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Nº 69 JUN-OUT/03 - AMB

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jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 1J O R N A L D OM AGISTRAD OMemória: SérgioMacaco, o homemque disse nãoPÁGINA 4<strong>AMB</strong> lança Aurora, arevista de cultura, emdezembroPÁGINA 3Perfil: Vitor NunesLeal, o ministroincansávelPÁGINA 8ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - <strong>AMB</strong>lANO XIIlNÚMERO <strong>69</strong>lBRASÍLIA, JULHO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002A cara doBrasilUm panoramahistóricoda identidadebrasileira atravésdas Constituições


Trazendo um resumo da história da vida do capitãoSérgio e de Vitor Nunes Leal, esta edição do JORNALDO MAGISTRADO procura dar o devido reconhecimentonão só à coragem desses dois exemplos de resistênjornaloutubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 2l EDITO RIAL lJustiça seja feitaSHAntes mesmo que baixasse a poeira das eleiçõesno Brasil, já se podia perceber quem tinha sofridoa maior derrota ao longo do processo eleitoral:o estilo de campanha baseado na agressão,na troca de insultos e no golpismo. Pela primeira vez,nos pleitos mais recentes, tivemos a satisfação de ver candidatosdebatendo idéias e projetos para o País, ao invés dededicar-se a vasculhar a vida pessoal dos adversários, à procurado menor deslize, para, com a ajuda dos holofotes damídia, causar uma virada espetacular nas pesquisas.Desta vez, prevaleceram a elegância, o bom sensoe, sobretudo, o respeito ao eleitor. A experiência democráticaque vivemos – em que se destacou a eficienteperformance da Justiça Eleitoral – torna cada vez maisdistante o tempo em que, no Brasil, nada se decidiapelo voto livre. Tempo em que tantos brasileiros ilustres,como o capitão Sérgio Macaco, do Para-Sar, e osministros Vitor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, doSupremo Tribunal Federal, foram afastados da vida pública,perdendo eles e o País.“Onde exista, como noBrasil, por conta dasgravíssimasdesigualdades sociaise de oportunidades,sobrecidadania de unse subcidadania deoutros, não existeverdadeiramentecidadania. Porque estanão admite graus ouadjetivos: ou é plenaou não é cidadania.”cia à ditadura, mas também ao papel desempenhadopelo STF na preservação do Estado de Direito. EvandroLins e Silva, em entrevista, traz detalhes de quem viveude perto vários períodos de exceção na vida política brasileira.Todos eles, contudo, malgrado o sistema, não renunciaramà dignidade pessoal e funcional, mesmo enfrentandotodos os prejuízos.Exemplos como esses não podem ser esquecidos. Nós, queos colhemos do tempo, temos a obrigação moral de relembrálose saudá-los.Em outra matéria, procuramos contextualizar as váriasConstituições que o Brasil já teve. Foram muitas, umapara cada período da história. A atual, ainda sequer regulamentadaem grande parte, já está sendo profundamentemodificada. Essa abundante versatilidade constitucionaldenota basicamente um fato: o de que ainda não construímosa consciência constitucional básica de que osgovernos e seus planos devem adequar-se à Constituição,e não o contrário.Somente a consciência constitucional, que se adquirecom a radicalidade da democracia, garante que introjetemoso transcendente valor de uma carta constitucionalpara todos os brasileiros, que signifique a limitação dospoderes dos governantes rigorosamente dentro das balizaspolíticas postas pelos governados.As eleições nacionais, nesse contexto, são episódio emque saem fortalecidos tais princípios, mercê dos debates,dos compromissos assumidos, das esperanças renovadas.Nesse processo, ganham peso entidades como a <strong>AMB</strong>,que tem dentre seus objetivos lutar pelo Estado Democráticode Direito e pelo exercício livre e digno da cidadaniapara todos.Onde exista, como no Brasil, por conta das gravíssimasdesigualdades sociais e de oportunidades, sobrecidadaniade uns e subcidadania de outros, não existe verdadeiramentecidadania. Porque esta não admite graus ouadjetivos: ou é plena ou não é cidadania.E os juízes, em várias oportunidades – como no reconhecimentoda promoção de Sérgio Macaco a brigadeiropelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico–, têm demonstrado, como se impõe, que tambémsão responsáveis pelo futuro do Brasil.Cláudio Baldino MacielNorte, Qd. 02, Bloco A, Sbl. L1, Sala 293Manhattan Plaza, Brasília, DF, CEP 70.800-100Tel.: (61) 328-0166 / 327-9792Fax: (61) 328-0171 / 327-9790home-page: http://www.amb.com.bre-mail: amb@amb.com.brPresidenteCláudio Baldino Maciel - Ajuris (RS)Secretário-geralGuinther Spode - Ajuris (RS)Diretor-tesoureiroRonaldo Adi Castro da Silva - Ajuris (RS)Vice-presidentesCláudio Augusto Montalvão das Neves - Amepa (PA)Douglas Alencar Rodrigues - Amatra X (DF)Guilherme Newton do Monte Pinto - Amarn (RN)Gustavo Tadeu Alkmim - Amatra I (RJ)Heraldo de Oliveira Silva - Apamagis (SP)Joaquim Herculano Rodrigues - Amagis (MG)Jorge Wagih Massad - Amapar (PR)Luiz Gonzaga Mendes Marques - Amamsul (MS)Roberto Lemos dos Santos Filho - Ajufesp (SP)Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro - Amma (MA)Thiago Ribas Filho - Amaerj (RJ)Coordenador da Justiça EstadualRodrigo Tolentino de Carvalho Collaço - AMC (SC)Coordenador da Justiça FederalJosé Paulo Baltazar Júnior - Justiça Federal (RS)Coordenador da Justiça do TrabalhoFrancisco Sérgio Silva Rocha - Amatra VIII (PA)Coordenador da Justiça MilitarCarlos Augusto C. de Moraes Rego - Amajum (DF)Coordenador dos AposentadosCássio Gonçalves - Amatra III (MG)Conselho FiscalJoão Pinheiro de Souza - Amab (BA)Jomar Ricardo Saunders Fernandes - Amazon (AM)Wellington da Costa Citty - Amages (ES)J O R N A L D OMAGISTRADOé uma publicação daDiretoria de Comunicação Social da <strong>AMB</strong>Av. Erasmo Braga, 115, 4º andar, Bloco J, Lâmina 1,Setor AdministrativoCentro - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20.026-000Tel.: (21) 2533-7966 / 2220-91<strong>69</strong>Fax: (21) 2220-0029e-mail: ambcom@uol.com.brEdiçãoFernanda Pedrosa (MTb.: 13511)RedaçãoAngela Regina Cunha, Fernanda Pedrosae Lúcia SeixasProjeto Gráfico/DesignSquadroTiragem17 milCapaExposição: O Brasil das ConstituiçõesOs artigos assinados são deresponsabilidade dos seus autores.É permitida a reprodução,desde que citada a fonte.2 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 3l C ULTURA lO surgimento da‘Aurora’, revistade arte e literaturada <strong>AMB</strong>Poesia, música, pintura, crônica,fotografia. Quem disse que juízesnão têm nada a ver com isso? Aimagem daquele magistrado descritopor Balzac, que passava a maior partedo tempo em “ambientes malsãos, empestadassalas de tribunais e pequenos gabinetesgradeados”, há algum tempo ficoupara trás. Acompanhando essa integraçãodos magistrados brasileiros com a comunidade,a <strong>AMB</strong> lança, dia 2 de dezembro,em Brasília, a revista de cultura Aurora,que pretende ser, segundo o presidenteCláudio Baldino Maciel, “a porta abertapara que a arte e a cultura invadam nossasvidas abarrotadas de matéria jurídica”.Aurora traz, em sua primeira edição,manuscritos de poemas inéditos de Thiagode Mello, Carlos Nejar e Lêdo Ivo; artigosde Helena Jobim, sobre Ipanema, ede Álvaro Alves de Faria, sobre CarlosDrummond de Andrade; reprodução dequadros de Manabu Mabe e Tomie Ohtake;ensaio fotográfico de Eduardo Tavares,e a história de uma canção, Roupa nova,de Milton Nascimento e Fernando Brant.Os magistrados também comparecem nesseprimeiro número: há textos de Sidnei Beneti,José Renato Nalini, Jorge Finatto,Arthur Narciso de Oliveira Neto, entreoutros.Com tiragem de 30 mil exemplares,Aurora será distribuída também aosmagistrados dos demais países de línguaportuguesa. Além dos trabalhos de autorese artistas conhecidos, a publicação esperareceber colaborações de juízes do Brasile dos demais países lusófonos. “As páginasde Aurora estão abertas aos que têmalgo a dizer”, resume o diretor Culturalda <strong>AMB</strong> e editor da revista, Jorge AdelarFinatto. “A revista Aurora expõe-se à visitaçãopública e é bom que todos sejamosco-partícipes de sua produção, para quenela se expresse a multiplicidade viva dacultura”, completa o vice-presidente Cultural,Joaquim Herculano Rodrigues.Os associados interessados em participardevem enviar correspondência paraa <strong>AMB</strong> – Subsede Porto Alegre (AvenidaPlínio Brasil Milano, 805, conj. 8<strong>03</strong>, CEP– 90.520-002, Porto Alegre, RS), aos cuidadosdo diretor Cultural, Jorge Adelar Finatto,ou e-mail para , colocando no assunto“Revista Aurora”. As colaborações serãosubmetidas ao Conselho Editorial.Auto-retrato de ManabuMabe (ao alto), foto de Eduardo Tavares(acima), tela de PauloPorcella (à esq.)e manuscrito de Thiagode Mello (à dir.)JORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 3


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 4l M EMRIA lO homemque disseCrédito: Marco Antonio Cavalcanti/AJBNÃOProtagonista do CasoPara-Sar só teve seu direitoreconhecido no SupremoANGELA REGINA CUNHANos tempos do Para-Sar, em 1967uma covardia. Atrasar uma decisãodessa ordem é o mesmo que“Foinegar a Justiça.”A afirmação do advogado Sylvio RomeroPereira Martins representa a opinião de muitosque acompanharam, desde 1968, o casodo capitão da Aeronáutica Sérgio RibeiroMiranda de Carvalho, o capitão SérgioMacaco, que só teve oficializada post-mortemsua promoção a brigadeiro, reconhecidapelo Supremo Tribunal Federal em julgamentohistórico. O capitão protagonizouum dos episódios mais tristes e nebulososdo regime militar brasileiro, que ficouconhecido como Caso Para-Sar.Segundo a versão do capitão, mais tardeconfirmada por testemunhas que, noentanto, não puderam ser ouvidas no STF,os militares do Para-Sar teriam de cumprirmissões criminosas que seriam atribuídasa terroristas, como a explosão do Gasômetrono Rio de Janeiro na hora do rush,a destruição da represa de Ribeirão dasLajes e o lançamento ao mar, a 40 quilômetrosda costa, de 40 líderes políticos epersonalidades contrárias ao regime militar,entre as quais Carlos Lacerda, DomHélder Câmara, Jânio Quadros e JuscelinoKubitschek. Nessas operações, calcula-seque morreriam cerca de 100 mil pes-soas. Por ter se negado a participar da trama,o capitão Sérgio foi transferido para Recife,reformado e, mais tarde, cassado peloAto Institucional nº 5 e o Ato Complementarnº 39.Durante seis meses, o então presidenteda República, Itamar Franco, guardouna gaveta, sem assinar, a sentença do STFfavorável ao capitão, com os votos daquelaCorte, entre os quais o do ministro MarcoAurélio Mello que ao justificar seu votodeclarou, entre outras coisas, que “a Uniãosilenciou sobre os fatos ligados ao casoPara-Sar e também não moveu palha visandoa trazer à apreciação desta Corte argumentoque afastasse o juízo sobre a procedênciado que articulado e que revelasseque a reforma resultara, ao menos,de um processo sumário”.Votaram, ainda, os ministros FranciscoRezek, Celso de Mello, Paulo Brossard,Ilmar Galvão, Sydney Sanches, Néri da Silveira,Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertencee Carlos Velloso.Em maio de 1997, a União concedeuà família do capitão uma indenização deR$ 82.907,15, correspondente ao total dossoldos que ele deixou de receber desde19<strong>69</strong>, quando sua patente foi cassada peloregime militar, até sua morte.Apelido de infânciaO capitão Sérgio era chamado de “macaco”desde muito jovem e há várias versõespara este apelido. Uma delas diz que, emseus tempos de jogador de basquete, Sérgiosaltava muito, como um macaco. Umaoutra conta que, na infância, quando ia aoJardim Zoológico, ele adorava brincar comos macacos, imitando-os.“Quando o conheci, ele já tinha esse apelido”,diz a viúva, Sônia, que assistiu de pertoa todo o drama de um militar que tinha naAeronáutica e no pára-quedismo as suas maiorespaixões.“Ele foi deputado e achava importanteque instituições como o Congresso funcionassemplenamente. Mas, para ele, a interferênciado Parlamento nos destinos do Paísera muito pequena. A política nunca foi umapaixão na vida dele; a vida de militar, sim”,conta Sônia.Militar da Intendência, Sérgio não se contentoucom as atividades burocráticas e logose tornou pára-quedista. Em pouco tempo,seu entusiasmo com a atividade levou-o afundar o Para-Sar, formado por militares voluntáriosque tinham na disciplina, no rigorosotreinamento e, sobretudo, na coragem, a basede seu trabalho de salvamento de vidas emperigo nas selvas ou em situações adversas.No Para-Sar, ele atuou na Amazônia ecolaborou com os indigenistas Orlando eCláudio Vilas-Boas no trabalho de salvamentoe pacificação de índios. Ele recebeuquatro medalhas. A quinta, prometidana fatídica reunião de 14 de junho de1968, viria se ele tivesse aceitado comandaro plano terrorista sugerido pelo brigadeiroJoão Paulo Penido Burnier, chefe degabinete do ministro da Aeronáutica,Márcio de Souza Melo.Em seu livro 1968 – O ano que não terminou,o jornalista e escritor Zuenir Venturadedica um capítulo ao Caso Para-Sar e relataa segunda reunião, ocorrida no dia 14 dejunho de 1968, no Ministério da Aeronáutica,no Centro do Rio de Janeiro, na qualBurnier propôs que a unidade de salvamentofosse transformada numa espécie de tropade choque e promovesse atentados terroristasque seriam atribuídos a comunistas e aadversários do regime militar.Quatro oficiais aceitaram a proposta deBurnier, mas quando chegou a vez do capitãoSérgio Macaco, este disse que não aceitavaa idéia de, em tempos de paz, eliminarcompatriotas em manifestações de rua.Burnier mandou-o calar a boca. Macacorespondeu:4 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 5Luiz Antonio/AJBSérgio Macaco doente, em casa, em janeiro de 1994Com a mulher, Sonia Maria (ambos de costas no canto direito),durante julgamento da ação no STF– Não me calo, e o ministro será sabedordesses fatos.Em seguida, foi aberta sindicância noMinistério da Aeronáutica. Mesmo tendo sidoconfirmada a versão do capitão Sérgio, oresponsável pelo inquérito, major-brigadeiroItamar Rocha, diretor-geral de Rotas Aéreas,foi exonerado e o capitão, transferido paraRecife. Em 26 de setembro de 19<strong>69</strong> ele foicassado.Sem assinatura de ItamarGildario/AJBEx-militar, o advogado Sylvio Romero foialuno do capitão Sérgio na Escola de Aeronáuticana década de 50. Procurado por elenum momento de desespero, aceitou defendê-losem cobrar honorários.“Ele não tinha ninguém para representálo”,conta Romero.Só com a promulgação da Constituiçãode 1988 a ação pôde ser proposta. A defesado capitão Sérgio deveria ter sido feita pelodecano dos criminalistas brasileiros, Heráclitoda Fontoura Sobral Pinto que, na época,muito doente, ficou impossibilitado de aceitara causa.Em 21 de agosto de 1990, Sylvio Romeroentrou com uma Ação Originária Especialcontra a União (Nº 13-0), pedindo a anulaçãoda cassação e a promoção do capitãoa brigadeiro, além do recebimento detodas as diferenças entre o que ele recebeucomo militar da reserva e o que receberiase não tivesse sido cassado. A decisão, quaseunânime, foi favorável ao capitão.“Minha defesa foi baseada no dispositivoconstitucional segundo o qual quem tivessesido cassado mediante ato eivado de víciograve teria anulada sua cassação. Foi o casodo capitão Sérgio. Além disso, ele já tinhasido punido anteriormente com 25 dias deprisão”, conta o advogado.No caso, não foi obedecido o devido processolegal, o que a legislação do regime militarprevia mesmo em se tratando de atos institucionais.“Provei que o ato de sua cassação tevemotivação exclusivamente política e, emborapraticado por quem ocupava a Presidênciada República, estava eivado de vício gravepor não ter o processo de cassação observadosequer as regras excepcionais entãovigentes”, explica o advogado.Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho morreuaos 63 anos, de câncer no estômago, em4 de fevereiro de 1994, e só três dias depoissua promoção a brigadeiro foi assinada. Emsetembro de 1993, o presidente do STF, ministroOctávio Gallotti, que determinara ao minis-tro da Aeronáutica, brigadeiro Lélio Lobo, apromoção do capitão Sérgio a brigadeiro, forainformado de que o ofício do STF estava nagaveta do presidente Itamar Franco aguardandoassinatura.“Foi a única ação desse tipo, das mais de60 propostas, a ser aceita pelo STF”, revelaSylvio Romero.O capitão foi enterrado no Cemitério deSão Francisco Xavier, no Caju (Rio de Janeiro),sem honras militares, mas ao som do HinoNacional e de aplausos de cerca de 50 presentes,muitos dos quais políticos do PDT,partido pelo qual foi deputado federal nosanos 80. Ele deixou viúva a educadora SôniaMaria Thedim Miranda de Carvalho e trêsfilhos: Vinícius, Sérgio e Cristina.Chamado de herói durante o julgamentono STF, o capitão Sérgio disse:“Se eu tivesse procedido de maneira diferente,não teria a alegria de estar aqui vendoum tribunal funcionando livremente. Já ésuficiente para mim, independentementedo resultado.”Elogios no tribunaleA vitória no STF, depois de vários adiamentose de mudanças de voto, foi muitocomemorada pelo capitão, que ouviu,mesmo de quem julgou a ação improcedente,como o ministro Celso de Mello, elogios“por se recusar a obedecer ordens superiores”.Segundo Celso de Mello, o capitão nãoconseguiu provar o vício grave, como exigeo art. 9º das Disposições Transitórias da Constituição– dispositivo que possibilitou a revisãojudicial dos processos de todos os brasileirosque, por motivos exclusivamente políticos,foram cassados entre 15 de julho e 31de dezembro de 19<strong>69</strong>. No entender do relator,o poder revolucionário havia cumpridoas normas vigentes que ele mesmo se impôs.No tribunal o advogado Sylvio Romerolembrou que o capitão não teve direito à defesae disse que já havia três precedentes quedesmontavam a tese do ministro do STF.“Infelizmente, nos tribunais brasileiros nãohá debate”, disse na ocasião o advogado docapitão Sérgio Macaco.Hoje, em seu escritório do Centro do Riode Janeiro, Sylvio Romero reconhece quefoi uma ação difícil, de percurso atribulado,pelas muitas pressões sofridas das ForçasArmadas. O julgamento do capitão Sérgiofoi um dos mais importantes para o STFe tocou fundo os ministros, alguns dos quaismudaram o voto.“O ministro Ilmar Galvão, por exemplo,votou três vezes. Na primeira vez, votoucontra a promoção. Depois, voltou atrás,mas mudou mais uma vez o voto. Foi umcaso de grande impacto junto à opiniãopública”, conta o advogado.Foi decisiva no julgamento no STF umadeclaração escrita à mão pelo tenente coronelda Aeronáutica Aloisio Gonzaga Carneiroda Cunha Nóbrega, o oficial mais antigoda Aeronáutica que servia no Serviço Nacionalde Informações (SNI), então sob a chefiado general Emílio Garrastazu Médici. Apedido de Médici, Nóbrega fez averiguaçõespara apurar os fatos relacionados ao CasoPara-Sar. Em sua carta, ele reconhece que osfatos se passaram como descritos pelo capitãoSérgio no que diz respeito à tentativa dobrigadeiro Burnier de usar o Para-Sar para aprática de atos terroristas na cidade do Riode Janeiro, “tendo sido impedido pela justareação do capitão Sérgio contra o cumprimentode tais ordens”.“Vários ministros, principalmente FranciscoRezek, que hoje atua na Corte de Haia,votaram a favor de Sérgio com base no fatode ele já ter sido punido com 25 dias de prisão.A partir desse voto, o julgamento mudou,com o ministro Marco Aurélio Mello pedindovistas do processo”, conta o advogado.Uma nova sessão do STF para julgar o casodo capitão Sérgio foi marcada. E, mais umavez, o ministro Marco Aurélio Mello insistiuque teria de dar procedência à ação poistinha ficado demonstrado que efetivamentehouve vício grave no ato da cassação do capitão,que se revestia ainda de dupla punição.Romero se queixa de que o problema continua,mesmo passado tanto tempo do fimdo regime militar no País.“A Advocacia Geral da União continuafazendo tudo para não conceder os direitose benefícios aprovados pelo Judiciário.”Em relação a isso, o advogado Sylvio Romerocita o ministro Edson Vidigal, do SuperiorTribunal de Justiça: “O Poder Público no Brasilpadece dessa deplorável cultura do recursopelo recurso, agindo como uma linha demontagem, recorrendo automaticamente,mesmo sabendo que não tem direito, contratodas as decisões judiciais favoráveis aos cidadãos.E assim, procrastinando, vai retardandoa eficácia da prestação de Justiça, primeiro deverdo Estado para com seus cidadãos.”O capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalhofoi tema do documentário O homemque disse não, do diretor francês Olivier Horn,que conta a história do herói e de suas tentativaspara reconquistar seus direitos.A viúva atribui à injustiça sofrida a partirdo Caso Para-Sar a morte do capitão, comoela mesma descreve, um militar dedicado eapaixonado.“Ele sofreu um baque ao ser reformado,aos 37 anos, cheio de saúde. Sérgio revoltou-sequando tentaram fazer aquilo com oPara-Sar, que ele ajudou a fundar na sala denossa casa, na Lagoa”, conta Sônia.JORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 5


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 6l SESSˆO ESPECIAL lTestemunhade acusação, de Billy WilderSuspense e surpresa atéos créditos finaisTestemunha de acusação (Witness forthe prosecution), de Billy Wilder,baseado em peça homônima de AgathaChristie, tem todos os elementosde um excelente filme de tribunal, daquelesem que estão em jogo – e em julgamento– a psicologia do réu, a inteligência dopromotor e a sagacidade da defesa. Mas é,sobretudo, nos diálogos ferinos, no bate-bocajurídico durante a apresentação de provas etestemunhas, que o filme, passado em suamaior parte na Corte – Wilder fez poucas concessõesa cenas de exterior – .ganha força.Sir Wilfrid Robarts (Charles Laughton), decanodos criminalistas ingleses, é procurado porum amigo advogado cujo cliente, LeonardSteven Vole (Tyrone Power), está para ser preso,acusado do assassinato de uma viúva de meiaidadeque lhe havia deixado a fortuna emtestamento. Recém-saído do hospital, Sir Wilfrida princípio reluta em aceitar mais um“caso perdido”, em que as evidências parecemdeixar o acusado a um passo da forca.Mas, impressionado com Vole, a quem aplicouo teste do monóculo – que consiste emjogar o reflexo do sol na lente no rosto dointerlocutor para medir seu grau de irritação– e, sobretudo com a mulher dele, a alemãChristine (Marlene Dietrich), o advogado aceitaatuar como assistente da defesa. Defesaesta que acaba assumindo.A primeira imagem de Testemunha de acusaçãoé um plano geral da Corte Criminall ESTANTE lNO CORAÇÃO DO COMANDOJulio LudemirEditora Record, 2002Central lotada, com uma voz ao fundo prometendoque ali se fará “a Justiça da Rainha”.A fotografia em preto-e-branco reforça a austeridadedo tribunal de Sua Majestadeonde, no entanto, os personagens de AgathaChristie recriados por Wilder vivem umadivertida brincadeira de gato e rato com testemunhase provas.Na fase inicial do julgamento, a seriedadedo interrogatório das testemunhas é quebradapelas expressões de enfado, irritaçãoe sarcasmo de Sir Wilfrid, um termômetro daprópria trama. O lado humorístico de Wilderse exercita com os expedientes usadospelo criminalista para burlar as ordens médicasque o proíbem de aceitar charutos, álcool,mulheres e, naturalmente, causas criminais.Um ex-repórter austríaco de famíliajudia, que fugiu dos nazistas e chegou aosEstados Unidos em 1933 depois de passarpor Alemanha, França e México, Samuel (Billy)Wilder manteve-se fiel à ficção de Agatha Christie,a Dama do Crime, que ganhou fortunasmundo afora com as montagens desta e deoutras peças – embora seu forte fossem mesmoos romances policiais protagonizados pelodetetive belga Hercule Poirot. No entanto,mesmo evitando mexer no time mais do quevitorioso, o diretor – também co-roteirista –acrescentou um tempero personalíssimo nesteque pode ser incluído no rol de seus melhoresfilmes, ao lado de Quanto mais quentemelhor, Sunset Boulevard, Sabrina, O peca-O DESEJADOAydano RorizEdiouro Publicações, 2002Marlene Dietrichdo mora ao lado e Gata em teto de zincoquente.Os ingredientes de Wilder à peça de AgathaChristie incluem uma troca de personagens:no filme, Elsa Lanchester (mulher deLaughton na vida real) vive Miss Plimsoll, aenfermeira tagarela de Sir Wilfrid, que na peçaé uma datilógrafa trapalhona, Greta. E tambémum vertiginoso número musical em queMarlene Dietrich interpreta I may never gohome anymore e seduz o jovem soldado inglêsLeonard Vole, de quem ganha “uma legítimamistura de café brasileiro”.Com o roteiro limitado às tramas previstasna peça – à qual não faltou uma reviravoltafinal, marca registrada de Agatha Christie– Testemunha de acusação se sustenta noelenco exemplar. E nem poderia ser de outraforma, pois o perfeccionista Wilder semprefoi um artesão caprichoso e um diretor muitoexigente com suas estrelas. Foi assim com aalemã Marlene Dietrich que, aos 57 anos,usando figurinos de Edith Head criados especialmentepara seu personagem, está excelentecomo a altiva e enigmática Christine.Mas é Charles Laughton quem rouba ofilme com seu humor (ou mau humor), suarebeldia e suas tiradas espirituosas no Tribunalou em casa, onde Miss Plimsoll insisteem tentar domá-lo. Muito bem ainda estãoTyrone Power, em seu último trabalho, aos44 anos, e Una O’Connor, como a irritadiçaempregada Janet, personagem que a atrizviveu também na primeira montagem novaiorquinada peça.Um primor de detalhes e de diálogos, ofilme produzido em 1957 reserva surpresasaté nos créditos finais, quando uma voz pedeque ninguém comente o final com quem aindanão viu a peça.Testemunha de acusação foi indicado paraos Oscars de filme, diretor, ator (Charles Laughton),atriz coadjuvante (Elsa Lanchester), some montagem e teve duas versões para a TV.A primeira, anterior à de Wilder, foi dirigidapelo inglês Sidney Budd, em 1949. E, em1982, Alan Gibson dirigiu o roteiro de Wildercom Deborah Kerr, Ralph Richardson, BeauBridges e Donald Pleasence no elenco.(Angela Regina Cunha)ESSA COISA CHAMADA JUSTIÇAJosé Carlos LaitanoEditora Vozes, 2002Romance escrito apartir dareportagemintitulada “Amorbandido”,divulgada no siteno.com, do qual oautor foicolaborador. Tratasede uma históriade amor, inspirada na vida real, comtodos os ingredientes de umverdadeiro Romeu e Julieta, só queambientada nos morros cariocas, emmeio à guerra entre as facçõescriminosas Comando Vermelho eTerceiro Comando.Romance histórico que reconstitui a epopéia de DomSebastião, rei de Portugal que viveu entre 1554 e1578, época em que o país era o mais rico epoderoso do planeta. Rei aos três anos de idade,morto aos 24 em cruzada contra os muçulmanos,Dom Sebastião mudou a História de Portugal.Transformado em mito, vários séculos depois aindavive no imaginário popular.ATIVIDADE JURISDICIONAL SOB O ENFOQUE GARANTISTAFrancisco José Rodrigues de OliveiraJuruá Editora, 2002A obra tem o objetivo de analisar o principal ato da atividade jurisdicional, que é afundamentação das sentenças, produto final da máquina judiciária. O autor baseiasena “teoria geral do garantismo”, proposta por Luigi Ferrajoli, para quem osdireitos fundamentais devem servir como parâmetro da atividade do juiz.Por que a Justiça funciona em alguns casos e emoutros não? Neste trabalho, José Carlos Laitano,juiz aposentado do Rio Grande do Sul, examinadetidamente os processos de Chico Mendes, deseu secretário, Ivair Higino, do sindicalista WilsonPinheiro e outros.Entrevista os personagens,inclusive os dois homenscondenados pela morte deChico - Darly e Darci Alves- e busca responder àpergunta: que coisa é essaa Justiça? A opiniãopública deve fiscalizar osprocessos? Os juízes têmconsciência do seu papel social? Afinal, que tipode Justiça a sociedade deseja?6 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 7ESCOLA NACIONAL DAMAGISTRATURACurso de metodologiaSegundo encontroserá em dezembroEstá marcado para os dias 6 e 7 dedezembro, em Natal (RN) eFlorianópolis (SC), o segundoencontro dos participantes do IICurso de Metodologia Sistêmico-Constitucional de Resolução de CasoJurídico Concreto. Destinado aprofessores da cadeira de Técnica deSentença das escolas de magistratura,o curso, coordenado pelo professorRogério Gesta Leal, consiste de doisencontros. No primeiro, dias 27 e 28de setembro, discutiu-se o temaobjeto do curso e, no segundo, seráavaliada a aplicação da metodologiajunto aos alunos das escolas.Teatro na JustiçaEmerj apresenta‘O vento será suaherança’O projeto Teatro na Justiça, da Escolada Magistratura do Estado do Rio deJaneiro (Emerj) trará, em sua quartaedição, dia 11 de dezembro, aencenação de O vento será suaherança (Inherit the Wind), de J.Lawrence e Robert E. Lee. Escrita em1951, a peça é baseada em fatosocorridos em Dayton, Tennesse (EUA),em 1925, envolvendo o professor debiologia John Thomas Scopes, que foijulgado por ensinar a teoria daevolução de Darwin em uma escolapública. “O Julgamento do Macaco”(“Monkey Trial”), como ficouconhecido, teve repercussão mundialpela batalha de gigantes travada entreacusação e defesa, a cargo de doisgrandes advogados: William Bryan(candidato derrotado à Presidênciados EUA) e Clarence Darrow(militante da União Americana pelasLiberdades Civis). Desta vez, osjuristas-atores serão o promotor JorgeVacite Filho, o des. Cármine AntônioSavino Filho e o advogadocriminalista Técio Lins e Silva, nospapéis do promotor, do juiz e doadvogado de defesa. O projeto Teatrona Justiça, criado em 1999, tem porobjetivo homenagear o Direito e seusoperadores através das artes cênicas.Já foram encenados Testemunha daacusação, Medéia no banco do réus eDoze jurados e uma sentença, semprecom a atuação de conhecidos juristas.Ministro Francisco FaustoNovo Código CivilPresidente do TSTdefende escolatrabalhistaGeraldo de GenaroO presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministroFrancisco Fausto, defendeu a criação da Escola Nacional deFormação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, quedeverá funcionar nos moldes das escolas de magistratura do Trabalhoexistentes em Paris e Lisboa, com as quais manterá intercâmbio.Segundo ele, “a idéia já começou a se concretizar, coma aprovação pelo Pleno do TST de uma resolução que dá inícioà sua implantação”.O ministro abriu o seminário “Novo Código Civil: jurisdiçãocivil e trabalhista”, promovido pela Escola Nacional da Magistratura,com o apoio da Associação dos Magistrados Brasileiros (<strong>AMB</strong>)e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho(Anamatra), de 16 a 19 de outubro, em Brasília.O presidente do TST ressaltou a importância que a escola exercerána formação e aperfeiçoamento dos magistrados da Justiçado Trabalho, bem como na realização de estudos jurídicos quepoderão conduzir à maior eficácia da aplicação do Direito doTrabalho no País. Da mesa de abertura participaram também opresidente da <strong>AMB</strong>, Cláudio Baldino Maciel, o vice-presidenteda Anamatra, Grijalbo Coutinho, e o diretor-adjunto da ENM, GetúlioCorrêa.Destinado a juízes e servidores da administração dos tribunais,o evento teve como objetivo aprofundar a análise dos pontosmais relevantes do novo Código Civil, que entrará em vigorem janeiro de 20<strong>03</strong>. A idéia é que este seminário sirva de modelopara a realização de outros eventos com o mesmo tema nosestados. A conferência de abertura, sobre “A parte geral do novoCódigo Civil”, ficou a cargo do ministro Moreira Alves, do SupremoTribunal Federal.IENCONTRO NACIONAL DE JU˝ZES ESTADUAISViolência serátema dediscussãoe de concursoentre jovensCom o tema “OJudiciário e a pazsocial”, o I EncontroNacional de JuízesEstaduais, que serealiza de 28 a 30de novembro, emBalneário Camboriú(SC), teve suaprogramaçãoampliada. Além da divulgação dos resultados dapesquisa sobre “Violência e criminalidade noBrasil”, realizada pela Escola Nacional daMagistratura entre todos os juízes, será promovidoum concurso de redação sobre o tema entre alunosda rede pública. A iniciativa, do Departamento daFamília, Infância e Juventude da Associação dosMagistrados Catarinenses (AMC), tem o objetivo decolher a opinião dos alunos da 8ª série das escolasda região quanto à melhor proposta de combate àviolência. Juízes farão palestras para os jovens sobredireitos e obrigações inerentes ao cidadão brasileiroe distribuirão a Cartilha da Justiça em quadrinhos,da <strong>AMB</strong>. Os autores das três melhores dissertaçõesreceberão prêmios em dinheiro: R$ 500 para oprimeiro colocado; R$ 350 para o segundo, e R$150 para o terceiro. A divulgação dos vencedores ea entrega dos prêmios serão realizadas durante o IEncontro Nacional de Juízes Estaduais. O presidenteda AMC e coordenador da Justiça Estadual da <strong>AMB</strong>,Rodrigo Collaço, lembra que “o problema daviolência e da criminalidade também será debatidopor juízes de outros países”. O jurista espanholRubens Gimenez e o juiz português Horácio CorrêaPinto vão participar do painel “Combate àcriminalidade na União Européia”, enquanto o juizcolombiano Eduardo Cifuentes Muñoz fará palestrasobre “Combate à criminalidade na Colômbia”.Outro destaque da programação é a palestra“Transparência administrativa e participação damagistratura nos orçamentos dos tribunais”, queserá feita pelo presidente da Associação dosMagistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj),Luís Felipe Salomão. Mais informações e aprogramação completa do encontro podem serobtidas no site da <strong>AMB</strong> (www.amb.com.br).JORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 7


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 8lH ISTRIA lO Brasil das ConUm panorama históricoda identidade brasileira emmostra multimídiaFotos de ArquivoQue cara tinha o Brasil em 1937,quando Getúlio Vargas outorgou aConstituição do Estado Novo? Ecomo era o País em 19<strong>69</strong>, época emque o governo militar impingia ao Brasil um dos seus maisduros regimes políticos? O museólogo Cícero de Almeida,da empresa Mais Garrida, dedicou-se a pesquisar o que sevia, o que se ouvia e o que se usava nos períodos dasA primeira, 1824A atual, 1988várias Constituições que o Brasil já teve. O resultado foi amostra multimídia O Brasil das Constituições, emexposição permanente no Centro Cultural Justiça Federal,no Rio de Janeiro – um dinâmico panorama histórico daidentidade brasileira, que tem como fio condutor as CartasMagnas. O passeio histórico começa ainda em 1824, coma Constituição do Império, mas ganha força a partir de1934, quando o reconhecimento da época de cadaConstituição se faz também através da ambientação.Objetos, sons e imagens colaboram para criar o clima emque viviam os brasileiros enquanto eram elaboradas asregras de ação dos indivíduos e das instituições públicas.1934/37Na década de 30, período tumultuado que começou sobos efeitos da crise de 29 e transcorreu sob a ascensão dofascismo e a 2ª Guerra Mundial, o Brasil sofreu asrevoluções de 30 e de 32, além de vários golpes militaresde direita e de esquerda. Nesse contexto, a Constituição de34, que representava o pensamento jurídico da época, tevevida curta, sendo substituída pela de 37, após o golpe.Esta também não entrou em execução, pois Getúlio Vargaspreferiu governar como ditador, sem limitações. O rádioreinava absoluto nas salas das famílias brasileiras. Osinflamados discursos de Vargas dividiam espaço com osgrandes ídolos musicais, como Orlando Silva, maiorfenômeno de popularidade dos anos 30 com cançõescomo Lábios que eu beijei. A linguagem publicitária daépoca da Constituição do Estado Novo era bemcaracterística de um tempo em que as horas não passavamtão rápido e as mensagens podiam ter textos longos. Ohomens prendiam as meias com as Ligas Paris, “que nãoteem rival em conforto, beleza e economia”, e a senhoras,para acabar com seus “verdadeiros suplícios”, tomavamOvariuteran. Bebia-se vinho espumante Único. A Panair e aCentral do Brasil ligavam o interior aos grandes centros.8 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 9nstituiçõesde Arquivo1946O vôo da garota-propaganda dapasta de dentes parece traduzir aatmosfera que se respirava após ofim da 2ª Guerra Mundial. Foi aépoca da propaganda otimista e docrediário, idéias importadas dosEstados Unidos. A chegadatriunfante dos pracinhas ao Rio deJaneiro, em 1945, deixava no aruma contradição: se tantosbrasileiros haviam sido mortos paradefender a democracia na Europa,como sustentar o estado totalitáriono Brasil? As transformações noquadro político foram rápidas apartir de então. Com a queda deGetúlio, criaram-se as condiçõespara a implantação de uma novaConstituição, mais ajustada àsaspirações de redemocratização doBrasil e de todo o mundo. Com apromulgação da Constituição de1946, começava para os brasileirosum período de estabilidadedemocrática, que duraria quase 20anos.1967/<strong>69</strong>Durante os anos de chumbo, enquanto dispositivos constitucionais eram revogados por emendas e atos institucionais e asgarantias individuais eram gradativamente suprimidas, o povo brasileiro se encantava com as conquistas do “milagreeconômico”. O reequilíbrio das finanças permitiu que a classe média tivesse acesso a novidades como rádios portáteis,eletrolas, liquidificadores, torradeiras e máquinas de lavar. A televisão vendia produtos e sonhos. O “milagre” durou pouco, masdeixou marcas inesquecíveis, quase todas com sotaque estrangeiro, como o sabonete Lifebuoy, as calças Nycron, as botasVerlon, o Pervinc 70, o Vemagueti e o Aero Willys. Na área cultural, a ditadura militar promoveu, involuntariamente, um períodode grande criatividade. A música popular brasileira misturava ritmos estrangeiros com temas de contestação política, colocava aguitarra elétrica em evidência e produziu ícones da vanguarda como É proibido proibir, de Caetano Veloso. Era a fase dosgrandes festivais da canção, que mobilizavam o País inteiro. Enquanto isso, jornais denunciavam a prisão de estudantes eexercitavam a criatividade para criticar a situação política nacional, apesar da censura.1988O governo Figueiredo promoveu o fimda ditadura militar e a campanhaDiretas já levou às ruas milhões debrasileiros em passeatas e comícios.Ainda não seria daquela vez que opovo voltaria às urnas, mas a eleiçãode Tancredo Neves para a Presidênciada República fez com que o Brasilcomeçasse a respirar a democraciamais uma vez. Estavam criadas asbases para a formação de umaAssembléia Constituinte, liderada porUlisses Guimarães, que já utilizava asfacilidades da informática e do fax,recém-lançado. A Constituição-cidadã,que reconheceu o voto dos analfabetose o direito de greve, oficializandotambém o fim da censura, foipromulgada em 5 de outubro de 1988e, desde então, não parou de sermodificada.JORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 9


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 10lPERFIL l VictorNunes LealO ministro incansávelCriador dassúmulas élembrado peloperfeccionismoCarlos Ruggi/AJBLÚCIA SEIXASQuando no dia 16 de janeiro de 19<strong>69</strong> ogoverno militar anunciou em cadeia derádio e televisão a aposentadoriacompulsória de três ministros do SupremoTribunal Federal, com base no AtoInstitucional nº 5, um deles, apesar dorecesso judiciário, estava em seu local detrabalho. Era o ministro Victor Nunes Leal,até hoje lembrado por todos que com eleconviveram como um homem excepcional,cuja trajetória foi guiada por um imensoamor pela vida pública. “Nunca houve noSTF um ministro que, como Victor,conseguisse conciliar a arte de julgar com ade administrar com tanta perfeição. Eletinha mãos de fada e tudo que faziafuncionava magnificamente”, relembra ocriminalista Evandro Lins e Silva, quetambém foi atingido pela cassação.Durante palestra na 7ª Conferência Nacional dos Advogados, em 197810 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 11Victor Nunes Leal foi nomeado ministro do SupremoTribunal Federal em 1960, por JuscelinoKubitschek, e tornou-se célebre na Corte porsua grande capacidade de trabalho. Foi eleo criador da súmula da jurisprudência predominante equem sugeriu a criação do cargo de secretário jurídico,que auxiliava os ministros do STF numa época em queainda não havia as assessorias de hoje. Foi eleito vicepresidenteem novembro de 1966, cargo que exerceuaté a aposentadoria compulsória.A extrema organização, competência e capacidadede memória eram como uma marca registrada de VictorNunes Leal, que antes de ser nomeado ministro doSTF foi procurador-geral da Justiça do antigo Distrito Federale chefe da Casa Civil da Presidência da Repúblicano governo Juscelino. Para o ministro Sepúlveda Pertence,“Victor Nunes possuía um talento multiforme, mastambém um absoluto despojamento de pompas e vaidades,que lhe permitia, embora ministro, entregar-se atarefas aparentemente humildes de implementação derotinas burocráticas”.Criança precoceVictor Nunes Leal era o terceiro de 11 irmãos nascidosnuma família de Carangola, interior de Minas Gerais.Precoce, aos quatro anos de idade já sabia ler. Com 16deixou a fazenda de café da família e foi para o Rio deJaneiro, com a intenção de se tornar advogado.Enquanto cursava a Faculdade Nacional de Direito,Vitor Nunes militou na imprensa, escrevendo para o Diárioda Noite, O Jornal e o Diário de Notícias. Depois deformado, iniciou sua atuação como advogado, mas nãodeixou de escrever, trabalhando na redação da RevistaForense. Ingressou também no meio acadêmico, lecionandoCiência Política na Faculdade Nacional de Filosofia,na Escola de Estado-Maior do Exército e na Universidadede Brasília, desde a sua fundação. O livro queescreveu – Coronelismo, enxada e voto – é consideradoimportante estudo sobre a formação social do Brasil.“Victor era um homem simples, contido nos gestose fácil no trato. Nunca se irritava e nem era dado a explosões.Era um grande amigo e líder de todos os irmãos.A todos nós, jamais negou um conselho, umencaminhamento na vida”, lembra VascoNunes Leal, seu irmão e pai da jornalista LucianaNunes Leal, que também guarda ótimasrecordações do tio e padrinho, “uma pessoadoce e carinhosa que, apesar de toda intelectualidade,gostava de contar histórias paraas crianças”.Luciana lembra especialmente da imensabiblioteca da casa, no bucólico bairro deSanta Tereza, no Rio de Janeiro, onde Victormorou durante muitos anos. Ela reconheceque, além da grande admiração que tinha pelopadrinho, a riquíssima biblioteca de livros catalogadoscertamente contribuiu para desenvolvernela o gosto pela leitura e pela carreirade jornalista.“Meu tio Victor já havia morrido quandocomecei a trabalhar, mas ainda assim eleme abriu muitas portas. É incrível como aspessoas ainda se lembram e gostam dele”, afirma Luciana,repórter da editoria de Política do jornal O Estadode S. Paulo.A simplicidade e a generosidade que caracterizavamo ex-ministro em sua vida familiar também são enaltecidaspor todos que com ele conviveram profissionalmente,como o advogado Helio Saboya, que lembra agrande contribuição de Victor Nunes Leal ao fortalecimentoda OAB. Foi ele que propôs, durante uma conferênciaem Manaus, a criação da Comissão de DireitosHumanos da Ordem.A amizade entre Victor Nunes Leal e Helio Saboya aconteceudepois da cassação, quando o ex-ministro já haviaretornado à atividade advocatícia. Os dois se conheceramno confronto judicial, em torno de uma grande causade inventário. Representando as partes litigantes, procurandoos acordos possíveis em reuniões que varavam asnoites nos escritórios de advocacia de um ou de outro,tornaram-se grandes amigos. Muitos anos antes, eles tiveramum encontro fortuito em Brasília, quando esperavamo início de uma sessão. Nesse dia, Hélio Saboya ouviudo futuro amigo uma frase que jamais esqueceu:– O Direito Penal é para os pobres. Para os ricos, oDireito Civil.“Victor possuía uma capacidade enorme de se dar.Mesmo depois de deixar o Supremo, ele estava sempreReprodução de Daniela BarcellosEm 1958, condecorado pelo presidente JK(acima) e ao discursar na Faculdade de Filosofiadisponível para conferências e atendia a todos os convites,fossem do Amapá, Acre, Mato Grosso ou Roraima,e fazia questão de preparar-se sempre muito bempara o tema que iria abordar. Ele tinha uma disposiçãoconstante para transmitir conhecimentos e ainda hojefaz muita falta a todos nós”, lembra Hélio Saboya.‘Advogado’ do SupremoPara o ministro Sepúlveda Pertence, o ano de 1965terá sido talvez o de maior repercussão na passagem deVictor Nunes Leal pelo Supremo, pois aos trabalhos dejuiz exemplar e de dínamo das invocações modernizadoras,ele somaria, segundo Pertence, o de verdadeiroadvogado das posições do tribunal perante a opinião pública,em oposição às reformas que o governo autoritárioprojetava na esperança de dobrar ou esvaziar a Corte.Após a aposentadoria, apesar da indignação comos fatos, Victor Nunes Leal não se deixou abater e defendeuperante a OAB o direito de voltar a advogar, já quea cassação não lhe havia deixado tempo para prepararsua vida profissional. Mais tarde, por iniciativa doamigo Hélio Saboya, foi feita uma indicação na OABpara que fosse aumentado o número de ministros doSTF, que havia sido reduzido de 16 para 11 pelo AI-6,de forma que aqueles que haviam sido aposentados pudessemretornar à Corte.“O ministro Hermes Lima já havia morrido naquelaépoca. Havia apenas o Evandro Lins e Silva e o Victor.Eu achava muito importante que eles retornassemao Supremo, mas Victor não pensava assim. Ele nãofalava nada, mas eu sentia que ele não queria voltar”,conta Hélio Saboya.De fato, o exercício da magistratura durante o regimemilitar havia deixado marcas muito profundas no exministro,como relembra seu irmão Vasco: “Victor tinhaum enorme espírito público e realizou-se muito comoministro do STF. Entretanto, depois de 64, ficou desiludidocom o exercício da magistratura. Dizia que os militaresqueriam que o Supremo interpretasse a lei da formaque lhes convinha.”Quando morreu no Rio de Janeiro, em 17 de maiode 1985, aos 70 anos, Victor Nunes Leal estava em plenaatividade, com escritórios de advocacia no Rio,São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Deixouesposa e uma filha do seu primeiro casamento,além de uma história de vida até hoje reverenciada.Em março de 2001, a biblioteca doSTF recebeu o nome dele. Um ano antes, aAdvocacia Geral da União também deu ao seuCentro de Estudos o nome do ex-ministro.A memória de Victor Nunes Leal foi reverenciadano Supremo em sessão de 14 de agostodo ano de sua morte. Naquela oportunidade,o ministro Aldir Passarinho, falando peloMinistério Público Federal, expressou o sentimentoda Corte. Também manifestaram-se osamigos Hélio Saboya, representando os advogados,e Sepúlveda Pertence, que manifestouem discurso emocionado a sua dor pela perdado “mestre que se fez amigo; do amigo que,tantas vezes, se ia fazendo pai, antes que, finalmente,a intimidade o fizesse irmão”.Nelson/AJBJORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 11


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 12l ENTREVISTA lEVANDRO LINS E SILVA l´No júriadquiri ovício daliberdade`Membro da chamada “geração de 30”,profundamente marcada pelo debate ideológico,Evandro Lins e Silva, ao longo de toda a sua vida,conseguiu o que poucos conseguem: a harmoniaentre atividade profissional e vida pública. Aindaestudante, aderiu à corrente socialista e inicioulonga militância política em defesa da liberdade,participando de momentos decisivos da históriarecente do País. A paixão pelo Tribunal do Júritransformou esse nordestino do Piauí num dosmaiores criminalistas do País, que já defendeu maisde dois mil presos políticos. Sempre envolvido emcasos de grande repercussão nacional, Evandroesteve à frente da CPI do jornal Última Hora,defendendo Samuel Wainer, em 1953; articulou aLiga de Defesa da Legalidade, que garantiu a possede Juscelino Kubitschek, em 56; foi procuradorgeralda República, chefe do Gabinete Civil eministro das Relações Exteriores no governo JoãoGoulart, chegando ao Supremo Tribunal Federalem 1963. Seis anos depois foi sumariamenteaposentado com base no AI-5. Mas não deixou deter participação ativa em nossa história política,coroando sua carreira com o pedido formal deimpeachment do presidente Fernando Collor, em92. Tornou-se imortal, na Academia Brasileira deLetras, mas, aos 90 anos de idade, sonha com “aglória maior de morrer numa tribuna, defendendoa liberdade de meus concidadãos”.JM – O que o sr. acha da atual forma de escolha dosministros do Supremo Tribunal Federal, de livre nomeaçãodo presidente da República?Evandro – Esse sistema é muito antigo. Quando se proclamoua República e se instalou a Constituinte de 1891,foi feita a opção por um sistema muito semelhante aonorte-americano.JM – Mas nos Estados Unidos há uma interferência significativado Senado...Evandro – De fato, nos Estados Unidos o presidente eo Senado são os dois poderes que se evolvem na escolha.No Brasil, entretanto, o Senado não tem desempenhadoessa função com muito rigor. Não há caso de recusade algum nome por parte do Senado, a não ser nocomeço da República, quando o marechal Floriano Peixotovivia em constante atrito com o Supremo. Primeiroele nomeou um médico; depois, demorou a preencherduas outras vagas, para que o Supremo não tivessequorum para se reunir. Naquela época, estranhamente,o ministro indicado ficava julgando os processos antesmesmo que o Senado se pronunciasse. Bastava ter notávelsaber e reputação ilibada, não se exigia notável saberjurídico. Floriano, em seguida, indicou dois generais eo Senado imediatamente se reuniu e recusou os três. AsConstituições de 34, 37 e 46 mantiveram o mesmo critério.Então, eu me pergunto: será esse o melhor sistema?Isto é muito discutível. A presunção é de que osdois poderes escolham cidadãos que realmente mereçama cátedra. Quais seriam as outras opções? Eleição?Considero essa hipótese absurda. A escolha pelo próprioSTF? Não acredito. Acho que o sistema deve ser essemesmo, porém obrigando o Senado a desempenhar opapel que lhe cabe na Constituição Federal, de rejeitaro candidato que não preencher os requisitos exigidos.JM – Com foi a sua sabatina no Senado?Evandro – Só recentemente as sabatinas tornaram-se freqüentes.Eu mesmo não fui sabatinado, apesar de ter sidonomeado num período de grande turbulência política,após a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart.E tive muitos votos contrários. Até então, nenhumadvogado criminalista tinha sido nomeado para o Supremo.Na ocasião, o PSD fechou questão contra a minhanomeação. Eles queriam que, em troca, fosse nomeadoum pessedista para o Ministério das Relações Exteriores,mas Jango não aceitou. Eu nunca procurei nenhumsenador para pedir voto, ao contrário, me afastei.12 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 13JM – O sr. também acredita, como a maioria dos ministros,que a súmula vinculante é a melhor solução paradesafogar os tribunais superiores?Evandro – Quando Vitor Nunes Leal criou as súmulas doSupremo tinha o objetivo de estabelecer diretrizes paraajudar a descongestionar o tribunal, mas elas não tinhamcaráter obrigatório. O STF, além de corte constitucional,também era tribunal de cassação. Todo o serviço que hojeestá no Superior Tribunal de Justiça (STJ) era nosso também.Acho que as questões de direito privado devem terminarnos estados. Quando não há nenhum interesse públicoem questão, não há por que ocupar os tribunais superiores.O embrião da reforma da Justiça, a meu ver, estános juizados de pequenas causas, para crimes de bagatelae questões cíveis de menor importância.JM – O que o sr. acha da proposta de se criar um controleexterno do Judiciário?Evandro – Sou radicalmente contra. Houve uma propagandaenorme em torno disso, os advogados se mobilizaram,argumentando que os juízes são morosos e nãocumprem seus deveres. O que vemos é que o fundamentoda proposta é uma acusação aos juízes de maneirageral, e não um interesse em corrigir eventuais defeitosdo Poder Judiciário. Então eu pergunto: controle externopraticado por quem? Por um conselho que será criadopara vigiar o Supremo? Não me consta que exista algumconselho para vigiar o presidente da República, ou o PoderLegislativo, ou o Ministério Público. E cabe uma outraquestão: quem vai julgar os erros do tal conselho? O Supremo,portanto, deve, ele próprio, fiscalizar a sua atuação,determinando certas regras que obriguem o juiz desidiosoa cumprir o seu dever. Na minha utopia, o STF deveriater mais um ministro, um corregedor, com jurisdiçãopara o País inteiro.JM – Fazendo um pequeno retrospecto das diversas Constituiçõesque o Brasil já teve, como o sr. caracterizaria aConstituição de 34? Em que ela afetou o País?Evandro – A única modificação fundamental foi a mudançado nome do Supremo Tribunal Federal para Corte Suprema.O resto – a estrutura que vinha de 1891 e que já haviasido modificada em 1926, com a reforma do governo Bernardes– foi mantido. O STF da Primeira República, a meuver, tinha uma formação discutível, porque foram aproveitadosos membros do Supremo Tribunal de Justiça doImpério, que não tinham a compreensão de que o Supremoé um poder político também. Mas é precisoreconhecer que ele também se enalteceu,repelindo arbítrios ainda do governoFloriano e, depois, estendendo ohabeas-corpus – no que se convencionouchamar de “doutrina brasileira do habeascorpus”– aos casos em que era necessárioassegurar direitos (na época, não haviao mandado de segurança).JM – Não foi a Constituição de 34 que crioua Justiça do Trabalho?Evandro – Sim, o País, que era eminentementeagrícola, começava a industrializarse,portanto era necessário regular as relaçõesde trabalho.JM – E a Constituição de 37, do Estado Novo?Evandro – Com a de 37 houve um retrocesso. Acabou-secom o habeas-corpus para presos políticos e com outrasliberdades constitucionais. Foi retirado do STF o poder políticode julgar os atos do presidente da República e do PoderLegislativo. Sem isso, o Supremo volta a ser um tribunalordinário e passa a julgar apenas ações de direito privado,não de direito público. Também foram suspensas asgarantias dos magistrados.JM – Como foi a sua participação na criação da Liga deDefesa da Legalidade, em 1956?Evandro – O momento era de grande turbulência política.Getúlio Vargas havia cometido suicídio, Café Filho assumiue estava em curso a propaganda eleitoral. Com CaféFilho, a oposição a Getúlio praticamente tinha assumidoo poder. Então, Café Filho internou-se com problemas desaúde e o presidente do STF, José Linhares, assumiu a Presidênciada República. Havia uma forte pressão dos militarescontra a candidatura de Juscelino Kubitschek, maseste não se intimidou e venceu as eleições, derrotando ocandidato da situação. Então, para defender a posse deJK contra o golpe, eu, Vitor Nunes Leal e Sobral Pinto criamosa Liga da Legalidade e procuramos informar à opiniãopública que era ilegal não permitir a posse do presidenteeleito.JM – Esta e outras atitudes demonstram que, ao longo dahistória recente do Brasil o seu nome esteve sempre ligadoà defesa das liberdades...Evandro – Minha vida foi uma constante atuação em defesada liberdade humana. Desde que comecei no júri, aos 19anos de idade, com o atrevimento natural da juventude, praticamentenão fiz outra coisa do que defender a liberdade.No júri adquiri o vício da liberdade e sou dependente dessevício até hoje. Em 70 anos de trabalho intenso, defendi maisde 2 mil presos políticos, desde a Intentona Comunista.“No caso doimpeachment do Collor,costumo dizer que nãoacusei ninguém, apenasdefendi o meu País, queestava caminhando para adesmoralização total.”JM – Foi também esse compromisso com a liberdade queo levou a atuar no processo de impeachment do presidenteFernando Collor?Evandro – Requerer o impeachment em nome de BarbosaLima Sobrinho, presidente da ABI, e de Marcelo Lavenère,presidente da OAB, foi o coroamento da minha vidaprofissional. Nesse caso, costumo dizer que eu não acuseininguém; eu defendi o meu País, que estava caminhandopara a desmoralização total da sua vida públicae administrativa.JM – Ao contrário, em 19<strong>69</strong>, o sr. foi vítima das limitaçõesimpostas à liberdade pelo regime militar. Como foia sua cassação?Evandro – Entrei no Supremo em 1963. Com o golpe militarde 64, o STF ficou muito em evidência. Desde o início,falava-se muito na cassação de ministros, entre os quaiso meu nome, o do Victor Nunes Leal e o do Hermes Limaeram citados. Mas a palavra inicial dos militares era deque estava mantida a Constituição Federal e toda a sualegislação. Começaram, então, a surgir os habeas-corpusrequeridos por presos políticos, e o Supremo concedeuos,em sua maioria, com base não em motivos ideológicosou políticos, mas na própria Constituição da República.Nunca houve um só habeas-corpus nosso que deixassede ser cumprido pelo governo. No caso do governadorMiguel Arraes, que estava preso há mais de um ano emFernando de Noronha sem processo, fui o relator e, é claro,considerei a prisão ilegal. O presidente Castelo Branco telefonouao procurador-geral da República, Osvaldo Trigueiro,dizendo que estava tendo dificuldades para cumprir adecisão judicial, porque radicais do governo não queriama libertação de Arraes. Trigueiro, que era um homem íntegro,respondeu: “Presidente, decisão do Supremo é paraser cumprida. E se eu estivesse sentado lá, acompanhariao voto do ministro Evandro Lins.” O governo, então, partiupara outra solução: nomeou mais cinco novos ministros,com o objetivo oculto de neutralizar a atuação dossupostos carbonários do STF. Mas o governo se enganou,porque nomeou homens de bem como, por exemplo, AliomarBaleeiro, que um dia me disse: “Eu vim aqui para acabarcom esse facilitário de habeas-corpus, mas vi que vocêstêm razão.” O governo queria o Supremo amoldado às suasconveniências, ao sabor do seu arbítrio, e o Supremo nãose submeteu. O jeito foi emitir o Ato Institucional nº 5 ecassar três ministros. Ele foi editado um dia após a possedo novo presidente do STF, ministro Gonçalves de Oliveira.O tribunal havia entrado em recesso e eu estava noRio de Janeiro. O arbítrio era total: além das inúmeras cassações,suspenderam o habeas-corpus para crimes políticose promoveram demissões e aposentadorias sem nenhumajustificativa. Soube da minha cassação pela TV. No dia16 de janeiro de 19<strong>69</strong>, ao final de uma reunião ministerial,o presidente Costa e Silva apareceu na televisão e disse:“Aproveito a oportunidade para cassar os ministros...” HermesLima, na ocasião, comentou: “Aproveita a oportunidadepara nos cassar? O sujeito aproveita oportunidadepara alguma coisa boa, não é?”JM – Consta que o sr. agora está aprendendoinformática...Evandro – Achei que estava ficando forado mundo. Então, tomei professor eestou aprendendo a lidar com o computador.Vejo meu bisneto naqueles aparelhos,conhecendo o mundo todo, etambém queria entrar na Internet... Aspessoas velhas podem fazer comparaçõesdesse tipo: meu pai era juiz nointerior do Maranhão e só soube quea guerra de 1914 tinha terminado ummês depois, por uma carta enviada porum irmão, do Recife. Hoje é tudo muitoJORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 13


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 14l RESUMO ll CARTAS lPrêmio TRE/MAVoto consciente“O voto é valioso demais para sertrocado por bugigangas e falsaspromessas.” Esta é a opinião deElayne Leite da Silva, de 16 anos,aluna da rede pública de 2º graudo Maranhão. Ela ganhou oPrêmio Justiça Eleitoral deRedação, criado pelo TRE/MA. Oprêmio fez parte do projeto VotoConsciente, que promoveu váriasações coordenadas, com o objetivode esclarecer o eleitorado sobre a importância do voto livre. Além doprêmio, foi distribuído o Manual do Eleitor e realizadas as campanhas“Voto aos 16”, para alistamento de jovens eleitores nas escolas deensino médio, e “Vote perto de casa”, que levou os serviços da JustiçaEleitoral aos bairros, através do TRE Móvel. Para Elayne, o voto sódeve ser trocado “por um país melhor”.Da esq. para a dir., Neófito Lopes (México), Ricardo Zeledón(Costa Rica), Vladimir Freitas e Jorge Massad (Brasil)JohannesburgoJuízes na Rio+10A ONU, através do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente,promoveu, de 18 a 20 de agosto, em Johannesburgo (África do Sul), oSimpósio Global de Juízes e Meio Ambiente, com a presença derepresentantes de 54 países. O tema era o mesmo da conferênciainternacional: “Desenvolvimento sustentável e meio ambiente”. Osparticipantes trocaram experiências sobre o papel do Judiciário na proteçãoambiental e chegaram a algumas conclusões, como a necessidade deespecialização total ou parcial de turmas, câmaras e varas em matériaambiental; a importância da formação adequada de juízes em DireitoAmbiental e da criação de banco de dados com jurisprudência de todos ospaíses membros da ONU. O Brasil foi representado pelos magistradosVladimir Passos de Freitas, do TRF da 4ª Região (RS), Jorge Massad, vicepresidenteda <strong>AMB</strong>, e Eládio Lecey, do Instituto Planeta Verde.CongressoDireito AmbientalOs interessados na legislação de proteção ao meio ambiente têm umencontro marcado dias 27, 28 e 29 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR),onde se realiza o Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. Entre ospalestrantes estão o professor Paulo Afonso Leme Machado, membro doConselho Internacional de Direito Ambiental, e o jurista Adilson AbreuDallari, que compõe a comissão criada pelo governo do Estado de São Paulopara elaborar o Anteprojeto de Código Ambiental Brasileiro.MutirãoTrabalho escravoO Tribunal Superior do Trabalho(TST), a Justiça Federal, osministérios da Justiça e doTrabalho e a OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT)farão um mutirão paracombater o trabalho escravo noBrasil, principalmente na regiãoNorte. Para isso, será criadauma Vara de Justiça doTrabalho itinerante, que,segundo o presidente doTribunal Superior do Trabalho(TST), ministro Francisco Fausto,se deslocará até fluvialmentepara realizar flagrantes deexploração. De acordo com aOIT, de 1995 a 2001, 3,4 milpessoas foram encontradas emsituação análoga à daescravidão no Brasil. Destas,80% estavam em propriedadesrurais situadas nos estados daAmazônia Legal, Maranhão,Pará e Mato Grosso. A idéia élocalizar essas propriedade eenquadrar os proprietários emcrime contra a organização dotrabalho.UniversidadeProjeto pelainclusãoProcuradores e promotoresforam convocados pela ONGEscola de Gente, dirigida pelajornalista Cláudia Werneck, parauma missão inédita no Rio deJaneiro: capacitar universitáriosno Direito à Inclusão. Dentro do1º Encontro da Mídia Legal –Universitários pela Inclusão,membros do Ministério Publicodo Rio de Janeiro, São Paulo eDistrito Federal ministrarampalestras para estudantes deComunicação Social, Direito eCiências Sociais, discutindo osaspectos legais dos direitos depessoas com deficiência naeducação, nas tecnologias dacomunicação, nos espaçossociais e na saúde. Os encontrosaconteceram entre os dias 20 deagosto e 16 de outubro, naUniversidade do Estado do Riode Janeiro (Uerj). O objetivo érepetir a iniciativa em váriosestados do Brasil.MiailleEm férias na região de Tarn, onde tenho uma casa,recebi os exemplares do JORNAL DO MAGISTRADO.Obrigado pela entrevista, perfeitamente traduzida eque me deu um grande prazer. Espero que tenhamosoutras oportunidades de nos revermos.Michel Miaille, Tarn, França.MudançasRecebemos com a alegria o novo jornal impresso da<strong>AMB</strong>. O novo informativo só ganhou com asmudanças. A equipe que edita o jornal está deparabéns, assim como a Squadro, responsável peloprojeto gráfico e pela diagramação. Os assuntosabordados nesta edição são muito importantes etêm sido temas de conversas e preocupaçõesconstantes dos brasileiros. Aproveitamos aoportunidade para solicitar à editora (FernandaPedrosa) que, se possível, nos informe o e-mail outelefone do juiz Mario Machado, autor do artigo“Dano moral e censura judicial”. Desejamosconversar com o magistrado sobre o assunto.Suely Cavalcante, TRT 16ªRegião, São Luís (MA).RevistaSou acadêmico de Direito da Universidade doContestado, em Porto União (SC), e sobretudo umdedicado estudioso e pesquisador do Direito. Tive ahonra de ter contato com uma de suas publicações,revista Cidadania e Justiça, e fiquei admirado com aqualidade do trabalho, tanto de editoração e,principalmente, de conteúdo. Tão grandioso trabalho émerecedor de todas as glórias, mas posso apenashumildemente parabenizá-los. Aproveito o ensejo paraindagar da possibilidade de passar a receber essevalioso trabalho, que irá com toda certeza me auxiliarnos estudos e na vida profissional, comprometendo-mea dividir esse presente com todos os colegasacadêmicos que ficarem interessados, sendo tambémde utilidade em futuro próximo em nossa Academia deDireito, órgão que estamos idealizando para divulgaçãoà população leiga de seus direitos e também deveres.Leandro Edvino Berwig da Silva,Porto União (SC).14 l<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002lJORNAL DO MAGISTRADO


jornal outubro.qxd 4/24/<strong>03</strong> 4:53 PM Page 15l ARTIGO lA vitória do voto racionalGAUDÊNCIO TORQUATO*“(...) a radiografia daracionalidade apontaindicações que exprimem oamadurecimento do eleitor.”“Não se escolheu omarketing, mas o perfil,em mais uma constataçãode que o eleitor não sedeixou levar pelaengenharia daembalagem.“OBrasil acaba de passar pela eleição mais racional do ciclo daredemocratização. Esta hipótese pode ser percebida e comprovadade diversas maneiras, a partir da evidência maior, a avaliaçãodo interesse do eleitor pelo processo eleitoral. A quedado índice de abstenção, de 21,4%, em 1998, para os atuais 17,8%, e aexpressiva diminuição do número de votos nulos e brancos, de 18,7% para10,3%, estão a evidenciar a vontade do eleitor em imprimir uma decisãomais autônoma no processo político. A partir da esfera dos números, a radiografiada racionalidade aponta indicações que exprimem o amadurecimentodo eleitor. Vejamos algumas delas.O maior tempo de rádio e televisão detoda a história dos pleitos no País, em todosos níveis, foi usado pelo candidato OrestesQuércia, em São Paulo. Como candidatoao Senado, usou, além de seutempo, o espaço destinado aos candidatosa governador, deputado federal e deputadoestadual. Fossem medidos os espaçosem termos de GRP (Gross Rating Point),que dimensiona o tamanho de uma campanhae a equivalência em termos deaudiência, bateria as campanhas anuais decampeões brasileiros de propaganda, quepagam dezenas de milhões de reais paravender seus produtos. O eleitor não comproua mercadoria quercista, na demonstraçãoinequívoca de que mídia nãoelege candidato.Vitória do voto racional.No plano da campanha presidencial,ao contrário da leitura que se costuma fazera respeito da eficácia dos aparatos de marketingna eleição dos candidatos, os méritose deméritos devem ser atribuídos a cadaperfil e a suas histórias. Os programas epropostas não fizeram a cabeça do eleitor,induzido a votar nos candidatos emfunção das significações percebidas e dosbenefícios que poderão proporcionar. Arejeição ao continuísmo, a identificaçãocom a mudança equilibrada, o preparo ea experiência, o carisma e a tecnocracia,a jovialidade e o fairplay, o destemperoverbal e arrogância foram alguns dos vetoresque influenciaram a decisão do eleitor.Não se escolheu o marketing, mas operfil, em mais uma constatação de que o eleitor não se deixou levar pelaengenharia da embalagem.Vitória do voto racional.A onda do voto consciente baniu um grupo de políticos da velha guarda,a partir de Paulo Maluf, em São Paulo, e Gilberto Mestrinho, no Amazonas.Foi um ato de condenação aos velhos perfis e às tradições corroídasda política feudal praticada em algumas unidades federativas. O casodo Piauí é emblemático. Um filho de lavrador, Wellington Dias, do PT, derrotouum dos grandes caciques do mandonismo regional, Hugo Napoleão,governador, do PFL, apesar de este contar com o apoio de mais de 80%dos prefeitos do Estado. Feudalismo, caciquismo e familismo não mais elegemcandidatos como antigamente.Vitória do voto racional.Os resultados mostram ainda que o eleitorado fortaleceu as oposições,por meio do aumento de bancadas de partidos que se opõem ao Governo.A campanha foi essencialmente fulanizada. E até nesse caso, o eleitor votouracionalmente, escolhendo na chapa de seisnomes representantes de vários partidos.A salada eleitoral exibiu um olho críticoe seletivo, na idéia de pinçar os melhoresde todos os partidos. Claro, exceções semprehá. Mesmo o voto de protesto, que podese identificar, por exemplo, com a ondaEnéas e seus 1 milhão 566 mil 739 votos,tem forte componente racional. Indica acontrariedade de eleitores dispersos que,de repente, acharam um motivo para serebelar contra a situação. A barba e a carecade Enéas, como logotipos, e o linguajardisparado reforçam a visibilidade de umícone de indignação social. Mais do queCacareco, um rinoceronte que ganhou 100mil votos dos paulistanos para se elegervereador, em 1959, ou o Macaco Tião, queganhou 400 mil votos para prefeito, no Riode Janeiro, em 1988, Enéas, como médicoe professor de Medicina, sabe o que quere está se preparando para abrir espaços deuma ideologia com certo sabor “nacionalista-ufanista-messiânica”.Pode até ser umengodo e motivo para corrigir as distorçõesexistentes no conceito de coeficienteeleitoral, mas seu voto veio de estratos diferenciados.As razões expostas permitem divisar ocrescimento do voto racional no segundoturno. Mais curta e enxuta no campo dosdiscursos e dos perfis, a campanha abriuespaços idênticos aos dois candidatos paraexprimir o ideário, facilitando o processode cognição das idéias e percepção dosvalores e propostas. A sistemática ampliaas possibilidades do voto consciente pela oportunidade de o eleitor poderfazer uma objetiva e clara comparação entre os conceitos dos dois candidatos.Quem ganha com tudo isso é a democracia brasileira que, pouco apouco, vai arquivando no baú do passado as mazelas da nossa política.Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político - E-mail: gautorq@gtmarketing.com.brJORNAL DO MAGISTRADOl<strong>JUN</strong>HO A <strong>OUT</strong>UBRO DE 2002l 15

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