Revista Brasileira de História <strong>das</strong> Religiões. ANPUH, Ano II, n. 4, Mai. 2009 - ISSN 1983-2850http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos________________________________________________________________________________________________b- Material bibliográficoUma vez estabelecidos em Rolândia, os refugiados tiveram de criar laços entre si, ese a princípio foi em função da derrubada da mata, logo depois passou a assumir diferentescontornos, conforme a Gleba e a Stadtplaz se desenvolviam. Mas um dos instrumentos deinteração utilizado desde o início da ocupação da região e que ainda hoje se manifestacomo uma prática localizável é o empréstimo e conseqüente circulação de livros entre osrefugiados.Milhares de volumes e títulos foram trazidos <strong>para</strong> Rolândia, caso somemos asbibliotecas <strong>das</strong> famílias Traumann, Isay, Ranke, Marckwald, Maier, além de outrasmenores. Uma amostragem deste material bibliográfico foi recolhido junto à comunidaderolandiense e passou a ser considerado cultura material.Neste sentido, o material bibliográfico recolhido no campo de pesquisa serve comobaliza na configuração e reconfiguração <strong>das</strong> fronteiras 17 no norte do Paraná, maisprecisamente em Rolândia. Tais movimentos de fronteira tornam-se mais visíveis secruzarmos o que liam com a circulação do objeto livro em diferentes fazen<strong>das</strong> eresidências. A referência a este costume, se não está restrita aos refugiados de origemjudaica, encontra neles um eco muito forte e presente, que consiste na valoração <strong>das</strong> obrascaracterísticas da Kultur como sinal de elevação pessoal, considerada mais importante doque a formação acadêmica que lhes havia sido tolhida ou impedida pela Alemanha.Os livros ainda circulam entres os refugiados que continuam vivos ou entre algunsde seus filhos, mas as gerações posteriores perderam a língua alemã (ou delas fazem usoapenas funcional), o que fez com que a própria Biblioteca Municipal de Rolândia senegasse a ter em seu acervo mais obras nesta língua, justificando que as que lá estão já nãocirculam mais.O projeto recolheu aproximadamente 500 volumes de livros em sua grande maioriade literatura alemã de autores considerados clássicos ou fundantes: Goethe, Heine, Schiller,17 Cf. BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras in POUTIGNAT, Ph e STREIFF-FENART, Teoriasda Etnicidade. SP: Ed. UNESP, 1998.30
Revista Brasileira de História <strong>das</strong> Religiões. ANPUH, Ano II, n. 4, Mai. 2009 - ISSN 1983-2850http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artigos________________________________________________________________________________________________Novalis, Rilke, mas também estão presentes livros de filosofia, de política, de história e deliteratura de outras expressões. Muitos em bom estado de conservação, mas um grandenúmero dessas obras estava contaminado por agentes biológicos. A esses foi dado otratamento adequado, desde a fumigação com <strong>para</strong>diclobenzeno a 99% seguido dequarentena fechada, ao final da qual foi feita a remoção física dos resíduos; algunspequenos reparos foram feitos <strong>para</strong> garantir a conservação e manutenção de determinadosvolumes 18 [figuras 12 e 13].Após o tratamento, foram descritos e classificados, o que permitiu fazer inferênciasdo que liam, como liam e qual a significação ou impacto dessas leituras no delineamento<strong>das</strong> <strong>identidades</strong> judaicas no exílio e distante da vida comunal organizada. Dito de outramaneira, esse material bibliográfico nos forneceu as pistas <strong>para</strong> rastrearmos os vestígios dauma etnicidade que se auto-referencia como judaica, e mais precisamente, os aspectos <strong>das</strong>variações que estas <strong>identidades</strong> assumem na constituição <strong>das</strong> fronteiras étnicas, commarcadores precisos e visíveis.18 Cf. PALETTA, Fátima A.C. e YAMASHITA, Marina M. Manual de higienização de livros e documentosencadernados. SP: Hucitec, 2004.31