campinas(interior de São Paulo), Michel eraacompanhado por seus avós. “Eu e minhamulher tivemos de mu<strong>da</strong>r umpouco o ritmo de vi<strong>da</strong>. Foi tudouma grande surpresa. Primeiro,por ele ter sido escolhido.Depois, pelo fato de Cao Hamburgerter me dito, no pré-lançamentodo filme, que o Michelfoi um presente de Deus paratodos <strong>da</strong> equipe”, lembra o avôAdolfo Dias, de 73 anos.Para conciliar o <strong>trabalho</strong>nas filmagens e as tarefas <strong>da</strong><strong>escola</strong>, Michel não tinha moleza.“Uma professora de inglêse outra de hebraico, que ématéria regular <strong>da</strong> <strong>escola</strong>, foram contrata<strong>da</strong>spara <strong>da</strong>r aulas no set de gravação. Umapessoa autoriza<strong>da</strong> pela <strong>escola</strong> levava as provas.Ele não teve facili<strong>da</strong>des. Ao contrário,o combinado era continuar muito bem na<strong>escola</strong> para poder fazer o filme.”O Ano em Que Meus Pais Saíram de Fériasfoi lançado em outubro de 2006. Rapi<strong>da</strong>mentese tornou um dos filmes brasileirosmais elogiados por público e crítica nosMichelem cenacom CaioBlatPara conciliaro <strong>trabalho</strong>nas filmagense as tarefas<strong>da</strong> <strong>escola</strong>,Michel nãotinha moleza.Ao contrário,o combinadoera continuarmuito bem na<strong>escola</strong> parapoder fazer ofilmeúltimos anos. Nos festivais de Berlim e Israel,Michel aproveitou para passear. Apeli<strong>da</strong>dode “Férias” e “Mauro” por colegas<strong>da</strong> <strong>escola</strong>, ele parece ter realmente gostado<strong>da</strong> experiência. Acaba de participar docurta-metragem A Ópera do Malandro, deAndré Moraes, baseado no musical de ChicoBuarque.O ego também está sob controle. Desdea produção de O Ano até os primeiros sinaisdo sucesso, a preocupação dos pais deMichel e de sua colega de filme,a atriz mirim Daniela Piepszyk,era que não ficassemdeslumbrados. E contaramcom o apoio <strong>da</strong> produção, observaMarisa: “O próprio Caome falou que, de Pixote para cá,existe no meio um cui<strong>da</strong>do especialcom to<strong>da</strong>s as crianças.Chegaram até a me perguntarse eu achava que era precisouma psicóloga ou algum cui<strong>da</strong>doespecial com o Michel. Eudisse: ‘Olha, talvez a mãe precise,mas ele não’”.Houve até situações em que os papéis seinverteram: era ele que levava a mãe a manteros pés no chão em momentos de excessode euforia. “Olha, o mais importante é o<strong>trabalho</strong>, senão, quando passar esse boom<strong>da</strong> mídia, você ficará com um vazio”, ensinavao jovem ator, que, hoje aos 12 anos, jáfaz novos planos para a carreira cinematográfica:“Pelo que vi nas filmagens, gosteimuito <strong>da</strong> direção de fotografia...”divulgação2007 outubro REVISTA DO BRASIL 41


viagemEntreo caose o caisO destino pode estar a dias <strong>da</strong>li,via Rio Negro. Alguns trazem a vi<strong>da</strong>to<strong>da</strong> para dentro dos barcos <strong>da</strong>Manaus ModernaPor João Correia Filho, texto e fotosUma moto embarca por 60reais. Sabão e água sanitáriaa 1,50 ca<strong>da</strong> garrafa de 2 litros.Bananas viajam por 60centavos o cacho e 2 reais éo preço para levar um saco com 60 quilosde farinha. Perfumaria é mais caro, entre5 e 10 reais, dependendo <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>dedo frasco. Um carneiro pode ir por 4 reais.Cachorro com dono vai de graça. No maismovimentado porto <strong>da</strong> capital amazonense,conhecido como Manaus Moderna, nãoé fácil decifrar a lógica dos valores cobradosno embarque de produtos. As tarifasseguem uma ordem pouco compreensívelpara quem está à margem desse universoque tem o Rio Negro como via de acesso acentenas de ci<strong>da</strong>des do norte do país.Rarison Silva, tripulante do barco ElyonFernandes I, conta que em geral o frete écobrado por volume, “mas pode variar”, deacordo com as posses de quem despacha,com o dia do embarque, o tempo e, principalmente,com a forma como a embalagemse encaixa nos porões de ca<strong>da</strong> barco. Próximade importantes entrepostos de mercadorias,incluindo o Mercado Municipal AdolphoLisboa, inaugurado em 1882, a região é42 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


o moderno popularTodos os dias, milhares de pessoas dizem nãoàs instalações do porto privado e espremem-senum ambiente caótico, sujo, com grande riscode acidentes dentro e fora dos barcosponto de convergência de milhares de comerciantese viajantes que lotam os barcosde mercadorias e histórias. Tanto a locali<strong>da</strong>decomo o porto receberam o nome de ManausModerna durante um projeto de urbanizaçãorealizado em 1994, que transformoua área em zona portuária e de comércio. Hojesua moderni<strong>da</strong>de está justamente na resistênciaao moderno. Rivaliza com as novasinstalações do antigo Porto de Manaus, local2007 outubro REVISTA DO BRASIL 43


oficial de embarque para destinos nacionais,internacionais e contêineres. Construído em1902, para escoar os negócios milionários<strong>da</strong> borracha, foi restaurado e modernizadocom guichês informatizados, monitoresque indicam horário de parti<strong>da</strong> e de chega<strong>da</strong>,como em aeroportos. A idéia não prosperou,embora o prédio chame a atenção demuitos, principalmente dos turistas.Em Manaus Moderna tudo é mais simples.Os guichês são guar<strong>da</strong>-sóis, a lanchoneteé um trailer a<strong>da</strong>ptado e o anúncio <strong>da</strong>s parti<strong>da</strong>sé no grito. Três grandes balsas unem-seà terra firme por pontes improvisa<strong>da</strong>s, quesubstituem as esca<strong>da</strong>s deteriora<strong>da</strong>s pela presençaconstante <strong>da</strong> água. Mesmo assim, todosos dias, milhares de pessoas dizem não àsinstalações assépticas do porto privado e espremem-senum ambiente caótico, com riscode acidentes dentro e fora dos barcos.Em Manaus Moderna as passagens custamde 20% a 50% menos do que no embarcadourooficial. Uma passagem para Tabatinga,de 268 reais no guichê, pode sairpor 200 nas ruas. “Negociamos direto como dono do barco, sem aquele monte de impostoscobrados lá dentro”, explica JailsonSilva, um entre centenas de vendedores debilhetes que circulam na calça<strong>da</strong> estreita.Para a maioria <strong>da</strong>s pessoas, as expectativas estão volta<strong>da</strong>s para a chega<strong>da</strong>. Alguns trazem a vi<strong>da</strong>to<strong>da</strong> para dentro dos barcos <strong>da</strong> Manaus Moderna, com o intuito de reiniciá-la em outro porto seguroPara ele, outra razão é o embarque commais agili<strong>da</strong>de, sem passagem por raio X,Polícia Federal, taxas ou limites de carga.O ritmo frenético dos carregadores dá veloci<strong>da</strong>deao porto. Entre passageiros que seacumulam na proa, passam caixas de frutas,colchões, material de construção, passacerveja, passa fogão, passa mamão, passagente, passa açúcar, passam bananas-passas.Tudo muito rápido. Todo mundo tempressa de entregar e de receber. Uma passagema bordo do Coman<strong>da</strong>nte Santana, comdestino a Nhamundá, em território amazonense,ou Faro e Terra Santa, no Pará, custa30 reais, com direito a dois dias sobre aságuas e uma refeição. Um camarote na viagempara Santarém (PA), no Maresia I, saipor 180 reais. Três dias de viagem. Na rede,sai por 50 a 60.“Lei de oferta e procura, meu irmão”, explicaRaimundo Souza de Almei<strong>da</strong>, 42 anos,metade deles vividos ali, às margens do RioNegro, primeiro como carregador e atualmentecomo vendedor de bilhetes. “Quandotem mais barcos, cai o preço; quando44 REVISTA DO BRASIL outubro 2007tem mais gente, o preço sobe. Se é época defestivi<strong>da</strong>des o preço sobe”, completa, sentadoem frente a um cartaz com dezenasde fotos de barcos: Princesa Letícia, AlmirGuimarães, Leão IV e Manuel Silva II.É nessa época que outros vendedores doporto fazem seu extra. José Mendes vendeóculos de sol. Tira cerca de 50 por “dia bom”,e chega a faturar 180 em vésperas de festivaiscomo o de Parintins, em junho, um dosmais famosos do país. Paulo César Nascimentovende pe<strong>da</strong>ços de cor<strong>da</strong> por 2 reaiso par. É produto de primeira necessi<strong>da</strong>de,pois a maioria dos barcos não possui númerosuficiente de ganchos para que todosacomodem suas redes. Com a cordinha, seamarram a qualquer pe<strong>da</strong>ço de madeira dobarco. Paulo César vende 18 pares em diasnormais e mais de 70 nos dias de festa. Concorrecom milhares de ambulantes, que trazemtodo tipo de conveniência: suco ge<strong>lado</strong>,salgadinhos, pão de queijo, laranja descasca<strong>da</strong>,biscoito de polvilho, pano de prato, rádio,fones de ouvido, DVD, canudinho de docede leite, picolés de açaí com tapioca.Disputam espaço com os carregadores novaivém contra o relógio: o Maresia vai sairmeio-dia, o Gênesis III às 15h. Como formigasobreiras, levam bem mais que seu própriopeso. Salvanei de Oliveira carrega quatrosacos de laranja de uma vez, 120 quilos, oque lhe rende 1,50 real. Em dia bom, chega atirar 150 reais, ou seja, repete cem vezes o esforçoque executado uma única vez já parecehercúleo. Nilton Pereira Júnior faz malabarismoscom latas de cerveja, às vezes 20 caixasde uma só vez. Nas mãos de José Menezese de Salustião, mamões se equilibram, batatasvoam. Marcinho engana com uma pilhade papel higiênico sobre os ombros.Enquanto traz o mundo para dentro, atripulação tenta manter a ordem. Algunsconferem os bilhetes, outros identificam eetiquetam o que entra e o que sai, na maioria<strong>da</strong>s vezes com as iniciais dos destinatários.AOS é o senhor Antonio Oliveira <strong>da</strong>Silva, dono de uma próspera ven<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>dede Alenquer (PA), a um dia e meiode viagem. PD é Pedro Domênico, de Óbidos(PA). No Co<strong>da</strong>jás, é Jorge o responsável


RitaFranciscapelo controle de mercadorias. No MaresiaI, a tarefa é de Rita, uma bela morena quedestoa do cenário cheio de músculos. Nobarco atracado, man<strong>da</strong> ela. Com o d<strong>escola</strong>r<strong>da</strong> balsa, coman<strong>da</strong>nte e piloto passam a seras autori<strong>da</strong>des, responsáveis pelas centenasde pessoas que ocupam o convés. Cheio dedespedi<strong>da</strong>s, o Elyon Fernandes parte com615 passageiros.Histórias <strong>da</strong>s águasEnquanto lança as caixas ao ar, SaulFerreira conta que muitos amores nascemnos locais recônditos de uma embarcação:“Com seis dias de viagem tem genteque consegue uma esposa, ou um filho. Eumesmo arrumei uma noiva”, revela o homemde 29 anos, natural de Coari (AM),destino <strong>da</strong> embarcação. “Tem gente quetransa no banheiro, no camarote. Em alguns,a música rola solta. Quando é épocade festivais, então, tudo rola solto”, completa,com ar de quem assiste freqüentementeaos tais rituais. Trabalha há quatroanos no Maresia II.Alguns trazem a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong> para dentrodos barcos, com o intuito de reiniciá-la emoutro porto seguro. Dona Maria Vilma Lopes,de 63 anos, tem em sua bagagem umfogão Dako de quatro bocas, um colchão decasal, uma cama de ferro vermelha desmonta<strong>da</strong>,duas gavetas de roupa e o bambolê <strong>da</strong>neta, Lidiane, cria<strong>da</strong> por ela. Vão tentar avi<strong>da</strong> em Santarém, depois de quatro anosna capital do Amazonas. Patrícia Vieira morouum ano ali. Com o filho Lucas Miguelno colo, volta com tudo para a ci<strong>da</strong>de natal,Parintins (AM): dois colchões, geladeira,sofá de tom laranja forte, no qual descansaenquanto o irmão mais novo traz a mu<strong>da</strong>nça,criado-mudo, arara (de roupas), berço;aproveita para despir o filho e deixá-lo defral<strong>da</strong>s. Dia quente. “As coisas não derammuito certo”, diz a moça de 19 anos, grávi<strong>da</strong>de alguém que a abandonou.Para muitos o destino é também o ganha-pão.Francisca Costa <strong>da</strong> Silva venderoupas em Coari. “Lá é tudo mais caro, menoso peixe. Se aqui é 10 o quilo, lá é 3.” Aos36 anos, viaja três vezes por mês para Manaus;a bagagem leva 700 reais em roupas.“Com um pouco de sorte, faço 2 mil reais.Uma toalha que aqui é 15 eu vendo por 35.Uma calça de 40 eu vendo por 70.”“Tem gente que transa no banheiro, no camarote. Em alguns, amúsica rola solta. Quando é época de festivais, então, tudo rola solto”Para outros o porto tem gosto de descoberta.Talita teve um amor de três diascom Fábio, que veio a Manaus visitar umprimo. Conheceram-se na saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>escola</strong>dela, a Francisco Albuquerque, no Centro.Olharam-se e se apaixonaram. Ele, naturalde Juruti, extremo oeste do Pará, tem18 anos. Ela tem 16, apesar <strong>da</strong> maquiagemna bochecha e dos olhos pintados derosa, que destacam a madureza no rostode menina. Ele sorri para segurar o choro.Ela chora. Combinaram de não trocare-mails, nem endereço, nem telefonee, como numa fábula de príncipes e princesas,às margens do Rio Negro, nuncamais se verão.Dentro do barco <strong>da</strong> Manaus Moderna,o som ora é de uma criança que chora, orade um trompetista que se exibe antes <strong>da</strong>parti<strong>da</strong>. Uma garota lê revistas de celebri<strong>da</strong>des,um casal dorme abraçado, conversasse misturam. Soa o apito, hora <strong>da</strong> saí<strong>da</strong>.Acelera os passageiros. O que era caos, enquantoo barco se distancia, dá lugar a umsilencioso vazio. Vi<strong>da</strong> no cais.2007 outubro REVISTA DO BRASIL 45


Curta essa dica PorXandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)Cumplici<strong>da</strong>deA exposição Olhar Cúmplice– Fotografias do Parapan, emcartaz na Caixa Cultural Rio,reúne flagrantes <strong>da</strong> competiçãocapturados pelas lentes de novefotógrafos <strong>da</strong> agência Imagens doPovo. A mostra é um depoimentopoético-visual e sugere, em 30fotos amplia<strong>da</strong>s e 120 projeta<strong>da</strong>s,um novo olhar sobre o diferente,a emoção, a alegria, ingredientespara a construção de um mundomais solidário. De terça a domingo,<strong>da</strong>s 10h às 22h, na Sala Margot.Tels.: (21) 2544-7666/2544-4080.Grátis. Até 21 de outubro.Mais do que raçaO projetoOs Mestres Mulatos,idealizado pelo maestroMarcelo Antunes Martins,difunde a história <strong>da</strong>música brasileira e a obra decompositores filhos ou netosde escravos, de Luís ÁlvaresPinto (1719-1789)a Pixinguinha (1898-1973).O projeto inclui os concertos<strong>da</strong> Sinfonieta dos Devotos deNossa Senhora dos Prazeres,composta por 24 músicos:em 21 de outubro, às 12h,na Igreja Irman<strong>da</strong>de deNossa Senhora do Rosáriodos Homens Pretos (Largodo Paissandu, centro de SãoPaulo); 8 e 29 de novembro,na Assembléia Legislativa deSP, às 19h; e 20 de novembro,na Unipalmares, às 18h(Rua Padre Luís Alves deSiqueira, Barra Fun<strong>da</strong>).Partituras a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>spara orquestras modernase música de câmaraestarão no sitewww.mestresmulatos.com.brAbalou o mundoO livro-reportagem Os Dez Dias Que Abalaram o Mundo (Ediouro, 536páginas, R$ 60), do jornalista americano John Reed, relata de maneirahumana e apaixona<strong>da</strong> – talvez um dos melhores textos políticos do século 20– os acontecimentos dos primeiros dias <strong>da</strong> Revolução Russa de 1917. Reedtransporta o leitor para o olho do furacão que fez ruir o império russo. O livroinspirou o filme Reds (1981), Oscar de melhor diretor para Warren Beatty, comele próprio no papel de Reed, Diane Keaton, Jack Nicholson, Gene Hackman, MaureenStapleton (melhor atriz coadjuvante). Disponível somente em VHS (CIC Video).Olhe pra isso, olheAo levar para o cinema o teatro vital do Bando de Teatro Olodum, a soteropolitanaMonique Gardenberg faz uma poesia realista em torno <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos moradores de umcortiço do Pelourinho. Com elenco (Lázaro Ramos, Stênio Garcia, Dira Paes, Wagner Moura),música, sensuali<strong>da</strong>de, energia e roteiro superlativos, Ó, Pai, Ó mostra o que o Carnaval <strong>da</strong> Bahiatem dentro e fora dos cartões-postais e trios elétricos. Quem não teve tempo de alcançar nassalas exibidoras, tão apressa<strong>da</strong>s com os bons filmes nacionais, pode agora ver em DVD.46 REVISTA DO BRASIL outubro 2007


Muy amigos...O valor <strong>da</strong> leal<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> amizade é tema do livroO Amigo Fiel (Ed. Berlendis, 2006), a<strong>da</strong>ptação deGonzalo Cárcamo para o conto “The Devoted Friend”,de Oscar Wilde. A história é narra<strong>da</strong> por bichos <strong>da</strong>fauna brasileira. A amizade entre a ingênuacapivara Valentim e a esperta queixa<strong>da</strong>Xicoqueixo mostra umarelação que expõediferenças de princípiosnum texto provocativo.Afinal, o que é ser leal?Quais os valores quenorteiam a amizade? R$ 31.Pequenos heróisCui<strong>da</strong>r do meio ambiente é o que querem os personagens infantis do projetoEcokids. A página desperta a atenção <strong>da</strong>s crianças por meio de entretenimento,noções de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e do interesse pela natureza. Crianças de 8 a 10 anos dei<strong>da</strong>de vivem nas proximi<strong>da</strong>des de uma floresta e de uma reserva indígenae estu<strong>da</strong>m na Escola Vila Verde. A galerinha consciente planeja, mobiliza ediscute ações para proteger o planeta. www.ecokids.com.brQuanta diferençaEm 2002, mais de 1,8 milhão de franceses assistirama Ser e Ter. O documentário retrata o ano letivo emuma pequena <strong>escola</strong> e mostra como é a educaçãoinfantil no interior <strong>da</strong> França. Doze crianças, entre4 e 10 anos, compartilham a sala e aprendem juntasvárias matérias com um professor dedicado e paciente, que as conduzà adolescência, respondendo às suas argumentações e ouvindo seusproblemas. Bom programa para pais, professores e alunos, semrestrição de i<strong>da</strong>de, pela referência pe<strong>da</strong>gógica e pela quali<strong>da</strong>de comque é trata<strong>da</strong> (VideoFilmes).Porque sim, oras!Música para criança é leva<strong>da</strong> a sério pela engenheiraRita Rameh. Em parceria com o violonista,guitarrista e arranjador Luiz Waack, ela lançou oCD Por quê? (Tratore, 2006) que parece uma peçamusical. Bichos do Brasil, Carro, Ci<strong>da</strong>de, Claro eEscuro e Poluição são algumas faixas que mostramque é possível – e saudável – tratar a criança comoigual, sem inferiorizá-la.MaluquicesO Menino Maluquinho é umpersonagem do cartunistaZiraldo que representa muitobem o sabor <strong>da</strong> infância.Suas histórias e invenções jáviraram quadrinhos, livros,peças teatrais, filmes e até umasérie de TV. A página na internet aju<strong>da</strong> criançasna ativi<strong>da</strong>de <strong>escola</strong>r e traz brincadeiras, piadinhas,histórias e o significado de <strong>da</strong>tas importantes. Tematé uma versão online do livro original a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>para a internet. As imagens entram rápido na tela epodem ser impressas e colori<strong>da</strong>s.http://omeninomaluquinho.educacional.com.brPasseio cariocaO Sítio Burle Marx pode ser um divertido passeiopara quem está no Rio de Janeiro. Diversi<strong>da</strong>de deplantas, construções, pinturas, esculturas, desenhos,tapeçarias, vitrais, painéis de azulejos, entre outraspeças, pode ser conferi<strong>da</strong> no espaço comprado pelofamoso paisagista na déca<strong>da</strong> de 40 e doado para ogoverno em 1985. R$ 5. Estra<strong>da</strong> Roberto Burle Marx,2019, (21) 2410-1412. www.burlemarx.com.br2007 outubro REVISTA DO BRASIL 47


Crônica PorFlávio AguiarAs grandespaixõesAh, essa grande <strong>da</strong>ma que tantofreqüenta o aristocrático salãoquanto visita a pobre favela paranos despertar para a vi<strong>da</strong> e aliber<strong>da</strong>deMinha primeira grande paixão foi Narizinho, amenina cor de jambo do Sítio do Picapau Amarelo.Eu não queria tomar o lugar de Pedrinho,seu companheiro de viagens, brincadeiras ecorrerias. Eu queria entrar na história, ser partedela, conquistar a menina com minhas artes e feitos. Então eureescrevia os livros. Dava uma mãozinha para o Monteiro Lobato,por assim dizer. Na minha imaginação, é claro.É ver<strong>da</strong>de que havia a Eliana, atriz <strong>da</strong>s chancha<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Atlânti<strong>da</strong>.Nossa! Quanto ciúme eu tive do Anselmo Duarte, quanta invejative do Oscarito e do Grande Otelo, que contracenavam comela... Mas a Eliana foi uma mera (mera?) aventura cinematográfica.Coisa de fim de semana. Paixão mesmo, foi a Narizinho. Paixãocriança, que eu nunca esqueci, e a que sou fiel até hoje.Agora, paixão com P maiúsculo, a primeira foi Constance Bonacieux,a hospedeira de D’Artagnan, em Os Três Mosqueteiros, deAlexandre Dumas. Casa<strong>da</strong> com o insípido monsieur Bonacieux,Constance se deixa tomar por uma paixão ao mesmo tempo tórri<strong>da</strong>e pura pelo seu hóspede. Ali, entre golpes de espa<strong>da</strong> e de política, sobo olhar simultaneamente altivo e satânico do Cardeal de Richelieu,foi que aprendi que o ver<strong>da</strong>deiro amor apaixonado não reconhecelimites nem barreiras, sendo força de entrega e de recebimento. Poressa época também li Iracema e O Guarani, de José de Alencar. E meapaixonei. Menos pelas personagens do que por aquele jeito apaixonadoe apaixonante de escrever do escritor cearense.A Dumas devo minha próxima paixão: Anita, a brava mulherque combateu ao <strong>lado</strong> de Garibaldi na Guerra dos Farrapos e pelalibertação <strong>da</strong> Itália, onde morreu. É que li as Memórias de Garibaldi,escritas pelo genial francês. Fiquei maravilhado com aquelasaventuras de Farrapos e gaúchos meus conterrâneos de antanho,lutando pela república e pela liber<strong>da</strong>de, na pena <strong>da</strong>quele que erameu herói literário preferido, o incrível Dumas. E em meio àqueleredemoinho <strong>da</strong> história, lá estava a apaixonante Anita, comseus olhos e cabelos negros, seu busto arfante de desejo, e de desejode justiça.Minha paixão seguinte foi manhosa: Capitu, a que era mais mulherdo que eu era homem, como disse o Bentinho, seu marido enarrador. Capitu me apaixonou pela dúvi<strong>da</strong>: afinal, foi ou não foiadúltera? Por isso nunca concordei com a crítica tradicional queconsiderava seu “pecado” coisa líqui<strong>da</strong> e certa. Tampouco concordocom uma certa visão hoje corrente, que a vê apenas como umapobre vítima <strong>da</strong> desconfiança do marido. Bonito mesmo é sentira dúvi<strong>da</strong> oblíqua e dissimula<strong>da</strong>.Por aí eu já estava fazendo vestibular e entrando na facul<strong>da</strong>dede Letras, coisa meio inusita<strong>da</strong> para homem naqueles tempos deantigamente. E as paixões foram se sucedendo: Emma Bovary, aNega Fulô, Diadorim, Ma<strong>da</strong>lena, a professora de São Bernardo...Caso curioso foi o do Erico Verissimo: admirei to<strong>da</strong>s as mulheresde Erico, Clarissa, Fernan<strong>da</strong>, Ana Terra, Bibiana, Luzia Cambará,Ismália Caré... Mas não me apaixonei por nenhuma delas; eramto<strong>da</strong>s muito sérias e sisu<strong>da</strong>s, até a satânica Luzia, que escrevia poemas,tocava cítara e gostava de espiar cadáveres. O que me deixouapaixonado mesmo foi o olhar de Erico por sua terra, o RioGrande do Sul e o Brasil, um jeito quieto, sério, de olhar apaixonado,sem perder a capaci<strong>da</strong>de de crítica. Erico completou meu“apaixonamento” pela literatura, essa grande <strong>da</strong>ma que tanto freqüentao aristocrático salão quanto visita a pobre favela para nosdespertar a paixão pela vi<strong>da</strong> e pela liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> imaginação, coisatão em falta hoje em dia.Flávio Aguiar é professor do programa de pós-graduação de Literatura Brasileira <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede São Paulo e editor-chefe <strong>da</strong> Carta Maior (www.cartamaior.com.br)50 REVISTA DO BRASIL outubro 2007

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