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Almiro do Couto e Silva - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>ApresentaçãoO Currículo Permanente cria<strong>do</strong> pela Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> - EMAGIS - é um curso realiza<strong>do</strong> em encontros mensais,volta<strong>do</strong> ao aperfeiçoamento <strong>do</strong>s juízes federais e juízes federais substitutos <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,que atende ao disposto na Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 45/2004. Tem por objetivo, entreoutros, propiciar aos magistra<strong>do</strong>s, além de uma atualização nas matérias enfoca<strong>da</strong>s,melhor instrumentali<strong>da</strong>de para condução e solução <strong>da</strong>s questões referentes aos casosconcretos de sua jurisdição.O Caderno <strong>do</strong> Currículo Permanente é fruto de um trabalho conjunto destaEscola e <strong>do</strong>s ministrantes <strong>do</strong> curso, a fim de subsidiar as aulas e atender às necessi<strong>da</strong>des<strong>do</strong>s participantes.O material conta com o registro de notáveis contribuições, tais como artigos,jurisprudência seleciona<strong>da</strong> e estu<strong>do</strong>s de ilustres <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res brasileiros e estrangeiroscompila<strong>do</strong>s pela EMAGIS e destina-se aos magistra<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, bem como apesquisa<strong>do</strong>res e público interessa<strong>do</strong> em geral.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>3


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>6


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DASEGURANÇA JURÍDICA NO ESTADO DE DIREITO CONTEMPORÂNEO**in Revista <strong>da</strong> Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – RPGE, Porto Alegre 27 (57), 2004<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Professor de Direito Administrativo <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> UFRGS1. Há hoje pleno reconhecimento de que a noção de Esta<strong>do</strong> de Direito apresentaduas faces. Pode ela ser aprecia<strong>da</strong> sob o aspecto material ou sob o ângulo formal. Noprimeiro senti<strong>do</strong>, elementos estruturantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito são as idéias de justiça ede segurança jurídica. No outro, o conceito de Esta<strong>do</strong> de Direito compreende várioscomponentes, dentre os quais têm importância especial: a) a existência de um sistema dedireitos e garantias fun<strong>da</strong>mentais; b) a divisão <strong>da</strong>s funções <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> que hajarazoável equilíbrio e harmonia entre elas, bem como entre os órgãos que as exercitam, afim de que o poder estatal seja limita<strong>do</strong> e conti<strong>do</strong> por “freios e contrapesos” (checks andbalances); c) a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública e, d) a proteção <strong>da</strong> boa fé ou <strong>da</strong>confiança (Vertrauensschutz) que os administra<strong>do</strong>s têm na ação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, quanto àsua correção e conformi<strong>da</strong>de com as leis. 1A esses <strong>do</strong>is últimos elementos ou princípios — legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> AdministraçãoPública e proteção <strong>da</strong> confiança ou <strong>da</strong> boa fé <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s — ligam-se,respectivamente, a presunção ou aparência de legali<strong>da</strong>de que têm os atos administrativose a necessi<strong>da</strong>de de que sejam os particulares defendi<strong>do</strong>s, em determina<strong>da</strong>scircunstâncias, contra a fria e mecânica aplicação <strong>da</strong> lei, com o conseqüente anulamentode providências <strong>do</strong> Poder Público que geraram benefícios e vantagens, há muitoincorpora<strong>do</strong>s ao patrimônio <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s.Já se deixa entrever que o Esta<strong>do</strong> de Direito contém, quer no seu aspecto material,quer no formal, elementos aparente ou realmente antinômicos. Se é antiga a observaçãode que justiça e segurança jurídica freqüentemente se completam, de maneira que pelajustiça chega-se à segurança jurídica e vice-versa, é certo que também freqüentementeEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>7


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>colocam-se em oposição. Lembre-se, a propósito, o exemplo famoso <strong>da</strong> prescrição, queilustra o sacrifício <strong>da</strong> justiça em favor <strong>da</strong> segurança jurídica, ou <strong>da</strong> interrupção <strong>da</strong>prescrição, com o triunfo <strong>da</strong> justiça sobre a segurança jurídica. Institutos como o <strong>da</strong> coisajulga<strong>da</strong> ou <strong>da</strong> preclusão processual, impossibilitan<strong>do</strong> definitivamente o reexame <strong>do</strong>s atos<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong> que injustos, contrários ao Direito ou ilegais, revelam igualmente esseconflito.Colisões análogas a essas verificam-se entre o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>Administração Pública e o <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> boa fé ou <strong>da</strong> confiança <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s queacreditaram na legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos que os favoreceram com vantagensconsidera<strong>da</strong>s posteriormente indevi<strong>da</strong>s por ilegais. É que o ordenamento jurídico,conforme as situações, ora dá mais peso e importância à segurança jurídica emdetrimento <strong>da</strong> justiça, ora prescreve de maneira inversa, sobrepon<strong>do</strong> a justiça àsegurança jurídica; ora afirma a preeminência <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> AdministraçãoPública sobre o <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> confiança <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s, ora proclama que aqueledeve ceder passo a este. 2No fun<strong>do</strong>, porém, o conflito entre justiça e segurança jurídica só existe quan<strong>do</strong>tomamos a justiça como valor absoluto, de tal maneira que o justo nunca podetransformar-se em injusto e nem o injusto jamais perder essa natureza. A contingênciahumana, os condicionamentos sociais, culturais, econômicos, políticos, o tempo e oespaço — tu<strong>do</strong> isso impõe adequações, temperamentos e a<strong>da</strong>ptações, na imperfeitaaplicação <strong>da</strong>quela idéia abstrata à reali<strong>da</strong>de em que vivemos, sob pena de, se assim nãose proceder, correr-se o risco de agir injustamente ao cui<strong>da</strong>r de fazer justiça. Nisso não hana<strong>da</strong> de para<strong>do</strong>xal. A tolera<strong>da</strong> permanência <strong>do</strong> injusto ou <strong>do</strong> ilegal pode <strong>da</strong>r causa asituações que, por arraiga<strong>da</strong>s e consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s, seria iníquo desconstituir, só pelalembrança ou pela invocação <strong>da</strong> injustiça ou <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de origináriaDo mesmo mo<strong>do</strong> como a nossa face se modifica e se transforma com o passar <strong>do</strong>sanos, o tempo e a experiência histórica também alteram, no quadro <strong>da</strong> condição humana,a face <strong>da</strong> justiça. Na ver<strong>da</strong>de, quan<strong>do</strong> se diz que em determina<strong>da</strong>s circunstâncias asegurança jurídica deve preponderar sobre a justiça, o que se esta afirman<strong>do</strong>, a rigor, éque o principio <strong>da</strong> segurança jurídica passou exprimir, naquele caso, diante <strong>da</strong>speculiari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> situação concreta, a justiça material. Segurança jurídica não é, aí, algoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>8


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>que se contraponha à justiça; é ela própria justiça. Parece-me, pois, que as antinomias econflitos entre justiça e segurança jurídica, fora <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> platônico <strong>da</strong>s idéias puras,alheias e indiferentes ao tempo e à história, são falsas antinomias e conflitos. Nemsempre é fácil discernir, porém, diante <strong>do</strong> caso concreto, qual o princípio que lhe éadequa<strong>do</strong>, de mo<strong>do</strong> a assegurar a realização <strong>da</strong> Justiça: o <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>Administração Pública ou o <strong>da</strong> segurança jurídica? A invariável aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública deixaria os administra<strong>do</strong>s, em numerosíssimassituações, atônitos, intranqüilos e até mesmo indigna<strong>do</strong>s pela conduta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, se aeste fosse <strong>da</strong><strong>do</strong>, sempre, invali<strong>da</strong>r seus próprios atos — qual Penélope, fazen<strong>do</strong> edesmanchan<strong>do</strong> sua teia, para tornar a fazê-la e tornar a desmanchá-la — sob oargumento de ter a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> uma nova interpretação e de haver finalmente percebi<strong>do</strong>, apóso transcurso de certo lapso de tempo, que eles eram ilegais, não poden<strong>do</strong>, portanto, comoatos nulos, <strong>da</strong>r causa a qualquer conseqüência jurídica para os destinatários.Só há relativamente pouco tempo é que passou a considerar-se que o princípio <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, até então ti<strong>do</strong> como incontrastável, encontravalimites na sua aplicação, precisamente porque se mostrava indispensável resguar<strong>da</strong>r, emcertas hipóteses, como interesse público prevalecente, a confiança <strong>do</strong>s indivíduos em queos atos <strong>do</strong> Poder Público, que lhes dizem respeito e outorgam vantagens, são atosregulares, pratica<strong>do</strong>s com a observância <strong>da</strong>s leis.O objetivo deste trabalho é o de analisar o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica em suasintersecções com o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública. Trata-se, já se vê,de uma reflexão sobre o Esta<strong>do</strong> de Direito, tal como é hoje entendi<strong>do</strong> e com aproblemática que apresenta neste final <strong>do</strong> século XX.Começarei alinhan<strong>do</strong> algumas observações sobre o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>Administração Pública, suas vertentes ideológicas, seu apogeu no Esta<strong>do</strong> liberal burguêse a crise resultante <strong>da</strong> passagem <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> liberal para o Esta<strong>do</strong> Social, arquétipoinspira<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s democráticos contemporâneos, que dele buscam aproximar-secom maior ou menor sucesso, sem nunca conseguir alcançá-lo em plenitude.2. O princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública é uma secreção <strong>do</strong> princípio<strong>da</strong> separação <strong>da</strong>s funções <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a que Montesquieu deu feição definitiva.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>9


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Aristóteles, no Livro IV <strong>da</strong> Política (14-16), havia registra<strong>do</strong> a existência de diferentesfunções dentro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, sem, no entanto, preocupar-se em recomen<strong>da</strong>r que órgãosdistintos as exercessem, para que, desse mo<strong>do</strong>, ficassem garanti<strong>do</strong>s os indivíduos contrao poder estatal. Essa preocupação só vai surgir no pensamento político com ojusnaturalismo racionalista <strong>do</strong>s séculos XVII e XVIII, que laiciza a velha luta escolásticaentre ratio e voluntas e trata de substituir a voluntas — a vontade <strong>do</strong> monarca absoluto,livre <strong>da</strong>s leis, a legibus solutus como o príncipe <strong>do</strong> discuti<strong>do</strong> fragmento <strong>do</strong> Digesto —pela ratio <strong>da</strong> lei. A corrente voluntarista, que <strong>da</strong>va sustentação ao absolutismo, receberao apoio valioso que lhe emprestou a obra monumental de Thomás Hobbes, propugna<strong>do</strong>r<strong>da</strong> concentração de to<strong>do</strong>s os poderes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nas mãos <strong>do</strong> soberano e para quem, nafrase famosa, auctoritas non veritas facit legem, com o que indicava, como se tiradesde logo dessas palavras que a lei não era razão, mas sim poder e vontade. 3John Locke é que irá afirmar e <strong>da</strong>r contornos precisos ao pensamento liberal, comocampeão <strong>da</strong>s aspirações <strong>da</strong> burguesia, na afirmação <strong>do</strong>s direitos imanentes ao homemnos conflitos com o Esta<strong>do</strong>. Locke era defensor intransigente <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, porele mais valoriza<strong>da</strong> <strong>do</strong> que a própria liber<strong>da</strong>de. O contrato social, que os homenscelebraram ao sair <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de natureza, tem por fim principal a conservação <strong>da</strong>proprie<strong>da</strong>de. Mas, se o grande objetivo que os homens perseguem ao ingressar nasocie<strong>da</strong>de civil, pelo contrato social, é gozar suas proprie<strong>da</strong>des em paz e segurança, ogrande instrumento para que isso se realize são as leis estabeleci<strong>da</strong>s nessa socie<strong>da</strong>de.Assim, a primeira e fun<strong>da</strong>mental lei positiva de qualquer comuni<strong>da</strong>de é o estabelecimento<strong>do</strong> Poder Legislativo. É este o ponto culminante <strong>da</strong>s idéias liberais de Locke, onde adistinção entre função legislativa e executiva adquire caráter instrumental, destinan<strong>do</strong>-sea freiar o Poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A partir <strong>da</strong>í, Montesquieu, para deixar acaba<strong>da</strong> sua teoria, sóteria de retornar a Aristóteles e recolocar como terceira função <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> a judiciária, emlugar <strong>do</strong> Poder Federativo proposto por Locke e que consistiria, basicamente, no poder defazer a guerra e a paz e estabelecer alianças.Das três funções <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a mais importante, na concepção de Locke eMontesquieu, era a legislativa, de onde emanava a lei, a razão objetiva a que se submetiaa vontade <strong>do</strong>s detentores <strong>do</strong> poder político, mas a que também estavam rigi<strong>da</strong>menteliga<strong>do</strong>s os juízes, destina<strong>do</strong>s meramente a ser, como dizia Montesquieu, “a boca quepronuncia as palavras <strong>da</strong> lei; seres inanima<strong>do</strong>s que não podem moderar nem sua força eEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>10


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>nem seu rigor”. 4 Só assim atingia-se o ideal de que to<strong>do</strong>s vivessem non sub homine, sedsub lege, na fórmula de Henry de Bracton. Se Hobbes, por um la<strong>do</strong>, com seuvoluntarismo, que é a contraparte, no plano político, <strong>do</strong> voluntarismo nominalista deOckam e Escoto, justificava o absolutismo, por outro, com o seu positivismo, trouxealgumas importantes contribuições para o futuro perfil <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito e para aconfiguração <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública. Para Hobbes, umaação só é passível de pena se previamente existir uma norma que a proíba e que para elaestabeleça uma sanção. Isto é na<strong>da</strong> mais na<strong>da</strong> menos <strong>do</strong> que a enunciação <strong>do</strong> modernoprincípio que informa o Direito Penal: nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege,na concisa expressão latina concebi<strong>da</strong> por Feuerbach.A este axioma liga-se outro, pertinente à irretroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei penal, claramenteexpresso no Leviathan nestes termos: “no law after a fact <strong>do</strong>ne, can make it a crime”. 5É por si só evidente a importância destas posições de Hobbes para o pensamentoliberal. Se apenas é crime o que a lei assim qualifica, tem o indivíduo a plena liber<strong>da</strong>de defazer tu<strong>do</strong> aquilo que a lei não proíbe, identifican<strong>do</strong>-se, assim, o silêncio <strong>da</strong> lei com aliber<strong>da</strong>de individual. Dito de outro mo<strong>do</strong>, isso quer significar que qualquer restrição àliber<strong>da</strong>de individual só por lei pode ser estabeleci<strong>da</strong>. Tal princípio, depura<strong>do</strong> <strong>do</strong>voluntarismo de Hobbes, é que se irá incorporar definitivamente ao patrimônio <strong>da</strong>sconquistas liberais e que vem invariavelmente estampa<strong>do</strong> nas Constituições democráticasmodernas. No que se refere à liber<strong>da</strong>de é, em suma, o que Otto Mayer denominará, já nofim <strong>do</strong> século XIX, de princípio <strong>da</strong> reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes), que, ao la<strong>do</strong><strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> primazia ou <strong>da</strong> preeminência <strong>da</strong> lei (Vorrang des Gesetzes), também porele nomea<strong>do</strong>, forma o princípio maior <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública. 6Na composição <strong>da</strong> massa <strong>da</strong> qual irá sair, perfeito e acaba<strong>do</strong>, o princípio <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, vimos que Locke e Montesquieu entraram com asupremacia <strong>da</strong> função legislativa sobre as demais funções <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e com asupremacia <strong>da</strong> lei sobre as demais manifestações <strong>do</strong> poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e Hobbes com aidéia de que só mediante lei seria admissível restringir a liber<strong>da</strong>de individual.Faltava, no entanto, dizer o que era lei, definir sua origem, identificar a vontade quedeveria refletir e os requisitos que teria de apresentar. Rousseau é que irá colocar oEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>11


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>último componente, de acentua<strong>do</strong> caráter democrático, com sua noção <strong>da</strong> vontade geral,como expressão máxima <strong>da</strong> soberania, que já aparece no vínculo institui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> próprioEsta<strong>do</strong>, no contrato social. Para Rousseau, a 1ei há de ser geral num duplo senti<strong>do</strong>: geralporque é a vontade geral <strong>do</strong> povo e geral pela impessoali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> seu enuncia<strong>do</strong>. Na leicasam-se, pois, o <strong>da</strong><strong>do</strong> democrático <strong>da</strong> sua elaboração com a afirmação plena <strong>do</strong>principio <strong>da</strong> isonomia, <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s indivíduos perante o Esta<strong>do</strong> em qualquerhipótese, mesmo diante <strong>da</strong> mais alta forma de manifestação <strong>do</strong> seu poder e <strong>da</strong> suavontade, que é a lei.“Quan<strong>do</strong> eu digo” — escrevia Rousseau — “que o objetivo <strong>da</strong>s leis é sempre geral,enten<strong>do</strong> que a lei considera os indivíduos como coletivi<strong>da</strong>de e as ações como abstratas,jamais um homem como indivíduo, nem uma ação particular (...) To<strong>da</strong> função que serelaciona a um objeto individual não pertence à função legislativa”. 7Estava cunha<strong>do</strong>, desse mo<strong>do</strong>, o conceito <strong>da</strong> lei a que se submete o Esta<strong>do</strong>democrático: a norma resultante <strong>da</strong> vontade geral <strong>do</strong> povo e que também iria regrar edisciplinar as relações entre os indivíduos e as relações <strong>do</strong>s indivíduos com o Esta<strong>do</strong>.A Constituição Americana de 1787, na linha <strong>da</strong>s Constituições de alguns Esta<strong>do</strong>samericanos e, logo após, as demais Constituições vota<strong>da</strong>s no fim <strong>do</strong> século XVIII e início<strong>do</strong> século XIX, transformaram em Direito Positivo o que até então eram páginas defilosofia ou fragmentos de pensamento político, esparsos na obra de prestigia<strong>do</strong>s autores<strong>do</strong> século XVII e XVIII.O conceito de Esta<strong>do</strong> de Direito, ain<strong>da</strong> que só mais tarde viesse a ser batiza<strong>do</strong> comesse nome, e os princípios <strong>da</strong> rule of law e <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública,depois de largo perío<strong>do</strong> de gestação, saiam finalmente <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong>s idéias para ocuparlugar de especial destaque no quadro <strong>do</strong> repertório de instituições conforma<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> liberal, que nasce <strong>da</strong> independência <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e <strong>da</strong>s cinzas <strong>da</strong>Revolução Francesa.3. O Esta<strong>do</strong> liberal, como é sabi<strong>do</strong>, tratava exclusivamente de garantir o livredesenvolvimento <strong>da</strong>s forças e impulsos sociais e econômicos, com um mínimo deinterferência. Acreditava-se, com o otimismo que é típico <strong>da</strong> época, que o equilíbrio seriaEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>12


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>necessariamente encontra<strong>do</strong>, como se tu<strong>do</strong> estivesse prudentemente governa<strong>do</strong> pela“mão invisível” <strong>da</strong> metáfora de A<strong>da</strong>m Smith.Nesse contexto histórico, a discussão que por vezes se trava é sobre a extensão<strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e sobre o conceito rousseaniano de lei, com a exigência <strong>da</strong>dupla generali<strong>da</strong>de, a <strong>da</strong> origem, pois deve resultar <strong>da</strong> vontade geral e a <strong>do</strong> caráterabstrato e impessoal <strong>do</strong> seu enuncia<strong>do</strong>. A experiência germânica é especialmente rica emdiscussões e controvérsias sobre esses temas. No que diz com a extensão <strong>do</strong> princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, distingue a <strong>do</strong>utrina alemã <strong>do</strong> século XIX entreproposições jurídicas (Rechtssätze), e outras disposições que, conquanto emana<strong>da</strong>s<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, não poderiam contu<strong>do</strong> qualificar-se como jurídicas, porque destina<strong>da</strong>s a tereficácia interna corporis, dentro <strong>do</strong>s lindes <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong>. Tais, p. ex., as regraspertinentes à organização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ou a vínculos designa<strong>do</strong>s por Laband como“relações especiais de poder”. Exemplos destas são as existentes entre o Esta<strong>do</strong> e osservi<strong>do</strong>res públicos, civis e militares, os alunos <strong>da</strong>s escolas públicas, os sujeitos a regimecarcerário, os usuários de estabelecimentos públicos. 8Como eluci<strong>da</strong> Paul Laband, “... só ali onde a esfera <strong>da</strong> vontade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> queadministra entra em contato com qualquer outra esfera de vontade reconheci<strong>da</strong> peloDireito, pode haver espaço para uma proposição jurídica”. E, em outro tópico: “as regrasde comportamento que o indivíduo se dá a si próprio nunca podem ser preceitos jurídicos.Isso é igualmente certo no que respeita ao Esta<strong>do</strong>”. 9 Em outras palavras, só quan<strong>do</strong> aação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> entrasse em colisão com a liber<strong>da</strong>de ou com a proprie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>sindivíduos é que seria necessária uma proposição jurídica, ou seja, uma lei.Haveria, pois, no universo abrangi<strong>do</strong> pelos atos normativos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> duas esferasperfeitamente defini<strong>da</strong>s: a <strong>do</strong> Direito, integra<strong>da</strong> pelas regras que de algum mo<strong>do</strong>interferem com a liber<strong>da</strong>de e a proprie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s indivíduos e a <strong>do</strong> Não-Direito, dentro <strong>da</strong>qual se colocam as já menciona<strong>da</strong>s regras de organização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou referentes àsvárias relações especiais de poder.Daí a distinção, na área <strong>do</strong>s regulamentos, entre regulamentos de Direito ouregulamentos jurídicos (Rechtsverordnungen) e regulamentos meramenteadministrativos (Verwaltungsverordnungen). Só os primeiros, pelo que já se mostrou,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>13


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>dispon<strong>do</strong> sobre relações gerais de poder, integrariam o Direito Positivo; os outros,enquanto normas internas estariam despi<strong>do</strong>s de qualquer juridici<strong>da</strong>de, sen<strong>do</strong>, no entanto,completamente autônomos.Por outro la<strong>do</strong>, Paul Laband e Georg Jellinek estabelecem o discrime entre lei emsenti<strong>do</strong> formal e em senti<strong>do</strong> material, definin<strong>do</strong>-se a primeira como qualquer ato emana<strong>do</strong><strong>do</strong> Poder Legislativo, no mo<strong>do</strong> prescrito à tramitação legislativa, independentemente <strong>do</strong>seu conteú<strong>do</strong>, e a segun<strong>da</strong> como a proposição jurídica, de ín<strong>do</strong>le geral, abstrata eimpessoal, independentemente <strong>da</strong> sua origem.Na ver<strong>da</strong>de, as leis na acepção puramente formal seriam atos administrativos comroupagem de lei, de que o exemplo mais eminente, suscita<strong>do</strong>r <strong>da</strong> distinção, era oorçamento. Natureza de leis, na acepção material, teriam, em contraposição, to<strong>do</strong>s osatos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de normativi<strong>da</strong>de jurídica, proviessem de onde proviessem. 10Essas disquisições <strong>do</strong>s juristas alemães, já no crepúsculo <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, nãochegam, porém, a complicar grandemente a estrutura jurídica <strong>da</strong> Administração Pública<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> liberal, que atravessa boa parte <strong>do</strong> século XIX sem maiores perturbações. Se oEsta<strong>do</strong> é simples, ocupan<strong>do</strong>-se quase que somente <strong>do</strong>s serviços de segurança externa einterna, justiça, obras públicas, saúde e educação — em medi<strong>da</strong>s incomparavelmentemais modestas <strong>da</strong>s que hoje conhecemos — e destinan<strong>do</strong>-se a tributação apenas a <strong>da</strong>rsustentação financeira a essas ativi<strong>da</strong>des, singelo é também o relacionamento entre oEsta<strong>do</strong> e o Direito. O Esta<strong>do</strong> é, pode dizer-se, inteiramente regi<strong>do</strong>, na sua atuaçãoadministrativa, pelo Direito Público. Ao Direito Priva<strong>do</strong> continua ele a sujeitar-se, comoocorria desde o Direito Romano, quan<strong>do</strong> age como fiscus, isto é, como qualquerparticular, mas isso tem escassa significação na moldura geral <strong>do</strong>s tipos de ação <strong>do</strong>Poder Público. São os atos administrativos, portanto, o mo<strong>do</strong> e o meio por excelência <strong>da</strong>atuação <strong>da</strong> Administração Pública, expressan<strong>do</strong> sempre a superiori<strong>da</strong>de, o poder, oimperium <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, assim como autoriza<strong>do</strong> pela lei. Prende-se a esse perío<strong>do</strong> a célebredistinção <strong>do</strong> Direito francês, hoje, obsoleta e quase esqueci<strong>da</strong>, entre atos de autori<strong>da</strong>dee atos de gestão. Só os primeiros, os atos de autori<strong>da</strong>de, regi<strong>do</strong>s pelo Direito Público,materializan<strong>do</strong> o imperium estatal, eram atos administrativos. Os outros, os atos degestão, submeti<strong>do</strong>s ao Direito Priva<strong>do</strong>, inseriam-se no rol <strong>do</strong>s atos jurídicos desse setor<strong>do</strong> Direito e eram classifica<strong>do</strong>s pelos critérios usualmente a eles aplica<strong>do</strong>s.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>14


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________A revolução industrial e os movimentos sociais, a que deu origem, determinaramprofun<strong>da</strong>s alterações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que ampliou enormemente os seus serviços, sobretu<strong>do</strong>em razão <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong>de de intervenção no <strong>do</strong>mínio econômico e na área social.As linhas que separavam, de forma muito vinca<strong>da</strong>, o Esta<strong>do</strong> liberal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,começam a esfumar-se rapi<strong>da</strong>mente, passan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> a desincumbir-se de tarefas queexercem uma função modela<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> própria socie<strong>da</strong>de, não apenas por meioscoercitivos, por restrições à liber<strong>da</strong>de e à proprie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s indivíduos, senão que tambéme sobretu<strong>do</strong> propician<strong>do</strong> benefícios e vantagens, como quan<strong>do</strong> assegura assistência eprevidência sociais, promove programas habitacionais, dá créditos a juros baixos ouconcede outras formas de subsídio ou subvenção para estimular o desenvolvimento dedetermina<strong>do</strong>s setores, empreende campanhas de alfabetização, de distribuição demeren<strong>da</strong> escolar, etc. Numa palavra, o Esta<strong>do</strong> liberal assumia a feição de Esta<strong>do</strong> social.É interessante notar que a importância e o volume <strong>do</strong>s serviços que hoje se ocupamdessa nova administração, que os alemães denominam de administração presta<strong>do</strong>ra debenefícios (Leistungsverwaltung), é consideravelmente maior, em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, <strong>do</strong>que a clássica administração coercitiva ou interventiva (Eingriffsverwaltung). 114. A expansão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> contemporâneo, que se inicia já no século passa<strong>do</strong>, masque se acelera consideravelmente neste século, nota<strong>da</strong>mente depois <strong>da</strong>s duas últimasgrandes guerras, transformou-o no que hoje costuma chamar-se de Esta<strong>do</strong>Administrativo. A rápi<strong>da</strong> e substancial ampliação <strong>da</strong> gama de serviços públicosacarretou implicações importantes no plano jurídico, com repercussões profun<strong>da</strong>s sobre oprincípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, na sua formulação tradicional. Passarei,agora, a destacar resumi<strong>da</strong>mente as que me parecem de maior realce, muitas <strong>da</strong>s quaisdão azo a que se fale numa crise <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública.a) — O Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s nossos dias exige decisões prontas, impossíveis muitas vezesde serem toma<strong>da</strong>s pela via legislativa. Em razão disso, não prescinde o Esta<strong>do</strong> modernode formas institucionaliza<strong>da</strong>s ou disfarça<strong>da</strong>s de delegação legislativa. Entre nós, emboraa Constituição vigente consagre a delegação legislativa (nos seus arts. 46, IV e 52 a 54),tem ela fica<strong>do</strong> em desuso, preferin<strong>do</strong>-se o recurso à delegação atípica ou disfarça<strong>da</strong> queEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>15


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>consiste na atribuição de competência amplíssima a enti<strong>da</strong>des e órgãos <strong>da</strong> AdministraçãoPúblicab) — Às formas vela<strong>da</strong>s de delegação legislativa conecta-se diretamente aimportância assumi<strong>da</strong> pelas fontes infralegais <strong>do</strong> Direito Administrativo. Nenhum de nósignora o significa<strong>do</strong> e o poder <strong>do</strong>s regulamentos, resoluções, circulares, portarias etc.,pelas quais de um só golpe, como ocorre com as Resoluções <strong>do</strong> Conselho MonetárioNacional ou com as circulares <strong>do</strong> Banco Central, altera-se o desenho de importantíssimossetores <strong>da</strong> Nação. O problema, aliás, não é só nosso e encontra símile na maioria <strong>do</strong>spaíses democráticos <strong>do</strong> nosso tempo.c) — O Esta<strong>do</strong> utiliza, ca<strong>da</strong> vez mais, nos <strong>do</strong>cumentos normativos, cláusulasgerais, de conteú<strong>do</strong> vago e elástico, e conceitos jurídicos indetermina<strong>do</strong>s, tambémchama<strong>do</strong>s de conceitos tipo, em oposição aos conceitos classificatórios. Esses conceitosapresentam um núcleo de significação perfeitamente defini<strong>do</strong>, de tal sorte que a aplicaçãodesse núcleo e a respectiva subsunção <strong>do</strong> caso concreto se faz sem maioresdificul<strong>da</strong>des. Já o mesmo não sucede na área periférica <strong>do</strong> conceito, onde as dúvi<strong>da</strong>ssurgi<strong>da</strong>s na operação de enquadramento <strong>do</strong>s fatos e <strong>da</strong> subsunção destes na regra sãocomuns e freqüentes. Conquanto, no plano estritamente lógico, não se cogite aí <strong>do</strong> poderdiscricionário <strong>do</strong> agente administrativo com competência para aplicar a norma, éirrecusável que, em termos práticos, passa ele a gozar de uma área de decisão que tornasemelhante os atos de aplicação destes conceitos aos de exercício de poderdiscricionário.d) — Nos casos de dúvi<strong>da</strong> quanto à subsunção de casos em cláusulas gerais ouem conceitos jurídicos indetermina<strong>do</strong>s, a palavra final só poderá ser <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Judiciário.É notório que os juízes modernos estão muito distantes <strong>da</strong> “boca que pronuncia aspalavras <strong>da</strong> lei” ou <strong>do</strong>s juízes-autômatos, imagina<strong>do</strong>s por Montesquieu. Hoje, nãosomente no sistema <strong>da</strong> common law, <strong>do</strong> judge made law, mas também nos sistemasque, como o nosso, ligam-se ao <strong>do</strong> Direito Romano, os juizes se transformaram emlegisla<strong>do</strong>res. Por certo, não temos nós a regra <strong>do</strong> stare decisis, ou <strong>da</strong> força vinculativa<strong>do</strong>s precedentes, o que tem impedi<strong>do</strong> que, no rigor <strong>da</strong> técnica, possa a jurisprudência serconsidera<strong>da</strong> como fonte de Direito. Mas ninguém negará que a jurisprudência constante,uniforme, plenamente consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>, exerce papel semelhante ao que desempenhava o iusEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>16


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________honorarium, nos seus conflitos com o ius civile, no Direito Romano. Muito embora nãopudesse o ius honorarium ab-rogar formalmente o ius civile, a ele, no entanto, sesobrepunha na prática, pois o Direito que era efetivamente aplica<strong>do</strong> era o ius honorariume não o ius civile. Não é outra razão pela qual Gaio dizia que o ius civile, emboraformalmente vigente, não passava de um nudum jus, um direito esvazia<strong>do</strong> deconseqüências e efeitos imediatos sobre a reali<strong>da</strong>de.A função de criação <strong>do</strong> Direito, assumi<strong>da</strong> pelos juízes e estimula<strong>da</strong> pela inserçãonas leis de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indetermina<strong>do</strong>s, suscita o problema, dedificílima solução, <strong>da</strong> legitimação democrática para o desempenho dessas atribuições,pois, como advertia Montesquieu, se o poder de julgar estiver confundi<strong>do</strong> com o poder delegislar, “o poder sobre a vi<strong>da</strong> e a liber<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s ci<strong>da</strong>dãos seria arbitrário”. 12 É o “governo<strong>do</strong>s juízes”, com o permanente risco de transformar-se, pela ausência de controles, natirania <strong>do</strong>s juízes.e) — O impressionante crescimento <strong>do</strong>s serviços públicos induziu o Esta<strong>do</strong> abuscar, nos repertórios <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong>, conceitos, institutos e formas jurídicas,capazes de <strong>da</strong>r maior agili<strong>da</strong>de à Administração estatal, especialmente a chama<strong>da</strong>Administração presta<strong>do</strong>ra de benefícios e vantagens. O Direito Priva<strong>do</strong> que se aplica aoEsta<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> este atua visan<strong>do</strong> a realizar fins imediatamente públicos, não é, de regra,absolutamente igual ao que se aplica às relações entre particulares. Normalmente a elese misturam normas a<strong>da</strong>ptativas, de Direito Publico, compon<strong>do</strong> um to<strong>do</strong> híbri<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong>que com a prevalência de preceitos <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong>, a que Hans Julius Wolff, com osaplausos generaliza<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina, chamou de Direito Priva<strong>do</strong> Administrativo. 13 Dequalquer forma, a Administração regi<strong>da</strong> pelo Direito Priva<strong>do</strong> ou pelo Direito Priva<strong>do</strong>Administrativo goza de uma liber<strong>da</strong>de, com relação à lei, consideravelmente mais ampla<strong>do</strong> que a desfruta<strong>da</strong> pela Administração que opera dentro <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> Direito Público.É, to<strong>da</strong>via, incontroverso que o princípio <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong> vontade não existe paraa Administração Publica. A autonomia <strong>da</strong> vontade resulta <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de humana, que não éuma criação <strong>do</strong> direito, mas sim um <strong>da</strong><strong>do</strong> natural, anterior a ele. O direito restringe emodela essa liber<strong>da</strong>de, para tornar possível sua coexistência com a liber<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s outros.Sobra sempre, porém, uma larga faixa que resta intoca<strong>da</strong> pelo Direito. A AdministraçãoPublica não tem essa liber<strong>da</strong>de. Sua liber<strong>da</strong>de é tão somente a que a lei lhe concede,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>17


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>quer se trate de Administração Publica sob regime de Direito Público, de Direito Priva<strong>do</strong>ou de Direito Priva<strong>do</strong> Administrativo. É, inegável, porém, que a base legal para a açãoadministrativa sob normas de Direito Priva<strong>do</strong> por vezes se reduz a uma regra sobrecompetência ou até mesmo a uma simples autorização orçamentária, como ocorre comcertas subvenções, o que tem si<strong>do</strong> muito discuti<strong>do</strong> e censura<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina. 14 Quer issodizer que o poder discricionário em mãos <strong>do</strong>s agentes <strong>da</strong> Administração Pública que semovem à sombra <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong> é, em geral, extremamente dilata<strong>do</strong>, só encontran<strong>do</strong>barreira no princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de perante os serviços públicos, aliás de claudicanteobservância.f) — À ampliação <strong>da</strong> área de atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> — fala-se hoje num excesso decarga <strong>do</strong> governo, em overload government ou em Regierungsüberlastung —correspondeu o desmesura<strong>do</strong> aumento <strong>da</strong> legislação, tornan<strong>do</strong> impossível até mesmoaos especialistas (quanto mais ao homem comum) conhecê-la na integri<strong>da</strong>de.Paralelamente, a complexi<strong>da</strong>de de problemas técnicos, principalmente econômicos,objeto de legislação, dá oportuni<strong>da</strong>de a que muitos textos legais se tornem inteligíveisapenas para os inicia<strong>do</strong>s, perden<strong>do</strong> a linguagem jurídica a austera simplici<strong>da</strong>de que, nosdiferentes perío<strong>do</strong>s históricos, quase sempre a caracterizou. Ambos esses aspectos aquisucintamente foca<strong>do</strong>s distanciam, obviamente, a lei <strong>do</strong>s seus destinatários, o que, se nãotorna o principio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública uma falácia, pelo menos oenfraquece consideravelmente, se tivermos presente o senti<strong>do</strong> e a função para os quaisfoi concebi<strong>do</strong>.g) — A generaliza<strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> planejamento na Administração Pública, alia<strong>da</strong> ànecessi<strong>da</strong>de de que certos problemas relevantes tenham solução por via legislativa, fezcom que a lei perdesse, em muitas situações, as características fixa<strong>da</strong>s por Rousseau,quanto à abstração <strong>do</strong> seu enuncia<strong>do</strong>. A oposição entre norma e medi<strong>da</strong>, referi<strong>da</strong> por CarlSchmitt para mostrar a diferença entre os atos que exprimem, respectivamente, oexercício <strong>da</strong> função legislativa e <strong>da</strong> função administrativa ou executiva 15 , deixa de existirnesses casos, pois as leis edita<strong>da</strong>s em tais hipóteses são, efetivamente, leis medi<strong>da</strong>s(Massnahmegesetze) como as denominou Ernst Forsthoff, e que outros preferemchamar de leis-providência ou de leis de efeitos concretos. 16 Comumente essas leis sãoum compósito <strong>da</strong> lei em senti<strong>do</strong> material e de ato administrativo sob forma <strong>da</strong> lei. Osplanos urbanísticos são um exemplo delas, ao conter prescrições gerais e, ao mesmoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>18


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>tempo, determinações extremamente concretas, porque vincula<strong>da</strong>s a pontos geográficosprecisos.5. Se as particulari<strong>da</strong>des que acabei resumi<strong>da</strong>mente de assinalar de algum mo<strong>do</strong>abalaram o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, na sua forma tradicional,não se pode deixar de dizer, por outro la<strong>do</strong>, que ele se estendeu a to<strong>do</strong>s os tipos derelações entre os indivíduos e o Esta<strong>do</strong>, abrangen<strong>do</strong> inclusive as relações especiais depoder, como as existentes entre o Esta<strong>do</strong> e os alunos <strong>da</strong>s escolas públicas, a populaçãocarcerária, os usuários <strong>do</strong>s estabelecimentos públicos, pois as relações especiais depoder são relações jurídicas, nas quais devem ser respeita<strong>do</strong>s os direitos <strong>da</strong> pessoa, nãose admitin<strong>do</strong> pensar, como fazia a <strong>do</strong>utrina alemã <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, que integrem oterritório <strong>do</strong> Não-Direito. Existe hoje uma tendência irreprimível a considerar que aAdministração Pública está vincula<strong>da</strong> ante ao Direito <strong>do</strong> que propriamente à lei. Juristaseminentes chegam até mesmo a tirar <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de a conclusão <strong>da</strong>inexistência de poder discricionário, pois os atos que os expressam estão, como osdemais atos administrativos, destina<strong>do</strong>s à realização <strong>do</strong> interesse público e acham-seconforma<strong>do</strong>s por esse fim, fican<strong>do</strong>, pois, sempre aberta não só a possibili<strong>da</strong>de de sindicara existência de interesse público, como também se a providência concretamente a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>é que mais adequa<strong>da</strong>mente o atende. Desconta<strong>do</strong>s os exageros que creio existir nanegação de uma área de discrição administrativa e de um poder reconheci<strong>do</strong> ao agentede eleger, dentro <strong>do</strong>s limites <strong>da</strong> lei, os meios que lhe pareçam mais aptos a alcançar osobjetivos de utili<strong>da</strong>de pública persegui<strong>do</strong>s, essas atuais tendências estão a evidenciar,quan<strong>do</strong> menos, a preocupação em revigorar o princípio, diante <strong>da</strong>s ameaças e <strong>da</strong>sefetivas restrições sofri<strong>da</strong>s em razão <strong>do</strong> crescimento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> contemporâneo.6. Faz-se, modernamente, também, a correção de algumas distorções <strong>do</strong> principio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Publica, resultantes <strong>do</strong> esquecimento de que sua origemradica na proteção <strong>do</strong>s indivíduos contra o Esta<strong>do</strong>, dentro <strong>do</strong> círculo <strong>da</strong>s conquistasliberais obti<strong>da</strong>s no final <strong>do</strong> século XVIII e início <strong>do</strong> século XIX, e decorrentes, igualmente,<strong>da</strong> ênfase excessiva no interesse <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em manter íntegro e sem lesões o seuordenamento jurídico.A noção <strong>do</strong>utrinariamente reconheci<strong>da</strong> e jurisprudencialmente assente de que aAdministração pode desfazer seus próprios atos, quan<strong>do</strong> nulos, acentua este últimoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>19


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>aspecto, em desfavor <strong>da</strong>s razões que levaram ao surgimento <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,volta<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s para a defesa <strong>do</strong> indivíduo perante o Esta<strong>do</strong>. Serve à concepção de que oEsta<strong>do</strong> tem sempre o poder de anular seus atos ilegais a ver<strong>da</strong>de indiscuti<strong>da</strong> no DireitoPriva<strong>do</strong>, desde o Direito Romano, de que o nulo jamais produz efeitos, convali<strong>da</strong>,convalesce ou sana, sen<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> insuscetível de ratificação. Se assim efetivamente é,então caberá sempre à Administração Pública revisar seus próprios atos, desconstituin<strong>do</strong>osde ofício, quan<strong>do</strong> eiva<strong>do</strong>s de nuli<strong>da</strong>de, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> como sempre será possível,quan<strong>do</strong> váli<strong>do</strong>s, revogá-los, desde que inexista óbice legal e não tenham gera<strong>do</strong> direitossubjetivos.Aos poucos, porém, foi-se insinuan<strong>do</strong> a idéia <strong>da</strong> proteção à boa fé ou <strong>da</strong> proteção àconfiança, a mesma idéia, em suma, de segurança jurídica cristaliza<strong>da</strong> no princípio <strong>da</strong>irretroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis ou no de que são váli<strong>do</strong>s os atos pratica<strong>do</strong>s por funcionários defato, apesar <strong>da</strong> manifesta incompetência <strong>da</strong>s pessoas de que eles emanaram.É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial <strong>da</strong> trajetória estána opinião amplamente divulga<strong>da</strong> na literatura jurídica de expressão alemã <strong>do</strong> início <strong>do</strong>século de que, embora inexistente, na órbita <strong>da</strong> Administração Pública, o princípio <strong>da</strong> resjudicata, a facul<strong>da</strong>de que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite nãoapenas nos Direitos Subjetivos regularmente gera<strong>do</strong>s, mas também no interesse emproteger a boa fé e a confiança (Treue und Glaube) <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s. É o que admiteexpressamente Fritz Fleiner, nas suas Instituições <strong>do</strong> Direito Administrativo Alemão(cuja primeira edição é de 1911), muito embora sem deixar claro se a afirmação feita notexto, de que o administra<strong>do</strong>r não deveria, “por alteração <strong>do</strong> seu ponto de vista jurídico,sem necessi<strong>da</strong>de cogente, declarar inváli<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s de posse <strong>do</strong>s ci<strong>da</strong>dãos, que haviadeixa<strong>do</strong> subsistir sem contestação durante muitos anos”, 17 seria um imperativo ou umasimples recomen<strong>da</strong>ção.Mais incisivo é Walter Jellinek. Dizia ele: “O agente público pode expressamenteratificar um ato defeituoso e renunciar, assim, à facul<strong>da</strong>de de revogá-lo. Pode, também,tacitamente ratificá-lo, pois agiria contra a boa fé se quisesse valer-se <strong>da</strong> irregulari<strong>da</strong>delongamente tolera<strong>da</strong>”. 18 20Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>7. Apesar de Jellinek aludir a revogação (Wiederruf) de atos irregulares, o que hojeseria tecnicamente inaceitável, compreende-se claramente que se cui<strong>da</strong>, na ver<strong>da</strong>de, deanulamento. Entretanto, Jellinek via ain<strong>da</strong> o problema só pelo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Poder Público,salientan<strong>do</strong> apenas a facul<strong>da</strong>de que teria a Administração de renunciar ao poder deanular, se entendesse que é o que melhor consultaria ao interesse público. O anulamentonão seria, pois, um dever, mas um poder e o ato que o decretasse não teria a natureza deato vincula<strong>do</strong>, mas sim de ato facultativo ou discricionário.Foi este, to<strong>da</strong>via, o primeiro degrau para que se atingisse o entendimento de que ainvali<strong>da</strong>de, longamente tolera<strong>da</strong> pela Administração Pública, convali<strong>da</strong>, convalesce ousana, como é indiscrepantemente aceito pela <strong>do</strong>utrina germânica moderna, ten<strong>do</strong> emvista, especialmente, a jurisprudência firma<strong>da</strong> pelos Tribunais alemães, na metade <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 50, que eliminou a facul<strong>da</strong>de de invali<strong>da</strong>r os atos administrativos nulos porilegais, quan<strong>do</strong>, com a prolonga<strong>da</strong> e complacente inação <strong>do</strong> Poder Público, hajamproduzi<strong>do</strong> benefícios e vantagens para os destinatários.Esclarece Otto Bachof que nenhum outro tema despertou maior interesse <strong>do</strong> queeste, nos anos 50, na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio <strong>da</strong>possibili<strong>da</strong>de de anulamento foi substituí<strong>do</strong> pelo <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de anulamento, emhomenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informa ain<strong>da</strong> que a prevalência <strong>do</strong> princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de sobre o <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> confiança só se dá quan<strong>do</strong> a vantagem é obti<strong>da</strong>pelo destinatário por meios ilícitos por ele utiliza<strong>do</strong>s, com culpa sua, ou resulta deprocedimento que gera sua responsabili<strong>da</strong>de. Nesses casos não se pode falar emproteção à confiança <strong>do</strong> favoreci<strong>do</strong>. 19Embora <strong>do</strong> confronto entre os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública eo <strong>da</strong> segurança jurídica resulte que, fora <strong>do</strong>s casos de <strong>do</strong>lo, culpa etc., o anulamento comeficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admiti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>pre<strong>do</strong>minante o interesse público no restabelecimento <strong>da</strong> ordem jurídica feri<strong>da</strong>, éabsolutamente defeso o anulamento quan<strong>do</strong> se trata de atos administrativos queconcedem prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentemcaráter dura<strong>do</strong>uro, como os de ín<strong>do</strong>le social subvenções, pensões ou proventos deaposenta<strong>do</strong>ria. É este, com algumas críticas, formula<strong>da</strong>s pelas autoriza<strong>da</strong>s vozes deEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>21


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Forsthoff e Bachof, o status quaestionis na Alemanha, como se pode ver <strong>do</strong>s manuaismais recentes. 208. Bem mais simples apresenta-se a solução <strong>do</strong>s conflitos entre os princípios <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública e o <strong>da</strong> segurança jurídica no Direito francês. Desde ofamoso affaire Dame Cachet, de 1923, fixou o Conselho de Esta<strong>do</strong> o entendimento, logoreafirma<strong>do</strong> pelos affaires Vailois e Gros de Beler, ambos também de 1923 e pelo affaireDame Inglis, de 1925, de que, de uma parte, a revogação <strong>do</strong>s atos administrativos nãocabia quan<strong>do</strong> existissem Direitos Subjetivos deles provenientes e, de outra, de que osatos macula<strong>do</strong>s de nuli<strong>da</strong>de só poderiam ter seu anulamento decreta<strong>do</strong> pelaAdministração Pública no prazo de <strong>do</strong>is meses, que era o mesmo prazo concedi<strong>do</strong> aosparticulares para postular, em recurso contencioso de anulação, a invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atosadministrativos.Hauriou, comentan<strong>do</strong> essas decisões, as aplaude entusiasticamente, in<strong>da</strong>gan<strong>do</strong>:“Mas será que o poder de desfazimento ou de anulação <strong>da</strong> Administração poderá exercerseindefini<strong>da</strong>mente e em qualquer época? Será que jamais as situações cria<strong>da</strong>s pordecisões desse gênero não se tornarão estáveis? Quantos perigos para a segurança <strong>da</strong>srelações sociais encerram essas possibili<strong>da</strong>des indefini<strong>da</strong>s de revogação e, de outraparte, que incoerência, numa construção jurídica que abre aos terceiros interessa<strong>do</strong>s,para os recursos contenciosos de anulação, um breve prazo de <strong>do</strong>is meses e que deixariaà Administração a possibili<strong>da</strong>de de decretar a anulação de ofício <strong>da</strong> mesma decisão, semlhe impor nenhum prazo.” E conclui: “Assim, to<strong>da</strong>s as nuli<strong>da</strong>des jurídicas <strong>da</strong>s decisõesadministrativas se acharão rapi<strong>da</strong>mente cobertas, seja com relação aos recursoscontenciosos, seja com relação às anulações administrativas; uma atmosfera deestabili<strong>da</strong>de estender-se-á sobre as situações cria<strong>da</strong>s administrativamente”. 21Do affaire Cachet até hoje na<strong>da</strong> se alterou no Direito francês, com referência àrevogação e o anulamento <strong>do</strong>s atos administrativos. Tanto uma quanto outra hipótese sópodem verificar-se no prazo de <strong>do</strong>is meses, que é igual ao <strong>do</strong> recurso contencioso deanulação. Fora desse prazo o ato de anulamento será inváli<strong>do</strong>.Rivero esclarece que a razão disto está em que “a jurisprudência considera asegurança jurídica mais importante <strong>do</strong> que a própria legali<strong>da</strong>de”. 22 CompletamenteEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>22


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>uniformes, sobre este tema, são as opiniões de Laubadere 23 , Francis-Paul Benoit 24 ,George Vedel 25 e Marcel Waline 26 .9. Michel Stassinopoulos, depois de lembrar a orientação vigorante no Direitofrancês, adianta que no Direito Grego vige, igualmente, o princípio que inibe a revogação<strong>do</strong>s atos administrativos que geraram direitos, bem como o que impede o anulamento (elefala, impropriamente, em révocation) <strong>do</strong>s atos administrativos ilegais desde que, naúltima hipótese, a) tenha transcorri<strong>do</strong> razoável lapso de tempo desde sua emissão e, b) obeneficiário encontre-se em boa fé, quer dizer, não haja contribuí<strong>do</strong> para a emissão <strong>do</strong>aludi<strong>do</strong> ato com comportamento fraudulento. A definição <strong>do</strong> que deva entender-se porrazoável lapso de tempo dependerá <strong>da</strong>s condições especiais de ca<strong>da</strong> caso. 2710. No Direito italiano a posição <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina e <strong>da</strong> jurisprudência é mais cautelosa.Aceita-se sem controvérsia que a Administração tem a facul<strong>da</strong>de e não o dever deanular seus atos ilegais, haven<strong>do</strong> situações relevantes em que o interesse público estariaa recomen<strong>da</strong>r o não exercício <strong>da</strong>quela facul<strong>da</strong>de.O ato de anulamento seria, portanto, de natureza discricionária, caben<strong>do</strong> àautori<strong>da</strong>de competente decidir sobre a conveniência e oportuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>. Contu<strong>do</strong>,registra Cinovita que se compreende que um anulamento excessivamente tardio, semforte razão de interesse público, seja defini<strong>do</strong> pela jurisprudência como vicia<strong>do</strong> porexcesso de poder. 28 Umberto Fragola, na sua conheci<strong>da</strong> monografia sobre os atosadministrativos, externa opinião de que “na falta de um prevalente interesse público, ain<strong>da</strong>atual, é melhor manter vivo um ato irregular <strong>do</strong> que anulá-lo, desconsideran<strong>do</strong>, semrazões plausíveis, situações consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s no tempo, interesses particulares e, por vezes,o próprio interesse público”. 29Mais peremptório é Al<strong>do</strong> Sandulli, ao afirmar que o ordenamento jurídico italiano“não fixa limite de tempo para o anulamento de ofício <strong>do</strong>s atos administrativos inváli<strong>do</strong>s.Contu<strong>do</strong>, na aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de certeza <strong>da</strong>s situações jurídicas,admite-se — seja na <strong>do</strong>utrina, seja na jurisprudência — que não são mais anuláveis osatos que, embora inváli<strong>do</strong>s, hajam irradia<strong>do</strong> incontesta<strong>da</strong>mente os seus efeitos por umperío<strong>do</strong> de tempo adequa<strong>da</strong>mente longo, o que é de ponderar-se caso a caso e emcorrelação com o interesse público”. 30 23Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>11. Em Portugal, a jurisprudência igualmente reconhece o valor <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>segurança jurídica, sobrepon<strong>do</strong>-o ao <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, até mesmotratan<strong>do</strong>-se de ato jurídico inexistente e não apenas nulo, ain<strong>da</strong> que, como observaMarcelo Caetano, tão-somente em hipóteses vincula<strong>da</strong>s com a relação de empregopúblico: “Se um indivíduo é investi<strong>do</strong> na situação de agente (funcionário ou não) por umato feri<strong>do</strong> de simples nuli<strong>da</strong>de, a lei determina que decorri<strong>do</strong> o prazo em que era possívelo recurso contencioso desse ato, sem que alguém o interpusesse, caduca o direito àimpugnação e fica sana<strong>do</strong> o vício <strong>do</strong> ato. Mas se a investidura resulta de atojuridicamente inexistente pode a to<strong>do</strong> o tempo pedir-se aos tribunais ou a outrasautori<strong>da</strong>des competentes a verificação <strong>da</strong> incompetência. Ora, neste último caso ajurisprudência entende que a situação de fato <strong>do</strong> indivíduo, pública, pacífica eplausivelmente reputa<strong>do</strong> como agente administrativo durante largo lapso de tempo, criaao interessa<strong>do</strong> o direito a ser manti<strong>do</strong> no cargo que ocupava. Não se trata de sanar umato por natureza insanável, mas sim de atribuir efeitos ao tempo decorri<strong>do</strong>”. 3112. Antes de examinar o problema no Direito brasileiro, creio ser interessanteverificar como se soluciona a antinomia entre o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e o <strong>da</strong> proteção àboa fé num outro sistema jurídico, o <strong>da</strong> Common Law, toman<strong>do</strong> como termo decomparação o Direito norte-americano. A pesquisa de Direito Compara<strong>do</strong>, feita até aqui,situou-se exclusivamente no campo <strong>do</strong> Direito Administrativo. Subimos, agora, para oDireito Constitucional, para sinalar que até mesmo o princípio <strong>da</strong> eficácia ex tunc <strong>da</strong>declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis — tão fun<strong>da</strong>mente enraiza<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>spovos que seguem a técnica <strong>do</strong> judicial review <strong>do</strong> Direito norte-americano, desde osescritos de Alexandre Hamilton, no <strong>Federal</strong>ist, e <strong>da</strong> poderosa voz de Marshall, no casoMarbury V. Madison — sofre hoje atenuações ao confrontar-se com situações forma<strong>da</strong>s econsistentemente defini<strong>da</strong>s sob a égide <strong>da</strong> lei que se considerou, mais tarde, incompatívelcom a Constituição.Prevalece atualmente o entendimento, nessas hipóteses excepcionais, que se taissituações produziram vantagens para os particulares, prolongan<strong>do</strong>-se no tempo atéassumir a feição de benefícios dura<strong>do</strong>uramente incorpora<strong>do</strong>s ao patrimônio jurídico <strong>do</strong>sindivíduos, seria iníquo que a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de as atingisse, tratan<strong>do</strong>ascomo se nunca tivesse existi<strong>do</strong>. Mauro Cappelletti, na esplêndi<strong>da</strong> monografia queEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>24


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>escreveu sobre O Controle Judicial de Constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Leis no DireitoCompara<strong>do</strong>, recentemente traduzi<strong>da</strong> no Brasil, 32aponta como uma <strong>da</strong>s principaisdiferenças entre os sistemas de inspiração norte-americana que ele denomina de controledifuso <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis (o nome prende-se à circunstância de que cabe aqualquer juiz pronunciar-se sobre a conformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei com a constituição), e ossistemas que ele designa como de controle concentra<strong>do</strong> (porque a competência paraexaminar a constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis é privativa de um determina<strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>,geralmente a Corte Constitucional, à mo<strong>da</strong> austríaca) consiste em que, no primeiro, asentença que afirma a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei é meramente declaratória e,conseqüentemente, a eficácia <strong>da</strong> decisão é ex tunc, ao passo que, no segun<strong>do</strong>, asentença tem força constitutiva negativa e seus efeitos são ex nunc. Nos sistemasconcentra<strong>do</strong>s, a lei, mesmo em dissintonia com a Constituição, enquanto essadesarmonia não é proclama<strong>da</strong> pelo tribunal competente, existe e produz efeitos. Asentença somente impede que se formem efeitos futuros, deixan<strong>do</strong> porém inapaga<strong>do</strong>s,pelo menos em princípio, os gera<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong>. 33 Observa Cappelletti, to<strong>da</strong>via, quemesmo nos sistemas de controle difuso é hoje admiti<strong>do</strong> que se tenham de resguar<strong>da</strong>rcertas situações em que a noção de justiça material sairia seriamente arranha<strong>da</strong> se oprincípio <strong>da</strong> eficácia ex tunc fosse sempre aplica<strong>do</strong> de maneira invariável, sem atentarpara as peculiari<strong>da</strong>des e as circunstâncias de ca<strong>da</strong> caso.É o que exprimiu a Suprema Corte americana ao sentenciar que “nem sempre opassa<strong>do</strong> pode ser apaga<strong>do</strong> por uma nova declaração judicial. Estas questões situam-seentre as mais difíceis <strong>da</strong>s que atraíram a atenção <strong>da</strong>s cortes, estadual e federal e resultamanifesta de numerosas decisões que a afirmação inteiramente abrangente <strong>do</strong> princípiode uma invali<strong>da</strong>de absolutamente retroativa não pode ser justifica<strong>da</strong>”. 34A orientação tradicional, como atesta o magnífico repositório <strong>do</strong> Direito norteamericano,que é o Corpus Juris Secundum, é a de que “uma decisão de um <strong>Tribunal</strong>competente no senti<strong>do</strong> de que uma lei é inconstitucional tem o efeito de tornar essa leinull and void; o ato, sob o ponto de vista legal, é tão inoperante como se nunca tivessesi<strong>do</strong> exara<strong>do</strong> ou como se nunca tivesse si<strong>do</strong> escrito, é ti<strong>do</strong> como inváli<strong>do</strong> ou írrito, desde a<strong>da</strong>ta de sua emissão, e não apenas <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta na qual foi declara<strong>do</strong> inconstitucional”.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>25


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Mas logo adiante registra a orientação mais recente, referin<strong>do</strong> numerosas decisõesque têm aprecia<strong>do</strong> a questão: “De outro la<strong>do</strong>, tem si<strong>do</strong> sustenta<strong>do</strong> que esta regra geralnão é universalmente ver<strong>da</strong>deira ou nem sempre absolutamente ver<strong>da</strong>deira; quecomporta muitas exceções; que é afeta<strong>da</strong> por muitas considerações; que uma visãorealista tem erodi<strong>do</strong> essa <strong>do</strong>utrina; que tão amplo princípio deve ser entendi<strong>do</strong> comotemperamentos e que mesmo uma lei inconstitucional é um fato operativo, pelo menosantes <strong>da</strong> declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de e que deve ter conseqüências as quais nãopodem ser ignora<strong>da</strong>s”. 35Cresce de ponto o significa<strong>do</strong> <strong>da</strong> penetração <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica noDireito norte-americano, em tema de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis, quan<strong>do</strong> é sabi<strong>do</strong> quelá prepondera, em matéria de efeito retro-operante <strong>da</strong>s decisões <strong>do</strong>s Tribunais, a ficçãoenuncia<strong>da</strong> por Blackstone, segun<strong>do</strong> a qual o juiz não faz outra coisa senão exprimir aver<strong>da</strong>deira regra jurídica tal como sempre existiu, desde as suas origens, mas quetemporariamente não se havia reconheci<strong>do</strong>. 3613. No Brasil, a <strong>do</strong>utrina, salvo poucas exceções, como se verá, tem silencia<strong>do</strong>sobre o deslinde a ser <strong>da</strong><strong>do</strong> a situações irregulares, nasci<strong>da</strong>s de atos administrativosinváli<strong>do</strong>s, mas que são, por considerável lapso de tempo, tolera<strong>da</strong>s pela AdministraçãoPública.Seabra Fagundes parece ter si<strong>do</strong> o primeiro a aperceber-se <strong>do</strong> problema, quan<strong>do</strong>assim escreveu no seu O Controle <strong>do</strong>s Atos Administrativos pelo Poder Judiciário,ao tratar de estabelecer o cotejo entre a invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos jurídicos no Direito Priva<strong>do</strong> eno Direito Público: “A infringência legal no ato administrativo, se considera<strong>da</strong>abstratamente, aparecerá sempre como prejudicial ao interesse público. Mas, por outrola<strong>do</strong>, vista em face de algum <strong>da</strong><strong>do</strong> concreto pode acontecer que a situação resulte <strong>do</strong> ato,embora nasci<strong>da</strong> irregularmente, torne-se útil àquele mesmo interesse. Também asnumerosas situações alcança<strong>da</strong>s e beneficia<strong>da</strong>s pelo ato vicioso podem aconselhar asubsistência <strong>do</strong>s seus efeitos”. 37Nessas situações, segun<strong>do</strong> o mesmo autor, duas alternativas poderiam abrir-se aoadministra<strong>do</strong>r, conforme as circunstâncias: praticar novo ato, sem as deficiências <strong>do</strong>anterior, ou manter-se em silêncio, “renuncian<strong>do</strong> tacitamente ao direito de invalidá-lo”. 38Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>26


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>O problema é visto, aí, como facul<strong>da</strong>de e não dever, que tem a Administração dedecretar o anulamento de seus atos administrativos inváli<strong>do</strong>s, facul<strong>da</strong>de a qual poderenunciar, repetin<strong>do</strong> o ato, quan<strong>do</strong> isto é possível, sem os vícios que apresentava ou pelaratificação tácita, a que também se reportara Jellinek, no Direito alemão. Não cogitaraSeabra Fagundes, ain<strong>da</strong>, <strong>da</strong> sanatória <strong>do</strong> nulo, pelo transcurso <strong>do</strong> tempo conjuga<strong>do</strong> àcomplacência <strong>do</strong> Poder Público, o que <strong>da</strong>ria ao destinatário, eventualmente atingi<strong>do</strong> peloanulamento tardio, o Direito Subjetivo de rebelar-se contra esta última medi<strong>da</strong>, pois seupressuposto, ou seja, a invali<strong>da</strong>de, não mais existia.José Frederico Marques, em artigo in O Esta<strong>do</strong> de São Paulo, em 1964, e referi<strong>do</strong>por Miguel Reale no seu primoroso livro sobre Revogação e Anulamento <strong>do</strong> AtoAdministrativo 39 sustentou que o exercício <strong>do</strong> poder anulatório, que cabe àAdministração Pública, está sujeito a um prazo razoável, como exigência implícita no dueprocess of law. Explica Reale, comentan<strong>do</strong> a posição de José Frederico Marques, “quehaverá infração desse ditame fun<strong>da</strong>mental to<strong>da</strong> a vez que, na prática <strong>do</strong> atoadministrativo, for preteri<strong>do</strong> algum <strong>do</strong>s momentos essenciais a sua ocorrência; foramdestruí<strong>da</strong>s, sem motivo plausível, situações de fato, cuja continui<strong>da</strong>de sejaeconomicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notasdistintas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social tipicamente configura<strong>da</strong> em lei”. 40 Propunha José FredericoMarques que, no Brasil, a<strong>da</strong>ptan<strong>do</strong>-se à nossa reali<strong>da</strong>de a solução que o Conselho deEsta<strong>do</strong> deu ao caso Cachet, no Direito francês, o prazo concedi<strong>do</strong> ao Poder Público paraanular seus atos fosse idêntico ao fixa<strong>do</strong> em lei para a impetração <strong>do</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> desegurança: 120 dias. Reale, ao meu ver com inteiro acerto, critica a a<strong>do</strong>ção de um prazorígi<strong>do</strong>, julgan<strong>do</strong> mais prudente verificar, concretamente, em ca<strong>da</strong> caso, se o tempotranscorri<strong>do</strong> seria ou não de molde a impedir o anulamento. Miguel Reale é o único <strong>do</strong>snossos autores que analisa com profundi<strong>da</strong>de o tema, no seu menciona<strong>do</strong> Revogação eAnulamento <strong>do</strong> Ato Administrativo em capítulo que tem por título “Nuli<strong>da</strong>de eTemporali<strong>da</strong>de”. Depois de salientar que “o tempo transcorri<strong>do</strong> pode gerar situações defato equiparáveis a situações jurídicas, não obstante a nuli<strong>da</strong>de que originariamente ascomprometia”, diz ele que “é mister distinguir duas hipóteses: a) a de convali<strong>da</strong>ção ousanatória <strong>do</strong> ato nulo e anulável; b) a per<strong>da</strong> pela administração <strong>do</strong> benefício <strong>da</strong>declaração unilateral de nuli<strong>da</strong>de (le bénefice du préalable)”. 41 27Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Creio, no entanto, que essas duas hipóteses são como <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s de uma mesmamoe<strong>da</strong>. Ao <strong>da</strong>r-se a convali<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> inváli<strong>do</strong>, opera-se ipso facto, a preclusão <strong>do</strong> direitoa decretar o anulamento, ou como diz Reale, a perempção de seu poder — dever depoliciamento <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de 42 . Uma coisa está indissoluvelmente liga<strong>da</strong> à outra.O que é importante salientar é que há substancial diferença entre a teoria <strong>da</strong>invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos e a <strong>do</strong>s atos jurídicos <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong>. A aplicaçãode conceitos, noções e critérios privatísticos ao Direito Público tem, de regra, maisdificulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> que auxilia<strong>do</strong> o progresso <strong>da</strong> ciência. A supremacia <strong>do</strong> interesse públicoimpõe divergências substanciais no tratamento <strong>da</strong> invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos <strong>do</strong>dispensa<strong>do</strong> aos atos jurídicos de Direito Priva<strong>do</strong>. Enquanto neste o nulo não convalesce enem convali<strong>da</strong>, constituin<strong>do</strong>, entre nós, talvez a única exceção ao princípio milenar asanatória <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> casamento contraí<strong>do</strong> em boa fé perante autori<strong>da</strong>deincompetente, os atos administrativos inváli<strong>do</strong>s, nulos ou anuláveis sanam sempre quesobre eles cair uma cama<strong>da</strong> razoável de tempo, com a tolerância <strong>da</strong> AdministraçãoPública.É o que afirmava José Neri <strong>da</strong> Silveira, em 1965, quan<strong>do</strong> Consultor-Geral <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, em parecer, no qual examinou precisamente apossibili<strong>da</strong>de de anulamento de atos administrativos há muito pratica<strong>do</strong>s e emconformi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong>, com jurisprudência administrativa então <strong>do</strong>minante: “...se é certo,em princípio, que não há direito contra a lei e que a administração pode anular os seusatos com infrações a dispositivos legais, consoante ficou largamente analisa<strong>do</strong> acima(itens 38 e 39), não menos exato é que a ativi<strong>da</strong>de administrativa possui, em seu favor,uma presunção de legitimi<strong>da</strong>de, e ca<strong>da</strong> ato <strong>do</strong> Poder Público, oriun<strong>do</strong> de autori<strong>da</strong>decompetente, há de ter-se, em princípio, como váli<strong>do</strong>, perante os ci<strong>da</strong>dãos, máximequan<strong>do</strong>, por estes aceito, produza conseqüências de direito, em prol <strong>do</strong>s mesmos, deforma pacífica, iterativamente, no decurso de muitos anos, com inquestiona<strong>da</strong> aparênciade regulari<strong>da</strong>de”. 4314. Nesse Parecer lembrava José Neri <strong>da</strong> Silveira a opinião <strong>do</strong> Ministro OrozimboNonato, expressa em voto no Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, nos seguintes termos: “O que segeralmente aceita é que o ato nasci<strong>do</strong> <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de, revogável se mostra pelaEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>28


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>administração ou por ela é anulável. Mas, se o ato tem aparência regular e originou direitosubjetivo, não pode a revogação ter efeitos”. 44Depois disso, no entanto, a jurisprudência <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>consoli<strong>do</strong>u-se em favor <strong>da</strong> preponderância <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> AdministraçãoPública sobre o <strong>da</strong> segurança jurídica, cristaliza<strong>do</strong> na conheci<strong>da</strong> Súmula 473, com esteenuncia<strong>do</strong>: “A administração pode anular seus próprios atos, quan<strong>do</strong> eiva<strong>do</strong>s de víciosque os tornam ilegais, por que deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivode conveniência ou oportuni<strong>da</strong>de, respeita<strong>do</strong>s os direitos adquiri<strong>do</strong>s, e ressalva<strong>da</strong>, emto<strong>do</strong>s os casos, a apreciação judicial”.Bem se vê que a facul<strong>da</strong>de de anulamento <strong>do</strong>s atos administrativos inváli<strong>do</strong>s porilegais não comporta, nos termos desta Súmula, como também na de n.° 346 (“AAdministração Publica pode declarar a nuli<strong>da</strong>de de seus próprios atos”) qualquer exceção.Pronunciamentos isola<strong>do</strong>s <strong>do</strong> STF foram modifican<strong>do</strong> essa posição extremamenteconserva<strong>do</strong>ra e que se poderia qualificar até mesmo de atrasa<strong>da</strong>, se posta em confrontocom as a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>s em outros países. Assim é que no RMS 13.807, <strong>da</strong> Guanabara (RTJ37/248), a 3• Turma <strong>do</strong> STF (decidin<strong>do</strong> caso relaciona<strong>do</strong> com situação de aluno que seformou e passou a exercer profissão ampara<strong>do</strong> em medi<strong>da</strong> liminar em man<strong>da</strong><strong>do</strong> desegurança, depois revoga<strong>da</strong> na sentença), guia<strong>da</strong> pelo voto <strong>do</strong> Min. Pra<strong>do</strong> Kelly,entendeu que a liminar dera causa a uma situação de fato e de direito que não conviriafosse inova<strong>da</strong>. Não era isso outra coisa <strong>do</strong> que o reconhecimento <strong>da</strong> sanatória <strong>do</strong> nulo.No RMS 17.144, <strong>da</strong> Guanabara (RTJ 45/589), reiterou-se, em caso semelhante aoanterior, a mesma orientação.Mas o leading case nessa matéria é o aprecia<strong>do</strong> pela 1 a . Turma <strong>do</strong> STF no RE85.179, <strong>do</strong> Rio de Janeiro, Rel. o Min. Bilac Pinto.Nesse acórdão, que também trata, como os anteriores, de efeitos gera<strong>do</strong>s pormedi<strong>da</strong> liminar em man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança, são invoca<strong>do</strong>s os precedentesjurisprudenciais aqui já referi<strong>do</strong>s e a lição de Miguel Reale, também já exposta, paraafirmar-se, em conclusão a impossibili<strong>da</strong>de de tardio desfazimento <strong>do</strong> ato administrativo,“já cria<strong>da</strong> situação de fato e de direito, que o tempo consoli<strong>do</strong>u”, como se lê na ementa.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>29


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>15. Finalizan<strong>do</strong> e em síntese: os atos inváli<strong>do</strong>s pratica<strong>do</strong>s pela AdministraçãoPública, quan<strong>do</strong> permanecem por largo tempo, com a tolerância <strong>do</strong> Poder Público, <strong>da</strong>n<strong>do</strong>causa a situações perfeitamente consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s, benefician<strong>do</strong> particulares que estão emboa fé, convali<strong>da</strong>m, convalescem ou sanam. Diante <strong>do</strong> ato inváli<strong>do</strong> no nosso sistemajurídico, não me parece que tenha a Administração Pública, de regra, como é afirma<strong>do</strong> na<strong>do</strong>utrina, o poder e não o dever de anular o ato. O anulamento não é uma facul<strong>da</strong>de,mas algo que resulta imperativamente <strong>do</strong> ordenamento jurídico. Tanto isso é certo que, se<strong>do</strong> ato inváli<strong>do</strong> resultou prejuízo para o patrimônio ou para os cofres públicos, comoordinariamente sucede, pode a autori<strong>da</strong>de que o praticou vir a ser responsabiliza<strong>da</strong> pelavia <strong>da</strong> ação popular. Se o ato de anulamento fosse facultativo ou discricionário, essaconseqüência jamais poderia produzir-se.É importante que se deixe bem claro, entretanto, que o dever (e não o poder) deanular os atos administrativos inváli<strong>do</strong>s só existe, quan<strong>do</strong> no confronto entre o princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e o <strong>da</strong> segurança jurídica o interesse-público recomende que aquele sejaaplica<strong>do</strong> e este não. To<strong>da</strong>via, se a hipótese inversa verificar-se, isto é, se o interessepúblico maior for de que o princípio aplicável é o <strong>da</strong> segurança jurídica e não o <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública, então a autori<strong>da</strong>de competente terá o dever (e não opoder) de não anular, porque se deu a sanatória <strong>do</strong> inváli<strong>do</strong>, pela conjunção <strong>da</strong> boa fé <strong>do</strong>sinteressa<strong>do</strong>s com a tolerância <strong>da</strong> Administração, e com o razoável lapso de tempotranscorri<strong>do</strong>. Deixan<strong>do</strong> o ato de ser inváli<strong>do</strong>, e dele haven<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> benefícios evantagens para os destinatários, não poderá ser mais anula<strong>do</strong>, porque, para isso, faltaprecisamente o pressuposto <strong>da</strong> invali<strong>da</strong>de. E nem poderá, igualmente, ser revoga<strong>do</strong>,porque gerou Direitos Subjetivos.A dificul<strong>da</strong>de no desempenho <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de jurídica consiste muitas vezes em sabero exato ponto em que certos princípios deixam de ser aplicáveis, ceden<strong>do</strong> lugar a outros.Não são raras as ocasiões em que, por essa ignorância, as soluções propostas paraproblemas jurídicos têm, como diz Bernard Schwartz, “to<strong>da</strong> a beleza <strong>da</strong> lógica e to<strong>da</strong> ahediondez <strong>da</strong> iniqüi<strong>da</strong>de”. 45A Administração Pública brasileira, na quase generali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s casos, aplica oprincípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, esquecen<strong>do</strong>-se completamente <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>30


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>A <strong>do</strong>utrina e jurisprudência nacionais, com as ressalvas aponta<strong>da</strong>s, têm si<strong>do</strong> muitotími<strong>da</strong>s na afirmação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica.Ao <strong>da</strong>r-se ênfase excessiva ao princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública eao aplicá-lo a situações em que o interesse público estava a indicar que não era aplicável,desfigura-se o Esta<strong>do</strong> de Direito, pois se lhe tira um <strong>do</strong>s seus mais fortes pilares desustentação, que é o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, e acaba-se por negar justiça.Este trabalho não tem outro objetivo senão o de, modestamente, contribuir paraque a injustiça não continue a ser feita em nome <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de.NOTAS1. Norbert Achterberg, Allgemeines Verwaltungsrecht, C. F. Müller, Heidelberg,1982, pp. 73 e 77; Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrecht derBundesrepublik Deutschlands, C. F. Müller, Karlsruhe, 1975, p. 79.2. Norbert Achterberg, ob. cit.,. p. 74.3. Hans Welzel, Derecho Natural y Justicia Material, Aguilar, Madrid, 1957, p.149; Carl Schmitt, Verfassungslehre, von Duncker & Humblot, Berlin, 1928, p. 140.4. L’Esprit des Lois, Livro XI, 6.5. Cap. XXVII; Adriano Cavanna, Storia del Diritto Moderno In Europa, Giuffrè,1979, p. 334.6. Deutsches Verwaltungsrecht, von Duncker & Humblot, Berlin, 1895, vol. 1, pp.68 e ss.7. Le Contrat Social, Livro 1, Capítulo VI. Sobre o conceito de lei em Rousseau,veja-se Carré de Malberg, Contribuition à la Thèorie Générale de l’État, Sirey, Paris,1920, vol. I, p. 290.8. Staatsrecht, 1 a . ed., vol. I, pp. 386 e ss.; Otto Mayer, ob. cit., vol. I, pp. 102 e ss.9. Ob. cit., vol. II, p. 181.10. Dietrich Jesch, Ley y Administración, Instituto de Estudios, Administrativos,Madrid, 1978, p. 17.11. Isso verifica-se até mesmo nos países de mais arraiga<strong>da</strong> tradição liberal, comoos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Sobre este ponto, Bernard Schwartz, Administrative Law, Boston,1976, p. 6.12. L’Esprit des Lois, Livro XI, Capítulo 6.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>31


p. 9;Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________13: Verwaltungsrecht, C. H. Beck, München, 1974, vol. 1, p. 108.14. Dietrich Jesch, ob. cit., pp. 224 e ss.15. Ob. cit., p. 138.16. Ernst Forsthoff, Lehrbuch des Verwaltungsrecht, C. A. Beck, München, 1973,Karl Zeidier, Massnahmegesetz und Klassisches Gesetz, C. F. Müller, Karlsruhe,1961, pp. 3 e ss.17. Institutionen des Deutschen Verwaltungsrecht, 8 a . ed., Tübingen, 1928, §13, p.201, nota 62.18. Verwaltungsrecht, Berlin, 1929, § 11, IV.19. Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in derRechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen, 1966, 3. Auflage. vol. 1,pp. 257 e ss.; vol. II, 1967, pp. 339 e ss.20. Norbert Achterberg, ob. cit., p. 469; Paul Badura, Erichsen e Martens,Allgemeines Verwaltungsrecht, de Gruyter, 1981, vol. I, pp. 226 e ss.; Hartmut Maurer,Allgemeines Verwaltungsrecht, 1982, pp. 212-13.105-6.21. La Jurisprudence Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II, pp.22. Droit Administratif, Dalloz, 1973, p. 103.23. Traité de Droit Administratif, Paris, 1976, vol. 1, p. 339.24. Droit Administratif, Dalloz, 1968, p. 568.25. Droit Administratif, PUF, 1973, p. 199.26. Précis de Droit Administratif, Paris, 1969, vol. 1, pp. 387-8.27. Traité des Actes Administratifs, Athènes, 1954, pp. 256 e ss.28. Diritto Amministrativo, 1962, Torino, vol. I, pp. 488-9.29. Gli Atti Amministrativi, Napoli, 1964, p. 195.30. Manuale di Diritto Amministrativo, Napoli, 1974, pp. 491 e 507.31. Manual de Direito Administrativo, Rio, Forense. 1970, p. 383.32. Sérgio Antônio Fabris, Editor, Porto Alegre, 1984.33. Ob. cit., p. 115 e ss.34. No original: “The past cannot always be erased by a new judicial declaration...These questions are among the most difficult of those which have engaged the attention ofcourts, state and federal, and it is manifest from numerous decisions that an all inclusiveEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>32


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________statement of a principle of absolute retroactive invalidity cannot be justified” — cf. MauroCappelletti, ob. cit., p. 123.35. Vol. 16, § 101, pp. 472-3.36. Cf. Paul Roubier, Le Droit Transitoire, Dalloz, 1960, p. 28; André Tunc eSuzane Tunc, no Derecho de los Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s de America, México, 1957, pp. 344 ess., mostram as numerosas exceções que foram sen<strong>do</strong> abertas à regra <strong>da</strong> irretroativi<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças jurisprudenciais. Não é aqui, porém, a ocasião de aprofun<strong>da</strong>r este assunto.37. O Controle <strong>do</strong>s Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, Konfino, Rio,1950, pp. 60-1.38.Ob. cit., p. 61, nota 6.39.Forense, Rio, 1968.40.Ob. cit., p. 85.41.Oh. cit., p. 82.42.Ob. cit., p. 84.43.Parecer, in DOE <strong>do</strong> RS., de 24.9.65.44.RDA, 52/246.45.Ob. cit., p. 134.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>33


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>34


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA (PROTEÇÃO À CONFIANÇA)NO DIREITO PÚBLICO BRASILEIRO E O DIREITO DA ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA DE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS ADMINISTRATIVOS: O PRAZODECADENCIAL DO ART. 54 DA LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DAUNIÃO (Lei n° 9.784/99)** in Revista Brasileiro de Direito Público – RBDP,Belo Horizonte, ano 2, n. 6, jul/set.2004<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Professor <strong>do</strong> Curso de Pós-Graduaçãoem Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul, BrasilI Introdução1. Este estu<strong>do</strong> tem o propósito de analisar o status quaestionis <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>segurança jurídica, entendi<strong>do</strong> como princípio <strong>da</strong> proteção à confiança, no direito brasileirocontemporâneo. Parte <strong>da</strong>s distinções entre boa-fé, segurança jurídica e proteção àconfiança (II), para, após, descrever a gênese e desenvolvimento <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> proteçãoà confiança no direito compara<strong>do</strong>, especialmente no direito alemão e europeu (III), atéchegar ao reconhecimento e a afirmação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, na vertente<strong>da</strong> proteção à confiança, como princípio constitucional no direito brasileiro, e mostrar suaimportância no Direito Administrativo, especificamente no que concerne à manutenção deatos inváli<strong>do</strong>s, vicia<strong>do</strong>s por ilegali<strong>da</strong>de e inconstitucionali<strong>da</strong>de (IV). Quanto a este últimoponto, o tema ganhou uma nova dimensão no Brasil com a edição <strong>da</strong> Lei de ProcessoAdministrativo <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong> (Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999) – de cujaComissão elabora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> anteprojeto, presidi<strong>da</strong> pelo Prof. Caio Tácito, tivemos a honrade participar 1 –, muito particularmente em virtude <strong>da</strong> inserção em seu texto, no art. 54, de1 A Comissão era constituí<strong>da</strong>, além <strong>do</strong> Prof. Caio Tácito, seu Presidente, pelos Professores Odete Me<strong>da</strong>uar (relatora),Maria Sylvia Zanella di Pietro, Inocêncio Mártires Coelho, Diogo de Figueire<strong>do</strong> Moreira Netto, <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e<strong>Silva</strong>, Adilson Abreu Dallari, José Joaquim Calmon de Passos, Paulo Modesto e Carmen Lúcia Antunes Rocha. OEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>35


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>regra que disciplina a decadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong> de anularseus atos administrativos. Tal preceito foi objeto de exame mais minucioso (V), em que seprocurou <strong>da</strong>r resposta às principais questões que a aplicação <strong>do</strong> dispositivo temsuscita<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong> na esfera <strong>da</strong> Administração Pública e nas decisões <strong>do</strong> PoderJudiciário. Depois, são trata<strong>do</strong>s três temas gerais, relaciona<strong>do</strong>s com a segurança jurídica,para além <strong>da</strong> órbita <strong>da</strong> Lei <strong>do</strong> Processo Administrativo <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong>. São eles ospertinentes à vigência <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica no direito administrativo <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s e Municípios (VI), à segurança jurídica e os atos administrativos quecaracterizem improbi<strong>da</strong>de administrativa e impliquem prejuízo para o erário público (VII) eà segurança jurídica e os atos administrativos exara<strong>do</strong>s em conformi<strong>da</strong>de com leideclara<strong>da</strong> inconstitucional (VIII). Por último, foram sintetiza<strong>da</strong>s as principais conclusões(IX).Espero que estas reflexões, que mereceriam certamente tratamento mais extenso,possam contribuir, mesmo assim, ain<strong>da</strong> que muito modestamente, para algumaprimoramento <strong>da</strong> “ars iudicandi” e <strong>da</strong> prática administrativa no Brasil.II Considerações preliminares: algumas precisões terminológicas. Boa-fé,segurança jurídica, proteção à confiança.2. Por vezes encontramos, em obras contemporâneas de Direito Público,referências a “boa-fé”, “segurança jurídica”, “proteção à confiança” como se fossemconceitos intercambiáveis ou expressões sinônimas. Não é assim ou não é mais assim.Por certo, boa-fé, segurança jurídica e proteção à confiança são idéias que pertencem àmesma constelação de valores. Contu<strong>do</strong>, no curso <strong>do</strong> tempo, foram se particularizan<strong>do</strong> eganhan<strong>do</strong> nuances que de algum mo<strong>do</strong> as diferenciam, sem que, no entanto, umas seafastem completamente <strong>da</strong>s outras.3. A boa-fé é noção que, desde o mun<strong>do</strong> romano, se firmou pre<strong>do</strong>minantemente nodireito priva<strong>do</strong>, quer no senti<strong>do</strong> subjetivo, tal como aparece, por exemplo, na posse adusucapionem, quer no senti<strong>do</strong> objetivo, que começa a ser modela<strong>do</strong> nas actiones bonaeprojeto de lei, que acolheu o anteprojeto na sua integrali<strong>da</strong>de, também foi aprova<strong>do</strong> sem alterações pelo CongressoNacional.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>36


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>fidei, e que diz respeito à leal<strong>da</strong>de, correção e lisura <strong>do</strong> comportamento <strong>da</strong>s partesreciprocamente. Nessa segun<strong>da</strong> acepção, de boa-fé objetiva, foi ela recebi<strong>da</strong> no CódigoCivil Alemão, nota<strong>da</strong>mente nos famosos §§242 e 157, o que abriu caminho para queoutros códigos civis igualmente a acolhessem, como dá testemunho, por último, o novoCódigo Civil Brasileiro, nos arts. 113 e 422. 2Conquanto a boa-fé objetiva tenha um relevo maior no campo <strong>do</strong> direito <strong>da</strong>sobrigações, especialmente em razão <strong>do</strong> vasto espectro de “deveres anexos” que a ela sevinculam e <strong>do</strong> papel que desempenha como base teórica <strong>da</strong> “culpa in contrahen<strong>do</strong>”, <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong>de pré e pós-negocial, é irrecusável, modernamente, sua importância emto<strong>do</strong> o território <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>.Mas não só; sua influência estende-se também ao direito público, poden<strong>do</strong> serpercebi<strong>da</strong> muito marca<strong>da</strong>mente nos contratos administrativos e na responsabili<strong>da</strong>de prénegocial3 <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Pois é substancialmente essa mesma concepção de que, nas relações jurídicas, aspartes nelas envolvi<strong>da</strong>s devem proceder corretamente, com leal<strong>da</strong>de e lisura, emconformi<strong>da</strong>de com o que se comprometeram e com a palavra empenha<strong>da</strong> (a fides comofit quod dicitur <strong>da</strong> definição ciceroniana 4 ) que, em última análise, dá conteú<strong>do</strong> ao princípio<strong>da</strong> segurança jurídica, pelo qual, nos vínculos entre o Esta<strong>do</strong> e os indivíduos, se assegurauma certa previsibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação estatal, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que se garante o respeitopelas situações constituí<strong>da</strong>s em consonância com as normas impostas ou reconheci<strong>da</strong>spelo poder público, de mo<strong>do</strong> a assegurar a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações jurídicas e uma certacoerência na conduta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 52 A respeito <strong>da</strong> boa-fé no Direito Civil, Clóvis V. <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>, A Obrigação como Processo, Porto Alegre, Sulina,1964; Antônio Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1984; vols, I e II, e Judith Martins-Costa, A Boa-Fé no Direito Priva<strong>do</strong>, São Paulo, RT, 1999.3 Cf. nosso artigo A Responsabili<strong>da</strong>de Pré-Negocial no Direito Administrativo Brasileiro, RDA, nº 217, 1999, p.163-171.4 De Officiis, 1.7.23, De Re Publica, IV. 7: “Fun<strong>da</strong>mentum autem justitiae est fides, id est dictorum conventorumqueconstatia et veritas”.5 Convém recor<strong>da</strong>r aqui as palavras de Jesus Gonzalez Perez no seu clássico estu<strong>do</strong> El Princípio General de la BuenaFé en el Derecho Administrativo, Madrid, Civitas, 1989, p. 89: “Administración pública y administra<strong>do</strong> han de a<strong>do</strong>ptarun comportamiento leal en to<strong>da</strong>s las fases de constitución de las relaciones hasta el perfeccionamiento del acto que lasdé vi<strong>da</strong> y en las relaciones frente a los possibles defectos del acto. Han de a<strong>do</strong>ptar un comportamiento leal e eldesenvolvimiento de las relaciones en las direcciones en que se manifesten derechos y deberes. Y han de comportarselealmente en el momento de extinción: al exercer las potestades de revisión y anulación y al soportar los efectos de laextinción, así como en el ejercicio de las acciones ante la Jurisdicción contencioso-administrativa”.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>37


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>No entanto, embora as íntimas conexões existentes entre boa-fé e segurançajurídica, no esta<strong>do</strong> atual <strong>da</strong> ciência jurídica chegou-se a uma relativa separação dessesconceitos.4. A segurança jurídica é entendi<strong>da</strong> como sen<strong>do</strong> um conceito ou um princípiojurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de naturezasubjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão <strong>do</strong>s limitesà retroativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> até mesmo quan<strong>do</strong> estes se qualifiquem como atoslegislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquiri<strong>do</strong>, ao ato jurídico perfeitoe à coisa julga<strong>da</strong>. Diferentemente <strong>do</strong> que acontece em outros países cujos ordenamentosjurídicos freqüentemente têm servi<strong>do</strong> de inspiração ao direito brasileiro 6 , tal proteção estáhá muito incorpora<strong>da</strong> à nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita aConstituição de 1988, no art. 5°, inciso XXXVI.A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança <strong>da</strong>s pessoas nopertinente aos atos, procedimentos e condutas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nos mais diferentes aspectosde sua atuação.Modernamente, no direito compara<strong>do</strong>, a <strong>do</strong>utrina prefere admitir a existência de<strong>do</strong>is princípios distintos, apesar <strong>da</strong>s estreitas correlações existentes entre eles. Falam osautores, assim, em princípio <strong>da</strong> segurança jurídica quan<strong>do</strong> designam o que prestigia oaspecto objetivo <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações jurídicas, e em princípio <strong>da</strong> proteção àconfiança, quan<strong>do</strong> aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo. 7 Este último princípio6 É este o caso, por exemplo, entre outros, <strong>da</strong> França e Alemanha, em que o tema <strong>do</strong>s limites à retroativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não é objeto de regra constitucional expressa e de valor absoluto, como é a <strong>do</strong> art. 5°, XXXVI <strong>da</strong> nossaConstituição <strong>Federal</strong>. Na França, sobre essa matéria dispôs o Código Civil no seu art. 2°: “La loi ne dispose que pourl’avenir; elle n’a point d’effet rétroactif.”.Trata-se de preceito que não se impõe ao legisla<strong>do</strong>r. Nem revogou talpreceito a legislação anterior, especialmente a revolucionária, que dispunha retroativamente, como alguns chegaram apensar ao tempo <strong>da</strong> edição <strong>do</strong> Código Civil (cf. Paul Roubier, Le Droit Transitoire, Paris, Dalloz et Sirey, 1960, p.90),nem poderia impedir – como efetivamente não impede, pois só à Constituição seria <strong>da</strong><strong>do</strong> fazê-lo – que outra lei possuaeficácia retroativa. A norma tem assim como principal destinatário o juiz ou o aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito. No direito alemão,que reconhece na segurança jurídica um subprincípio <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, tira-se <strong>da</strong>í a conseqüência que aretroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei (a chama<strong>da</strong> “autêntica” retroatitivi<strong>da</strong>de, isto é, quan<strong>do</strong> a lei nova modifica situações –Tatbestände -constituí<strong>da</strong>s no passa<strong>do</strong>) via de regra, é ve<strong>da</strong><strong>da</strong>. Contu<strong>do</strong>, excepcionalmente, quan<strong>do</strong> o interesse público se sobreponhaà segurança jurídica, ou esta não mais se justifique, é admissível a atribuição de efeitos retroativos à lei.(Jarass/ Pieroth,Grundgesetz für die Bundesrepublick Deutschland, München, 1995, p.432). No tocante à retroativi<strong>da</strong>de imprópria ou“não autêntica”, que de algum mo<strong>do</strong> se confunde com a “eficácia imediata <strong>da</strong> lei” é ela, em princípio admiti<strong>da</strong> (id.ib.,p.433).7 Quanto a esta questão, observa J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria <strong>da</strong> Constituição, Coimbra,Almedina, 2000, p.256: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma eresponsavelmente a sua vi<strong>da</strong>. Por isso, desde ce<strong>do</strong> se consideravam os princípios <strong>da</strong> segurança jurídica e <strong>da</strong> proteçãoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>38


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>(a) impõe ao Esta<strong>do</strong> limitações na liber<strong>da</strong>de de alterar sua conduta e de modificar atosque produziram vantagens para os destinatários, mesmo quan<strong>do</strong> ilegais, ou (b) atribui-lheconseqüências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude <strong>da</strong> crença gera<strong>da</strong>nos beneficiários, nos administra<strong>do</strong>s ou na socie<strong>da</strong>de em geral de que aqueles atos eramlegítimos, tu<strong>do</strong> fazen<strong>do</strong> razoavelmente supor que seriam manti<strong>do</strong>s.Parece importante destacar, nesse contexto, que os atos <strong>do</strong> Poder Público gozam<strong>da</strong> aparência e <strong>da</strong> presunção de legitimi<strong>da</strong>de, fatores que, no arco <strong>da</strong> história, emdiferentes situações, têm justifica<strong>do</strong> sua conservação no mun<strong>do</strong> jurídico, mesmo quan<strong>do</strong>aqueles atos se apresentem eiva<strong>do</strong>s de graves vícios. O exemplo mais antigo e talvezmais célebre <strong>do</strong> que acabamos de afirmar está no fragmento de Ulpiano, constante <strong>do</strong>Digesto, sob o título “de or<strong>do</strong> praetorum” (D.1.14.1), no qual o grande jurista clássiconarra o caso <strong>do</strong> escravo Barbarius Philippus que foi nomea<strong>do</strong> pretor em Roma. In<strong>da</strong>gaUlpiano: “Que diremos <strong>do</strong> escravo que, conquanto ocultan<strong>do</strong> essa condição, exerceu adigni<strong>da</strong>de pretória? O que editou, o que decretou, terá si<strong>do</strong> talvez nulo? Ou será váli<strong>do</strong>por utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>queles que deman<strong>da</strong>ram perante ele, em virtude de lei ou de outrodireito?”. E responde pela afirmativa.Não é outra a solução que tem si<strong>do</strong> <strong>da</strong><strong>da</strong>, até hoje, para os atos pratica<strong>do</strong>s por“funcionário de fato”. Tais atos são considera<strong>do</strong>s váli<strong>do</strong>s, em razão – costuma-se dizer –<strong>da</strong> “aparência de legitimi<strong>da</strong>de” de que se revestem, apesar <strong>da</strong> incompetência absoluta dequem os exarou. Na ver<strong>da</strong>de, o que o direito protege não é a “aparência de legitimi<strong>da</strong>de”<strong>da</strong>queles atos, mas a confiança gera<strong>da</strong> nas pessoas em virtude ou por força <strong>da</strong>presunção de legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> “aparência de legitimi<strong>da</strong>de” que têm os atos <strong>do</strong> PoderPúblico.à confiança como elementos constitutivos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de direito. Estes <strong>do</strong>is princípios – segurança jurídica e proteção<strong>da</strong> confiança – an<strong>da</strong>m estreitamente associa<strong>do</strong>s, a ponto de alguns autores considerarem o princípio <strong>da</strong> proteção deconfiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica <strong>da</strong> segurança jurídica. Em geral, considera-se quea segurança jurídica está conexiona<strong>da</strong> com elementos objetivos <strong>da</strong> ordem jurídica – garantia de estabili<strong>da</strong>de jurídica,segurança de orientação e realização <strong>do</strong> direito – enquanto a proteção <strong>da</strong> confiança se prende mais com ascomponentes subjectivas <strong>da</strong> segurança, designa<strong>da</strong>mente a calculabili<strong>da</strong>de e previsibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s indivíduos em relaçãoaos efeitos jurídicos <strong>do</strong>s acto”. É quase unânime, entretanto, o entendimento de que o “princípio <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong>confiança” tem como matriz constitucional o “princípio <strong>da</strong> segurança jurídica”, que é subprincípio, ain<strong>da</strong> que nãoexpresso, <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito. Nesse senti<strong>do</strong>, por exemplo, Hartmut Maurer, AllgemeinesVerwaltungsrecht, München, C.H. Beck, 1999, p.280; Dirk Ehlers, in Badura, Ehlers, Erichsen et alii, AllgemeinesVerwaltunsrecht, Berlin-New York, Walter de Gruyter, 1995, p.109-110, Hans-Uwe Erichsen, na mesma obra, p.301 ess; Hans J.Wolff, Otto Bachof, Rolf Stober, Verwaltungsrecht, München, C.H.Beck, 1994, vol I, p.350.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>39


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>5. No direito alemão e, por influência deste, também no direito comunitárioeuropeu, “segurança jurídica” (Rechtssicherheit) é expressão que geralmente designa aparte objetiva <strong>do</strong> conceito, ou então simplesmente o “princípio <strong>da</strong> segurança jurídica”,enquanto a parte subjetiva é identifica<strong>da</strong> como “proteção à confiança” (Vertrauensschutz,no direito germânico) ou “proteção à confiança legítima” (no direito comunitário europeu),ou, respectivamente, “princípio <strong>da</strong> proteção à confiança” ou “princípio <strong>da</strong> proteção àconfiança legítima”.Na Alemanha, onde o princípio <strong>da</strong> proteção à confiança nasceu, por construçãojurisprudencial, pode-se dizer que este princípio prende-se pre<strong>do</strong>minantemente à questão<strong>da</strong> preservação <strong>do</strong>s atos inváli<strong>do</strong>s, mesmo nulos de pleno direito, por ilegais ouinconstitucionais, ou, pelo menos, <strong>do</strong>s efeitos desses atos, quan<strong>do</strong> indiscutível a boa-fé. 8O Esta<strong>do</strong> Social ou o Esta<strong>do</strong>-Providência foi o ambiente ideal para odesenvolvimento e o surgimento, respectivamente, <strong>do</strong>s princípios <strong>da</strong> segurança jurídica e<strong>da</strong> proteção à confiança, em razão <strong>da</strong> situação de dependência em que, diferentemente<strong>do</strong> que ocorria no Esta<strong>do</strong> Liberal Burguês, ficaram as pessoas relativamente ao PoderPúblico, especialmente no tocante aos serviços e prestações por este realiza<strong>do</strong>s, diretaou indiretamente, conforme bem conheci<strong>da</strong> observação de Forsthoff. 9Nessa moldura, não será necessário sublinhar que os princípios <strong>da</strong> segurançajurídica e <strong>da</strong> proteção à confiança são elementos conserva<strong>do</strong>res inseri<strong>do</strong>s na ordemjurídica, destina<strong>do</strong>s à manutenção <strong>do</strong> status quo e a evitar que as pessoas sejamsurpreendi<strong>da</strong>s por modificações <strong>do</strong> direito positivo ou na conduta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mesmoquan<strong>do</strong> manifesta<strong>da</strong>s em atos ilegais, que possa ferir os interesses <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s oufrustrar-lhes as expectativas. Colocam-se, assim, em posição de tensão com astendências que pressionam o Esta<strong>do</strong> a a<strong>da</strong>ptar-se a novas exigências <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, decaráter econômico, social, cultural ou de qualquer outra ordem, ao influxo, por vezes, deavanços tecnológicos ou científicos, como os realiza<strong>do</strong>s, com impressionante veloci<strong>da</strong>de,no decorrer <strong>do</strong> século XX.8 Mas possui, também, relevo na questão <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de pré contratual ou pré negocial, cujos <strong>da</strong>nos sãodesigna<strong>do</strong>s como “<strong>da</strong>nos <strong>da</strong> confiança” (Vertrauensschadens).Conquanto tal situação se configure pre<strong>do</strong>minantementeno direito priva<strong>do</strong>, o direito europeu vai consagrá-la no direito administrativo econômico <strong>da</strong> União Européia, comoteremos ocasião de referir.9 Ernest Forsthoff, Lehrbuch des Verwaltungsrecht, München, C.H.Beck, 1973, p.370 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>40


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>É certo que o futuro não pode ser um perpétuo prisioneiro <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, nem podema segurança jurídica e a proteção à confiança se transformar em valores absolutos,capazes de petrificar a ordem jurídica, imobilizan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> e impedin<strong>do</strong>-o de realizar asmu<strong>da</strong>nças que o interesse público estaria a reclamar. Mas, de outra parte, não éigualmente admissível que o Esta<strong>do</strong> seja autoriza<strong>do</strong>, em to<strong>da</strong>s as circunstâncias, a a<strong>do</strong>tarnovas providências em contradição com as que foram por ele próprio impostas,surpreenden<strong>do</strong> os que acreditaram nos atos <strong>do</strong> Poder Público.Entre esses <strong>do</strong>is pólos trava-se a luta entre o novo e o velho dentro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, aoqual caberá escolher os instrumentos jurídicos que lhe permitam aproximar-se o maispossível <strong>do</strong> ideal de justiça material, pela inserção, em seus quadros normativos, depreceitos que definam o que pode e o que não pode ser modifica<strong>do</strong>, e como pode sermodifica<strong>do</strong>, e quais, ain<strong>da</strong>, os limites a serem observa<strong>do</strong>s pelas alterações. A esse fimservem, modernamente, as disposições constitucionais que marcam o âmbito edisciplinam os processos de revisão e emen<strong>da</strong> <strong>da</strong> própria Constituição ou que impõemlimites à liber<strong>da</strong>de de conformação <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r ordinário. Tais disposições, as mais <strong>da</strong>svezes, são expressas. Outras vezes, porém, resultam de construção jurisprudencial, comoatesta o reconhecimento <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de e, igualmente, <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>proteção à confiança no direito germânico e europeu, cuja observância é exigi<strong>da</strong> de to<strong>do</strong>sque exercem função estatal. No direito alemão, aliás, o próprio princípio <strong>da</strong> segurançajurídica, ao qual se liga geneticamente o princípio <strong>da</strong> proteção à confiança, não é umprincípio expresso. Ele foi deduzi<strong>do</strong> pela jurisprudência, com o apoio <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina, <strong>do</strong>princípio geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, delinea<strong>do</strong> em várias prescrições <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mentalde Bonn, entre os quais o seu célebre artigo 20. 10III Gênese e desenvolvimento <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> proteção à confiança6. Nas últimas déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> século XX, o princípio <strong>da</strong> proteção à confiança ganhoumais nitidez, destacan<strong>do</strong>-se <strong>da</strong> segurança jurídica, ten<strong>do</strong> notável expansão na Europa,10 Jarass/Pieroth, op. cit., p.416 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>41


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________onde conquistou sucesso retumbante. 11 É oportuno traçar, ain<strong>da</strong> que resumi<strong>da</strong>mente, seuitinerário.O princípio <strong>da</strong> proteção à confiança começou a firmar-se a partir de decisão <strong>do</strong>Superior <strong>Tribunal</strong> Administrativo de Berlim, de 14 de novembro de 1956, logo segui<strong>da</strong> poracórdão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Administrativo <strong>Federal</strong> (BverwGE), de 15 de outubro de 1957,geran<strong>do</strong> uma corrente contínua de manifestações jurisprudenciais no mesmo senti<strong>do</strong>. 12Na primeira dessas decisões tratava-se <strong>da</strong> anulação de vantagem prometi<strong>da</strong> aviúva de funcionário, caso se transferisse de Berlim Oriental para Berlim Ocidental, o queela fez. Percebeu a vantagem durante um ano, ao cabo <strong>do</strong> qual o benefício lhe foiretira<strong>do</strong>, ao argumento de que era ilegal, por vício de competência, como efetivamenteocorria. O <strong>Tribunal</strong>, entretanto, comparan<strong>do</strong> o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de com o <strong>da</strong> proteção àconfiança, entendeu que este incidia com mais força ou mais peso no caso, afastan<strong>do</strong> aaplicação <strong>do</strong> outro. 13A edição <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo alemã, de 1976, cujo §48 dispôs sobrea aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> proteção à confiança, se não arrefeceu significativamente oentusiasmo <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina sobre a matéria, a qual, na opinião de Otto Bachof, se constituíra,nos anos 50 <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, no tema central <strong>do</strong> Direito Administrativo germânico, 14eliminou muitas <strong>da</strong>s controvérsias existentes, embora tenha <strong>da</strong><strong>do</strong> lugar a muitas outras,em face <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> seu texto.Também na déca<strong>da</strong> de 70 ocorreu o reconhecimento, pelo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Constitucional, <strong>da</strong> proteção à confiança como princípio de valor constitucional. 157. Ao mesmo tempo em que se consoli<strong>da</strong>va no direito alemão e no direito suíço deexpressão alemã, o princípio <strong>da</strong> proteção à confiança ingressava no direito <strong>da</strong> União11 Registra Javier Garcia Luengo que se tornou um lugar comum a referência à “marcha triunfal <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>proteção à confiança (Siegeszug des Vertrauenschutzprinzip)” – (El Princípio de la Protección de la Confianza em elDerecho Administrativo, Madrid, Civitas, 2002, p.30.12 Sobre isso Hartmut Maurer, op. cit., p. 274.13 Vd. Sylvia Calmes, Du Principe de Protetion de la Confiance Legitime en Droits Allemand, Comunnautaire etFrançais, Paris, Dalloz, 2001, p. 11, nota 49.14 Verfassungsrecht. Verwaltungsrecht. Verfahrensrecht in der Rechtsprechung des Bundesverwaltungsgericht, Tübigen,C.H.Beck, 1966, v.I,p. 257 segs., 1967, v.II, p. 339 e segs.15 Sylvia Calmes, op. cit., p. 16 e ss.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>42


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Européia, batiza<strong>do</strong> como “princípio <strong>da</strong> proteção à confiança legítima”, percorren<strong>do</strong>, entreos anos 1957 e 1978, o iter de sua afirmação “tanto no vasto <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> regulamentaçãoeconômica, como no <strong>da</strong> restituição de subvenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> irregularmente concedi<strong>da</strong>,como no <strong>da</strong> função pública comunitária”, para afinal consagrar-se, em decisões <strong>da</strong> Cortede Justiça <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong>des Européias, como “regra superior de Direito” e “princípiofun<strong>da</strong>mental <strong>do</strong> direito comunitário”. 16Os atuais temas <strong>do</strong>minantes relaciona<strong>do</strong>s com o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica e<strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> confiança, no direito compara<strong>do</strong> e no direito brasileiro, podem sercondensa<strong>do</strong>s nos seguintes pontos principais:a) a manutenção no mun<strong>do</strong> jurídico de atos administrativos inváli<strong>do</strong>s por ilegais ouinconstitucionais (p.ex. licenças, autorizações, subvenções, atos pertinentes a servi<strong>do</strong>respúblicos, tais como vencimentos e proventos, ou de seus dependentes, p.ex. pensões,etc.);b) a responsabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pelas promessas firmes feitas por seus agentes,nota<strong>da</strong>mente em atos relaciona<strong>do</strong>s com o planejamento econômico;c) a responsabili<strong>da</strong>de pré-negocial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>;d) o dever <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de estabelecer regras transitórias em razão de bruscasmu<strong>da</strong>nças introduzi<strong>da</strong>s no regime jurídico (p.ex. <strong>da</strong> ordem econômica, <strong>do</strong> exercício deprofissões, <strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res públicos). 178. No direito brasileiro, muito provavelmente em razão de ser antiga em nossatradição jurídica a cláusula constitucional <strong>da</strong> proteção ao direito adquiri<strong>do</strong>, ao ato jurídicoperfeito e à coisa julga<strong>da</strong> – pontos eminentes nos quais se revela a segurança jurídica, no16 Cf., Sylvia Calmes, op. cit., p. 1, nota 1 (sobre a designação “princípio <strong>da</strong> confiança legítima”) e p. 24 e ss.17 Idem, ib., p. 21 e segs. De três desses quatro temas – com exceção apenas <strong>do</strong> último, d) - me ocupei em estu<strong>do</strong>santeriores. Assim, b), em 1981, apresentei trabalho, no III Congresso de Direito Administrativo, realiza<strong>do</strong> na ci<strong>da</strong>de deCanela, RS, depois publica<strong>da</strong> na RDP, 63 (jul-set. 1982), sob o título Responsabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e ProblemasJurídicos Resultantes <strong>do</strong> Planejamento, em que admitia a responsabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>, por atos positivos e porpromessas sérias e fortes, gerava fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s expectativas nos destinatários e os <strong>da</strong>nos causa<strong>do</strong>s fossem especiais eanormais. No VII Congresso de Direito Administrativo, realiza<strong>do</strong> em Belém <strong>do</strong> Pará, em 1987, proferi conferênciasobre Problemas Jurídicos <strong>do</strong> Planejamento, publica<strong>da</strong> na RDA n°170 (out.-dez. 1987), amplian<strong>do</strong> a área deinvestigação <strong>do</strong> trabalho anterior, mas reiteran<strong>do</strong> suas conclusões no tocante aos atos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong>s com oplanejamento. Em 1987, a) escrevi artigo sobre os Princípios <strong>da</strong> Legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Segurança Jurídica no Esta<strong>do</strong> deDireito Contemporâneo, RDP n° 84 e RPGE, v.18, 1988, em que analisei a questão <strong>da</strong> manutenção <strong>do</strong>s atosadministrativos inváli<strong>do</strong>s por ilegais, pela aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica (proteção à confiança), alitrata<strong>da</strong>, nesse contexto, pela primeira vez entre nós, como princípio constitucional. Finalmente, em 1999, c) desenvolvio tema <strong>da</strong> Responsabili<strong>da</strong>de pré-negocial e culpa in contrahen<strong>do</strong> no Direito Administrativo Brasileiro (RDA n° 217(jul./set.).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>43


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>seu aspecto objetivo – não houve grande preocupação na identificação <strong>da</strong> segurançajurídica, vista pelo ângulo subjetivo <strong>da</strong> proteção à confiança, como princípio constitucional,situa<strong>do</strong> no mesmo plano de importância <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de.Só nos últimos anos é que a legislação <strong>da</strong> União, designa<strong>da</strong>mente pelas Leis n°9.784, de 29 de janeiro de 1999 (arts. 2° e 54); 9.868, de 10 de novembro de 1999 (art.27) e 9.882, de 03 de dezembro de 1999 (art. 11), que dispõem, respectivamente, sobre oprocesso administrativo <strong>da</strong> União, a ação declaratória de constitucionali<strong>da</strong>de, ação diretade inconstitucionali<strong>da</strong>de e a argüição de descumprimento de preceito fun<strong>da</strong>mental,referiram-se à segurança jurídica, quer como princípio geral <strong>da</strong> Administração Pública, dematriz constitucional, a justificar a permanência no mun<strong>do</strong> jurídico de atos administrativosinváli<strong>do</strong>s, quer como valor constitucional a ser pondera<strong>do</strong>, em determina<strong>da</strong>scircunstâncias, em cotejo com os princípios <strong>da</strong> supremacia <strong>da</strong> Constituição e <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>deex tunc <strong>da</strong> lei inconstitucional.É importante sinalar, entretanto, que, nesses textos legislativos nacionais a“segurança jurídica” é vista pre<strong>do</strong>minantemente pelo seu la<strong>do</strong> subjetivo e significa, assim,quase sempre, “proteção à confiança”.9. No tocante ao Direito Administrativo e à manutenção de atos jurídicos inváli<strong>do</strong>s –que é o objeto deste estu<strong>do</strong> - a <strong>do</strong>utrina brasileira tratou desse tema desde o Controle <strong>do</strong>sAtos Administrativos pelo Poder Judiciário de Miguel Seabra Fagundes, cuja primeiraedição é de 1941, mas geralmente na perspectiva <strong>do</strong> poder discricionário <strong>da</strong>Administração de decidir entre a permanência <strong>do</strong> ato administrativo inváli<strong>do</strong> ou suaanulação, conforme o interesse público, devi<strong>da</strong>mente sopesa<strong>do</strong>, apontasse num ounoutro senti<strong>do</strong>, sem aludir à segurança jurídica como princípio constitucional querecomen<strong>da</strong>sse a subsistência <strong>do</strong> ato administrativo vicia<strong>do</strong>. 18No que diz com a jurisprudência, são ain<strong>da</strong> escassas as decisões <strong>do</strong>s tribunais queinvocam o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica para solver questões não abrangi<strong>da</strong>s pelaproteção ao direito adquiri<strong>do</strong>, ao ato jurídico perfeito e à coisa julga<strong>da</strong>, tais como as18 Veja-se nosso estu<strong>do</strong> Os Princípios <strong>da</strong> Legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Segurança Jurídica no Esta<strong>do</strong> de Direito Contemporâneo,RDP n° 84, 1987, p. 46-63.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>44


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________concernentes à manutenção de atos inváli<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> configura<strong>da</strong> a boa-fé <strong>do</strong>sdestinatários na percepção <strong>da</strong>s vantagens deles emana<strong>da</strong>s.Recentemente, porém, houve três decisões <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> - MC - n°2.900-RS, 2ª Turma, relator Min. Gilmar Mendes (08.03.2003), Informativo <strong>do</strong> STF n° 301;MS 24.268/MG, relator Min. Gilmar Mendes (15.03.2004), Informativo <strong>do</strong> STF n° 343 e MS22.357/DF. DJU de 24.05.2004 - qualifican<strong>do</strong> a segurança jurídica como princípioconstitucional na posição de subprincípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, harmonizan<strong>do</strong>-se, assim,por esses arestos pioneiros <strong>da</strong> nossa mais alta Corte de Justiça, linhas de entendimentojá aflora<strong>da</strong>s na <strong>do</strong>utrina, em geral sem grande rigor técnico, na legislação e em acórdãosde alguns tribunais, mas que passam a gozar, agora, de um valor e de uma autori<strong>da</strong>deque ain<strong>da</strong> não possuíam.10. Para a boa compreensão <strong>da</strong> nossa exposição, será necessário ter semprepresente que, no direito brasileiro, trataremos como princípio <strong>da</strong> segurança jurídica – poisassim procedeu o legisla<strong>do</strong>r – o que, no direito alemão, é denomina<strong>do</strong> de “princípio <strong>da</strong>proteção à confiança” (Vertrauenschutz) e, no direito <strong>da</strong> União Européia, é chama<strong>do</strong> de“princípio <strong>da</strong> proteção à confiança legítima”.IV A segurança jurídica (proteção à confiança) como princípio constitucionalno direito brasileiro e sua importância no Direito Administrativo11. A Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, que “regula o processo administrativono âmbito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong>”, deu expressão, no plano infraconstitucionale no tocante ao Direito Administrativo, ao princípio <strong>da</strong> segurança jurídica em alguns deseus dispositivos. Assim, (a) no caput <strong>do</strong> seu art. 2°, ao declarar que “A AdministraçãoPública obedecerá, dentre outros, aos princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, finali<strong>da</strong>de, motivação,razoabili<strong>da</strong>de, proporcionali<strong>da</strong>de, morali<strong>da</strong>de, ampla defesa, contraditório, segurançajurídica, interesse público e eficiência”; (b) no parágrafo único desse mesmo artigo, incisoIV, ao determinar a observância, nos processos administrativos, <strong>do</strong> critério <strong>da</strong> “atuaçãosegun<strong>do</strong> padrões éticos de probi<strong>da</strong>de, decoro e boa-fé”; (c) no inciso XIII, também desseparágrafo único, ao estabelecer a ve<strong>da</strong>ção de aplicar a fatos pretéritos nova interpretaçãode norma jurídica; e (d) ao prescrever no seu art. 54:Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>45


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>“O direito <strong>da</strong> Administração de anular os atos administrativos de que decorramefeitos favoráveis para os destinatários decai em 5(cinco) anos, conta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em queforam pratica<strong>do</strong>s, salvo comprova<strong>da</strong> má fé.§1° No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á<strong>da</strong> percepção <strong>do</strong> primeiro pagamento.§2° Considera-se exercício <strong>do</strong> direito de anular qualquer medi<strong>da</strong> de autori<strong>da</strong>deadministrativa que importe impugnação à vali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato.”Pretendemos, aqui, submeter o art. 54 <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo <strong>da</strong> Uniãoa análise minuciosa, ten<strong>do</strong> em vista sua grande importância na prática administrativa e nocontrole <strong>do</strong>s atos administrativos pelo Poder Judiciário e a diversi<strong>da</strong>de de interpretaçõesque tem suscita<strong>do</strong>, quer na <strong>do</strong>utrina, quer na jurisprudência.12. O ponto de parti<strong>da</strong>, porém, para a correta interpretação e aplicação dessepreceito está em que a segurança jurídica é um valor constitucional que se qualifica comosubprincípio <strong>do</strong> princípio maior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, ao la<strong>do</strong> e no mesmo nívelhierárquico <strong>do</strong> outro subprincípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, que é o <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de. Segurançajurídica e legali<strong>da</strong>de são, sabi<strong>da</strong>mente, os <strong>do</strong>is pilares de sustentação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deDireito. 19Isso, no direito brasileiro, como visto, só muito recentemente foi reconheci<strong>do</strong> pornossa legislação e ain<strong>da</strong> está em processo de reconhecimento pela nossa jurisprudência,uma vez que, como destaca<strong>do</strong>, só existem três decisões <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>enfrentan<strong>do</strong> diretamente o tema e afirman<strong>do</strong>, em conclusão, que a segurança jurídicaintegra o princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, sen<strong>do</strong>, pois, limite ao poder <strong>da</strong> AdministraçãoPública de anular seus atos administrativos.19 Cf. notas 7 e 20.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>46


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Também são ain<strong>da</strong> raras na <strong>do</strong>utrina nacional as manifestações que atribuem àsegurança jurídica, vista como proteção à confiança, a posição de princípioconstitucional. 20No tocante à legislação, já foi menciona<strong>do</strong> que duas outras leis, também <strong>do</strong> ano de1999 – o mesmo ano em que foi edita<strong>da</strong> a Lei <strong>do</strong> Processo Administrativo <strong>da</strong> União –,referiram-se à segurança jurídica como valor constitucional: a Lei n° 9.868, de 11 denovembro (a Lei <strong>da</strong> Ação Direta de Inconstitucionali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Ação Declaratória deConstitucionali<strong>da</strong>de) e a Lei n° 9.882. de 3 de dezembro (a Lei <strong>da</strong> Argüição deDescumprimento de Preceito Fun<strong>da</strong>mental), respectivamente nos seus arts. 27 e 11.Ambas essas normas atribuíram ao Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> a facul<strong>da</strong>de de “aodeclarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei ou ato normativo, e ten<strong>do</strong> em vista razões desegurança jurídica ou de excepcional interesse social, (...) por maioria de 2/3 de seusmembros, restringir os efeitos <strong>da</strong>quela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia apartir <strong>do</strong> seu trânsito em julga<strong>do</strong> ou de outro momento que venha a ser fixa<strong>do</strong>”.13. O Direito Constitucional brasileiro sempre reconheceu à sentença declaratóriade inconstitucionali<strong>da</strong>de eficácia ex tunc. Como é sabi<strong>do</strong>, a razão desse antigoentendimento, estabeleci<strong>do</strong> na esteira de clássicos pronunciamentos <strong>da</strong> Suprema Corte<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>da</strong> América, reside no princípio <strong>da</strong> supremacia <strong>da</strong> Constituição. A lei,quan<strong>do</strong> é edita<strong>da</strong>, já nasce em conformi<strong>da</strong>de ou em desconformi<strong>da</strong>de com a Constituição.Quan<strong>do</strong> se verifica a segun<strong>da</strong> hipótese, a lei é, desde sua origem, “nula” e “írrita”, – que écomo por vezes se traduz null and void – não poden<strong>do</strong>, por isso mesmo, produzirqualquer efeito jurídico, pois, se assim não ocorresse, haveria uma inversão na hierarquia<strong>da</strong>s normas, passan<strong>do</strong> a Constituição a ocupar posição inferior à <strong>da</strong> lei ordinária, uma vezque esta seria aplica<strong>da</strong> em detrimento <strong>da</strong>quela.20 Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional ,São Paulo, Saraiva, 1996, p.261, nota 56 “No âmbito <strong>do</strong> DireitoAdministrativo tem-se acentua<strong>do</strong> que, não raras vezes, fica a Administração impedi<strong>da</strong> de rever o ato ilegítimo por força<strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica. Nesse senti<strong>do</strong> convém mencionar o magistério de Hans-Uwe Erichsen : “Oprincípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração é apenas um dentre os vários elementos <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito.Esse princípio contém, igualmente, o postula<strong>do</strong> <strong>da</strong> segurança jurídica (Rechtssicherheit und Rechtsfriedens) <strong>do</strong> qual seextrai a idéia <strong>da</strong> proteção à confiança. Legali<strong>da</strong>de e segurança jurídica enquanto derivações <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deDireito têm o mesmo valor e a mesma hierarquia. Disso resulta que uma solução adequa<strong>da</strong> para o caso concretodepende de um juízo de ponderação que leve em conta to<strong>da</strong>s as circunstâncias que caracterizam a situação singular(Hans-Uwe Erichsen e Wolfgang Martens,. Allgemeines Verwaltungsrecht, 6a. ed. Berlim-Nova York, p.240)”.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>47


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Cui<strong>da</strong>-se, já se vê, de solução cartesianamente estabeleci<strong>da</strong>, por critériosestritamente racionalistas.14. Contu<strong>do</strong>, a prática demonstrou que a lei inconstitucional, antes de declara<strong>da</strong>sua inconciliabili<strong>da</strong>de com a Constituição, produz efeitos, se não no mun<strong>do</strong> jurídico, pelomenos no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fatos, geran<strong>do</strong> legítimas expectativas nas pessoas, em virtude,sobretu<strong>do</strong>, <strong>da</strong> presunção de constitucionali<strong>da</strong>de de que as leis se revestem. Aconsideração de situações dessa ordem é que levou a Suprema Corte americana aadmitir, em termos mais pragmáticos ou realistas, ain<strong>da</strong> que com caráter deexcepcionali<strong>da</strong>de, eficácia ex nunc à sentença declaratória de inconstitucionali<strong>da</strong>de.Neste particular, já em 1949, quan<strong>do</strong> publicou sua obra clássica sobre “O ControleJurisdicional <strong>da</strong> Constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Leis”, Lúcio Bittencourt, ao analisar “as relaçõesjurídicas sob o império <strong>da</strong> lei inconstitucional”, assim resumia o status quaestionis nodireito norte-americano: “Da mesma sorte as relações jurídicas que se constituírem, deboa-fé, à sombra <strong>da</strong> lei não ficam sumariamente cancela<strong>da</strong>s em conseqüência <strong>do</strong>reconhecimento <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de, nem a coisa soberanamente julga<strong>da</strong> perde, poresse motivo, os efeitos que lhe asseguram a imutabili<strong>da</strong>de. A jurisprudência americanafornece várias ilustrações sobre o assunto, mostran<strong>do</strong>, to<strong>da</strong>via, certa insegurança eflutuação, que não nos permite deduzir uma regra definitiva. Assim, a Corte Suprema tementendi<strong>do</strong> que as pessoas condena<strong>da</strong>s como incursas em lei julga<strong>da</strong> inconstitucional,muito embora a decisão condenatória já tenha transita<strong>do</strong> em julga<strong>do</strong>, devem ter essadecisão revista em seu benefício. Apólices ou bônus emiti<strong>do</strong>s pelos Esta<strong>do</strong>s ouMunicipali<strong>da</strong>des em virtude de uma lei inconstitucional perdem, totalmente, o seu valorpor efeito <strong>da</strong> decisão <strong>do</strong> Judiciário. To<strong>da</strong>via tem entendi<strong>do</strong> a Corte Suprema que osindivíduos que agiram em boa-fé e foram prejudica<strong>do</strong>s em seus direitos, devem obter <strong>da</strong>parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> indenização pelos <strong>da</strong>nos sofri<strong>do</strong>s. Da mesma sorte – segun<strong>do</strong> informaWillougby – conquanto a lei inconstitucional deva, sob o ponto de vista estritamentelógico, ser considera<strong>da</strong> como se jamais tivesse ti<strong>do</strong> força para criar direitos ou obrigações,considerações de ordem prática tem leva<strong>do</strong> os tribunais a atribuir certa vali<strong>da</strong>de aos atospratica<strong>do</strong>s por pessoas que, em boa-fé, exercem os poderes conferi<strong>do</strong>s pelo diplomaposteriormente julga<strong>do</strong> ineficaz”. 2121 Brasília, Ministério <strong>da</strong> Justiça, 1997, p.147-148.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>48


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Prende-se a essa linha de pensamento voto venci<strong>do</strong> que se tornou célebre,proferi<strong>do</strong> no Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> pelo Ministro Leitão de Abreu 22 , no qual retoma aargumentação que mais amplamente desenvolvera em seu livro “A Vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> OrdemJurídica”. 23 O Ministro Leitão de Abreu, apoian<strong>do</strong>-se, por um la<strong>do</strong>, no pensamento deKelsen e, por outro, em corrente <strong>do</strong> constitucionalismo norte-americano que, autoriza<strong>do</strong>por decisões <strong>da</strong> Suprema Corte, recolhi<strong>da</strong>s no Corpus Juris Secundum, assevera que alei inconstitucional é um fato eficaz (“it is an operative fact”), conclui, em seu voto venci<strong>do</strong>,que “A tutela <strong>da</strong> boa-fé exige que, em determina<strong>da</strong>s circunstâncias, nota<strong>da</strong>mente quan<strong>do</strong>,sob a lei ain<strong>da</strong> não declara<strong>da</strong> inconstitucional, se estabeleceram relações entre oparticular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>decisão, que decreta a inconstitucionali<strong>da</strong>de, pode atingir, prejudican<strong>do</strong>-o, o agente queteve por legítimo o ato e, fun<strong>da</strong><strong>do</strong> nele, operou na presunção de que estava proceden<strong>do</strong>sob o amparo <strong>do</strong> direito objetivo.”A essas razões não se curvou, entretanto o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, o qual, nosseus julga<strong>do</strong>s, continuou a proclamar que o princípio <strong>da</strong> supremacia <strong>da</strong> Constituição nãotolera exceções, o mesmo deven<strong>do</strong> valer, por certo, para os princípios, que <strong>da</strong>quele sãoconsectários, tais como o <strong>da</strong> eficácia ex tunc <strong>da</strong> decisão que declara ainconstitucionali<strong>da</strong>de de lei e o <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de ipso iure <strong>da</strong> lei contrária à Constituição. 24Atualmente pende de decisão ação direta de inconstitucionali<strong>da</strong>de, proposta pelaOrdem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil, em que são ataca<strong>da</strong>s as Leis n° 9.866/99 e 9.882/99 e,pois, os seus arts. 27 e 11, respectivamente, os quais, à semelhança <strong>do</strong> preceito conti<strong>do</strong>no art. 282, n° 4, <strong>da</strong> Constituição portuguesa 25 , outorgam ao Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,como já foi destaca<strong>do</strong>, o poder de graduar, pela maioria de 2/3 <strong>do</strong>s seus membros, osefeitos <strong>da</strong> decisão que declara a inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei, ten<strong>do</strong> em vista razões desegurança jurídica ou de excepcional interesse social. 2622 RE 79.343, Rel. Leitão de Abreu, RTJ 82/792.23 Porto Alegre, Livraria <strong>do</strong> Globo, 1964, p. 154 e segs.;24 Veja-se, Gilmar Ferreira Mendes, op.cit., p.255 e segs.25 É este o texto <strong>do</strong> art. 282, nº 4, <strong>da</strong> Constituição de Portugal: “Quan<strong>do</strong> a segurança jurídica, razões de eqüi<strong>da</strong>de ou deinteresse público de excepcional relevo, que deverá ser fun<strong>da</strong>menta<strong>do</strong>, o exigirem, poderá o <strong>Tribunal</strong> Constitucionalfixar os efeitos <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de com efeitos mais restritos <strong>do</strong> que o previsto nos n°s. 1 e 2.”26 Conquanto nos pareça inqüestionável que a segurança jurídica é um valor constitucional ou um princípioconstitucional, admiti<strong>do</strong> pioneiramente pelo direito alemão, mesmo sem enuncia<strong>do</strong> expresso na Lei Fun<strong>da</strong>mental deBonn, e que também tem si<strong>do</strong> aceito por outros ordenamentos jurídicos, como é o caso <strong>do</strong> português e <strong>do</strong> espanhol, ouEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>49


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Em 27 de maio de 2003, já dissemos, a 2ª Turma <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,resolven<strong>do</strong> questão de ordem na Medi<strong>da</strong> Cautelar n° 2.900-3/RS, por unanimi<strong>da</strong>dereferen<strong>do</strong>u o voto <strong>do</strong> Relator, Ministro Gilmar Mendes, o qual, depois de reproduzirtrechos de pronunciamento <strong>do</strong>utrinário 27 sobre o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica comolimite ao poder-dever <strong>da</strong> Administração Pública de anular seus próprios atosadministrativos, conclui nestes termos:“Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional(princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito) e está disciplina<strong>do</strong> parcialmente, no plano federal, na Lein° 9.784, de 29 de janeiro de 1.999 (v.g., art. 2°).Em ver<strong>da</strong>de, a segurança jurídica, como subprincípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, assumevalor ímpar no sistema jurídico, caben<strong>do</strong>-lhe papel diferencia<strong>do</strong> na realização <strong>da</strong> própriaidéia de justiça material.”“Nesse senti<strong>do</strong>”, – acrescentou ain<strong>da</strong> o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, nos acórdãosproferi<strong>do</strong>s no MS n° 24.268/MG e MS 22.357/DF, ambos também relata<strong>do</strong>s pelo MinistroGilmar Mendes – “vale trazer passagem de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> professor Miguel Reale sobre arevisão <strong>do</strong>s atos administrativos:“Não é admissível, por exemplo, que nomea<strong>do</strong> irregularmente um servi<strong>do</strong>r público, vistocarecer, na época, de um <strong>do</strong>s requisitos complementares exigi<strong>do</strong>s por lei, possa a Administraçãoanular seu ato, anos e anos volvi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> já constituí<strong>da</strong> uma situação merece<strong>do</strong>ra de amparoe, mais <strong>do</strong> que isso, quan<strong>do</strong> a prática e a experiência podem ter compensa<strong>do</strong> a lacuna originária.Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por si só convalescer, –como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reserva<strong>do</strong> a médico – mas aexigências outras que, toma<strong>da</strong>s no seu rigorismo formal, determinariam a nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato””.mesmo pelo direito <strong>da</strong> União Européia, que hoje prestigia grandemente a segurança jurídica, sob o aspecto <strong>da</strong> proteçãoà confiança legítima – a ponto de a Corte de Justiça <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de Européia considerá-la como “regra superior deDireito” e “princípio fun<strong>da</strong>mental <strong>do</strong> Direito Comunitário” (cf. Sylvia Calmes, Du Principe de la Protection de laConfiance Legitime em Droits Allemand, Communautaire et Français. Paris. Dalloz. 2001, p.24 e segs.) creio que essamesma condição de princípio constitucional não poder ser atribuí<strong>da</strong> ao “excepcional interesse social”. A segurançajurídica é princípio implícito na Constituição, embuti<strong>do</strong> que está no princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito. Quanto ao“excepcional interesse social, para ascender à posição de princípio constitucional seria indispensável que a Constituiçãoexpressamente o acolhesse, como fez a Constituição portuguesa, diferentemente <strong>da</strong> brasileira, que não o contempla.27 <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>, op. cit., Princípios <strong>da</strong> Legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Segurança Jurídica no Esta<strong>do</strong> de DireitoContemporâneo.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>50


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>15. Pela importância que têm esses três acórdãos <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, –<strong>do</strong>is deles proferi<strong>do</strong>s, à unanimi<strong>da</strong>de, pelo <strong>Tribunal</strong> em sua composição plenária – poissão as primeiras <strong>da</strong> nossa mais alta Corte de Justiça a reconhecer a segurança jurídica,entendi<strong>da</strong> como proteção à confiança, como princípio constitucional 28 , servin<strong>do</strong>, nessacondição, como limite ao poder <strong>da</strong> Administração Pública de anular seus atosadministrativos, é oportuno descrever aqui a situação fática a que se referem:(a) No primeiro deles (MC 2.900 –RS), tratava-se de ação cautelar em que sepleiteava concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contraacórdão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por estu<strong>da</strong>nte <strong>do</strong> curso de Direito <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> de Pelotas que pedira transferência para o <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong><strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, em razão de haver si<strong>do</strong> aprova<strong>da</strong> em concurso público realiza<strong>do</strong>pela Empresa Pública de Correios e Telégrafos para emprego naquela enti<strong>da</strong>de, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> contrata<strong>da</strong>. Mu<strong>do</strong>u, assim, seu <strong>do</strong>micílio para Porto Alegre, local <strong>do</strong> seu emprego e<strong>do</strong> curso para o qual solicitara a transferência. Nega<strong>da</strong> administrativamente atransferência, contra o ato respectivo impetrou a interessa<strong>da</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança,deferi<strong>do</strong> por sentença proferi<strong>da</strong> em dezembro de 2000 “(a) para reconhecer que aimpetrante tem direito a transferir-se e a freqüentar o curso de direito na UFRGS, a partirdeste semestre; (b) determinar à autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> que imediatamente providencie atransferência <strong>da</strong> parte impetrante, permitin<strong>do</strong> que a mesma realize a matrícula, freqüenteas ativi<strong>da</strong>des discentes e to<strong>da</strong>s as demais decorrentes <strong>da</strong> sua condição de estu<strong>da</strong>nte,tu<strong>do</strong> nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação”.Em segun<strong>do</strong> grau, a 3ª Turma <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> reformoua sentença, denegan<strong>do</strong> o man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança. Daí o recurso extraordinário (maneja<strong>do</strong>em outubro de 2002) e a ação cautelar para atribuir efeito suspensivo a esse recurso,uma vez que a recorrente já se encontrava prestes a concluir o curso de Direito na28 Já referimos (nota 7, supra) que a Alemanha foi o primeiro país a reconhecer, expressamente, a segurança jurídicacomo princípio constitucional e obstativo, em determina<strong>da</strong>s circunstâncias, <strong>do</strong> poder <strong>da</strong> Administração de anular seuspróprios atos administrativos. No direito norte-americano, ficou visto que a Suprema Corte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s hámuito admite que, em consideração à boa-fé <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s ou à segurança jurídica, possa ser nega<strong>da</strong> à sentençadeclaratória de inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei a eficácia ex tunc que ordinariamente é conferi<strong>da</strong> a decisões dessa natureza.Contu<strong>do</strong>, a Suprema Corte guia-se, nesses casos, por considerações pragmáticas, sem se preocupar em definir osfun<strong>da</strong>mentos teóricos ou identificar princípios constitucionais que sirvam de premissa para a decisão, ou seja, semexpressamente reconhecer à boa-fé ou à segurança jurídica a quali<strong>da</strong>de de princípio constitucional. No entanto, só umvalor ou princípio constitucional poderia atenuar ou mesmo afastar o princípio <strong>da</strong> supremacia <strong>da</strong> Constituição, ou <strong>da</strong>nuli<strong>da</strong>de ipso iure <strong>da</strong> lei inconstitucional ou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> eficácia ex tunc <strong>da</strong> sentença declaratória de inconstitucionali<strong>da</strong>de.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>51


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________UFRGS. Ao conceder liminarmente o efeito suspensivo pretendi<strong>do</strong>, em decisãomonocrática após confirma<strong>da</strong> pela 2ª Turma, o Ministro Gilmar Mendes observou que, “noâmbito <strong>da</strong> cautelar, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica”.O caso guar<strong>da</strong> grande similitude com antigas decisões <strong>do</strong> STF, como as proferi<strong>da</strong>sno RMS 13.807 (RTJ 37/248) e no RMS 17.144 (RTJ 45/589), bem como no RE n° 85.179– RJ, relator o Ministro Bilac Pinto (RTJ 83/931 – DJ 01.12.77).Cotejan<strong>do</strong>-se essas decisões <strong>do</strong> STF verifica-se que to<strong>da</strong>s elas tratam de situaçãoque se consoli<strong>do</strong>u em razão de provimentos jurisdicionais provisórios, afinal reforma<strong>do</strong>s,depois de transcorri<strong>do</strong>s alguns anos de tramitação <strong>do</strong> processo. A diferença entre as maisantigas e a mais recente está na fun<strong>da</strong>mentação. Enquanto a mais recente alude aoprincípio <strong>da</strong> segurança jurídica, as outras limitam-se a referir que o ato judicial, depoisreforma<strong>do</strong>, dera causa a situação de fato e de direito que não conviria fosse inova<strong>da</strong>. Norelata<strong>do</strong> pelo Ministro Bilac Pinto, o acórdão, após mencionar as anteriores manifestações<strong>do</strong> STF sobre a matéria, concluiu pela impossibili<strong>da</strong>de de tardio desfazimento <strong>do</strong> atoadministrativo, “já cria<strong>da</strong> situação de fato e de direito, que o tempo consoli<strong>do</strong>u” .(b) No segun<strong>do</strong> (MS n° 24.268/MG), cui<strong>da</strong>va-se de man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurançaimpetra<strong>do</strong> por pensionista, na condição de beneficiária a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>, contra ato <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> deContas <strong>da</strong> União que cancelou “unilateral e sumariamente (...) o pagamento <strong>da</strong> suapensão especial concedi<strong>da</strong> há dezoito anos”, ao argumento de que a a<strong>do</strong>ção não restaracomprova<strong>da</strong> “por instrumento jurídico adequa<strong>do</strong>, conforme determinam os arts. 28 e 35 <strong>da</strong>Lei n° 6.679, de 1979”.. Além disso, como está consigna<strong>do</strong> no voto <strong>da</strong> Ministra EllenGracie, “entre a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> escritura de a<strong>do</strong>ção, 30.07.84, e a <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> óbito <strong>do</strong> a<strong>do</strong>tante,07.08.84, decorreu apenas uma semana. Oscar de Moura, bisavô <strong>da</strong> impetrante, aoa<strong>do</strong>tar e em segui<strong>da</strong> vier a falecer, aos 83 anos de i<strong>da</strong>de, estava com câncer. Ascircunstâncias evidenciam a simulação <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção com o claro propósito de manutenção<strong>da</strong> pensão previdenciária. E mais, a a<strong>do</strong>ção foi feita sem a forma prevista em lei e é nula,nos termos <strong>do</strong>s artigos 83, 130, 145, III e 146 <strong>do</strong> Código Civil, não poden<strong>do</strong> produzirefeitos”.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>52


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>A impetrante, na fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> ação, alegou que o ato impugna<strong>do</strong> era“atentatório contra os direitos à ampla defesa, ao contraditório, ao devi<strong>do</strong> processo legal,ao direito adquiri<strong>do</strong> e à coisa julga<strong>da</strong>”.O STF, por maioria, concedeu o man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança por entender ter si<strong>do</strong>desrespeita<strong>do</strong> o princípio <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa. Entretanto, no voto queconduziu a decisão, o Ministro Gilmar Mendes fez estas considerações:“Impressiona-me, ademais, o fato de a cassação <strong>da</strong> pensão ter ocorri<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>s18 anos de sua concessão – e agora já são 20 anos. Não estou seguro de que se possainvocar o art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784, de 1999 (...) – embora tenha si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s incentiva<strong>do</strong>res<strong>do</strong> projeto que resultou na aludi<strong>da</strong> lei – uma vez que, talvez de forma orto<strong>do</strong>xa, esseprazo não deve ser computa<strong>do</strong> com efeitos retroativos. Mas afigura-se-me inegável quehá um “quid” relaciona<strong>do</strong> com a segurança jurídica que recomen<strong>da</strong>, no mínimo, maiorcautela em caso como os <strong>do</strong>s autos. Se estivéssemos a falar de direito real, certamente jáseria invocável a usucapião”. Após mencionar pronunciamentos <strong>do</strong>utrinários sobre asegurança jurídica, assim conclui: “É possível que, no caso em apreço, fosse até de secogitar <strong>da</strong> aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, de forma integral, de mo<strong>do</strong> aimpedir o desfazimento <strong>do</strong> ato. Diante, porém, <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> formula<strong>do</strong> e <strong>da</strong> “causa petendi”limito-me aqui a reconhecer a forte plausibili<strong>da</strong>de jurídica desse fun<strong>da</strong>mento”.( c) No terceiro, MS 22.357/DF, o que se discutia era a manutenção <strong>do</strong>s atos deadmissão de emprega<strong>do</strong>s de empresas públicas e de socie<strong>da</strong>des de economia mista (nocaso, concretamente, tratava-se <strong>da</strong> INFRAERO), sem concurso público, contravin<strong>do</strong>,assim, preceitos constitucionais (CF, art. 37, I e II). Houve, no passa<strong>do</strong>, controvérsiasobre a aplicação dessas normas constitucionais às empresas públicas e às socie<strong>da</strong>desde economia mista, em face <strong>do</strong> disposto no art. 173, § 1°, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, quetinha este enuncia<strong>do</strong>, na sua re<strong>da</strong>ção originária: “A empresa pública, a socie<strong>da</strong>de deeconomia mista e outras enti<strong>da</strong>des que explorem ativi<strong>da</strong>de econômica sujeitam-se aoregime jurídico <strong>da</strong>s empresas priva<strong>da</strong>s, inclusive quanto às obrigações trabalhistas etributárias”. A discussão restou pacifica<strong>da</strong> pela decisão <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> noMan<strong>da</strong><strong>do</strong> de Segurança n° 21.322, relator Min. Paulo Brossard, publica<strong>da</strong> no Diário Oficial23.04.93, acórdão que subordinou a admissão de emprega<strong>do</strong>s naquelas enti<strong>da</strong>des àexigência constitucional <strong>do</strong> concurso público.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>53


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Contu<strong>do</strong>, o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, em decisão proferi<strong>da</strong> em 06.06.1990, jáhavia chega<strong>do</strong> a esse mesmo entendimento, haven<strong>do</strong>-se firma<strong>do</strong> naquela Corte deContas a orientação de que só deveriam ser anula<strong>do</strong>s os atos de admissão posterioresàquela <strong>da</strong>ta, e não os realiza<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong>, a partir <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Constituição de1.988.O Ministro Gilmar Mendes, no acórdão que estamos examinan<strong>do</strong>, assim conclui aexposição <strong>do</strong>s fatos:“Está certo, portanto, que, embora o <strong>Tribunal</strong> de Contas houvesse, em 06.06.90,firma<strong>do</strong> o entendimento quanto à indispensabili<strong>da</strong>de de concurso público para a admissãode servi<strong>do</strong>res nas empresas estatais, considerou aquela Corte que, no caso <strong>da</strong>INFRAERO, ficava a empresa obriga<strong>da</strong> a observar a orientação para as novascontratações. Essa orientação foi revista no julgamento <strong>da</strong>s contas <strong>do</strong> exercício de 1.991,assentan<strong>do</strong> o <strong>Tribunal</strong> que a empresa deveria regularizar as 366 admissões, sob pena denuli<strong>da</strong>de (fls.492). Ao julgar o Recurso de Revisão, o prazo de 30 dias para a a<strong>do</strong>ção <strong>da</strong>sprovidências referi<strong>da</strong>s foi dilata<strong>do</strong> para 195 dias conta<strong>do</strong>s de 09.05.95, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicaçãono Diário Oficial. No entanto, ten<strong>do</strong> meu antecessor, Néri <strong>da</strong> Silveira, deferi<strong>do</strong>, em parte,aos 02.10.1995, a liminar (fls.622), não se executou a decisão <strong>do</strong> TCU, objeto <strong>do</strong> presenteman<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança “.Após repetir as considerações <strong>do</strong>utrinárias constantes <strong>da</strong>s duas decisõesanteriores <strong>do</strong> STF, a respeito <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, prossegue o voto <strong>do</strong> Min.Gilmar Mendes:“Considera-se, hodiernarmente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional(princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito) e está disciplina<strong>do</strong>, parcialmente, no plano federal, na Lein° 9.784, de 29 de janeiro de 1.999 (v.g. art. 2°).Embora não se aplique diretamente à espécie, a Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de1999, que regula o Processo Administrativo no âmbito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong>,estabelece em seu art. 54 o prazo decadencial de cinco anos, conta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em queforam pratica<strong>do</strong>s os atos administrativos, para que a Administração possa anulá-los.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>54


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Vale lembrar que o próprio <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União aceitou a situação de fatoexistente à época, convali<strong>da</strong>n<strong>do</strong> as contratações e recomen<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a realização deconcurso público para admissões futuras. Observa-se que mais de 10 anos já sepassaram em relação às contratações ocorri<strong>da</strong>s entre janeiro de 1991 e novembro de1992, restan<strong>do</strong> constituí<strong>da</strong>s situações merece<strong>do</strong>ras de amparo.Dessa forma, meu voto é no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> deferimento <strong>da</strong> ordem, ten<strong>do</strong> em vista asespecíficas e excepcionais circunstâncias <strong>do</strong> caso em exame. E aqui considerosobretu<strong>do</strong>: a boa-fé <strong>do</strong>s impetrantes; a existência de processo seletivo rigoroso e acontratação conforme o regulamento <strong>da</strong> INFRAERO; a existência de controvérsia, àépoca <strong>da</strong> contratação, quanto à exigência de concurso público, nos moldes <strong>do</strong> art. 37, II,<strong>da</strong> Constituição, no âmbito <strong>da</strong>s empresas públicas e socie<strong>da</strong>des de economia mista; ofato de que houve dúvi<strong>da</strong> quanto à correta interpretação <strong>do</strong> art. 37, II, em face <strong>do</strong> art. 173,§1°, no âmbito <strong>do</strong> próprio TCU; o longo perío<strong>do</strong> de tempo transcorri<strong>do</strong> <strong>da</strong>s contratações ea necessi<strong>da</strong>de de garantir segurança jurídica a pessoas que agiram de boa-fé.Assim meu voto é no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> segurança para afastar (1) aressalva <strong>do</strong> Acórdão n° 110/93, Processo TC n° 016.629/92-2, publica<strong>do</strong> em 03.11.93,que determinou a regularização <strong>da</strong>s admissões efetiva<strong>da</strong>s sem concurso público após adecisão <strong>do</strong> TCU de 16.05.90 (proferi<strong>da</strong> no processo TC n° 006.658/89-0), e, (2) emconseqüência, a alega<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s contratações <strong>do</strong>s impetrantes”.16. Fica claro, assim, que embora a jurisprudência nacional, particularmente a <strong>do</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong>, já se tivesse manifesta<strong>do</strong>, no passa<strong>do</strong>, em favor <strong>da</strong> manutenção deatos administrativos inváli<strong>do</strong>s, por ilegais, sen<strong>do</strong> até mesmo numerosas as decisões denossos tribunais superiores nesse senti<strong>do</strong>, nota<strong>da</strong>mente em casos de alunos queconcluíram curso superior apresentan<strong>do</strong> falhas ou irregulari<strong>da</strong>des em seu currículoescolar (p.ex. omissão de determina<strong>da</strong>s disciplinas que deveriam ter si<strong>do</strong> cursa<strong>da</strong>s e nãoo foram), falhas essas só apura<strong>da</strong>s quan<strong>do</strong> já diploma<strong>do</strong>s e no exercício de ativi<strong>da</strong>deprofissional 29 , a fun<strong>da</strong>mentação jurídica era, a nosso juízo, deficiente.29Colho os seguintes exemplos em Teori Albino Zavascki, Eficácia <strong>da</strong>s Sentenças na Jurisdição Constitucional, SP,RT, 2001, p.50, nota 28:Do STF : RTJ 33:280, 37:249, 41:252, 41:593, 45: 593, 45:589, 95: 475, 104:1284, 119:829,RDA 114:288. Do STJ : EREsp 140.726, DJ de 16.08.99, p.40; EREsp 155.052, DJ de 19.04.99, p.72; Resp 137.989,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>55


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Nessas decisões, a justificativa <strong>da</strong> manutenção <strong>do</strong> ato administrativo inváli<strong>do</strong>repousa, quase sempre, na situação de fato por ele constituí<strong>da</strong>, mas que, apesar <strong>da</strong>ilegali<strong>da</strong>de originária, persistiu dura<strong>do</strong>uramente, por vezes sustenta<strong>da</strong> por decisão judicialdepois reforma<strong>da</strong>, acaban<strong>do</strong> tal situação de fato, nas circunstâncias menciona<strong>da</strong>s, porgerar para os destinatários <strong>do</strong> ato administrativo direito a permanecerem no gozo <strong>da</strong>svantagens ilegitimamente outorga<strong>da</strong>s.Conquanto a conclusão nos pareça incensurável, a fun<strong>da</strong>mentação é, semnenhuma dúvi<strong>da</strong>, pouco convincente. Não se compreende, na ver<strong>da</strong>de, seguin<strong>do</strong> a linha<strong>da</strong> argumentação a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>, como situação de fato, nasci<strong>da</strong> de ilegali<strong>da</strong>de, podetransformar-se em situação de direito, e ain<strong>da</strong> mais de direito com as características queo habilitam a ser defendi<strong>do</strong> por man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança.Por certo, no direito priva<strong>do</strong>, encontramos o instituto <strong>da</strong> usucapião, em que umasituação de fato, a posse, ain<strong>da</strong> que estabeleci<strong>da</strong> sem justo título e sem boa-fé, masdesde que se mantenha mansa e pacífica por determina<strong>do</strong> lapso de tempo, termina porresultar em aquisição, pelo possui<strong>do</strong>r, <strong>do</strong> direito de proprie<strong>da</strong>de. Seria desproposita<strong>do</strong>,porém, à míngua de princípio constitucional ou de disposição legal, tentar estabelecer, nodireito público, analogia com aquele instituto <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>.A única solução <strong>do</strong> problema que se apresenta adequa<strong>da</strong> é a que identifica, noordenamento constitucional, princípio <strong>do</strong> mesmo nível hierárquico <strong>do</strong> que o <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,e que com este possa ser pondera<strong>do</strong>, num balancing test, em face <strong>da</strong> situação concretaem exame.Em julga<strong>do</strong>s de 1986 e 1993 30 e, por último, em acórdão de setembro de 2003 31 , oSupremo <strong>Tribunal</strong> manteve vantagens atribuí<strong>da</strong>s, inconstitucionalmente ou ilegalmente, amagistra<strong>do</strong>s e a servi<strong>do</strong>res públicos, com base no princípio <strong>da</strong> irredutibili<strong>da</strong>de devencimentos.DJ de 10.05.99, p.134;REsp 163.185, DJ de 26.04.99, p. 82; REsp 144.770, DJ de 26.04.99, p.41; REsp 175.313, DJ de22.03.99, p. 70.30 Consulte-se, outra vez, Teori Albino Zavascki, op. cit., p.50, nota 29 : STF, RE 105.789, 2ª Turma, Ministro CarlosMadeira, RTJ 118:300; RE 122.202, 2ª Turma, Ministro Francisco Rezek, DJ de 08.04.94.31 RE n°378.932/PE, rel. Ministro Carlos Britto, Informativo STF n°323.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>56


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>amplitude que for permiti<strong>da</strong>, não só pelos outros princípios e regras, como também pelascircunstâncias fáticas. 34No referente ao art. 54, o legisla<strong>do</strong>r determinou que após o transcurso <strong>do</strong> prazo decinco anos sem que a autori<strong>da</strong>de administrativa tivesse exerci<strong>do</strong> o direito de anulação deato administrativo favorável, ela decairia desse direito, a menos que o beneficia<strong>do</strong> peloato administrativo tivesse agi<strong>do</strong> com má fé.Como se trata de regra, ain<strong>da</strong> que inspira<strong>da</strong> num princípio constitucional, o <strong>da</strong>segurança jurídica, não há que se fazer qualquer ponderação entre o princípio <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de e o <strong>da</strong> segurança jurídica, como anteriormente à edição dessa regra eranecessário proceder. O legisla<strong>do</strong>r ordinário é que efetuou essa ponderação, decidin<strong>do</strong>-sepela prevalência <strong>da</strong> segurança jurídica, quan<strong>do</strong> verifica<strong>da</strong>s as circunstânciasperfeitamente descritas no preceito. Atendi<strong>do</strong>s os requisitos estabeleci<strong>do</strong>s na norma, istoé, transcorri<strong>do</strong> o prazo de cinco anos e inexistin<strong>do</strong> a comprova<strong>da</strong> má fé <strong>do</strong>s destinatários,opera-se, de imediato, a decadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> Administração Pública federal deextirpar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico o ato administrativo por ela exara<strong>do</strong>, quer pelos seus própriosmeios, no exercício <strong>da</strong> autotutela, quer pela propositura de ação judicial visan<strong>do</strong> adecretação de invali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele ato jurídico. Com a decadência, mantém-se o atoadministrativo com to<strong>do</strong>s os efeitos que tenha produzi<strong>do</strong>, bem como fica assegura<strong>da</strong> acontinui<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s seus efeitos no futuro.O art. 54 revogou, em parte, o art. 114 <strong>da</strong> Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990(Lei <strong>do</strong> Regime Jurídico Único), segun<strong>do</strong> o qual “a Administração deverá rever seus atos,34 Escreve Alexy, em livre tradução nossa: “Ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípiossão normas que ordenam, tanto quanto possível, observa<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des jurídicas e fáticas, sejam realiza<strong>da</strong>s namaior medi<strong>da</strong>. Princípios são, pois, coman<strong>do</strong>s de otimização, os quais se caracterizam por poderem ser atendi<strong>do</strong>s emdistintos graus e que a medi<strong>da</strong> <strong>do</strong> seu preenchimento depende não apenas <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des fáticas como também <strong>da</strong>spossibili<strong>da</strong>des jurídicas. O âmbito <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des jurídicas é defini<strong>do</strong> pela combinação de princípios e regras”. Nooriginal: “Der für die Unterscheidung von Regeln um Prinzipien entscheidente Punkt ist, <strong>da</strong>ss Prinzipien Normen sind,die gebieten, <strong>da</strong>ss etwas in einen relativ auf die rechtlichen und tatsächlichen Möglichkeiten möglichst hohen Masserealisiert wird. Prinzipien sind demnach Optimierungsgebote, die <strong>da</strong>durch charakterisiert sind, <strong>da</strong>ss sie inunterschiedlichen Graden erfüllt werden können und <strong>da</strong>ss <strong>da</strong>s gebotene Mass ihrer Erfüllun nicht nur von dentatsälichen, sondern auch von den rechtlichen Möglichkeiten wird durch gegenläufige Prinzipien und Regelenbestimmt” (Theorie der Grundrechte, Frankfurt, Suhrkamp, 1996, p.75-76). Exemplo de limitações fáticas encontramosna realização <strong>da</strong> norma <strong>do</strong> art.7º, IV, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, que dispõe sobre o salário mínimo <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>resurbanos e rurais e que determina que ele seja “capaz de atender a suas necessi<strong>da</strong>des vitais básicas e às de sua famíliacom moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social...”. Trata-se denorma que tem a natureza de princípio, como ordinariamente ocorre com as normas que consagram direitosfun<strong>da</strong>mentais. É evidente, porém, que a “otimização” <strong>do</strong> princípio constitucional atinente ao salário mínimo écondiciona<strong>da</strong> pela conjuntura econômica <strong>do</strong> país.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>59


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________absolutamente incapaz ou não tiver a pretensão conteú<strong>do</strong> patrimonial (CC, art. 194; CPC,art. 219, § 5°).20. Certos direitos, por outro la<strong>do</strong>, são despi<strong>do</strong>s de pretensão. Tal é o que sucedecom os direitos de crédito resultantes <strong>do</strong> jogo e <strong>da</strong> aposta (CC, art. 814), tambémchama<strong>do</strong>s de direitos mutila<strong>do</strong>s 35 , e com os direitos potestativos, ou formativos, como sãoconheci<strong>do</strong>s e designa<strong>do</strong>s no direito alemão desde a clássica conferência de Emil Seckel,pronuncia<strong>da</strong> em 1903, em Berlim. 36Entre esses direitos potestativos, ou formativos, <strong>da</strong> espécie <strong>do</strong>s formativosextintivos, está o de pleitear a decretação de invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos jurídicos 37 ou o depronunciar-lhes diretamente a invali<strong>da</strong>de, como acontece no exercício <strong>da</strong> autotuelaadministrativa. Os direitos formativos não têm pretensão e a eles igualmente nãocorresponde, no la<strong>do</strong> passivo <strong>da</strong> relação jurídica, qualquer dever jurídico. Quem esteja nola<strong>do</strong> passivo fica, porém, sujeito ou exposto a que, pelo exercício <strong>do</strong> direito pela outraparte, nasça, se modifique ou se extinga direito, conforme o direito formativo seja gera<strong>do</strong>r,modificativo ou extintivo. No que concerne especificamente ao direito formativo àinvali<strong>da</strong>ção de ato jurídico não é diferente. A Administração Pública, quan<strong>do</strong> lhe cabeesse direito relativamente aos seus atos administrativos, não tem qualquer pretensãoquanto ao destinatário <strong>da</strong>queles atos. Este, o destinatário, entretanto, fica meramentesujeito ou exposto a que a Administração Pública postule a invali<strong>da</strong>ção perante o PoderJudiciário ou que ela própria realize a anulação, no exercício <strong>da</strong> autotutela administrativa.21. À luz desses pressupostos, é irrecusável que o prazo <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n°9.784/99 é de decadência e não de prescrição. O que se extingue, pelo transcurso <strong>do</strong>prazo, desde que não haja má fé <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, é o próprio direito <strong>da</strong> AdministraçãoPública federal de pleitear a anulação <strong>do</strong> ato administrativo, na esfera judicial, ou de elaprópria proceder a essa anulação, no exercício <strong>da</strong> autotutela administrativa. Esse prazonão é passível de suspensão ou interrupção, como geralmente sucede, aliás, com os35 Pontes de Miran<strong>da</strong>, Trata<strong>do</strong> de Direito Priva<strong>do</strong>, vol 6°, Rio, Borsoi, 1955, p.40 e segs.36Die Gestaltungsrechte des Bürgerlichenrechts, Darmstadt, 1954, Buchgemeinschaft Wissenschaftlche,Sonderausgabe.37 Pontes de Miran<strong>da</strong>, Trata<strong>do</strong> de Direito Priva<strong>do</strong>, vol. 5, p.243.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>61


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>prazos decadenciais. De outro la<strong>do</strong>, – insista-se – não existe pretensão à invali<strong>da</strong>ção 38 ,pois na<strong>da</strong> há exigir no comportamento <strong>da</strong> outra parte, como também nenhum deverjurídico corresponde ao direito a invali<strong>da</strong>r, o que já se ressaltou ser traço característico<strong>do</strong>s direitos formativos.22. Alguns têm sustenta<strong>do</strong>, em interpretação muito acanha<strong>da</strong> <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99,que a decadência <strong>do</strong> direito à anulação só operaria no âmbito <strong>da</strong> autotutelaadministrativa, mas que o Poder Público, após o transcurso <strong>do</strong> prazo <strong>do</strong> art. 54, teriaain<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de de pleitear a decretação <strong>da</strong> invali<strong>da</strong>de perante o Poder Judiciário.Ora, o que perece, o que é inexoravelmente extinto pela decadência é o própriodireito à anulação, não importa em que âmbito seja ele exerci<strong>do</strong>, se na esfera <strong>da</strong>Administração Pública ou na <strong>do</strong> Poder Judiciário. 39Não teria qualquer senti<strong>do</strong> que a extinção <strong>do</strong> direito apenas se desse no seio <strong>da</strong>Administração Pública, mas que ele continuasse vivo para que o Poder Público tivesse apossibili<strong>da</strong>de de exercê-lo em ação judicial. Isso seria ilógico e incongruente, pois ficariasem explicação a razão pela qual o legisla<strong>do</strong>r teria instituí<strong>do</strong> essa limitação para aAdministração Pública, restringin<strong>do</strong> seus poderes de autotutela e crian<strong>do</strong>, por assim dizer,<strong>do</strong>is direitos à anulação, um para fins administrativos e outro para fins judiciais. Esseentendimento equivoca<strong>do</strong> parece ter origem em outro erro, grave mas não incomum, deque prescrição e decadência são institutos de direito processual e não de direito material.Se assim efetivamente fosse, poderia acontecer que existisse decadência ou prescriçãode determina<strong>da</strong> ação processual, mas que outras ações processuais subsistissem; ouain<strong>da</strong> que, embora inexistente ou extinta a ação de direito material à anulação, estapudesse ser realiza<strong>da</strong> por meio de ação processual. O nosso Código de Processo Civilacerta<strong>da</strong>mente reconhece, porém, em consonância com a mais autoriza<strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina, que38 Corrigimos aqui o que escrevemos em nosso estu<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> em RDA 204/21-31, pois, como já havíamos afirma<strong>do</strong>bem antes, em 1969, (“Atos Jurídicos de Direito Administrativo Pratica<strong>do</strong>s por Particulares e Direitos Formativos” -RDA 95/19-37) o direito a invali<strong>da</strong>r, como direito formativo que é, não tem pretensão, e, assim, não é passível deprescrição mas só de decadência.39 Muitos direitos formativos só podem ser exerci<strong>do</strong>s com a colaboração <strong>do</strong> Poder Judiciário, em ação de direitoprocessual. Tal é o que ocorre com o exercício <strong>do</strong> direito a separar-se judicialmente. Em outras situações, como nadesapropriação, ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> forma consensual <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> desapropriação amigável, existe a desapropriação que serealiza mediante a ação específica. Sempre é indispensável, entretanto, que exista o direito subjetivo material.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>62


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>decadência e prescrição são institutos de direito material, tanto assim que a decisão queas pronuncia é decisão de mérito. 40Extinto, portanto, pela decadência, o direito de anular, não há mais como exercitálo,por qualquer maneira ou via. Não se contesta que a lei possa estabelecer adecadência de determina<strong>do</strong> direito, a ser exerci<strong>do</strong> no campo processual, como, p.ex., odireito de impetrar man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança no prazo de 120 dias, sob pena de decadência<strong>do</strong> direito à utilização <strong>da</strong>quela ação constitucional; ou o direito de propor ação executivabasea<strong>da</strong> em título de crédito no prazo de três anos. Nessas hipóteses a decadênciaatinge apenas o direito de exercer determina<strong>da</strong> ação processual e não o direito material, oqual poderá ser satisfeito por outras vias processuais.23. Não é isso, porém, o que sucede com o art. 54. O que é atingi<strong>do</strong> peladecadência, nesse preceito, é o direito <strong>da</strong> Administração Pública de anular seus própriosatos administrativos, não por uma ou mais ações, mas por qualquer tipo ou espécie deação, quer de direito processual, quer de direito material. A anulação de ato administrativopelo exercício de autotutela administrativa é exercício de ação de direito material, éexercício de direito formativo extintivo.24. A decadência prevista no art. 54 deve ser conheci<strong>da</strong> pelo juiz de ofício,consoante o que dispõe, com rigor técnico, o art. 210 <strong>do</strong> novo Código Civil: “Deve o juiz,de ofício, conhecer <strong>da</strong> decadência, quan<strong>do</strong> estabeleci<strong>da</strong> por lei”, diferentemente <strong>do</strong> quese passa com a prescrição que, em geral, tem de ser argüi<strong>da</strong>. 41Graduação de efeitos <strong>da</strong> decadência?25. O art. 54 <strong>da</strong> Lei <strong>do</strong> Processo Administrativo <strong>da</strong> União diz respeito – é bomrepetir – à decadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> Administração de anular seus atos administrativos enão, meramente, a eficácia por eles produzi<strong>da</strong>. Vista a questão por este ângulo, torna fácil40 Declara o art. 269: “Extingue-se o processo com julgamento de mérito (...) IV – quan<strong>do</strong> o juiz pronunciar adecadência ou a prescrição”.41 Novo Código Civil, art. 194: “O Juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer aabsolutamente incapaz”. Veja-se item 15, acima.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>63


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>perceber que extinto, pela decadência, o direito à anulação, permanece no mun<strong>do</strong> jurídicoo ato administrativo com to<strong>do</strong>s os seus efeitos, como se váli<strong>do</strong> fosse.Nesse quadro, seria ilógico afirmar que, após o prazo de cinco anos, não poderiamais a Administração modificar os efeitos produzi<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong>, mas poderia sustar osefeitos pro futuro <strong>do</strong> ato administrativo inváli<strong>do</strong>, como afirma<strong>do</strong> em algumas decisões.Também já se disse que a disposição <strong>do</strong> art. 54 é regra e não princípio.Verifica<strong>do</strong>s os seus pressupostos de incidência (transcurso <strong>do</strong> prazo de cinco anos e boafé<strong>do</strong> destinatário), caberá apenas ao juiz ou ao aplica<strong>do</strong>r <strong>da</strong> regra declarar a decadência,reconhecen<strong>do</strong> a extinção <strong>do</strong> direito à anulação <strong>do</strong> ato e de to<strong>do</strong>s os seus efeitos, emqualquer tempo, no passa<strong>do</strong> e no futuro. A decadência atinge o direito à anulação ou àinvali<strong>da</strong>ção na sua integrali<strong>da</strong>de; dele na<strong>da</strong> sobra, pois a lei não estabelece nenhumaexceção nesse senti<strong>do</strong>.Como não cabe ao intérprete ou ao aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> art. 54 efetuar qualquer“ponderação” entre princípios, pois, no caso, essa ponderação já foi feita pelo legisla<strong>do</strong>r,não tem ele qualquer espaço para estabelecer soluções gradualistas, de maior ou menorintensi<strong>da</strong>de, de maior ou menor extensão, ao reconhecer a decadência. É “tu<strong>do</strong> ou na<strong>da</strong>”:ou a decadência se consumou e o ato administrativo se tornou inatingível por providênciaulterior <strong>da</strong> Administração Pública, ou não se consumou, e o ato administrativo, então,pode ser anula<strong>do</strong>.Não se pode confundir regra sobre decadência <strong>do</strong> direito a anular ato jurídico comregra legal que disciplina o ato de anulação ou de declaração de invali<strong>da</strong>de de atojurídico. Neste último caso, pode a regra estabelecer quais os efeitos que terá a anulação,se os efeitos serão ex tunc ou ex nunc, ou se haverá ain<strong>da</strong> situações intermediárias entreesses <strong>do</strong>is extremos, ou limites <strong>da</strong> eficácia no futuro. É dessa espécie, por exemplo, aregra <strong>do</strong> § 48, (2), 3, n°1, <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo alemã. 42 No plano <strong>do</strong> nossoDireito Constitucional encontramos símile, como já destaca<strong>do</strong>, nas disposições, <strong>do</strong> art. 27<strong>da</strong> Lei 9.866/99 e <strong>do</strong> art.11 <strong>da</strong> Lei n° 9.882/99, que autorizam o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>a graduar os efeitos <strong>da</strong> declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei.42 Vd. nota 74 infra.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>64


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Cogitan<strong>do</strong>-se, porém, de decadência, não há meio termo e inexiste qualquerpossibili<strong>da</strong>de de graduação.Que direito é atingi<strong>do</strong> pela decadência?26. O direito <strong>da</strong> Administração Pública que é atingi<strong>do</strong> pela decadência é o deanular seus próprios atos administrativos, (a) quan<strong>do</strong> eiva<strong>do</strong>s de vício de legali<strong>da</strong>de e (b)e quan<strong>do</strong>, desses atos administrativos, decorram efeitos favoráveis para os destinatários.É o que facilmente se depreende <strong>da</strong> leitura conjunta <strong>do</strong>s arts. 53 e 54 <strong>da</strong> Lein°.9.784/99, disposições que estão intimamente correlaciona<strong>da</strong>s. O art. 53, com umapequena mas importante variante, repete o enuncia<strong>do</strong> na Súmula 473, <strong>do</strong> STF. 43 Declarao art. 53: “A administração deve anular seus próprios atos quan<strong>do</strong> eiva<strong>do</strong>s de vício deilegali<strong>da</strong>de, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportuni<strong>da</strong>de respeita<strong>do</strong>s osdireitos adquiri<strong>do</strong>s”. E o art. 54 acrescenta que esse direito de anular refere-seexclusivamente aos atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis. Vejamoscom mais vagar essas duas situações.(a) Atos administrativos ilegais – Quanto a este ponto, cabe esclarecer, inicialmente,se o direito <strong>da</strong> Administração Pública à invali<strong>da</strong>ção de seus próprios atos administrativos,suscetível de decadência, compreende to<strong>do</strong> o universo <strong>do</strong>s atos administrativosdefeituosos, por vício de legali<strong>da</strong>de, ou apenas uma parte deles. Já se vê que para issoserá necessário definir, quan<strong>do</strong> menos nos seus traços gerais, qual o sistema deinvali<strong>da</strong>de de atos administrativos que pensamos vigorar no direito brasileiro, uma vezque a legislação nacional só muito incompletamente, na Lei <strong>da</strong> Ação Popular (Lei n°4.717, de 29 de junho de 1965). tratou <strong>do</strong>s vícios <strong>do</strong>s atos administrativos.27. Essa lei, já no seu art. 1°, distinguiu entre atos administrativos nulos eanuláveis, estabelecen<strong>do</strong>, depois, nos arts. 2° e 4°, um catálogo <strong>do</strong>s atos administrativosnulos. O art. 2° discrimina causas genéricas de nuli<strong>da</strong>de (incompetência, vício de forma,43 A Súmula 473 <strong>do</strong> STF está assim redigi<strong>da</strong>: “A Administração pode anular seus próprios atos, quan<strong>do</strong> eiva<strong>do</strong>s devícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ouoportuni<strong>da</strong>de, respeita<strong>do</strong>s os direitos adquiri<strong>do</strong>s e ressalva<strong>da</strong>, em to<strong>do</strong>s os casos, a apreciação judicial”.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>65


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>ilegali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> objeto, inexistência <strong>do</strong>s motivos) e o art. 4° arrola várias espécies de atos econtratos que, por desobediência a prescrições indica<strong>da</strong>s naquela mesma disposição,incorreriam em nuli<strong>da</strong>de. O art. 3°, a seu turno, preceitua que os atos lesivos aopatrimônio público, cujos vícios não se compreen<strong>da</strong>m nas especificações <strong>do</strong> art. 2°, sãoanuláveis. Por fim, o art. 21 <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong> Ação Popular assim declara: “A ação prevista nestalei prescreve em cinco anos”.Como se vê, a lei não esclarece que conseqüências práticas decorrem <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>deou <strong>da</strong> anulabili<strong>da</strong>de, nem mesmo explicita a que atos se refere o direito atingi<strong>do</strong> peladecadência, uma vez que a regra <strong>do</strong> art. 21 – que na ver<strong>da</strong>de é de decadência e não deprescrição – tem si<strong>do</strong> aplica<strong>da</strong> indiscrimina<strong>da</strong>mente, tanto aos casos de nuli<strong>da</strong>de comoaos de anulabili<strong>da</strong>de. E, <strong>da</strong><strong>do</strong> que a sentença que é proferi<strong>da</strong> na ação popular tem“eficácia de coisa julga<strong>da</strong> oponível “erga omnes”, exceto no caso de haver si<strong>do</strong> a açãojulga<strong>da</strong> improcedente por deficiência de prova...”, consoante o art. 18, se a decisão finalproferi<strong>da</strong> na ação concluir pela inexistência de nuli<strong>da</strong>de, ninguém mais, em nenhumaoutra ação, poderá postular sua decretação e nenhum juiz, de ofício, poderá tambémpronunciá-la.28. De qualquer mo<strong>do</strong>, a Lei <strong>da</strong> Ação Popular lançou as primeiras linhas de ummodelo de tratamento <strong>da</strong> invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos orienta<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong>instituição de um regime específico, diferente <strong>do</strong>s consagra<strong>do</strong>s paradigmas <strong>do</strong> DireitoPriva<strong>do</strong>. Não houve, porém, além <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong> Ação Popular, outro texto legislativo quecui<strong>da</strong>sse de desenvolver e de melhor articular o sistema, completan<strong>do</strong>-o com disposiçõesmais detalha<strong>da</strong>s e abrangentes, especialmente na identificação <strong>da</strong>s conseqüências <strong>da</strong>nuli<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> anulabili<strong>da</strong>de, disposições em cuja feitura deveriam ser considera<strong>da</strong>s asricas contribuições <strong>do</strong> direito compara<strong>do</strong>.29. Esse desenho, que ficou assim embrionário e muito imperfeito, de um sistemade invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos jurídicos de Direito Administrativo, tem permiti<strong>do</strong> que o temacontinue sen<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, na prática <strong>do</strong>s tribunais, e, por vezes na própria <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong>Direito Administrativo, dentro de uma perspectiva acentua<strong>da</strong>mente civilista. É certo quepara isso tem contribuí<strong>do</strong> não apenas a ausência de uma Justiça Administrativa no Brasil,composta por juízes especializa<strong>do</strong>s, como também a vizinhança com o sistema semprevisita<strong>do</strong>, por advoga<strong>do</strong>s e julga<strong>do</strong>res, <strong>da</strong>s invali<strong>da</strong>des no Direito Priva<strong>do</strong>, especialmenteEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>66


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>a<strong>da</strong>ptações substanciais, o resulta<strong>do</strong> que obteríamos é que a imensa maioria <strong>do</strong>s atosadministrativos inváli<strong>do</strong>s seria constituí<strong>da</strong> por atos administrativos nulos, ten<strong>do</strong> em vistaque, nas mais <strong>da</strong>s vezes, a invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo decorre <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de. Deoutro la<strong>do</strong>, as hipóteses de anulabili<strong>da</strong>de considera<strong>da</strong>s no Direito Priva<strong>do</strong>, tais como, porexemplo, incapaci<strong>da</strong>de relativa <strong>do</strong> agente, erro, <strong>do</strong>lo, coação, fraude contra cre<strong>do</strong>res,esta<strong>do</strong> de perigo, são raramente encontradiças nas relações jurídicas de DireitoAdministrativo, bem ao contrário <strong>do</strong> que sucede com as relações jurídicas estabeleci<strong>da</strong>sentre os indivíduos.31. As dificul<strong>da</strong>des de implantação no Direito Administrativo de enxertos extraí<strong>do</strong>s<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>s invali<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s atos jurídicos de Direito Priva<strong>do</strong> – dificul<strong>da</strong>des que amiúdese transformam em ver<strong>da</strong>deiras incompatibili<strong>da</strong>des – são há muito reconheci<strong>da</strong>s pela<strong>do</strong>utrina nacional. 44Na ver<strong>da</strong>de, ao tratar de assegurar, no Direito Administrativo, à semelhança <strong>do</strong> queacontece no Direito Civil, um largo espaço para os atos administrativos nulos, com to<strong>do</strong> oseu cortejo de conseqüências (impossibili<strong>da</strong>de de sanação, de ratificação ou deconvali<strong>da</strong>ção; pronunciamento de ofício <strong>da</strong> invali<strong>da</strong>de; inexistência de decadência <strong>do</strong>direito a postular a decretação <strong>da</strong> sua invali<strong>da</strong>de, ou a pronunciá-la no exercício <strong>da</strong>autotutela administrativa), como por vezes ressai de algumas decisões de nossostribunais, acaba-se por escolher caminho que segue em senti<strong>do</strong> contrário aos rumos quemodernamente tem toma<strong>do</strong> o Direito Administrativo <strong>do</strong>s países europeus maisdesenvolvi<strong>do</strong>s, que sempre nos influenciaram, e <strong>da</strong> própria União Européia.Para resumir em poucas palavras os grandes traços dessas tendênciascontemporâneas <strong>do</strong> Direito Administrativo, em matéria de invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atosadministrativos, pode-se dizer que os atos inváli<strong>do</strong>s continuam sen<strong>do</strong> dividi<strong>do</strong>s em atosnulos e em atos anuláveis, como sempre se fez, mas possuin<strong>do</strong> agora esses qualificativosum outro conteú<strong>do</strong> semântico. A diferença com os esquemas de pensamento tradicional44 Seabra Fagundes, O Controle <strong>do</strong>s Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, Rio, Konfino, 1950, p.58 e segs.; HelyLopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2002, p.197 e segs.; Celso Antônio Bandeirade Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2002, p. 407 e segs; Diogo de Figueire<strong>do</strong> MoreiraNeto, Curso de Direito Administrativo, Rio, Forense, 2001, p. 145; Maria Sylvia Zanella di Pietro, DireitoAdministrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p.225 e segs.; Diógesnes Gasparin, Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva,1992, p. 102 e segs; Wei<strong>da</strong> Zancaner, Da Convali<strong>da</strong>ção e <strong>da</strong> Invali<strong>da</strong>ção <strong>do</strong>s Atos Administrativos, São Paulo,Malheiros, 1993, p.79 e segs; Carlos Ari Sundfeld, Ato Administrativo Inváli<strong>do</strong>, São Paulo, Editora Revista <strong>do</strong>sTribunais, 1990, p. 41 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>68


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>está em que os atos administrativos nulos, na concepção atual, constituem um númeroextremamente diminuto de atos jurídicos, marca<strong>do</strong>s por tão evidente, estridente,manifesto e grosseiro vício que, no direito de alguns países, como a França e a Itália, sãoeles ti<strong>do</strong>s como atos inexistentes.32. É esta – a <strong>do</strong>s atos inexistentes –, como é sabi<strong>do</strong>, uma categoria conceitualelabora<strong>da</strong> no século XIX para caracterizar atos com to<strong>da</strong> a aparência de atos jurídicos,mas aos quais faltaria algum elemento indispensável para que assim fossemconsidera<strong>do</strong>s.A noção nasceu no direito de família e servia para afastar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídicosituações que não se afeiçoavam ao perfil conferi<strong>do</strong> à lei para determina<strong>da</strong>s instituições,como a <strong>do</strong> casamento. Assim, por exemplo, o casamento entre pessoas <strong>do</strong> mesmosexo. 45 No Brasil, a obra de Pontes de Miran<strong>da</strong> deu novo realce à categoria <strong>do</strong>s atosjurídicos inexistentes, ao separar, precisamente no tocante aos atos jurídicos, os planos<strong>da</strong> existência, <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> eficácia. 46Falar-se em atos jurídicos inexistentes parece ser, entretanto, uma contradição nosseus próprios termos. O que não é ou o que não existe no universo <strong>do</strong> Direito não podeser qualifica<strong>do</strong> de jurídico. Se isso é incontestável sob o ângulo rigorosamente lógico, nãose pode deixar de observar, entretanto, que certos atos são por vezes confundi<strong>do</strong>s comatos jurídicos, nota<strong>da</strong>mente com os atos jurídicos afeta<strong>do</strong>s por nuli<strong>da</strong>de absoluta,fazen<strong>do</strong>-se mister distinguir, nessas situações, entre o que é, mesmo invali<strong>da</strong>mente, e oque não chegou a existir juridicamente, embora se situasse muito próximo <strong>do</strong> Direito,numa zona em que, por vezes, poderá haver dificul<strong>da</strong>de na identificação <strong>do</strong> ser e <strong>do</strong> nãoser, nota<strong>da</strong>mente entre o que não chegou a existir e o que existiu invali<strong>da</strong>mente. 4733. Na França, no direito civil, a categoria <strong>do</strong>s atos jurídicos inexistentes ficouconfina<strong>da</strong> aos casos extremos, absolutamente excepcionais, em que claramente não se45 Veja-se, a propósito, Jacques Ghestin, Traité de Droit Civil - Les Obligations, le Contrat - Paris, L.G.D.J, 1980,p.631.46 Trata<strong>do</strong> de Direito Priva<strong>do</strong>, passim, mas especialmente vol. 4.47 Veja-se, quanto a este ponto, Miguel Reale, op. cit., p.62 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>69


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>verificaram os elementos necessários à configuração de certos atos como jurídicos, oualgum <strong>da</strong>queles elementos não se caracterizou. Assim, por exemplo, quan<strong>do</strong>, noscontratos, deixou de haver manifestação de vontade, ou inexistiu qualquer base materialcapaz de determinar o seu conteú<strong>do</strong>. 48Contu<strong>do</strong>, no Direito Administrativo francês, a categoria <strong>do</strong>s atos administrativosinexistentes foi, já no século XX, retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> penumbra em que repousava no Direito Civile revigora<strong>da</strong> com uma outra função e uma outra razão de sustentação, que hoje lhe sãoreconheci<strong>da</strong>s.34. É que os atos inváli<strong>do</strong>s, desde a decisão <strong>do</strong> Conselho de Esta<strong>do</strong>, no affaireDame Cachet 49 , de 1922, só podem ser desconstituí<strong>do</strong>s pela própria Administração nomesmo prazo estabeleci<strong>do</strong> para a interposição <strong>do</strong> recurso por excesso de poder, que é desessenta dias, prazo, como se vê, extremamente curto. Expira<strong>do</strong> esse prazo, o atoinváli<strong>do</strong> não pode mais ser ataca<strong>do</strong>, desconstituí<strong>do</strong> ou elimina<strong>do</strong>.Cogitan<strong>do</strong>-se, porém, de ato administrativo inexistente, sempre estaria em aberto apossibili<strong>da</strong>de de declaração <strong>da</strong> inexistência, não se lhes aplican<strong>do</strong>, portanto, o prazodecadencial de sessenta dias.Não há entretanto, qualquer critério para distinguir os atos administrativos nulos<strong>do</strong>s atos administrativos inexistentes. A noção de ato administrativo inexistente é, pois, naexpressão de alguns administrativistas eminentes, George Vedel entre eles, uma “noçãofuncional”, de que o juiz se utiliza diante <strong>da</strong> situação concreta. Ao aperceber-se <strong>da</strong>gravi<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> extensão <strong>da</strong>s lacunas verifica<strong>da</strong>s nos fatos com pretensão aoreconhecimento jurídico, o juiz liberta-se <strong>da</strong>s limitações e constrangimentos que ainvali<strong>da</strong>de lhe causaria (como, sobretu<strong>do</strong>, a impossibili<strong>da</strong>de de invali<strong>da</strong>ção após o prazode sessenta dias), invocan<strong>do</strong> a inexistência <strong>do</strong> ato administrativo.35 Aqui, como em tantos outros aspectos, o Direito Administrativo francês procedede mo<strong>do</strong> meramente empírico e pragmático. A fixar abstratamente elementos conceituais48 J.Ghestin, op. e vol. cits. p.635.49 Vd.M.Long/P.Weil/G.Braibant/P.Delvolvé/B.Genevois, Les Grands Arrêts de la Jurisprudence Administrative, Paris,Sirey,1993, p.221 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>70


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>caracteriza<strong>do</strong>res de uma distinção, por critérios racionais e lógicos, entre nuli<strong>da</strong>de einexistência <strong>do</strong>s atos administrativos, prefere ir compon<strong>do</strong>, topicamente, ao longo <strong>do</strong>sanos e ao influxo <strong>do</strong>s casos que vão sen<strong>do</strong> decidi<strong>do</strong>s, uma lista de situações em que ainexistência de atos administrativos é declara<strong>da</strong>.Segun<strong>do</strong> René Chapus 50 , a jurisprudência francesa considera, por exemplo, comojuridicamente inexistentes atos: a) emana<strong>do</strong>s de órgãos sem existência legal; b)manifestamente insuscetíveis de serem referi<strong>do</strong>s a um poder deti<strong>do</strong> pela Administração;c) cujo autor não tem poder de decisão; d) que impliquem invasão na competênciajudiciária; e) de “nommination pour ordre”, ou seja atos de nomeação que se destinam, naver<strong>da</strong>de, não a prover determina<strong>do</strong> cargo público mas a permitir que o interessa<strong>do</strong>obtenha benefícios pessoais com tal nomeação, por lhe ensejar acesso a outra posiçãoou a outras vantagens 51 ; f) que ignoram o limite de i<strong>da</strong>de para a permanência no serviçopúblico e mantêm o funcionário no cargo.Tais atos inexistentes não criam jamais direitos subjetivos, sen<strong>do</strong>, pois, revogáveisa qualquer tempo, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que, também a qualquer tempo, podem ter suainexistência declara<strong>da</strong>.Cumpre assinalar, entretanto, que os chama<strong>do</strong>s atos administrativos inexistentessão excepcionalíssimos, sen<strong>do</strong> muito raramente utiliza<strong>do</strong>s os recursos processuaistendentes à declaração de sua inexistência. 5236. A resulta<strong>do</strong>s práticos semelhantes, mas trilhan<strong>do</strong> outros caminhos e a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>outros pressupostos teóricos, chegou o Direito Administrativo alemão. A Lei <strong>do</strong> ProcessoAdministrativo, de 1976, consigna, no art. 44, alínea 1ª, uma cláusula geral, a propósito <strong>do</strong>ato administrativo nulo (nichtig), assim entendi<strong>do</strong> o vicia<strong>do</strong> por falha grave e manifesta àluz de correta apreciação de to<strong>da</strong>s as circunstâncias que deveriam ter si<strong>do</strong> toma<strong>da</strong>s em50 Droit Administratif Géneral, Paris, Montchrestien, 1993,vol. 1, p.807.51 René Chapus, Droit Administratif Géneral, Paris, Montchrestien,1997, vol.2, p.188 e ss. Assim, por exemplo, quan<strong>do</strong>o funcionário é nomea<strong>do</strong> ou designa<strong>do</strong> para determina<strong>da</strong> função só para permitir que ele seja cedi<strong>do</strong> para outra, ondeauferirá vangens em seu próprio benefício, sem que haja interersse <strong>do</strong> serviço público. Corresponderia, entre nós,digamos, à nomeação de funcionário para o cargo de Conselheiro <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas, só para que ele pudesseaposentar-se nessa posição, o que já aconteceu no passa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> não havia exigência de prazo mínimo de exercício<strong>do</strong> cargo.52 René Chapus, op. cit. vol I, p.628.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>71


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>consideração. 53No mesmo art. 44, entretanto, existem duas outras alíneas, quecompletam o sistema legal germânico de nuli<strong>da</strong>des, no Direito Administrativo. Na alínea2ª há um elenco de atos administrativos reputa<strong>do</strong>s nulos, mesmo sem que seimplementem os pressupostos previstos na alínea 1ª. 54 Por outro la<strong>do</strong>, na alínea 3ª, háum rol de atos administrativos que são ti<strong>do</strong>s como váli<strong>do</strong>s, apesar de apresentaremirregulari<strong>da</strong>des. 55Assim, haven<strong>do</strong> dúvi<strong>da</strong> quanto à nuli<strong>da</strong>de de determina<strong>do</strong> atoadministrativo, deverá o intérprete cotejá-lo com as listas <strong>da</strong>s alíneas 2ª (rol positivo) e 3ª(rol negativo) <strong>do</strong> art. 44 e, não estan<strong>do</strong> ele em nenhuma delas, só então poderá teraplicação a cláusula geral <strong>da</strong> alínea 1ª, <strong>da</strong> invali<strong>da</strong>de grave e manifesta. 5637. A <strong>do</strong>utrina e a jurisprudência germânicas aludem, nessa hipótese, à “Teoria <strong>da</strong>Evidência”, o que significa dizer que sen<strong>do</strong> manifesto e grave o vício que macula o atoadministrativo não será invocável o princípio <strong>da</strong> proteção à confiança, em razão <strong>do</strong> qualse mantém o ato administrativo, apesar <strong>do</strong>s seus defeitos, uma vez expira<strong>do</strong> o prazo parasua invali<strong>da</strong>ção, que é de um ano (parágrafo 48, alínea <strong>4ª</strong>, <strong>da</strong> Lei de ProcessoAdministrativo).O critério <strong>da</strong> evidência não é, porém, muito preciso. Evidente para quem? Para ojurista? Para qualquer um <strong>do</strong> povo? O stan<strong>da</strong>rd geralmente admiti<strong>do</strong> é o <strong>da</strong> pessoa atentae de bom senso. Mas a dificul<strong>da</strong>de também não pára aí: o que se deverá entender porvício grave?. Tem-se afirma<strong>do</strong> que será o vício formal ou substancial absolutamenteinconciliável com a ordem jurídica. Mas, já se disse, a gravi<strong>da</strong>de, per se, não é suficientepara conduzir à nuli<strong>da</strong>de. Deverá estar associa<strong>da</strong> à evidência. Assim, o ato contrário à53 É o que dispõe a alínea 1ª <strong>do</strong> art. 44 <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo: “Ein Verwaltungsakt ist nichtig, soweit er aneinem besonders schwerwiegenden Fehler leided und dies bei verständiger Würdigung aller in Betracht kommendenUmstände offenkundig ist”.54 As hipóteses que, mesmo não caracteriza<strong>da</strong> a evidência, implicam a nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo são as seguintes: 1.impossibili<strong>da</strong>de de identificação <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que emitiu o <strong>do</strong>cumento; 2. inobservância <strong>da</strong> regra de forma que prevê aemissão de um <strong>do</strong>cumento; 3. violação <strong>da</strong> competência territorial prevista no §3º, alínea 1ª, nº1 <strong>da</strong> Lei de ProcessoAdministrativo (p.ex.: licença para construir exara<strong>da</strong> por autori<strong>da</strong>de de município diverso <strong>da</strong>quele onde se situa oimóvel); 4. impossibili<strong>da</strong>de de fato (p.ex. ordem de demolição de imóvel já demoli<strong>do</strong>); 5. imposição de prática de atoque tipifica ilícito penal (crime ou contravenção); 6. contrarie<strong>da</strong>de aos bons costumes.(Stelkens/Bonk/Sachs,Verwaltungsverfaherensgesetz, München, C.H.Beck, 1993, p.959 e segs.; especialmente p.978; e segs;. HartmutMaurer, op. cit., p.252 e segs.,com relação aos exemplos, p.263; Erichsen, op-.cit, p.291; H.J.Wolff/Otto Bachof/RolfStober, München, C.H.Beck, 1994, Verwaltungsrecht I, p.698 e segs.55 Não acarretam a nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo: 1. outros vícios relaciona<strong>do</strong>s com a competência territorial; 2. aparticipação, na sua elaboração, de pessoas excluí<strong>da</strong>s pela lei dessa participação; 3. falta <strong>da</strong> cooperação, exigi<strong>da</strong> em lei,de uma outra autori<strong>da</strong>de.56 Erichsen, op. cit.,p.292, dá alguns exemplos de atos administrativos nulos, pela aplicação <strong>da</strong> cláusula geral <strong>do</strong> § 44,tira<strong>do</strong>s <strong>da</strong> jurisprudência, entre eles este de impossibili<strong>da</strong>de jurídica: ato de aposenta<strong>do</strong>ria no serviço público de quemnão era servi<strong>do</strong>r público.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>72


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Constituição ou viola<strong>do</strong>r de direito fun<strong>da</strong>mental não é, só por essas razões, nulo. Nessesenti<strong>do</strong> é que se manifestam os reputa<strong>do</strong>s comentaristas <strong>da</strong> Lei de ProcessoAdministrativo, Stelkens, Bonk e Sachs, ao sustentarem, com apoio na jurisprudênciagermânica, que, por si só, a hostili<strong>da</strong>de a um importante preceito jurídico, até mesmo auma norma constitucional como a <strong>do</strong> art. 20, § 3° <strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental, ou a um direitofun<strong>da</strong>mental, não leva à nuli<strong>da</strong>de. A contrarie<strong>da</strong>de deve ir além <strong>da</strong> equivoca<strong>da</strong>interpretação e ser insuportável para o ordenamento jurídico, desse mo<strong>do</strong> feri<strong>do</strong> no maisalto grau, a tal ponto que ninguém seria capaz de reconhecer força vinculativa ao atoadministrativo assim exara<strong>do</strong>. 57Do complica<strong>do</strong> sistema de nuli<strong>da</strong>des, atualmente vigente no direito alemão, aconclusão que se tira, em síntese aperta<strong>da</strong>, é a de que os atos administrativos nulos, naforma <strong>do</strong> art. 44 <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo, à semelhança <strong>do</strong> que ocorre com osatos administrativos inexistentes, no direito francês, situam-se na área mais profun<strong>da</strong> eobscura <strong>da</strong> patologia jurídica, compreenden<strong>do</strong> um número reduzi<strong>do</strong> de casos e situaçõesexcepcionais, que poderíamos até mesmo chamar de teratológicas. É por isso que não sebeneficiam <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, nem <strong>da</strong>s regras sobre decadência <strong>do</strong>direito <strong>da</strong> Administração Pública de invalidá-los, prevalecen<strong>do</strong> sempre, quanto a eles, oprincípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de. Nos demais casos – que são a regra – os atos administrativosvicia<strong>do</strong>s de ilegali<strong>da</strong>de, enquanto não forem desconstituí<strong>do</strong>s, continuarão a produzirefeitos jurídicos, estan<strong>do</strong> o direito à invali<strong>da</strong>ção, de que é titular a Administração Pública,sujeito às regras sobre decadência.38. Padrões não muito diferentes desses que vigoram no direito francês e alemão,e que sucintamente descrevemos, imperam igualmente no direito italiano. Também lá anuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos ou <strong>do</strong>s provvedimenti administrativi 58 , é excepcional ecomumente identifica<strong>da</strong>, como na França, com a inexistência. Sandulli arrola diversashipóteses de inexistência, decorrentes, por exemplo, <strong>da</strong> indeterminação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>ato (v.gr., ato de autorização que não precisa, de mo<strong>do</strong> suficiente, o que se estáautorizan<strong>do</strong>), <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> objeto (v.gr., delegação a particular de competênciaque só pode ser exerci<strong>da</strong> por enti<strong>da</strong>de pública) ou <strong>da</strong> licitude <strong>do</strong> objeto (v.gr. ordem de57 Op. cit., p.98058 Sobre a distinção entre atto e provvedimenti administrativi, vd. Rocco Galli, Corso di Diritto Amministrativo,Pa<strong>do</strong>va, Ce<strong>da</strong>m, 1994, p.458 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>73


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>submeter um detento a tortura), de incompetência absoluta <strong>do</strong> agente (v.gr. invasão deagente administrativo na competência <strong>do</strong> Poder Legislativo ou <strong>do</strong> Poder Judiciário). 59Esses atos subordinam-se ao mesmo regime <strong>do</strong>s atos nulos no Direito Civil: nãoproduzem qualquer efeito; pode sua invali<strong>da</strong>de ser argüi<strong>da</strong>, a qualquer tempo, porqualquer pessoa ou ser pronuncia<strong>da</strong> de ofício pelo juiz, o que importa também afirmar quea eles não se aplicam as normas sobre prescrição ou decadência. To<strong>do</strong>s os demais atosilegítimos, porque contrários à lei, são meramente anuláveis.39. O direito comunitário europeu acolheu, sincreticamente, as contribuições <strong>da</strong>snações <strong>da</strong> União Européia, em matéria de invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos, como severifica de algumas decisões <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Justiça <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de Européia,especialmente <strong>da</strong> proferi<strong>da</strong> a 27 de fevereiro de 1992, em caso em que eraminteressa<strong>do</strong>s BASF AG e Outros.Naquela decisão a Corte assim se pronunciou:“o juiz comunitário, inspiran<strong>do</strong>-se em princípios estabeleci<strong>do</strong>s pelosordenamentos jurídicos nacionais, declara inexistentes os atos afeta<strong>do</strong>s por víciosparticularmente graves e evidentes (sobre a noção de inexistência jurídica <strong>do</strong>s atoscomunitários vejam-se as sentenças de 10 de dezembro de 1957, Societé des Usines àtubes de la Sarre/Haute Autorité, 1/57 e 14/57, Rec. P. 201; 21 de fevereiro de 1974Kostner e.a./Conseil, 15/73, Rec. p. 177; 26 de fevereiro de 1987, Consorzio Cooperatived´Abruzzo/Comission, 15/85, Rec., p.1005; 30 de junho de 1988. Comission/RepubliqueHélenique, 226/87, Rec., p. 3611, e 27 de junho de 1991, Valverde Mordt/Cour de Justice,156/1989, não publica<strong>da</strong> no Recueil). É matéria de ordem pública e como tal pode serincondicionalmente invoca<strong>da</strong> pelas partes e deve ser pronuncia<strong>da</strong> de ofício pelo juiz”. 6059 Manuale di Diritto Amministrativo, Napoli, Jovene, 1974, p.466. Veja-se, também, F.Caringella, L.Delpino e F. DelGiudice, Diritto Amministrativo, Napoli, Simone, 2002, p.531 e segs.60 Alejandro Nieto, no Estúdio Preliminar que escreveu à guisa de prefácio ao livro de Margarita Beladiez Rojo, Validezy Eficácia de los Actos Administrativos, Madrid, Marcial Pons,1994, p.14. Logo a seguir, p. 15, o mesmo autortranscreve trecho de Informação <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong> Geral Jean Mischo, que é particularmente eluci<strong>da</strong>tivo: “Deduz-se de umestu<strong>do</strong> comparativo que a maioria <strong>do</strong>s Direitos <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s membros conhecem hipóteses nas quais o ato irregular, pelofato <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> vício de que padece, considera-se que não surte nenhum efeito jurídico, nem mesmo provisional,de maneira que nem seu destinatário nem seu autor devem respeitá-lo, inclusive sem que seja necessária umaintervenção prévia <strong>do</strong> juiz. Para determina<strong>do</strong>s Direitos semelhantes atos são inexistentes, para outros são nulos de plenodireito. To<strong>do</strong>s esses Direitos reservaram a hipótese pura e simples de um ato semelhante aos casos excepcionais de umairregulari<strong>da</strong>de tão grosseira e evidente que os vícios de que padecem saltam imediatamente à vista. Semelhanteirregulari<strong>da</strong>de flagrante parece que se dá essencialmente em casos extremos, como a usurpação manifesta de funções, aEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>74


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>É irrecusável, portanto, nos países europeus de tradição jurídica semelhante ànossa, que fortes correntes paralelas na evolução <strong>do</strong>s respectivos sistemas de DireitoAdministrativo, partin<strong>do</strong> de pontos distintos acabaram por encontrar soluções muitopareci<strong>da</strong>s, desse mo<strong>do</strong> convergin<strong>do</strong> para a construção de uma teoria comum <strong>da</strong>sinvali<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s atos administrativos, que atualmente se reflete nas decisões <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>de Justiça <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de Européia.40. Não me parece desproposita<strong>do</strong> procurar trazer para o Direito brasileiro algumas<strong>da</strong>s concepções básicas que informam – creio que já se possa dizer assim – o sistemaeuropeu ou a teoria européia <strong>da</strong>s invali<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s atos administrativos e que é, ao fim e aocabo, de surpreendente simplici<strong>da</strong>de. Podemos sintetizá-la nos seguintes termos:(a) Atos administrativos nulosa.1 - Redução <strong>da</strong>s hipóteses de nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos aos casospatológicos exacerba<strong>do</strong>s, consistentes em vícios gravíssimos, grosseiros, manifestos eevidentes, independentemente <strong>da</strong> hierarquia <strong>da</strong> norma viola<strong>da</strong>, se <strong>da</strong> Constituição ou <strong>da</strong>legislação ordinária.a.2 - Só estas invali<strong>da</strong>des podem ser decreta<strong>da</strong>s de ofício pelo juiz. O direito<strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s a postular a decretação <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de não está sujeito à decadência,poden<strong>do</strong> a Administração decretá-la, portanto, a qualquer tempo, no exercício <strong>da</strong>autotutela.a.3 - Os atos macula<strong>do</strong>s por nuli<strong>da</strong>de situam-se no limite com a inexistênciae não produzem qualquer efeito desde sua origem.(b) Atos administrativos anuláveisb.1 - To<strong>do</strong>s os demais atos administrativos vicia<strong>do</strong>s de ilegali<strong>da</strong>de ou deinconstitucionali<strong>da</strong>de são anuláveis.ausência de qualquer assinatura, o caráter irreal incerto ou ilícito <strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> ato que supera em muito a irregulari<strong>da</strong>deformal procedente de uma avaliação errônea <strong>do</strong>s fatos ou de uma ignorância <strong>da</strong> lei”Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>75


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>b.2.- Os direitos e as pretensões relaciona<strong>do</strong>s com os atos anuláveis estãosujeitos às regras sobre decadência e prescrição e tais atos não podem ser anula<strong>do</strong>s deofício pelo juiz.b.3 - Enquanto não anula<strong>do</strong>s, os atos administrativos produzem efeitos.41. Creio, também, que a esses resulta<strong>do</strong>s se pudesse chegar por umainterpretação estrita e rigorosa <strong>da</strong>s hipóteses de nuli<strong>da</strong>de referi<strong>da</strong>s no art. 2° <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>Ação Popular (Lei n° 4.717/65), de tal sorte que só nos casos extremos de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>shipóteses ali enumera<strong>da</strong>s é que se caracterizaria a nuli<strong>da</strong>de.Quanto aos atos que não chegaram a se constituir como atos jurídicos, pelaausência de elemento essencial exigi<strong>do</strong> pelo ordenamento jurídico, por imperativoslógicos insuperáveis deverão continuar a ser considera<strong>do</strong>s como atos administrativosinexistentes; atos que ficaram fora <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico e que, por essa razão, não seconfundem com atos administrativos nulos ou anuláveis. Nuli<strong>da</strong>de e anulabili<strong>da</strong>de sãojuízos de valor, que supõem, necessariamente, a existência. A distinção que, no campoprocessual, se estabelece entre atos inexistentes juridicamente e atos inváli<strong>do</strong>s, é que, noconcernente aos primeiros, a sentença que reconhece não terem eles ingressa<strong>do</strong> nomun<strong>do</strong> jurídico é meramente declaratória, enquanto que a sentença que pronuncia anuli<strong>da</strong>de é constitutiva-negativa.Em muitos casos, porém, é tão tênue o fio que serve de fronteira entre ainexistência e a nuli<strong>da</strong>de, que é muito difícil estabelecer se uma ou outra se teriaverifica<strong>do</strong>. Pense-se, por exemplo, no ato administrativo de nomeação de servi<strong>do</strong>r públicoassina<strong>do</strong> por agente subalterno de Ministério, ou de autorização de funcionamento decasa de prostituição infantil, ou de aposenta<strong>do</strong>ria, como servi<strong>do</strong>r público, de quem não eraservi<strong>do</strong>r público. Uma vez, porém, que as conseqüências práticas <strong>do</strong> tratamento de umato como inexistente juridicamente ou como ato administrativo nulo não diferemsubstancialmente, tal distinção é despi<strong>da</strong> de interesse operativo, muito embora sejaimportante e ineliminável no plano lógico, e, como vimos, também no plano processual.42. Haverá, entretanto, numerosíssimas outras hipóteses de atos administrativosem que a mancha de ilegali<strong>da</strong>de não esteja marca<strong>da</strong> com tanta intensi<strong>da</strong>de e não sejaigualmente tão manifesta e evidente, embora se enquadrem em alguma <strong>da</strong>s categoriasEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>76


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>genéricas previstas no art. 2° <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong> Ação Popular. Esses atos seriam ti<strong>do</strong>s comomeramente anuláveis.(b) Atos administrativos favoráveis - A decadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> Administração Públicade anular atos administrativos vicia<strong>do</strong>s de ilegali<strong>da</strong>de refere-se, exclusivamente, a “atosadministrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários”, como estáexpressamente consigna<strong>do</strong> no art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99. Os atos administrativosdesfavoráveis ou restritivos podem, em princípio, ser anula<strong>do</strong>s a qualquer tempo.43. Entre as muitas classificações <strong>do</strong>s atos administrativos há a que os distinguepelo caráter positivo ou negativo <strong>do</strong>s efeitos que produzem para os seus destinatários.Quan<strong>do</strong> o ato administrativo gera ou reconhece direitos, poderes, facul<strong>da</strong>des ouvantagem juridicamente relevante 61 ou ain<strong>da</strong> elimina deveres, obrigações, encargos oulimitações a direitos <strong>do</strong>s destinatários, dilatan<strong>do</strong> seu patrimônio ou sua esfera jurídica, éele qualifica<strong>do</strong> como ato administrativo favorável, benéfico ou ampliativo, em oposiçãoaos atos administrativos desfavoráveis, onerosos ou restritivos, que criam deveres,obrigações, encargos, limitações ou restrições para as pessoas a que se endereçam.44. Essa distinção, que é originária <strong>do</strong> direito alemão (Begünstigende und nichtbegüstigende oder belastende Verwaltungsakte 62 ), nasceu e ganhou importância noEsta<strong>do</strong> Social de Direito ou no Esta<strong>do</strong> Providência, em razão <strong>do</strong> imenso desenvolvimentoque nele teve a assim chama<strong>da</strong> “Administração Prestacional” (Leistungsverwaltung) – queé aquela que concede benefícios e vantagens aos indivíduos – a ponto de deixar emsegun<strong>do</strong> plano a Administração Pública tradicional, a “Administração Coercitiva”(Eingriffsverwaltung) incumbi<strong>da</strong> de impor deveres e obrigações, mediante formasunilaterais e imperativas de atuação.45. No entanto, os efeitos <strong>do</strong> ato administrativo, vistos pela perpectiva <strong>do</strong>sdestinatários, não são só positivos ou só negativos. Por vezes eles têm eficácia mista 63 ,sen<strong>do</strong> em parte favoráveis e em parte desfavoráveis. Tal é o que acontece, por exemplo,61 A Lei de Processo Administrativo alemã, no seu §48,1.2, define o ato favorável como sen<strong>do</strong> aquele que cria oureconhece um direito ou uma vantagem juridicamente relevante, vd infra, nota 7462 Veja-se H. Maurer, op. cit., p.207-208; Hans Uwe Erichsen, em Erichsen et alii , Allgemeines Verwaltungsrecht, DeGruyter, Berlin-New York, 1995, p.298 e segs.63 V. Erichsen, op. cit., p.299.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>77


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>quan<strong>do</strong> uma autorização é concedi<strong>da</strong> mediante o pagamento de determina<strong>da</strong> taxa ouquan<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> é atendi<strong>do</strong> apenas em parte. Por outro la<strong>do</strong>, no mun<strong>do</strong>moderno, freqüentemente o ato administrativo que beneficia determina<strong>da</strong> pessoa édesfavorável a outra ou a outras pessoas. É muito comum que o deferimento de umpedi<strong>do</strong> de vantagem implique o indeferimento de outros pedi<strong>do</strong>s análogos.Para fins, porém, de revogação ou de anulação de ato administrativo a autori<strong>da</strong>decompetente levará em conta apenas o aspecto positivo <strong>do</strong> ato administrativo, mesmoquan<strong>do</strong> ele não puder ser separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> aspecto negativo. 6446. Há situações, ain<strong>da</strong>, em que um ato desfavorável é substituí<strong>do</strong> por outro,também desfavorável, mas mais bran<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o anterior. Nesse caso se tem entendi<strong>do</strong>que o segun<strong>do</strong> ato, se compara<strong>do</strong> com o primeiro, deu causa a efeitos favoráveis aodestinatário, o que colocaria o ato administrativo, portanto, no campo de abrangência <strong>do</strong>art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99. 65 É óbvio, também, que se classifica como ato administrativodesfavorável o que revoga ou anula ato administrativo favorável.Se o ato administrativo gerou direito subjetivo para alguém ou qualquer outravantagem juridicamente relevante, não poderá mais ser revoga<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong> que sejadesfavorável a outrem. Do mesmo mo<strong>do</strong>, bastará que o ato administrativo seja favorávelpara o destinatário imediato para sujeitar sua anulação, quan<strong>do</strong> ilegal, ao prazodecadencial <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99.Boa-fé47. A regra <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99, por traduzir, no plano <strong>da</strong> legislaçãoordinária, o princípio constitucional <strong>da</strong> segurança jurídica, entendi<strong>da</strong> como proteção àconfiança, tem como pressuposto a boa-fé <strong>do</strong>s destinatários. A decadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong>Administração à anulação não se consuma se houver má fé <strong>do</strong>s destinatários. Não estáem questão a má fé <strong>da</strong> Administração Pública ou <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de administrativa. Assim,64 Stelken/Bonk/Sachs, op. cit.; p.1079. Erichsen dá como exemplo de eficácia mista inseparável o de uma licença paraconstruir que só em parte atende ao pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> (Op. cit., p.300).65 Observa Javier Garcia Luengo que “na <strong>do</strong>utrina alemã se entende... que a proteção <strong>da</strong> confiança cabe também comrelação aos atos “ desfavoráveis”, naquelas hipóteses em que a Administração pretende retirar um ato restritivo,substituin<strong>do</strong>-o por outro ain<strong>da</strong> mais restritivo...” (op. cit. p. 288).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>78


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>mesmo existente esta, se os destinatários <strong>do</strong> ato administrativo estavam de boa-fé ehouve o transcurso <strong>do</strong> prazo qüinqüenal sem que o Poder Público houvesseprovidencia<strong>do</strong> na anulação <strong>do</strong> ato administrativo ilegal, configuraram-se to<strong>do</strong>s osrequisitos para a incidência e aplicação <strong>do</strong> art. 54, perecen<strong>do</strong>, pela decadência, o direito àanulação.O preceito não exige que “a confiança <strong>do</strong> destinatário seja digna de proteção”, oque se comprovaria por atos concretos por ele realiza<strong>do</strong>s (p.ex., “haver consumi<strong>do</strong> aprestação recebi<strong>da</strong> ou ter efetua<strong>do</strong> disposição patrimonial cujo desfazimento não fossemais possível ou que implicasse desvantagem não razoável), como determina o § 48, (2)<strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo alemã. 6648. A boa-fé, a que alude o preceito, quer significar que o destinatário não tenhacontribuí<strong>do</strong>, com sua conduta, para a prática <strong>do</strong> ato administrativo ilegal. A <strong>do</strong>utrinaalemã, neste ponto, fala numa “área de responsabili<strong>da</strong>de” (Verantwortungsbereich) <strong>do</strong>destinatário. 67 Seria incoerente proteger a confiança de alguém que, intencionalmente,mediante <strong>do</strong>lo, coação ou suborno, ou mesmo por haver forneci<strong>do</strong> <strong>da</strong><strong>do</strong>s importantesfalsos, inexatos ou incompletos, determinou ou influiu na edição de ato administrativo emseu próprio benefício.49. Questão complexa é a que diz com o conhecimento <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> atoadministrativo pelo destinatário, ou seu desconhecimento, por grave negligência (infolgegrober Fahrlässigkeit), que, no direito alemão, é excludente <strong>da</strong> aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>proteção à confiança. 68Desde logo não se pode esquecer que a proteção <strong>da</strong> confiança <strong>do</strong> destinatário, notocante aos atos administrativos, resulta <strong>da</strong> presunção de legali<strong>da</strong>de de que esses atosgozam. É a Administração Pública que tem o dever de exarar atos administrativos queestejam em plena conformi<strong>da</strong>de com as leis e com a Constituição.66 Curiosamente, a jurisprudência <strong>do</strong> STF introduziu no direito brasileiro essa linha <strong>do</strong> pensamento jurídico germânicono que concerne às licenças para construir, só reconhecen<strong>do</strong> a existência de direito subjetivo quan<strong>do</strong> o destinatáriotivesse inicia<strong>do</strong> as obras (Ins-Werk-setzen) e houvesse concluí<strong>do</strong> as fun<strong>da</strong>ções. O leading case nessa matéria foi oacórdão proferi<strong>do</strong> pela 2ª Turma, no Recurso Extraordinário n° 85.002, de São Paulo, de que foi relator o MinistroMoreira Alves. (RDA 130/252).67 Cf. Stelkens/Bonk/Sachs, op. cit., p. 1062.)68 Esta hipótese está prevista no § 48 (2).3, <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo alemã.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>79


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>De outra parte, é muito comum que os atos administrativos contemplem um grandenúmero de beneficiários, como freqüentemente ocorre, por exemplo, nas relações comservi<strong>do</strong>res públicos. Os destinatários, nesses casos, têm, de regra, níveis diferencia<strong>do</strong>sde conhecimento e de informação. Assim, conquanto alguns pudessem ter dúvi<strong>da</strong>squanto à legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s que os favoreciam, outros estariam convenci<strong>do</strong>s de queas medi<strong>da</strong>s seriam legítimas, tornan<strong>do</strong>-se muito difícil, se não impossível, determinarquem teria conhecimento <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de e quem não teria; quem desconheceria ailegali<strong>da</strong>de por negligência grave e quem, apesar de diligente, dela não tomaraconhecimento. Como se percebe, análises dessa espécie <strong>da</strong>riam margem a juízosaltamente subjetivos e a tratamentos desiguais, basea<strong>do</strong>s nesses mesmos juízos, o quefacilmente poderia escorregar para a arbitrarie<strong>da</strong>de.Além disso, até nas situações individuais em que o número de beneficiários fosserestrito ou se reduzisse a uma única pessoa, será forçoso admitir que eventuais dúvi<strong>da</strong>ssobre a legali<strong>da</strong>de iriam gra<strong>da</strong>tivamente perden<strong>do</strong> relevo, à medi<strong>da</strong> que o tempo fossepassan<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> a pouco e pouco suplanta<strong>da</strong>s, desse mo<strong>do</strong>, pela crescente e sempremais robusteci<strong>da</strong> confiança na legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo.50. Os precedentes apontam nesse senti<strong>do</strong>. A jurisprudência de nossos tribunais,como se viu, tem manti<strong>do</strong> situações ilegais, assim reconheci<strong>da</strong>s pela AdministraçãoPública, mas que ficaram provisoriamente sustenta<strong>da</strong>s por liminares concedi<strong>da</strong>s peloPoder Judiciário, mesmo quan<strong>do</strong> a decisão final, proferi<strong>da</strong> após o transcurso de largolapso de tempo, foi desfavorável ao interessa<strong>do</strong>. Igualmente, nos abun<strong>da</strong>ntes casos dealunos de estabelecimentos de ensino superior que, só após volvi<strong>do</strong>s anos <strong>da</strong> conclusão<strong>do</strong>s cursos e <strong>da</strong> expedição <strong>do</strong> respectivo diploma, verificou-se a existência de falhas emseus currículos (p. ex., falta de disciplinas que deveriam ter si<strong>do</strong> cursa<strong>da</strong>s), nunca sequestionou se essas pessoas tinham conhecimento de tais irregulari<strong>da</strong>des ou asdesconheciam por grave negligência. Isso, portanto, sempre pareceu irrelevante.51. Aliás, tais perquirições sobre o conhecimento <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong>de são tambémdesconheci<strong>da</strong>s no direito francês, onde a investigação <strong>da</strong> boa-fé <strong>do</strong> destinatário, paraefeito <strong>da</strong> aplicação ou não <strong>do</strong> prazo decadencial de sessenta dias, se esgota na apuraçãoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>80


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong><strong>da</strong> existência de manobras fraudulentas <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> na obtenção <strong>do</strong> ato administrativoque o beneficiou. 69O prazo decadencial52. O prazo decadencial previsto no art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99 é de cinco anosconta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que foram pratica<strong>do</strong>s. A <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> ato comprova-se, geralmente, pelomeio utiliza<strong>do</strong> para sua comunicação aos interessa<strong>do</strong>s (publicação oficial e outras formasprevistas no art. 26, §3° <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99). Em caso de dúvi<strong>da</strong> ou de discrepância entrea <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> ato e a <strong>da</strong> sua comunicação, há de prevalecer a <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> ato, pois assimdetermina a lei. Como prazo decadencial que é, não é suscetível de suspensão ou deinterrupção (C.Civ., art. 207).Estatui o §1° <strong>do</strong> art. 54 que, “no caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo dedecadência contar-se-á <strong>do</strong> primeiro pagamento”. Vencimentos e demais vantagensremuneratórias de servi<strong>do</strong>r público, proventos de aposenta<strong>do</strong>ria, pensões, são prestaçõesque se repetem no tempo, assim como sucede também, por vezes, com as subvenções.O primeiro pagamento, nessas hipóteses, marca o início <strong>do</strong> prazo decadencial.53. Houve, no passa<strong>do</strong>, no Brasil, discussão sobre qual deveria ser o prazo dedecadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> Administração Pública de invali<strong>da</strong>r seus próprios atosadministrativos. José Frederico Marques chegou a propor que esse prazo fosse o mesmo<strong>do</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança, como lembra Miguel Reale no seu livro Revogação eAnulamento <strong>do</strong>s Atos Administrativos. 70 O ilustre processualista paulista pretendia, assim,69 C.E. 17 de março de 1976, Todeschini, Rec.157; C.E.17 de junho de 1955, Silberstein, Rec. 334; 12 de dezembro de1986, Thshibangu, Rec. 279 – cf. M.Long, P.Weil, G.Braibant, P.Delvolvé,. B.Genevois, Les Grands Arrêts de laJurisprudence Administrative, Paris,1993, Sirey, p.224 e 226 (observações ao affaire Dame Cachet).70 Forense, Rio,1968, p.87. Em outra passagem, acentua Reale: “Escreve com acerto José Frederico Marques que asubordinação <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder anulatório a um prazo razoável pode ser considera<strong>do</strong> requisito implícito noprincípio <strong>do</strong> due process of law. Tal princípio, em ver<strong>da</strong>de, não é váli<strong>do</strong> apenas no sistema <strong>do</strong> direito norte-americano,no qual é uma <strong>da</strong>s peças basilares, mas é extensível a to<strong>do</strong>s os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a umatripla exigência, de regulari<strong>da</strong>de normativa, de economia de meios e formas e de adequação à reali<strong>da</strong>de fática. Nãoobstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe correspon<strong>da</strong>, poderíamos traduzir due process oflaw por devi<strong>da</strong> atualização <strong>do</strong> direito, fican<strong>do</strong> entendi<strong>do</strong> que haverá infração desse ditame fun<strong>da</strong>mental to<strong>da</strong> vez que,na prática <strong>do</strong> ato administrativo, for preteri<strong>do</strong> algum <strong>do</strong>s momentos essenciais à sua ocorrência; forem destruí<strong>da</strong>s, semmotivo plausível, situações de fato, cuja continui<strong>da</strong>de seja economicamente aconselhável, ou se a decisão nãocorresponder ao complexo de notas distintivas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social, tipicamente configura<strong>da</strong> em lei. Assim sen<strong>do</strong>, se adecretação de nuli<strong>da</strong>de é feita tardiamente, quan<strong>do</strong> a inércia <strong>da</strong> Administração já permitiu se constituíssem situações defato revesti<strong>da</strong>s de forte aparência de legali<strong>da</strong>de, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimi<strong>da</strong>de,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>81


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>a<strong>da</strong>ptar ao direito brasileiro, a solução a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> no direito francês, a partir <strong>da</strong> decisão <strong>do</strong>Conselho de Esta<strong>do</strong>, no affaire Dame Cachet, de 1922, a qual fixou o entendimento deque a Administração Pública poderia anular seus atos administrativos ilegais no mesmoprazo estabeleci<strong>do</strong> para a interposição <strong>do</strong> “recurso por excesso de poder”, o qual, grossomo<strong>do</strong>, pode-se dizer que tem alguma correspondência com o nosso man<strong>da</strong><strong>do</strong> desegurança. 71A reali<strong>da</strong>de brasileira não recomen<strong>da</strong>ria, entretanto, que se a<strong>do</strong>tasse prazodecadencial de cento e vinte dias, que seria ain<strong>da</strong> muito curto. O prazo de cinco anos,estabeleci<strong>do</strong> pelo art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99, está em harmonia com outros prazos,prescricionais ou decadenciais, instituí<strong>do</strong>s em nosso ordenamento jurídico. É de cincoanos o prazo para a propositura <strong>da</strong> ação popular, prazo este que é decadencial, embora oart. 21 <strong>da</strong> Lei n° 4.717/65 (Lei <strong>da</strong> Ação Popular) declare que “a ação prevista nesta leiprescreve em cinco anos”. Tal prazo flui inapelavelmente, não sen<strong>do</strong> suscetível deinterrupção ou de suspensão, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> como sucede com o prazo para aimpetração de man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança. Também é de cinco anos o prazo para propositurade ação de improbi<strong>da</strong>de administrativa (Lei n° 8.429/92, art. 23), igualmente de naturezadecadencial e igualmente imune, pois, à interrupção ou à suspensão. O prazo geral deprescrição de pretensões contra a Fazen<strong>da</strong> Pública é de cinco anos (Decreto n°20.910/32). São de cinco anos os prazos, decadenciais ou prescricionais, previstos nosarts. 168, 173 e 174 <strong>do</strong> Código Tributário Nacional. 72Parece-nos, por outro la<strong>do</strong>, que a solução <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r brasileiro foi mais feliz <strong>do</strong>que a estabeleci<strong>da</strong> pelo direito francês, onde o prazo de <strong>do</strong>is meses é exagera<strong>da</strong>menteexíguo, ou pelo direito alemão, pois o §48 <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo – queinstituiu, para determina<strong>da</strong>s hipóteses, o prazo decadencial de um ano, para o exercício<strong>do</strong> direito à anulação –, em virtude de sua complica<strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção e com os inúmerosseria deveras absur<strong>do</strong> que, a pretexto <strong>da</strong> eminência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, se concedesse às autori<strong>da</strong>des um poder-dever indefini<strong>do</strong>de autotutela” (p.85-86).71 Solução análoga a<strong>do</strong>tou o direito português, no art. 141 <strong>do</strong> seu Código <strong>do</strong> Procedimento Administrativo: “Os actosadministrativos que sejam inváli<strong>do</strong>s só podem ser revoga<strong>do</strong>s com fun<strong>da</strong>mento na sua invali<strong>da</strong>de e dentro <strong>do</strong> prazo <strong>do</strong>respectivo recurso contencioso ou até a resposta <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de recorri<strong>da</strong>”72 Confira-se, sobre prazos prescricionais ou decadenciais no Direito Público, Luis Roberto Barroso, Temas de DireitoConstitucional, Rio, Renovar, 2002, p.506 e segs.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>82


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>problemas <strong>da</strong>í resultantes 73 , acabou por não atingir eficientemente o fim busca<strong>do</strong> deassegurar a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações jurídicas e a paz social. 74Atos de exercício <strong>do</strong> direito de anular impeditivos <strong>da</strong> decadência54. Declara o §2° <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99: “Considera-se exercício <strong>do</strong> direitode anular qualquer medi<strong>da</strong> de autori<strong>da</strong>de administrativa que importe impugnação àvali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato”. Por outro la<strong>do</strong>, o art.1°, §2°, III <strong>da</strong> mesma lei define “autori<strong>da</strong>de” comosen<strong>do</strong> “o servi<strong>do</strong>r ou agente público <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de poder de decisão”. Portanto, só ato dequem esteja investi<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder de decidir sobre a anulação <strong>do</strong> ato administrativo emcausa é que impede que se opere a decadência, seja ela a própria autori<strong>da</strong>de que exarouo ato administrativo, seja autori<strong>da</strong>de hierarquicamente superior ou a quem tenha si<strong>do</strong>73 Veja-se, a propósito, Hartmut Maurer, op. cit.., p.288 e segs.74 O §48 tem este enuncia<strong>do</strong>:“ (1) O ato administrativo contrário ao Direito, mesmo após tornar-se inimpugnável (Unanfechtbar), pode ser anula<strong>do</strong>,total ou parcialmente, com eficácia para o futuro ou para o passa<strong>do</strong>. O ato administrativo, constitutivo de direito ou devantagem juridicamente relevante (ato administrativo favorável ou benéfico) só pode ser anula<strong>do</strong> com as restrições <strong>da</strong>salíneas 2 a 4.(2) O ato administrativo que institui ou é pressuposto de uma única ou de dura<strong>do</strong>ura prestação pecuniária ou deprestação material divisível, não pode ser anula<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o favoreci<strong>do</strong> confiou na permanência <strong>do</strong> ato administrativo esua confiança, pondera<strong>da</strong> com o interesse público na anulação, for digna de proteção. A confiança é, via de regra, dignade proteção quan<strong>do</strong> o favoreci<strong>do</strong> consumiu a prestação ou a aplicou em disposição patrimonial a qual ele não poderámais desfazer, ou cujo desfazimento implique desvantagem que não seria razoável. O favoreci<strong>do</strong> não pode invocar aconfiança quan<strong>do</strong>:1. conseguiu, mediante artifício <strong>do</strong>loso, coação ou suborno, que o ato administrativo fosse exara<strong>do</strong>;2. deu causa ao ato administrativo em razão de informações que, em aspectos substanciais, eram incorretas ouincompletas;3. conhecia a contrarie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo ao Direito ou não poderia, sem culpa grave, desconhecê-la.Nos casos <strong>do</strong> inciso 3, a anulação tem, de regra, efeito retroativo. As prestações já pagas devem ser ressarci<strong>da</strong>s. Para adeterminação <strong>do</strong> montante <strong>do</strong> ressarcimento aplicam-se as disposições <strong>do</strong> Código Civil pertinentes à restituição, noenriquecimento injustifica<strong>do</strong>. O obriga<strong>do</strong> à restituição pela ocorrência <strong>do</strong>s pressupostos <strong>do</strong> inciso 3 não pode invocar aausência de enriquecimento, uma vez que as circunstâncias que fun<strong>da</strong>mentavam a contrarie<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativoao Direito eram por ele conheci<strong>da</strong>s ou, por culpa grave, as desconhecia. A prestação a ser restituí<strong>da</strong> deve ser fixa<strong>da</strong> pelaAdministração juntamente com a anulação <strong>do</strong> ato administrativo.(3) Na hipótese de anulação de um ato administrativo contrário ao Direito, que não esteja compreendi<strong>do</strong> na alínea 2,deverá a Administração indenizar o destinatário, a requerimento deste, pelo prejuízo sofri<strong>do</strong>, uma vez que ele confiouna manutenção <strong>do</strong> ato administrativo, desde que sua confiança, pondera<strong>da</strong> com o interesse público, seja digna deproteção. Dever-se-á aplicar a alínea 2 inciso 3. O valor <strong>do</strong> prejuízo a ser indeniza<strong>do</strong> não poderá ser maior <strong>do</strong> que ovalor <strong>do</strong> interesse que o destinatário tinha na manutenção <strong>do</strong> ato administrativo. O valor <strong>da</strong> indenização será fixa<strong>do</strong>pela Administração. A pretensão (ao ressarcimento) só poderá ser exerci<strong>da</strong> dentro <strong>do</strong> prazo de um ano; o prazo se iniciacom a comunicação feita pela Administração ao destinatário.(4) Toman<strong>do</strong> a Administração ciência de fatos que justifiquem a anulação de ato administrativo contrário ao Direito, aanulação só será admissível no prazo de um ano, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> ciência. Isso não se aplica às hipóteses <strong>da</strong> alínea 2,inciso 3, n° 1.(5) Após a inimpugnabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo, decidirá sobre a anulação a autori<strong>da</strong>de que, segun<strong>do</strong> o § 3°, forcompetente. Isto também se aplica quan<strong>do</strong> o ato administrativo for exara<strong>do</strong> por outra autori<strong>da</strong>de.(6) Para controvérsias sobre prestações a serem restituí<strong>da</strong>s, conforme a alínea 2, ou sobre a indenização de <strong>da</strong>nos,segun<strong>do</strong> a alínea 3, a via jurídica é a <strong>do</strong> contencioso administrativo (Verwaltungsrechtsweg), desde que não se trate deindenização por intervenção equipara<strong>da</strong> à desapropriação”.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>83


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>legalmente atribuí<strong>da</strong> competência para revisar, em função de controle, a legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> atoadministrativo. Desse mo<strong>do</strong>, opiniões manifesta<strong>da</strong>s em atos preparatórios, comopareceres e informações, não têm o condão de atingir esse resulta<strong>do</strong>, a menos queaprova<strong>do</strong>s por autori<strong>da</strong>de, no senti<strong>do</strong> que acabamos de expor.A decadência aplica-se retroativamente ou, para o passa<strong>do</strong>, incide apenas oprincípio constitucional <strong>da</strong> segurança jurídica?55. A regra <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei nº 9.784/99, como normalmente acontece com asregras jurídicas, tem, por certo, vocação prospectiva, isto é, sua aplicação visa ao futuro enão ao passa<strong>do</strong>. Quer isso dizer, portanto, que o prazo de cinco anos fixa<strong>do</strong> naquelepreceito, tem seu termo inicial na <strong>da</strong>ta em que a Lei nº 9.784/99 começou a viger, atéporque a atribuição de eficácia retroativa à norma legal institui<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> prazo dedecadência muito possivelmente atingiria situações protegi<strong>da</strong>s pela garantia constitucional<strong>do</strong>s direitos adquiri<strong>do</strong>s.Entretanto, a vigência <strong>do</strong> princípio constitucional <strong>da</strong> segurança jurídica é bemanterior à Lei n° 9.784/99 e é ele que torna compatível com a Constituição o art. 54<strong>da</strong>quele mesmo diploma, quan<strong>do</strong> confronta<strong>do</strong> com o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de. Na ver<strong>da</strong>de,se inexistisse, como princípio constitucional, o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, não haveriacomo justificar, em face <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, a constitucionali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lein° 9.784/99, valen<strong>do</strong> o mesmo raciocínio para as demais regras de decadência ou deprescrição existentes em nosso ordenamento jurídico.Bem se vê, portanto, que as situações que se constituíram anteriormente à entra<strong>da</strong>em vigor <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99, devem ser soluciona<strong>da</strong>s à luz <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>segurança jurídica, entendi<strong>do</strong> como princípio <strong>da</strong> proteção à confiança, pondera<strong>do</strong>juntamente com o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, exatamente como procedeu o STF no MS22.357/DF. Anteriormente à Lei n° 9.784/99, para os que não reconheciam a existência deprazo prescricional de cinco anos (que, em alguns casos era decadencial, como sucedia,por exemplo, com o direito à invali<strong>da</strong>ção de ato administrativo), para as pretensões oudireitos <strong>do</strong> Poder Público contra os particulares 75 , ficava ao prudente arbítrio <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r75 Hoje pode-se dizer que a maioria <strong>do</strong>s autores de Direito Administrativo sustenta que é qüinqüenal o prazo deprescrição, ou de decadência, <strong>da</strong>s pretensões ou direitos também <strong>do</strong> Poder Público contra os particulares, com base emEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>84


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>ou <strong>do</strong> aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito determinar, diante <strong>da</strong>s peculiari<strong>da</strong>des <strong>do</strong> caso concreto, qual aextensão <strong>do</strong> prazo, após o qual, não ocorren<strong>do</strong> a má fé <strong>do</strong>s destinatários <strong>do</strong> atoadministrativo, ficaria a Administração Pública inibi<strong>da</strong> de anulá-lo, para, desse mo<strong>do</strong>,assegurar a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações jurídicas com base no princípio <strong>da</strong> segurançajurídica. Para essas situações, o art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99 deu a medi<strong>da</strong> <strong>do</strong> que seria“prazo razoável” para influir no juízo de precedência <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídicasobre o <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, no cotejo ou no balancing test entre esses <strong>do</strong>is princípios, em face<strong>da</strong> prolonga<strong>da</strong> inação <strong>da</strong> Administração Pública no que diz com o exercício <strong>do</strong> seu poder– (que para nós é um poder-dever) – de autotutela.56. Enten<strong>da</strong>-se bem: não se está postulan<strong>do</strong> a atribuição de eficácia retroativa aoprazo <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei de Processo Administrativo <strong>da</strong> União. O que estamos afirman<strong>do</strong> éque essa lei, ao instituir prazo de decadência <strong>do</strong> direito à invali<strong>da</strong>ção, em regra inspira<strong>da</strong>no princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, introduziu no nosso sistema jurídico parâmetroindica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> lapso de tempo que, associa<strong>do</strong> a outras circunstâncias, como a boa-fé <strong>do</strong>sdestinatários <strong>do</strong> ato administrativo, estaria a recomen<strong>da</strong>r, após o seu transcurso, amanutenção <strong>do</strong> ato administrativo inváli<strong>do</strong>.Contu<strong>do</strong>, nas hipóteses anteriores ao início <strong>da</strong> vigência <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n°9.784/99, diante <strong>do</strong> caso concreto, <strong>da</strong> situação fática objetivamente considera<strong>da</strong> e <strong>da</strong>ponderação <strong>do</strong>s princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proteção à confiança poderá o aplica<strong>do</strong>rdesses princípios entender que, malgra<strong>do</strong> o transcurso de cinco anos, não seria aconfiança <strong>do</strong> destinatário digna de proteção, em virtude <strong>da</strong> intercorrência de outrosfatores, que não se relacionam com a boa-fé <strong>do</strong>s destinatários mas sim, digamos, com ointeresse social ou com a relevância de valores jurídicos feri<strong>do</strong>s, entenden<strong>do</strong>, emconclusão, que o princípio a ser aplica<strong>do</strong> seria o <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e não o <strong>da</strong> segurançajurídica.Cogitan<strong>do</strong>-se, porém, <strong>da</strong> aplicação <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99, já se viu que nãohá essa ponderação de princípios (que já foi feita pelo legisla<strong>do</strong>r), incumbin<strong>do</strong> aoaplica<strong>do</strong>r tão somente subsumir a situação fática na regra jurídica – ou o suporte fáticointerpretação <strong>do</strong> Decreto-Lei n° 20.910, de 6 de janeiro de 1932 ou na legislação posterior, de direito público que, deregra, tem fixa<strong>do</strong> o prazo de cinco anos para o exercício de pretensões ou direitos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> contra os indivíduos. Énesse senti<strong>do</strong> que se manifestam Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p.889 e segs.), Maria Sylvia Zanella DiPietro (op. cit., p.610), Diógenes Gasparini (op. cit., p. 105).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>85


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>real no suporte fático legal – tiran<strong>do</strong> <strong>da</strong>í a conseqüência jurídica, que será a ocorrência,ou não, <strong>da</strong> decadência <strong>do</strong> direito à invali<strong>da</strong>ção.Aliás, é assim que se procede em outros países, onde – diferentemente <strong>do</strong> que sepassa na França, na Alemanha, em Portugal e, agora, no Brasil – o ordenamento jurídiconão tem norma que fixe prazo de decadência <strong>do</strong> direito <strong>da</strong> Administração Pública deanular seus próprios atos.57. Na aplicação, porém, <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica (proteção àconfiança) e não <strong>da</strong> regra decadencial, há situações que praticamente impõem amanutenção <strong>do</strong> status quo (Bestandschutz), – com o afastamento, portanto, <strong>do</strong> princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de – como aquelas, por exemplo, que envolvem proventos de aposenta<strong>do</strong>riaou pensões, em que a anulação, ain<strong>da</strong> que só com eficácia ex nunc, implicaria gravemodificação <strong>da</strong>s condições de vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s beneficiários que confiaram em que as vantagensseriam manti<strong>da</strong>s. 76 Ain<strong>da</strong> para exemplificar, em análoga situação se encontraria obeneficiário de empréstimo concedi<strong>do</strong> por enti<strong>da</strong>de pública, mediante ato administrativo,para construção de casa, que viesse a ser surpreendi<strong>do</strong>, já estan<strong>do</strong> em an<strong>da</strong>mento aconstrução, pela suspensão <strong>da</strong>s parcelas faltantes <strong>do</strong> empréstimo, sob a alegação de queteria ocorri<strong>do</strong> ilegali<strong>da</strong>de na concessão <strong>do</strong> mútuo, apesar de induvi<strong>do</strong>sa a boa-fé <strong>do</strong>interessa<strong>do</strong>.VI O princípio <strong>da</strong> segurança jurídica e os Esta<strong>do</strong>s e Municípios58. As disposições constantes na Lei <strong>do</strong> Processo Administrativo <strong>da</strong> União não seaplicam aos Esta<strong>do</strong>s e Municípios. A União, além disso, não tem competênciaconstitucional para legislar sobre processo administrativo <strong>da</strong>s demais enti<strong>da</strong>des queintegram a Federação. É óbvio, pois, que o prazo decadencial, previsto no art. 54 <strong>da</strong> Lein° 9.784/99 não se estende aos Esta<strong>do</strong>s e Municípios, bem como às pessoas jurídicasque compõem as respectivas Administrações Indiretas. O que vige para to<strong>do</strong>s esses,76 Hartmut Maurer, op. cit., p.282, com remissões à jurisprudência alemã.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>86


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>entretanto, é o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, em razão de sua sede constitucional, hámuito reconheci<strong>da</strong> na <strong>do</strong>utrina e recentemente afirma<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.59. No tocante, porém, à consideração <strong>do</strong> lapso de tempo transcorri<strong>do</strong>, que sedeverá estimar como razoável para efeito <strong>da</strong> estabilização <strong>da</strong>s relações jurídicas, não hádúvi<strong>da</strong> que o art. 54 <strong>da</strong> lei federal serve como indicativo ou como parâmetro para osEsta<strong>do</strong>s e Municípios, assim como para o juiz, ao realizarem a operação de ponderaçãoentre os princípios <strong>da</strong> segurança jurídica e <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de.60. Convém ter presente, no entanto, que na<strong>da</strong> impede que Esta<strong>do</strong>s e Municípioseditem regra sobre decadência <strong>do</strong> direito a anularem os respectivos atos administrativosvicia<strong>do</strong>s de ilegali<strong>da</strong>de, uma vez que os prazos decadenciais, (diferentemente <strong>do</strong>sprescricionais, que só a lei federal pode sobre eles dispor), até mesmo contratualmentepodem ser instituí<strong>do</strong>s, como o ilustram os prazos para o exercício <strong>do</strong> direito de opção, noDireito Civil. 77 Aliás, são freqüentes os prazos decadenciais inseri<strong>do</strong>s na legislação <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s e Municípios, especialmente nas leis pertinentes a servi<strong>do</strong>res públicos.VII Segurança jurídica e improbi<strong>da</strong>de administrativa61. A Constituição <strong>da</strong> República, no seu art. 37, §5°, determina: “A lei estabeleceráos prazos de prescrição para ilícitos pratica<strong>do</strong>s por qualquer agente, servi<strong>do</strong>r ou não, quecausem prejuízo ao erário, ressalva<strong>da</strong>s as respectivas ações de ressarcimento”. Daítiraram muitos autores a conclusão de que as ações de ressarcimento seriamimprescritíveis, o que implicaria também tornar insuscetível de decadência o direito <strong>da</strong>Administração Pública de anular o ato administrativo ilegal que dá causa aoressarcimento.Por certo, se tal ato administrativo for nulo, na acepção que <strong>da</strong>mos ao qualificativo,não há que falar em decadência, não porque se trate de ato ilícito que tenha comoconseqüência lesão ao erário ou haja agressão a valores constitucionais, como a77 Daí porque tenha o Código Civil consigna<strong>do</strong> a seguinte regra, no seu art. 211: “Se a decadência for convencional, aparte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.”Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>87


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>morali<strong>da</strong>de pública, mas pela simples razão de que os atos nulos são insuscetíveis dedecadência ou de prescrição.Do mesmo mo<strong>do</strong>, se inexistir boa-fé <strong>do</strong>s beneficiários – e na grande maioria <strong>do</strong>scasos de improbi<strong>da</strong>de não haverá – pois se presume sejam eles próprios os autores <strong>do</strong><strong>da</strong>no e, pois, <strong>do</strong>s atos administrativos que causaram o prejuízo, também não incide o art.54.Finalmente, se não se tratar de ato administrativo favorável, que amplie a esferapatrimonial <strong>do</strong>s destinatários, também não caberá invocar-se o art. 54.62. Mas poderá suceder que o ilícito pratica<strong>do</strong> consista em ato administrativo queconcedeu benesses ilegais a várias pessoas, que estavam comprova<strong>da</strong>mente em boa-fé.A Administração Pública federal, entretanto, só veio a anular o ato administrativo jáescoa<strong>do</strong> o prazo de cinco anos, <strong>do</strong> art. 54. Não poderia mais fazê-lo, por consuma<strong>da</strong> adecadência <strong>do</strong> seu direito à anulação. Para to<strong>do</strong>s os efeitos, é como se o ato se houvessetorna<strong>do</strong> váli<strong>do</strong>, razão pela qual não poderá pleitear <strong>do</strong>s terceiros de boa-fé que restituamo que indevi<strong>da</strong>mente receberam. 78VIII Segurança jurídica e lei declara<strong>da</strong> inconstitucional63. A declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei tem, de regra, efeito ex tunc. Se adeclaração é pronuncia<strong>da</strong> em ação direta, a decisão expele o ato legislativo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>78 Numa outra ordem de considerações, embora fugin<strong>do</strong> um pouco <strong>do</strong> tema mas para que tu<strong>do</strong> fique bem claro, éimportante realçar que a regra <strong>do</strong> § 5° <strong>do</strong> art. 37 <strong>da</strong> Constituição, como bem observa Sérgio de Andréa Ferreira, noconcernente às ações de ressarcimento, quer “significar, apenas, que o prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão e <strong>da</strong> ação dedireito material respectivos é independente <strong>do</strong> fixa<strong>do</strong> no tocante às sanções punitivas. Em decorrência, ou será aprescrição comum, ordinária, ou outra, específica, mas sem vinculação necessária com a anteriormente referi<strong>da</strong>”(Comentários à Constituição, Rio, Freitas Bastos, 1991, vol 3°, p.313). Dito de outro mo<strong>do</strong>, o prazo de prescrição <strong>da</strong>pretensão sancionatória não é obrigatoriamente o mesmo <strong>da</strong> pretensão ressarcitória. Verifica<strong>da</strong> a prescrição <strong>da</strong>pretensão sancionatória isso não implica necessariamente a prescrição <strong>da</strong> ação de ressarcimento, a qual continuará aregular-se pela legislação comum, conforme os prazos ali estabeleci<strong>do</strong>s. De resto, quan<strong>do</strong> se aboliu, na fase deelaboração legislativa, a imprescritibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s ilícitos pratica<strong>do</strong>s em detrimento <strong>do</strong> patrimônio público, certamentepareceu coerente também suprimir, no texto definitivo, a imprescritibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações de ressarcimento. Daí porque alocução “ressalva<strong>da</strong>s as respectivas ações de ressarcimento, que serão imprescritíveis”, que se lia na última versão <strong>do</strong>Projeto de Constituição, foi transposta para o § 5°, <strong>do</strong> art. 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, sem as três palavras finais, “queserão imprescritíveis” (Veja-se, outra vez, sobre a história <strong>da</strong> tramitação legislativa <strong>do</strong> preceito, nos trabalhos <strong>da</strong>Constituinte, Sérgio de Andréa Ferreira, op. cit., p.312 e segs.). As leis estabeleceriam prazos prescricionais, se ain<strong>da</strong>não existentes, para uma e outra hipótese, as quais são inconfundíveis.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>88


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________jurídico, como se nunca tivesse existi<strong>do</strong>. O que ocorre, então, no plano <strong>da</strong>s situaçõesconcretas, com os atos administrativos exara<strong>do</strong>s com base na lei inconstitucional? Sãoeles automaticamente desfeitos com a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei, oupodem ser manti<strong>do</strong>s pelo princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, ou por regra institui<strong>do</strong>ra deprazo decadencial ou prescricional?64. Gilmar Ferreira Mendes assim propõe a questão, indican<strong>do</strong>-lhe a solução:“Conseqüência <strong>da</strong> declaração de nuli<strong>da</strong>de ex tunc <strong>da</strong> norma inconstitucionaldeveria ser a eliminação <strong>do</strong> ordenamento jurídico de to<strong>do</strong>s os atos pratica<strong>do</strong>s comfun<strong>da</strong>mento nela. To<strong>da</strong>via essa depuração total (Totalbereinigung) não se verifica nemnos sistemas que, como o alemão, fixaram uma regra particular sobre as conseqüênciasjurídicas <strong>da</strong> declaração de nuli<strong>da</strong>de, nem naqueles que, como o brasileiro, utilizam asfórmulas gerais de preclusão”. 79E, mais adiante:“Embora o nosso ordenamento não contenha regra expressa sobre oassunto e se aceite genericamente a idéia de que o ato fun<strong>da</strong><strong>do</strong> em lei inconstitucionalestá eiva<strong>do</strong>, igualmente, de ilicei<strong>da</strong>de, concede-se proteção ao ato singular emhomenagem ao princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, proceden<strong>do</strong>-se a diferenciação entre oefeito <strong>da</strong> decisão no plano normativo (Normebene) e no plano <strong>do</strong> ato individual(Einzelaktebene) através <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s fórmulas de preclusão. Os atos pratica<strong>do</strong>s combase na lei inconstitucional que não mais se afigurem suscetíveis de revisão não sãoafeta<strong>do</strong>s pela lei inconstitucional”. 80Os atos administrativos com base em lei inconstitucional que não mais se afiguremsuscetíveis de revisão, além <strong>da</strong>queles protegi<strong>do</strong>s pela decadência ou prescrição, aschama<strong>da</strong>s fórmulas gerais de preclusão, são os que, no nosso entender, na ausênciadessas fórmulas de preclusão, estão sob a direta guar<strong>da</strong> <strong>do</strong> princípio constitucional <strong>da</strong>segurança jurídica, aplica<strong>do</strong> mediante ponderação com o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de.79 Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p.192.80 idem, ib., p.258.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>89


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>IX. Conclusões65. Das reflexões que foram desenvolvi<strong>da</strong>s, tiram-se algumas conclusõesprincipais, as quais podem ser assim arruma<strong>da</strong>s:(A) O princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, entendi<strong>do</strong> como proteção à confiança,está hoje reconheci<strong>do</strong> na legislação e na jurisprudência <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>como princípio de valor constitucional, imanente ao princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, e queserve de limite à invali<strong>da</strong>ção, pela Administração Pública, <strong>do</strong>s seus atos administrativoseiva<strong>do</strong>s de ilegali<strong>da</strong>de ou de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Como princípio de naturezaconstitucional aplica-se à União <strong>Federal</strong>, aos Esta<strong>do</strong>s, ao Distrito <strong>Federal</strong>, aos Municípiose as enti<strong>da</strong>des que integram as respectivas Administrações Indiretas.(B) No plano <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong>, a Lei <strong>do</strong> Processo Administrativo (Lei n°9.784/99), no seu art. 54, consigna regra, inspira<strong>da</strong> no princípio <strong>da</strong> segurança jurídica,que fixa em cinco anos o prazo decadencial para a Administração Pública exercer odireito de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para osdestinatários, conta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que foram pratica<strong>do</strong>s, salvo comprova<strong>da</strong> má fé <strong>do</strong>sbeneficiários. Tratan<strong>do</strong>-se de regra, a ponderação entre os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>segurança jurídica já foi feita pelo legisla<strong>do</strong>r, competin<strong>do</strong> ao aplica<strong>do</strong>r apenas verificar seos pressupostos que integram o preceito estão, ou não, concretamente verifica<strong>do</strong>s.(C) O prazo <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99 é de natureza decadencial e nãoprescricional. Sen<strong>do</strong> assim, não é ele, em princípio, suscetível de interrupção ou desuspensão. Apenas quanto aos atos nulos – não na acepção que dá a esse qualificativo a<strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> Direito Priva<strong>do</strong>, mas na conceituação que lhe empresta o DireitoAdministrativo <strong>do</strong>s países europeus mais avança<strong>do</strong>s e o Direito Administrativo <strong>da</strong> UniãoEuropéia e que, de algum mo<strong>do</strong>, também já encontramos incipientemente esboça<strong>da</strong> naLei <strong>da</strong> Ação Popular – apenas quanto aos atos nulos não haveria falar em decadência ouem prescrição, uma vez que incumbe ao juiz decretar-lhes de ofício a invali<strong>da</strong>de. Note-se,porém, que nulos apenas serão aqueles atos administrativos, inconstitucionais ou ilegais,marca<strong>do</strong>s por vícios ou deficiências gravíssimas, desde logo reconhecíveis pelo homemcomum, e que agridem em grau superlativo a ordem jurídica, tal como transparece nosexemplos <strong>da</strong> licença de funcionamento de uma casa de prostituição infantil ou <strong>da</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>90


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________aposenta<strong>do</strong>ria, como servi<strong>do</strong>r público, de quem nunca foi servi<strong>do</strong>r público. Não é ahierarquia <strong>da</strong> norma feri<strong>da</strong> que, por si só, implica a nuli<strong>da</strong>de, como mostra o acórdão <strong>do</strong>STF no MS 22.357/DF, que aplicou o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica para manter atosadministrativos contrários à Constituição. A grande maioria <strong>do</strong>s atos administrativos,inconstitucionais ou ilegais, não é, pois, composta por atos administrativos nulos, massim por atos administrativos simplesmente anuláveis, estan<strong>do</strong> o direito a pleitear-lhes aanulação sujeito, portanto, à decadência.(D) A boa-fé que é exigi<strong>da</strong> para a aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurançajurídica ou pelo art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99 é a <strong>do</strong>s destinatários <strong>do</strong> ato administrativo. Nãoestá em questão a má fé <strong>da</strong> Administração Pública ou <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des administrativas, amenos que estas sejam também destinatárias <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s ilegais que editaram em seupróprio proveito.(E) Não há qualquer óbice que os Esta<strong>do</strong>s, o Distrito <strong>Federal</strong> e os Municípioseditem regra jurídica de conteú<strong>do</strong> idêntico ou semelhante ao <strong>do</strong> art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99,pois os prazos decadenciais até contratualmente podem ser estabeleci<strong>do</strong>s.(F) Para as situações que se constituíram antes <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei n°9.784/99 não é possível estender-lhes o preceito <strong>do</strong> art. 54 dessa Lei. A esses casos oque se aplica é o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, devi<strong>da</strong>mente sopesa<strong>do</strong>, nessashipóteses, com outros princípios constitucionais, nota<strong>da</strong>mente com o princípio <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de. Nos Esta<strong>do</strong>s, no Distrito <strong>Federal</strong> e nos Municípios, na falta de disposição legalidêntica ou semelhante ao art. 54 <strong>da</strong> Lei n° 9.784/99, ter-se-á também de buscar soluçãoevocan<strong>do</strong> diretamente o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, conti<strong>do</strong> implicitamente no art. 1°<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>91


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Pet-QO Ementa 2900 e Acórdão (1)Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>93


Relatório (7)Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>94


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Voto - GILMAR MENDES (1)Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>101


Extrato de Ata (1)Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>102


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Diário <strong>da</strong> Justiça de 17/09/200415/10/2003 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISRELATORA ORIGINÁRIA : MIN. ELLEN GRACIERELATOR PARA O : MIN. GILMAR MENDESACÓRDÃOIMPETRANTE: FERNANDA FIUZA BRITOADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO DE ARAUJO CATEB EOUTROSIMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DAUNIÃOIMPETRADO : GERENTE DE RECURSOS HUMANOS DASUBSECRETARIA DE PLANEJAMENTO,ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DOMINISTÉRIO DA FAZENDA-GERÊNCIAREGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO EM MINASGERAISEMENTA: Man<strong>da</strong><strong>do</strong> de Segurança. 2. Cancelamento de pensãoespecial pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União. Ausência de comprovação<strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção por instrumento jurídico adequa<strong>do</strong>. Pensão concedi<strong>da</strong> hávinte anos. 3. Direito de defesa amplia<strong>do</strong> com a Constituição de1988. Âmbito de proteção que contempla to<strong>do</strong>s os processos, judiciaisou administrativos, e não se resume a um simples direito demanifestação no processo. 4. Direito constitucional compara<strong>do</strong>.Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito demanifestação e de informação, mas também o direito de ver seusargumentos contempla<strong>do</strong>s pelo órgão julga<strong>do</strong>r. 5. Os princípios <strong>do</strong>contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa, assegura<strong>do</strong>s pela Constituição,aplicam-se a to<strong>do</strong>s os procedimentos administrativos. 6. O exercíciopleno <strong>do</strong> contraditório não se limita à garantia de alegação oportunae eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibili<strong>da</strong>de de serouvi<strong>do</strong> também em matéria jurídica. 7. Aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong>segurança jurídica, enquanto subprincípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito.Possibili<strong>da</strong>de de revogação de atos administrativos que não se podeestender indefini<strong>da</strong>mente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável.Necessi<strong>da</strong>de de estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s situações cria<strong>da</strong>sadministrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa queindepende <strong>da</strong> audiência <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> e decisão que,unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência <strong>da</strong> garantia <strong>do</strong>contraditório, <strong>da</strong> ampla defesa e <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal aoprocesso administrativo. 9. Princípio <strong>da</strong> confiança como elemento <strong>do</strong>princípio <strong>da</strong> segurança jurídica. Presença de um componente de éticajurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10.Man<strong>da</strong><strong>do</strong> de Segurança deferi<strong>do</strong> para determinar observância <strong>do</strong>princípio <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa (CF art. 5º LV).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>103


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>A C Ó R D Ã OVistos, relata<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s estes autos, acor<strong>da</strong>m osMinistros <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Sessão Plenária, sob apresidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Maurício Corrêa, na conformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ata de julgamentos e <strong>da</strong>s notas taquigráficas, por maioria, deferir asegurança, nos termos <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Senhor Ministro Gilmar Mendes.Brasília, 05 de fevereiro de 2004.MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA - PRESIDENTEMINISTRO GILMAR MENDES - REDATOR P/ O ACÓRDÃOEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>104


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>03/04/2003 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEIMPETRANTE: FERNANDA FIUZA BRITOADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO DE ARAUJO CATEB EOUTROSIMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DAUNIÃOIMPETRADO : GERENTE DE RECURSOS HUMANOS DASUBSECRETARIA DE PLANEJAMENTO,ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DOMINISTÉRIO DA FAZENDA-GERÊNCIAREGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO EM MINASGERAISR E L A T Ó R I OA Senhora Ministra Ellen Gracie: Trata-se de man<strong>da</strong><strong>do</strong>de segurança contra atos <strong>do</strong> Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União e <strong>do</strong> Gerente de Recursos Humanos <strong>da</strong> Subsecretaria dePlanejamento, Orçamento e Administração <strong>do</strong> Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> -Gerência <strong>Regional</strong> de Administração de Minas Gerais.A impetrante alega, em síntese, que o <strong>Tribunal</strong> deContas <strong>da</strong> União, sem ouvi-la na condição de beneficiária a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>, emato atentatório contra os direitos à ampla defesa, ao contraditório,ao devi<strong>do</strong> processo legal, ao direito adquiri<strong>do</strong>, à coisa julga<strong>da</strong>,decidiu, unilateral e sumariamente, cancelar o pagamento <strong>da</strong> suapensão especial, concedi<strong>da</strong> há dezoito anos.Acrescenta que o ato atenta, também, frontalmente,contra o princípio <strong>do</strong> controle judicial <strong>do</strong>s atos administrativos.São fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> decisão impugna<strong>da</strong> (fls. 35/36):“O Ministério Público, representa<strong>do</strong> nos autos peloSubprocura<strong>do</strong>r-Geral Ubal<strong>do</strong> Alves Cal<strong>da</strong>s, discor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>detécnica, manifesta-se no seguinte senti<strong>do</strong>:“(...)A a<strong>do</strong>ção de menores de dezoito anos por escritura públicafoi possível, nos termos <strong>do</strong>s arts. 134 e 375 <strong>do</strong> Código Civil,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>105


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>somente até a edição <strong>da</strong> Lei nº 6.697/79 (Código deMenores).Antes <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei, para formalizar-se umaa<strong>do</strong>ção, bastava dirigir-se a um Cartório , com oconsentimento <strong>do</strong>s pais <strong>do</strong> menor, declarar o desejo dea<strong>do</strong>tar determina<strong>da</strong> pessoa.Com o Código de Menores de 1979, o art. 134, inciso I, e oart. 375 <strong>do</strong> Código Civil deixaram de se aplicar aosmenores e a autorização judicial passou a constituir asubstância <strong>do</strong> ato, conforme preceituam os arts 28 e 35 eparágrafos, in verbis:“Art. 28 A a<strong>do</strong>ção simples dependerá deautorização judicial, deven<strong>do</strong> o interessa<strong>do</strong> indicar, norequerimento, os apeli<strong>do</strong>s de família que usará oa<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, os quais, se deferi<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong>, constarão <strong>do</strong>alvará e <strong>da</strong> escritura para averbação <strong>do</strong> registro denascimento <strong>do</strong> menor..................................................................................Art. 35 A sentença concessiva <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção plenaterá efeito constitutivo e será inscrita no Registro Civilmediante man<strong>da</strong><strong>do</strong>, <strong>do</strong> qual não se fornecerá certidão.§ 1º A inscrição consignará o nome <strong>do</strong>s paisa<strong>do</strong>tivos como pais, bem como nome de seusascendentes.§ 2º Os vínculos de filiação e parentescoanteriores cessam com a inscrição.§ 3º O registro original <strong>do</strong> menor será cancela<strong>do</strong>por man<strong>da</strong><strong>do</strong>, o qual será arquiva<strong>do</strong>.§ 4º Nas certidões <strong>do</strong> registro nenhumaobservação poderá constar sobre a origem <strong>do</strong> ato.§ 5º A critério <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de judiciária, poderáser forneci<strong>da</strong> certidão para a salvaguar<strong>da</strong> de direitos.’(grifo nosso)Essa modificação formal teve por objetivo salvaguar<strong>da</strong>ro menor, pois o juiz, ao analisar e julgar os fatos, deverá levar emconta, além de outros fatores, que a proteção <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> menorsobreleva qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutela<strong>do</strong>(art. 5º <strong>da</strong> Lei nº 6.697/79).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>106


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>A a<strong>do</strong>ção em exame ocorreu no ano de 1984, ou sejasob a vigência <strong>do</strong> Código de menores, e a a<strong>do</strong>tante contava, àquelaépoca, com quatro anos de i<strong>da</strong>de; portanto, indispensável aautorização judicial para a vali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato.Consideran<strong>do</strong> que a a<strong>do</strong>ção não ficou comprova<strong>da</strong> nosautos por instrumento jurídico adequa<strong>do</strong>, este representante <strong>do</strong>Ministério Público, em consonância com a Decisão nº 13/97 <strong>da</strong> 2ªCâmara (Ata nº 4/97), opina pela ilegali<strong>da</strong>de e recusa de registro <strong>da</strong>presente concessão, sugerin<strong>do</strong> que a Secretaria de Fiscalização dePessoal acompanhe, por intermédio <strong>do</strong> sistema SIAPE, ocumprimento <strong>da</strong> decisão que vier a ser toma<strong>da</strong> neste processo.”É o relatório.II - VOTOA Lei nº 6.697/79, que instituiu o Código de Menores,não deixa margem a dúvi<strong>da</strong>s quanto às condições em que deveriam seprocessar as a<strong>do</strong>ções. Sua edição deu-se cerca de cinco anos antes <strong>da</strong>a<strong>do</strong>ção <strong>da</strong> então menor Fernan<strong>da</strong> Fiuza Lima pelo institui<strong>do</strong>r Oscarde Moura. Logo, não preenchi<strong>do</strong> o requisito <strong>da</strong> lei, a concessão emexame deve ser considera<strong>da</strong> ilegal.”Sustenta a impetrante que é clara a lesão ao direitolíqui<strong>do</strong> e certo e está evidencia<strong>do</strong> o fumus boni iuris. O periculumin mora está caracteriza<strong>do</strong> diante <strong>do</strong>s inúmeros problemas de ordemfinanceira e moral, comprometen<strong>do</strong>, séria e imediatamente, suasubsistência e a continui<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s seus estu<strong>do</strong>s universitários.Requer seja, liminarmente, e depois em caráterdefinitivo, revoga<strong>do</strong> o ato, amenizan<strong>do</strong>-se os prejuízos causa<strong>do</strong>s àimpetrante, com o fim <strong>do</strong> cancelamento <strong>do</strong> pagamento de sua única evitalícia ren<strong>da</strong>.Em suas informações (fls. 57/129), o Presidente <strong>do</strong> TCUsustenta a legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato impugna<strong>do</strong> já que a a<strong>do</strong>ção, leva<strong>da</strong> atermo em 1984, não foi efetua<strong>da</strong> por instrumento jurídico adequa<strong>do</strong>como disposto no art. 28 e 35 <strong>da</strong> Lei 6.697/79, não bastan<strong>do</strong> para osfins pretendi<strong>do</strong>s apenas o periculum in mora. As informações <strong>do</strong>Gerente <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> (fls. 151/170) são nosenti<strong>do</strong> de que aquele órgão limitou-se a cumprir determinação <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>107


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Indeferi a medi<strong>da</strong> liminar, por entender não evidencia<strong>do</strong>o fumus boni juris.Aberta vista ao Ministério Público <strong>Federal</strong>, veio aosautos o parecer de fls. 138/147 - fortemente calca<strong>do</strong> em precedente<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Turma, o RE 158.543, rel. Min. Marco Aurélio, DJ06.10.95 - pela concessão <strong>da</strong> segurança.É o relatório.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>108


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>03/04/2003 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T OA Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): O <strong>Tribunal</strong> de Contas<strong>da</strong> União, na forma <strong>do</strong> artigo 71, III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, é competente paraapreciar, para fins de registro, a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s concessões de aposenta<strong>do</strong>rias, reformas epensões, muito embora os atos pratica<strong>do</strong>s sejam passíveis <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> PoderJudiciário.Com relação aos princípios <strong>do</strong> contraditório e contencioso quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>julgamento <strong>da</strong> SS 514 (AgRg), DJ 03.12.93, assim apreciou a questão o eminente Min.Octavio Gallotti:“Considerar que o <strong>Tribunal</strong> de Contas, quer noexercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa de rever os atos de seuPresidente, quer no desempenho <strong>da</strong> competência constitucional parajulgamento <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> concessão de aposenta<strong>do</strong>rias, (ou ain<strong>da</strong>na aferição <strong>da</strong> regulari<strong>da</strong>de de outras despesas) esteja jungi<strong>do</strong> a umprocesso contraditório ou contensioso, é submeter o controle externo,a cargo <strong>da</strong>quela Corte, a um enfraquecimento absolutamenteincompatível com o papel que vem sen<strong>do</strong> historicamentedesempenha<strong>do</strong> pela Instituição desde os albores <strong>da</strong> República.”Por outro la<strong>do</strong>, destaco o seguinte trecho <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Ministro CarlosVelloso, no precedente cita<strong>do</strong> no parecer <strong>da</strong> Procura<strong>do</strong>ria Geral <strong>da</strong> República, o RE158.543, <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Turma:“Nos casos que tenho aprecia<strong>do</strong>, em que o tema éventila<strong>do</strong>, procuro verificar se o ato administrativo pratica<strong>do</strong> épuramente jurídico ou se envolve ele questões de fato, em que se exigeo fazimento de prova. Porque, se o ato é puramente jurídico,envolven<strong>do</strong>, simplesmente, a aplicação de normas objetivas, mesmonão ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> assegura<strong>do</strong> o direito de defesa na área administrativa,pode a questão ser examina<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> sua extensão, no Judiciário,na medi<strong>da</strong> judicial contra o ato apresenta<strong>da</strong>. Neste caso, portanto,não há se falar em prejuízo para o administra<strong>do</strong>, ou não resulta, <strong>do</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>109


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>fato de não ter si<strong>do</strong> assegura<strong>da</strong> a defesa, na área administrativa,qualquer prejuízo, <strong>da</strong><strong>do</strong> que a questão, repito, pode ser examina<strong>da</strong> emto<strong>da</strong> sua extensão, judicialmente.”Também por mais este fun<strong>da</strong>mento, penso ser dispensável ocontraditório na fase administrativa, eis que a questão é exclusivamente de direito.Por outro la<strong>do</strong>, decidiu esta Corte (RE 185.255, relator Min.. SydneySanches, D.J. 19.9.97) que não ofende o art. 5º, LV, <strong>da</strong> CF, o ato <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que, semprocedimento administrativo - e portanto sem <strong>da</strong>r ao interessa<strong>do</strong> oportuni<strong>da</strong>de de semanifestar - retifica ato de sua aposentação para excluir vantagens atribuí<strong>da</strong>s emdesconformi<strong>da</strong>de com a lei.Outra questão invoca<strong>da</strong> pela impetrante é a <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> coisajulga<strong>da</strong> e <strong>do</strong> direito adquiri<strong>do</strong> a seu favor.A sentença de fls. 29, proferi<strong>da</strong> pelo Juiz de Direito <strong>da</strong> 5ª Vara <strong>da</strong>Família de Belo Horizonte, trazi<strong>da</strong> com a inicial, decidiu que os pais naturaisreassumissem o pátrio poder sobre a então menor e que se procedesse a averbação àmargem <strong>do</strong> registro de nascimento, sem prejuízo <strong>da</strong> situação anterior de a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> por seubisavô, para o gozo <strong>do</strong>s benefícios e exercício <strong>do</strong>s direitos de a<strong>do</strong>ção. Vejo que nenhumjulgamento foi proferi<strong>do</strong> sobre a legali<strong>da</strong>de, ou não, <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção, ti<strong>da</strong> por irregular peloMinistério Público e <strong>Tribunal</strong> de Contas, em razão <strong>do</strong> não atendimento <strong>da</strong>s disposições<strong>da</strong> Lei 6.697/99. Assim, não ocorreu, como quer a impetrante, a coisa julga<strong>da</strong> a seufavor.Quanto à existência, ou não, <strong>do</strong> direito adquiri<strong>do</strong> e <strong>do</strong> longo perío<strong>do</strong>de dezoito anos em que a impetrante beneficiou-se <strong>da</strong> pensão cancela<strong>da</strong>, enten<strong>do</strong> seraplicável, mutatis mutandis, a decisão desta Primeira Turma, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong>AgRg 120.893, relator, Min. MOREIRA ALVES:“1. Não desconheço que esta Corte tem, vez por outra,admiti<strong>do</strong> - por fun<strong>da</strong>mento jurídico que não sei qual seja — adenomina<strong>da</strong> “teoria <strong>do</strong> fato consuma<strong>do</strong>”, desde que se trate desituação ilegal consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no tempo quan<strong>do</strong> decorrente dedeferimento de liminar em man<strong>da</strong><strong>do</strong> se segurança.Jamais compartilhei esse entendimento que leva apremiar quem não tem direito pelo fato tão só de um Juízo singular oude um <strong>Tribunal</strong> retar<strong>da</strong>r exagera<strong>da</strong> e injustifica<strong>da</strong>mente o julgamentoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>110


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>definitivo de um man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança em que foi concedi<strong>da</strong> liminar,medi<strong>da</strong> provisória por natureza, ou de a demora, na desconstituição<strong>do</strong> ato administrativo pratica<strong>do</strong> por força de liminar posteriormentecassa<strong>da</strong>, resultar de lentidão <strong>da</strong> máquina administrativa.”Por iguais razões, enten<strong>do</strong> não se justificar aqui a existência <strong>do</strong> direitoadquiri<strong>do</strong> em decorrência <strong>do</strong> longo tempo em que a pensão foi recebi<strong>da</strong> de formairregular e ilegal. Tampouco, a pretexto <strong>do</strong> fato consuma<strong>do</strong>, não pode o <strong>Tribunal</strong> deContas ser impedi<strong>do</strong> de exercer suas atribuições constitucionais.Por último, observo que entre a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> escritura de a<strong>do</strong>ção (fls. 166)30.7.1984 e a <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> óbito <strong>do</strong> a<strong>do</strong>tante (fls. 162) 7.8.1984 decorreu apenas umasemana. Oscar de Moura, bisavô <strong>da</strong> impetrante, ao a<strong>do</strong>tar e em segui<strong>da</strong> vir a falecer,aos 83 anos de i<strong>da</strong>de, estava com câncer. As circunstâncias evidenciam simulação <strong>da</strong>a<strong>do</strong>ção com o claro propósito de manutenção <strong>da</strong> pensão previdenciária. E mais, aa<strong>do</strong>ção foi feita sem a forma prescrita em lei e é nula, nos termos <strong>do</strong>s artigos 82, 130,145, III e 146 <strong>do</strong> Código Civil, não poden<strong>do</strong> produzir efeitos.Por estas razões, denego a segurança.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>111


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>TRIBUNAL PLENOEXTRATO DE ATAMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISRELATORA ORIGINÁRIA : MIN. ELLEN GRACIERELATOR PARA O : MIN. GILMAR MENDESACÓRDÃOIMPETRANTE: FERNANDA FIUZA BRITOADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO DE ARAUJO CATEB EOUTROSIMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DAUNIÃOIMPETRADO : GERENTE DE RECURSOS HUMANOS DASUBSECRETARIA DE PLANEJAMENTO,ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DOMINISTÉRIO DA FAZENDA-GERÊNCIAREGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO EM MINASGERAISDecisão: Após o voto <strong>da</strong> Senhora Ministra Ellen Gracie, Relatora,indeferin<strong>do</strong> a segurança, pediu vista o Senhor Ministro Gilmar Mendes.Ausentes, justifica<strong>da</strong>mente, os Senhores Ministros Sepúlve<strong>da</strong> Pertence eCelso de Mello, e, neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Velloso.Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 03.04.2003.Decisão: Apresenta<strong>do</strong> o processo em mesa pelo SenhorMinistro Gilmar Mendes, que pedira vista <strong>do</strong>s autos, S. Exa. indicouadiamento. Ausentes, justifica<strong>da</strong>mente, os Senhores Ministros Cezar Peluso,Sepúlve<strong>da</strong> Pertence e, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie.Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 15.10.2003.Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Maurício Corrêa. Presentes àsessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio,Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.Procura<strong>do</strong>r-Geral <strong>da</strong> República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>112


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Luiz TomimatsuCoordena<strong>do</strong>rEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>113


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>15/10/2003 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISRELATORA ORIGINÁRIA : MIN. ELLEN GRACIERELATOR PARA O : MIN. GILMAR MENDESACÓRDÃOIMPETRANTE: FERNANDA FIUZA BRITOADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO DE ARAUJO CATEB EOUTROSIMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DAUNIÃOIMPETRADO : GERENTE DE RECURSOS HUMANOS DASUBSECRETARIA DE PLANEJAMENTO,ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DOMINISTÉRIO DA FAZENDA-GERÊNCIAREGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO EM MINASGERAISADIAMENTOO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sr. Presidente,acredito que, na ausência <strong>do</strong> Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, seriarecomendável adiamento, para o julgamento <strong>da</strong> matéria com o quorumcompleto.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>114


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T O(VISTA)O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES:Como anota<strong>do</strong> no relatório apresenta<strong>do</strong> pela Ministra EllenGracie, “a impetrante alega, em síntese, que o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União, sem ouvi-la na condição de beneficiária a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>, em atoatentatório contra os direitos à ampla defesa, ao contraditório, aodevi<strong>do</strong> processo legal, ao direito adquiri<strong>do</strong> e à coisa julga<strong>da</strong>,decidiu, unilateral e sumariamente, cancelar o pagamento <strong>da</strong> suapensão especial, concedi<strong>da</strong> há dezoito anos”.Por seu turno, o Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> Uniãosustenta a legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato impugna<strong>do</strong>, no entendimento de que adecisão que negou o registro <strong>da</strong> concessão de pensão especialfun<strong>da</strong>mentou-se na ausência de comprovação <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção por instrumentojurídico adequa<strong>do</strong>, conforme determinam os arts. 28 e 35 <strong>da</strong> Lei n o6.679, de 1979 (fls. 62).A eminente relatora ressalta que “o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União, na forma <strong>do</strong> artigo 71, III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, écompetente para apreciar, para fins de registro, a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sconcessões de aposenta<strong>do</strong>rias, reformas e pensões, muito embora osatos pratica<strong>do</strong>s sejam passíveis <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> Poder Judiciário”.Sobre a aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> contraditório no âmbito<strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União destaca o pronunciamento de OctávioGallotti na SS 514(AgRg), verbis:“Considerar que o <strong>Tribunal</strong> de Contas, quer noexercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa de rever osEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>115


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>atos de seu Presidente, quer no desempenho <strong>da</strong>competência constitucional para julgamento <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> concessão de aposenta<strong>do</strong>rias, (ou ain<strong>da</strong>na aferição <strong>da</strong> regulari<strong>da</strong>de de outras despesas)esteja jungi<strong>do</strong> a um processo contraditório oucontencioso, é submeter o controle externo, a cargo<strong>da</strong>quela Corte, a um enfraquecimento absolutamenteincompatível com o papel que vem sen<strong>do</strong> historicamentedesempenha<strong>do</strong> pela Instituição desde os albores <strong>da</strong>República”. (SS 514(AgRg), DJ 3.12.93)verbis:Em segui<strong>da</strong>, invoca o magistério de Velloso no RE 158.543,“Nos casos que tenho aprecia<strong>do</strong>, em que o tema éventila<strong>do</strong>, procuro verificar se o ato administrativopratica<strong>do</strong> é puramente jurídico ou se envolve elequestões de fato, em que se exige o fazimento deprova. Porque, se o ato é puramente jurídico,envolven<strong>do</strong>, simplesmente, a aplicação de normasobjetivas, mesmo não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> assegura<strong>do</strong> o direitode defesa na área administrativa, pode a questão serexamina<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> sua extensão, no Judiciário, namedi<strong>da</strong> judicial contra o ato apresenta<strong>da</strong>. Neste caso,portanto, não há se falar em prejuízo para oadministra<strong>do</strong>, ou não resulta, <strong>do</strong> fato de não ter si<strong>do</strong>assegura<strong>da</strong> a defesa, na área administrativa, qualquerprejuízo, <strong>da</strong><strong>do</strong> que a questão, repito, pode serexamina<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> sua extensão, judicialmente.” (RE158.543, DJ 6.10.1995; fls. 5/6 <strong>do</strong> relatório <strong>da</strong>Ministra Ellen)Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>116


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Entendeu, por isso, a relatora que o contraditório seriadispensável na fase administrativa, uma vez que a questão seriaexclusivamente de direito.Destacou, ain<strong>da</strong>, precedente <strong>da</strong> relatoria <strong>do</strong> Ministro SydneySanches, segun<strong>do</strong> o qual “não ofende o art. 5 o , LV, <strong>da</strong> CF, o ato <strong>da</strong>autori<strong>da</strong>de que, sem procedimento administrativo, - e portanto sem<strong>da</strong>r ao interessa<strong>do</strong> oportuni<strong>da</strong>de de se manifestar – retifica ato desua aposentação para excluir vantagens atribuí<strong>da</strong>s em desconformi<strong>da</strong>decom a lei”. (RE 185.255, DJ 19.9.97).Afastam-se, igualmente, as alegações de direito adquiri<strong>do</strong> ecoisa julga<strong>da</strong>.Finalmente assenta a Relatora, que “entre a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>escritura de a<strong>do</strong>ção (fls. 166) 30.7.1984 e a <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> óbito <strong>do</strong>a<strong>do</strong>tante (fls. 162) 7.8.1984 decorreu apenas uma semana. Oscar deMoura, bisavô <strong>da</strong> impetrante, ao a<strong>do</strong>tar e em segui<strong>da</strong> vir a falecer,aos 83 anos de i<strong>da</strong>de, estava com câncer. As circunstânciasevidenciam simulação <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção com o claro propósito de manutenção<strong>da</strong> pensão previdenciária. E mais, a a<strong>do</strong>ção foi feita sem a formaprescrita em lei e é nula, nos termos <strong>do</strong>s artigos 82, 130, 145, IIIe 146 <strong>do</strong> Código Civil, não poden<strong>do</strong> produzir efeitos”.Divirjo <strong>da</strong> orientação a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> pela eminente Relatora.Tenho enfatiza<strong>do</strong>, relativamente ao direito de defesa, quea Constituição de 1988 (art. 5 o , LV) ampliou o direito de defesa,asseguran<strong>do</strong> aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,e aos acusa<strong>do</strong>s em geral o contraditório e a ampla defesa, com osmeios e recursos a ela inerentes.Como já escrevi em outra oportuni<strong>da</strong>de, as dúvi<strong>da</strong>sporventura existentes na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência sobre adimensão <strong>do</strong> direito de defesa foram afasta<strong>da</strong>s de plano, sen<strong>do</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>117


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>inequívoco que essa garantia contempla, no seu âmbito de proteção,to<strong>do</strong>s os processos judiciais ou administrativos.Assinale-se, por outro la<strong>do</strong>, que há muito vem a <strong>do</strong>utrinaconstitucional enfatizan<strong>do</strong> que o direito de defesa não se resume aum simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o queo constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miran<strong>da</strong>– é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de1967/69, tomo V, p. 234).Observe-se que não se cui<strong>da</strong> aqui, sequer, de uma inovação<strong>do</strong>utrinária ou jurisprudencial. Já o clássico João Barbalho, nosseus Comentários à Constituição de 1891, asseverava, com precisão:"Com a plena defesa são incompatíveis, e,portanto, inteiramente, inadmissíveis, os processossecretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou odepoimento de inimigo capital, o julgamento de crimesinafiançáveis na ausência <strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> ou ten<strong>do</strong>-se <strong>da</strong><strong>do</strong>a produção <strong>da</strong>s testemunhas de acusação sem ao acusa<strong>do</strong>se permitir reinquiri-las, a incomunicabili<strong>da</strong>dedepois <strong>da</strong> denúncia, o juramento <strong>do</strong> réu, ointerrogatório dele sob coação de qualquer natureza,por perguntas sugestivas ou capciosas." (Constituição<strong>Federal</strong> Brasileira -- Comentários, Rio de Janeiro,1902, p. 323).Não é outra a avaliação <strong>do</strong> tema no direito constitucionalcompara<strong>do</strong>. Aprecian<strong>do</strong> o chama<strong>do</strong> "Anspruch auf rechtliches Gehör"(pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala oBundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direitode manifestação e o direito de informação sobre o objeto <strong>do</strong>processo, mas também o direito de ver os seus argumentoscontempla<strong>do</strong>s pelo órgão incumbi<strong>do</strong> de julgar (Cf. Decisão <strong>da</strong> CorteEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>118


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Constitucional alemã -- BVerfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver,também, Pieroth e Schlink, Grundrechte - Staatsrecht II, Heidelberg,1988, p. 281; Battis, Ulrich, Gusy, Christoph, Einführung in <strong>da</strong>sStaatsrecht, 3 a . edição, Heidelberg, 1991, p. 363-364).Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutelajurídica, que corresponde exatamente à garantia consagra<strong>da</strong> no art. 5 oLV, <strong>da</strong> Constituição, contém os seguintes direitos:1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga oórgão julga<strong>do</strong>r a informar à parte contrária <strong>do</strong>s atos pratica<strong>do</strong>sno processo e sobre os elementos dele constantes;2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que asseguraao defendente a possibili<strong>da</strong>de de manifestar-se oralmente ou porescrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes <strong>do</strong>processo;3) direito de ver seus argumentos considera<strong>do</strong>s (Recht aufBerücksichtigung), que exige <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r capaci<strong>da</strong>de, apreensão eisenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft)para contemplar as razões apresenta<strong>da</strong>s (Cf.Pieroth e Schlink,Grundrechte -Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis eGusy, Einführung in <strong>da</strong>s Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, n o 85-99).Sobre o direito de ver os seus argumentos contempla<strong>do</strong>spelo órgão julga<strong>do</strong>r (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde,obviamente, ao dever <strong>do</strong> juiz ou <strong>da</strong> Administração de a eles conferiratenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que envolve não só odever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o deconsiderar, séria e deti<strong>da</strong>mente, as razões apresenta<strong>da</strong>s(Erwägungspflicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, n o 97).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>119


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>É <strong>da</strong> obrigação de considerar as razões apresenta<strong>da</strong>s quederiva o dever de fun<strong>da</strong>mentar as decisões (Decisão <strong>da</strong> CorteConstitucional -- BVerfGE 11, 218 (218); Cf. Dürig/Assmann, in:Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, n o 97).Dessa perspectiva não se afastou a Lei n o 9.784, de29.1.1999, que regula o processo administrativo no âmbito <strong>da</strong>Administração Pública <strong>Federal</strong>. O art. 2 o desse diploma legaldetermina, expressamente, que a Administração Pública obedecerá aosprincípios <strong>da</strong> ampla defesa e <strong>do</strong> contraditório. O parágrafo únicodesse dispositivo estabelece que nos processos administrativos serãoobserva<strong>do</strong>s, dentre outros, os critérios de “observância <strong>da</strong>sformali<strong>da</strong>des essenciais à garantia <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s”(inciso VIII) e de “garantia <strong>do</strong>s direitos à comunicação” (inciso X.Também registra Celso de Mello, no que toca à a<strong>do</strong>ção <strong>da</strong>ampla defesa no processo administrativo:““RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUEPROCESS OF LAW’.- O Esta<strong>do</strong>, em tema de punições disciplinaresou de restrição a direitos, qualquer que seja odestinatário de tais medi<strong>da</strong>s, não pode exercer a suaautori<strong>da</strong>de de maneira abusiva ou arbitrária,desconsideran<strong>do</strong>, no exercício de sua ativi<strong>da</strong>de, opostula<strong>do</strong> <strong>da</strong> plenitude de defesa, pois oreconhecimento <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de ético-jurídica dequalquer medi<strong>da</strong> estatal – que importe em puniçãodisciplinar ou em limitação de direitos – exige,ain<strong>da</strong> que se cuide de procedimento meramenteadministrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância<strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>120


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>A jurisprudência <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>tem reafirma<strong>do</strong> a essenciali<strong>da</strong>de desse princípio, nelereconhecen<strong>do</strong> uma insuprimível garantia, que,instituí<strong>da</strong> em favor de qualquer pessoa ou enti<strong>da</strong>de,rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, desua ativi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> que em sede materialmenteadministrativa, sob pena de nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> próprio atopunitivo ou <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> restritiva de direitos.Precedentes. Doutrina.” (RTJ 183/371-372, Rel. Min.CELSO DE MELLO)” (MS 24.268/MG, Voto, Min. Celso deMello)Nessa linha, tal como recor<strong>da</strong><strong>do</strong> no parecer <strong>da</strong>Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>da</strong> República, esta Corte já assentou aindispensabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> direito de defesa em matéria semelhante.É o que se destaca na seguinte passagem <strong>da</strong> decisão <strong>da</strong>relatoria de Jobim no RE 211.242/RS, verbis:"O acórdão impugna<strong>do</strong> tem esta ementa:'EXONERAÇÃODE SERVIDOR, em virtude de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> investidura.Desnecessi<strong>da</strong>de de prévio inquérito administrativodisciplinar,que supõe a regulari<strong>da</strong>de <strong>do</strong> provimento ea ocorrência de fato posterior, imputável aoservi<strong>do</strong>r. Apelo improvi<strong>do</strong>'. (fl. 349) Está emconfronto com a orientação fixa<strong>da</strong> no RE 158543,conforme ressalta a PGR. Consta <strong>do</strong> Parecer: 'Tratasede recurso extraordinário interposto de acórdãoque concluiu ser desnecessária a instauração deprocedimento administrativo, com observância <strong>do</strong>princípio <strong>do</strong> contraditório, quan<strong>do</strong> <strong>da</strong> revisão <strong>do</strong>satos inquina<strong>do</strong>s de nuli<strong>da</strong>de por parte <strong>da</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>121


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>administração. Esse Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> temperfilha<strong>do</strong> o entendimento oposto, conforme sedepreende <strong>do</strong> julgamento <strong>do</strong> RE n o 158.543, Rel.: Min.MARCO AURÉLIO DJ 06/10/95, p. 33.135, onde ficouassenta<strong>do</strong> que, 'tratan<strong>do</strong>-se <strong>da</strong> anulação de atoadministrativo cuja formalização haja repercuti<strong>do</strong> nocampo de interesses individuais, a anulação nãoprescinde <strong>da</strong> observância <strong>do</strong> contraditório, ou seja,<strong>da</strong> instauração de processo administrativo que ensejaa audição <strong>da</strong>queles que terão modifica<strong>da</strong> situação jáalcança<strong>da</strong>. Presunção de legitimi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> atoadministrativo pratica<strong>do</strong> que não pode ser afasta<strong>da</strong>unilateralmente, porque é comum à administração e aoparticular. Dessa forma, opina o MINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL pelo provimento <strong>do</strong> recurso.' (fl. 430)”Diz Jobim, ain<strong>da</strong>:“Destaco ain<strong>da</strong> o voto de MARCO AURÉLIO no RE199.733 (DJ 30.04.99): '...tive oportuni<strong>da</strong>de deconsignar, ao relatar perante a Turma o RecursoExtraordinário n o 158.543/RS, em 30 de agosto de1994, que, em situação com a <strong>do</strong>s autos, cumpreatentar para o disposto no inciso LV <strong>do</strong> rol <strong>da</strong>sgarantias constitucionais. Nele alude-se aoslitigantes e aos processos judicial e administrativo,mencionan<strong>do</strong>-se, após, o direito ao contraditório, àampla defesa com os meios e recursos a ele inerentes.O vocábulo litigante há de ser compreendi<strong>do</strong> emsenti<strong>do</strong> lato, ou seja, a envolver interessescontrapostos. Destarte, não tem o senti<strong>do</strong> processualde parte, a pressupor uma deman<strong>da</strong>, uma lide, umconflito de interesses constante de processoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>122


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>judicial. Este enfoque decorre <strong>da</strong> circunstância de oprincípio estar liga<strong>do</strong>, também, aos processosadministrativos. A presunção de legitimi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>satos administrativos milita não só em favor <strong>da</strong> pessoajurídica de direito priva<strong>do</strong>, como também <strong>do</strong> ci<strong>da</strong>dãoque se mostre, de alguma forma, por ele alcança<strong>do</strong>.Logo, o desfazimento, ain<strong>da</strong> que sob o ângulo <strong>da</strong>anulação, deve ocorrer cumprin<strong>do</strong>-se, de maneirairrestrita, o que se entende como devi<strong>do</strong> processolegal (lato sensu), a que o inciso LV <strong>do</strong> artigo 5 oobjetiva preservar. O contraditório e a ampladefesa, assegura<strong>do</strong>s constitucionalmente, não estãorestritos apenas àqueles processos de naturezaadministrativa que se mostrem próprios ao campodisciplinar. O dispositivo constitucional nãocontempla especifici<strong>da</strong>de.E, Jobim, prossegue na transcrição <strong>do</strong> Voto de Marco Aurélio(RE 199.733):“No precedente referi<strong>do</strong>, tive a honra de seracompanha<strong>do</strong> pelos demais integrantes <strong>da</strong> Turma,proferin<strong>do</strong> os Ministros Carlos Velloso e Néri <strong>da</strong>Silveira votos específicos. Fez ver o MinistroCarlos Velloso ser incontestável que o devi<strong>do</strong>processo legal aplica-se a to<strong>do</strong> procedimentoadministrativo em que o patrimônio <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>possa vir a ser, de qualquer mo<strong>do</strong>, atingi<strong>do</strong>,desfalca<strong>do</strong>. Sua Excelência, a partir <strong>da</strong> revelação deperfil democrático, apontou, mais, a valia de saberse<strong>da</strong> existência de pretensão contesta<strong>da</strong> e essa,iniludivelmente, diz respeito à continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>relação jurídica que surgiu com a feitura <strong>do</strong> concursoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>123


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>público, <strong>da</strong> aprovação, <strong>da</strong> nomeação e <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> emexercício no cargo alcança<strong>do</strong>. Por sua vez, oMinistro Néri <strong>da</strong> Silveira reportou-se a célebre casopor si examina<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> Consultor Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul, a envolver certa jornalista,dependente de procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> junto ao <strong>Tribunal</strong>de Contas <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, que percebia pensãocom base no Código de Organização Judiciária <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>. Sua Excelência concluiu pela insubsistência<strong>do</strong> ato <strong>da</strong> Administração que, de uma hora para outra,afastou a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> percepção <strong>da</strong>s parcelas,fazen<strong>do</strong>-o ao abrigo <strong>da</strong> máxima segun<strong>do</strong> a qual épossível a anulação de atos ilegítimos. Esse casoencaixa-se com luva ao precedente. A Turmaproclamou, então, na ementa <strong>do</strong> acórdão: Atoadministrativo Repercussões - Presunção delegitimi<strong>da</strong>de - Situação constituí<strong>da</strong> Interessescontrapostos - Anulação - Contraditório. Tratan<strong>do</strong>-se<strong>da</strong> anulação de ato administrativo cuja formalizaçãohaja repercuti<strong>do</strong> no campo de interesses individuais,a anulação não prescinde <strong>da</strong> observância <strong>do</strong>contraditório, ou seja, <strong>da</strong> instauração de processoadministrativo que enseje a audição <strong>da</strong>queles queterão modifica<strong>da</strong> situação já alcança<strong>da</strong>. Presunção delegitimi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato administrativo pratica<strong>do</strong> que nãopode ser afasta<strong>da</strong> unilateralmente, porque é comum àAdministração e ao particular (Recurso Extraordinárion o158.543/RS, <strong>do</strong> qual fui Relator - acórdãoproferi<strong>do</strong> por maioria de votos - RTJ 156, página1.042 à 1.048.' Conheço <strong>do</strong> recurso e lhe <strong>do</strong>uprovimento para ajustar o acórdão recorri<strong>do</strong> aosEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>124


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>referi<strong>do</strong>s precedentes. Publique-se. Brasília, 09 deabril de 2001. (Ministro NELSON JOBIM Relator, DJ de19/04/2001, p. 00056)" [p. 141/144] (RE 211.242)A posição consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> na 2 a Turma desta Corte mereceu,igualmente, o referen<strong>do</strong> <strong>do</strong> Plenário no julgamento <strong>do</strong> MS n o 23.550.É o que se depreende <strong>da</strong> seguinte passagem <strong>do</strong> voto deSepúlve<strong>da</strong> Pertence:“De outro la<strong>do</strong>, se se impõe a garantia <strong>do</strong> devi<strong>do</strong>processo legal aos procedimentos administrativoscomuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há desubmeter-se o desempenho de to<strong>da</strong>s as funções decontrole <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas, de colori<strong>do</strong> quasejurisdicional.De to<strong>do</strong> irrelevante a circunstância - a que seapegam as informações - de não haver previsãoexpressa <strong>da</strong> audiência <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s na LeiOrgânica <strong>do</strong> TCU, salvo nos processos de toma<strong>da</strong> ouprestação de contas, <strong>da</strong><strong>da</strong> a incidência direta, nahipótese, <strong>da</strong>s garantias constitucionais <strong>do</strong> devi<strong>do</strong>processo.De qualquer mo<strong>do</strong>, se se pretende insistir no mauvezo <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des brasileiras de inversão <strong>da</strong>pirâmide normativa <strong>do</strong> ordenamento, de mo<strong>do</strong> aacreditar menos na Constituição <strong>do</strong> que na leiordinária, nem aí teria salvação o processo: na<strong>da</strong>exclui os procedimentos <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União <strong>da</strong> aplicação subsidiária <strong>da</strong> lei geral <strong>do</strong>processo administrativo federal, a L. 9.784/99, já emvigor ao tempo <strong>do</strong>s fatos.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>125


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Nela, explicitamente, se prescreve a legitimação,como 'interessa<strong>do</strong>s no processo administrativo', deto<strong>do</strong>s 'aqueles que, sem terem inicia<strong>do</strong> o processo,têm direitos ou interesses que possam ser afeta<strong>do</strong>spela decisão a ser a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>' (art. 9 o II).” (MS23.550/DF, Relator: Min. Marco Aurélio; DJ:31.10.2001)E, adiante, conclui Pertence:“Certo, não há consenso acerca <strong>da</strong> incidência <strong>do</strong>princípio <strong>do</strong> contraditórioe <strong>da</strong> ampla defesa, quan<strong>do</strong>se cuide <strong>do</strong> exercício de autotutela administrativa,mediante a anulação pela própria administração deatos vicia<strong>do</strong>s de ilegali<strong>da</strong>de.No <strong>Tribunal</strong>, a solução afirmativa prevaleceu pormaioria na 2a Turma, no RE 158543, de 30.08.94 (RTJ157/1042); e por votação unânime no RE 199733 (RTJ169/1061), e no AgRAg 217849 (RTJ 170/702), ambos de15.12.98, os três casos, relata<strong>do</strong>s pelo MinistroMarco Aurélio; o entendimento contrário, no entanto,parece ter si<strong>do</strong> acolhi<strong>do</strong> pela 1a Turma no RE 213513,de 08.06.99, relator o Ministro Galvão (DJ 24.09.99).O dissenso – que também se manifesta na <strong>do</strong>utrina-, não parece ter lugar quan<strong>do</strong> se cuide, a rigor, nãode anulação ex ofício, mas de processoadministrativo de um órgão de controle, qual o<strong>Tribunal</strong> de Contas ain<strong>da</strong> quan<strong>do</strong> a representação partade órgãos de sua própria estrutura administrativa,quais as secretarias de controle externo sedia<strong>da</strong>s noEsta<strong>do</strong>s, como inicialmente se deu no caso.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>126


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>A discussão, no entanto, seria ociosa no casoconcreto, no qual houve também representação departicular, empresa venci<strong>da</strong> na licitação e, por isso,de interesse contraposto ao <strong>da</strong> impetrante, de mo<strong>do</strong> aevidenciar uma situação típica de litígio, a reclamarinduvi<strong>do</strong>samente a oportuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> defesa e decontraditório.” (MS 23.550/DF, Relator: Min. MarcoAurélio; DJ: 31.10.2001)Não me parece de acolher-se, na espécie, a distinçãoenuncia<strong>da</strong> por Velloso sobre a aplicação <strong>do</strong> direito de defesa e <strong>do</strong>contraditório apenas aos procedimentos que envolvam questão de fato.Tenho para mim que o texto constitucional não autoriza semelhanteredução teleológica (CF, art. 5 o , LV).Portanto, esse fun<strong>da</strong>mento ⎯ o <strong>da</strong> não observância <strong>do</strong>contraditório e <strong>da</strong> ampla defesa ⎯ afigura-se-me suficiente paraconcessão <strong>da</strong> segurança.Impressiona-me, ademais, o fato de a cassação <strong>da</strong> pensão terocorri<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>s 18 anos de sua concessão – e agora já são 20 anos.Não estou seguro de que se possa invocar o disposto noart. 54 <strong>da</strong> Lei n o 9.784, de 1999, (Lei n o 9.784, de 29.1.1999: “Art. 54. Odireito <strong>da</strong> Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitosfavoráveis para os destinatários decai em cinco anos, conta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em queforam pratica<strong>do</strong>s, salvo comprova<strong>da</strong> má-fé. § 1 o No caso de efeitos patrimoniaiscontínuos, o prazo de decadência contar-se-á <strong>da</strong> percepção <strong>do</strong> primeiro pagamento. §2 o Considera-se exercício <strong>do</strong> direito de anular qualquer medi<strong>da</strong> de autori<strong>da</strong>deadministrativa que importe impugnação à vali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato.”) – embora tenhasi<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s incentiva<strong>do</strong>res <strong>do</strong> projeto que resultou na aludi<strong>da</strong> lei -,uma vez que, talvez de forma orto<strong>do</strong>xa, esse prazo não deva sercomputa<strong>do</strong> com efeitos retroativos.Mas, afigura-se-me inegável que há um “quid” relaciona<strong>do</strong>com a segurança jurídica que recomen<strong>da</strong>, no mínimo, maior cautela emEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>127


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>casos como o <strong>do</strong>s autos. Se estivéssemos a falar de direito real,certamente já seria invocável a usucapião.A propósito <strong>do</strong> direito compara<strong>do</strong>, vale a pena ain<strong>da</strong> trazerà colação clássico estu<strong>do</strong> de <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong> sobre aaplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica:“É interessante seguir os passos dessa evolução.O ponto inicial <strong>da</strong> trajetória está na opiniãoamplamente divulga<strong>da</strong> na literatura jurídica deexpressão alemã <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século de que, emborainexistente, na órbita <strong>da</strong> Administração Pública, oprincipio <strong>da</strong> res judicata, a facul<strong>da</strong>de que tem oPoder Público de anular seus próprios atos tem limitenão apenas nos direitos subjetivos regularmentegera<strong>do</strong>s, mas também no interesse em proteger a boa fée a confiança (Treue und Glauben)<strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s.(...)Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro temadespertou maior interesse <strong>do</strong> que este, nos anos 50 na<strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, para concluir que oprincípio <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de anulamento foisubstituí<strong>do</strong> pelo <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de anulamento, emhomenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informaain<strong>da</strong> que a prevalência <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>desobre o <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> confiança só se dá quan<strong>do</strong> avantagem é obti<strong>da</strong> pelo destinatário por meiosilícitos por ele utiliza<strong>do</strong>s, com culpa sua, ouresulta de procedimento que gera suaresponsabili<strong>da</strong>de. Nesses casos não se pode falar emproteção à confiança <strong>do</strong> favoreci<strong>do</strong>.(Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, VerfahrensrechtEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>128


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>in der Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts,Tübingen 1966, 3. Auflage, vol. I, p. 257 e segs.;vol. II, 1967, p. 339 e segs.).Embora <strong>do</strong> confronto entre os princípios <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública e o <strong>da</strong> segurançajurídica resulte que, fora <strong>do</strong>s casos de <strong>do</strong>lo, culpaetc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempreinaceitável e o com eficácia ex nunc é admiti<strong>do</strong>quan<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>minante o interesse público norestabelecimento <strong>da</strong> ordem jurídica feri<strong>da</strong>, éabsolutamente defeso o anulamento quan<strong>do</strong> se trate deatos administrativos que conce<strong>da</strong>m prestações emdinheiro, que se exauram de uma só vez ou queapresentem caráter dura<strong>do</strong>uro, como os de ín<strong>do</strong>lesocial, subvenções, pensões ou proventos deaposenta<strong>do</strong>ria.” (SILVA, <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e. Osprincípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> administração pública e<strong>da</strong> segurança jurídica no esta<strong>do</strong> de direitocontemporâneo. Revista <strong>da</strong> Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>. Publicação <strong>do</strong> Instituto de InformáticaJurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, V. 18, N o46, 1988, p. 11-29)Depois de incursionar pelo direito alemão, refere-se omestre gaúcho ao direito francês, rememoran<strong>do</strong> o clássico “affaireDame Cachet”:“Bem mais simples apresenta-se a solução <strong>do</strong>sconflitos entre os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>Administração Pública e o <strong>da</strong> segurança jurídica noDireito francês. Desde o famoso affaire Dame Cachet,de 1923, fixou o Conselho de Esta<strong>do</strong> o entendimento,logo reafirma<strong>do</strong> pelos affaires Vallois e Gros deEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>129


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Beler, ambos também de 1923 e pelo affaire DameInglis, de 1935, de que, de uma parte, a revogação<strong>do</strong>s atos administrativos não cabia quan<strong>do</strong> existissemdireitos subjetivos deles provenientes e, de outra,de que os atos macula<strong>do</strong>s de nuli<strong>da</strong>de só poderiam terseu anulamento decreta<strong>do</strong> pela Administração Públicano prazo de <strong>do</strong>is meses, que era o mesmo prazoconcedi<strong>do</strong> aos particulares para postular, em recursocontencioso de anulação, a invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atosadministrativos.HAURIOU, comentan<strong>do</strong> essas decisões, as aplaudeentusiasticamente, in<strong>da</strong>gan<strong>do</strong>: ‘Mas será que o poderde desfazimento ou de anulação <strong>da</strong> Administraçãopoderá exercer-se indefini<strong>da</strong>mente e em qualquerépoca? Será que jamais as situações cria<strong>da</strong>s pordecisões desse gênero não se tornarão estáveis?Quantos perigos para a segurança <strong>da</strong>s relações sociaisencerram essas possibili<strong>da</strong>des indefini<strong>da</strong>s derevogação e, de outra parte, que incoerência, numaconstrução jurídica que abre aos terceirosinteressa<strong>do</strong>s, para os recursos contenciosos deanulação, um breve prazo de <strong>do</strong>is meses e que deixariaà Administração a possibili<strong>da</strong>de de decretar aanulação de ofício <strong>da</strong> mesma decisão, sem lhe impornenhum prazo’. E conclui: ‘Assim, to<strong>da</strong>s as nuli<strong>da</strong>desjurídicas <strong>da</strong>s decisões administrativas se acharãorapi<strong>da</strong>mente cobertas, seja com relação aos recursoscontenciosos, seja com relação às anulaçõesadministrativas; uma atmosfera de estabili<strong>da</strong>deestender-se-á sobre as situações cria<strong>da</strong>sadministrativamente.’ (La JurisprudenceEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>130


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II,p. 105-106.)” (COUTO E SILVA, <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong>. Osprincípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> administração pública e<strong>da</strong> segurança jurídica no esta<strong>do</strong> de direitocontemporâneo. Revista <strong>da</strong> Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>. Publicação <strong>do</strong> Instituto de InformáticaJurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, V. 18, n o46, 1988, p.11-29)Na mesma linha, observa <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong> em relação aodireito brasileiro:“MIGUEL REALE é o único <strong>do</strong>s nossos autores queanalisa com profundi<strong>da</strong>de o tema, no seu menciona<strong>do</strong>‘Revogação e Anulamento <strong>do</strong> Ato Administrativo’ emcapítulo que tem por título ‘Nuli<strong>da</strong>de eTemporali<strong>da</strong>de’. Depois de salientar que ‘o tempotranscorri<strong>do</strong> pode gerar situações de fatoequiparáveis a situações jurídicas, não obstante anuli<strong>da</strong>de que originariamente as comprometia’, diz eleque ‘é mister distinguir duas hipóteses: (a) a deconvali<strong>da</strong>ção ou sanatória <strong>do</strong> ato nulo e anulável; (b)a per<strong>da</strong> pela Administração <strong>do</strong> benefício <strong>da</strong> declaraçãounilateral de nuli<strong>da</strong>de (le bénéfice du préalable)’”.(COUTO E SILVA, <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong>. Os princípios <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> administração pública e <strong>da</strong> segurançajurídica no esta<strong>do</strong> de direito contemporâneo. Revista<strong>da</strong> Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Publicação <strong>do</strong>Instituto de Informática Jurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> RioGrande <strong>do</strong> Sul, V. 18, n o 46, 1988, p. 11-29).Registre-se que o tema é pedra angular <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direitosob a forma de proteção à confiança.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>131


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução <strong>da</strong> pazjurídica um elemento nuclear <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito material e tambémvê como aspecto <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança o <strong>da</strong> confiança:“O ordenamento jurídico protege a confiançasuscita<strong>da</strong> pelo comportamento <strong>do</strong> outro e não tem maisremédio que protegê-la, porque poder confiar (...) écondição fun<strong>da</strong>mental para uma pacífica vi<strong>da</strong> coletivae uma conduta de cooperação entre os homens e,portanto, <strong>da</strong> paz jurídica.” (Derecho Justo –Fun<strong>da</strong>mentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985,p. 91).O autor tedesco prossegue afirman<strong>do</strong> que o princípio <strong>da</strong>confiança tem um componente de ética jurídica, que se expressa noprincípio <strong>da</strong> boa fé. Diz:“Dito princípio consagra que uma confiançadesperta<strong>da</strong> de um mo<strong>do</strong> imputável deve ser manti<strong>da</strong>quan<strong>do</strong> efetivamente se creu nela. A suscitação <strong>da</strong>confiança é imputável, quan<strong>do</strong> o que a suscita sabiaou tinha que saber que o outro ia confiar. Nestamedi<strong>da</strong> é idêntico ao princípio <strong>da</strong> confiança. (...)Segun<strong>do</strong> a opinião atual, [este princípio <strong>da</strong> boa fé]se aplica nas relações jurídicas de direito público.”(Derecho Justo – Fun<strong>da</strong>mentos de Ética Jurídica.Madri. Civitas, 1985, p. 95 e 96)Na Alemanha, contribuiu decisivamente para a superação<strong>da</strong> regra <strong>da</strong> livre revogação <strong>do</strong>s atos administrativos ilícitos umadecisão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Administrativo de Berlim, proferi<strong>da</strong> em14.11.1956, posteriormente confirma<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> Administrativo<strong>Federal</strong>. Cui<strong>da</strong>va-se de ação proposta por viúva de funcionáriopúblico que vivia na Alemanha Oriental. Informa<strong>da</strong> pelo responsávelEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>132


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>pela Administração de Berlim de que teria direito a uma pensão,desde que tivesse o seu <strong>do</strong>micílio fixa<strong>do</strong> em Berlim ocidental, ainteressa<strong>da</strong> mu<strong>do</strong>u-se para a ci<strong>da</strong>de. A pensão foi-lhe concedi<strong>da</strong>.Tempos após, constatou-se que ela não preenchia os requisitos legaispara a percepção <strong>do</strong> benefício, ten<strong>do</strong> a Administração determina<strong>do</strong> asuspensão de seu pagamento e solicita<strong>do</strong> a devolução <strong>do</strong> que teriasi<strong>do</strong> pago indevi<strong>da</strong>mente. Hoje a matéria integra a complexa regulaçãoconti<strong>da</strong> no § 48 <strong>da</strong> Lei sobre processo administrativo federal eestadual, em vigor desde 1977 (Cf. Erichsen, Hans-Uwe, in: Erichsen,Hans-Uwe/Martens, Wolfgang, Allgemeines Verwaltungsrecht, 9 a edição,Berlim/Nova York, 1992, p. 289)Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós,assento constitucional (princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito) e estádisciplina<strong>do</strong>, parcialmente, no plano federal, na Lei n o 9.784, de 29de janeiro de 1999, (v.g. art. 2 o ).Como se vê, em ver<strong>da</strong>de, a segurança jurídica, comosubprincípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito, assume valor ímpar no sistemajurídico, caben<strong>do</strong>-lhe papel diferencia<strong>do</strong> na realização <strong>da</strong> própriaidéia de justiça material.Nesse senti<strong>do</strong>, vale trazer passagem de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> professorMiguel Reale sobre a revisão <strong>do</strong>s atos administrativos:“Não é admissível, por exemplo, que, nomea<strong>do</strong>irregularmente um servi<strong>do</strong>r público, visto carecer, naépoca, de um <strong>do</strong>s requisitos complementares exigi<strong>do</strong>spor lei, possa a Administração anular seu ato, anos eanos volvi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> já constituí<strong>da</strong> uma situaçãomerece<strong>do</strong>ra de amparo e, mais <strong>do</strong> que isso, quan<strong>do</strong> aprática e a experiência podem ter compensa<strong>do</strong> a lacunaoriginária. Não me refiro, é claro, a requisitosessenciais, que o tempo não logra por si sóEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>133


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>convalescer, ⎯ como seria, por exemplo, a falta dediploma para ocupar cargo reserva<strong>do</strong> a médico, ⎯ masa exigências outras que, toma<strong>da</strong>s no seu rigorismoformal, determinariam a nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato.Escreve com acerto José Frederico Marques que asubordinação <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder anulatório a umprazo razoável pode ser considera<strong>do</strong> requisitoimplícito no princípio <strong>do</strong> due process of law. Talprincípio, em ver<strong>da</strong>de, não é váli<strong>do</strong> apenas no sistema<strong>do</strong> direito norte-americano, <strong>do</strong> qual é uma <strong>da</strong>s peçasbasilares, mas é extensível a to<strong>do</strong>s os ordenamentosjurídicos, visto como corresponde a uma triplaexigência, de regulari<strong>da</strong>de normativa, de economia demeios e forma e de adequação à tipici<strong>da</strong>de fática. Nãoobstante a falta de termo que em nossa linguagemrigorosamente lhe correspon<strong>da</strong>, poderíamos traduzirdue process of law por devi<strong>da</strong> atualização <strong>do</strong> direito,fican<strong>do</strong> entendi<strong>do</strong> que haverá infração desse ditamefun<strong>da</strong>mental to<strong>da</strong> vez que, na prática <strong>do</strong> atoadministrativo, por preteri<strong>do</strong> algum <strong>do</strong>s momentosessenciais à sua ocorrência; porém destruí<strong>da</strong>s, semmotivo plausível, situações de fato, cujacontinui<strong>da</strong>de seja economicamente aconselhável, ou sea decisão não corresponder ao complexo de notasdistintivas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social tipicamenteconfigura<strong>da</strong> em lei.” (Miguel Reale, Revogação eanulamento <strong>do</strong> ato administrativo. 2 a ed. Forense. Riode Janeiro. 1980.)É possível que, no caso em apreço, fosse até de se cogitar<strong>da</strong> aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, de forma integral,de mo<strong>do</strong> a impedir o desfazimento <strong>do</strong> ato. Diante, porém, <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>134


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>formula<strong>do</strong> e <strong>da</strong> causa petendi limito-me aqui a reconhecer a forteplausibili<strong>da</strong>de jurídica desse fun<strong>da</strong>mento.Enten<strong>do</strong>, porém, que se há de deferir a segurança postula<strong>da</strong>para determinar a observância <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong>ampla defesa na espécie (CF, art. 5 o , LV).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>135


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISD E B A T EA Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora) – V.Exª. então admite ser retoma<strong>do</strong> o processo administrativopara que se dê o direito de defesa?O Senhor Ministro Gilmar Mendes – Sim.O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - O caso é de cancelamento depensão já anteriormente julga<strong>da</strong> legal?A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora) – Sim. Era uma pensão deferi<strong>da</strong>a uma moça por seu bisavô, que a a<strong>do</strong>tou uma semana antes de morrer de uma <strong>do</strong>ençapreexistente, cujo desfecho já se conhecia.O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - O que me interessa é isto: fora apensão julga<strong>da</strong> legal?A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora) – E, após, cassa<strong>da</strong>.O Sr. Ministro Carlos Velloso – E referen<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo juiz de família.A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora) – Não. Desculpe, isso é algumacoisa que o Ministro Gilmar Mendes não chegou a abor<strong>da</strong>r com maior profundi<strong>da</strong>de.Existe realmente uma sentença <strong>do</strong> juiz de família <strong>da</strong> 5ª Vara de Família de BeloHorizonte que foi trazi<strong>da</strong> com a inicial. E nela se decidiu o seguinte: reverteu aos paisnaturais o pátrio poder sobre a menor, determinan<strong>do</strong> que se procedesse averbação àmargem <strong>do</strong> registro de nascimento – o que não compete ao juízo de família –, queficava sem prejuízo <strong>da</strong> situação anterior de a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> por seu avô para o efeito de gozo debenefícios e exercício <strong>do</strong>s direitos de a<strong>do</strong>ção, ou seja, para efeitos <strong>da</strong> previdência estatalo juiz de família faz essa ressalva, reverten<strong>do</strong> o pátrio poder aos pais naturais. Éevidente, é clara, é cristalina, aqui, a situação de fraude.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>136


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Por isso, peço vênia ao Ministro Gilmar Mendes, que defende muitoadequa<strong>da</strong>mente o “due process of law” dentro <strong>do</strong> procedimento administrativo, que é aregra. No caso, ter-se-ia de verificar apenas a incompatibili<strong>da</strong>de de direitos. Não háfatos a comprovar. Não há contraditório a estabelecer no procedimento administrativo.Essa a<strong>do</strong>ção foi feita em flagrante fraude à lei.agora?pensão paga.O Sr. Ministro Carlos Velloso – Qual seria o prejuízo de examinarmosA Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora) - São já vinte anos de umaO Sr. Ministro Carlos Velloso – Mas se to<strong>da</strong>s as questões estão postas,temos possibili<strong>da</strong>de de fazer o reexame. Essa é a questão. Desde o <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deRecursos, quan<strong>do</strong> não tínhamos a Constituição de 1988 a estabelecer o devi<strong>do</strong> processolegal no processo administrativo, sempre sustentei, a sua aplicabili<strong>da</strong>de. Mas, se se põeem juízo uma questão puramente de direito, para que devolver à Administração?O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - Ministro, se acaso o <strong>Tribunal</strong> deContas decide em favor <strong>do</strong> particular, a União pode provocar a jurisdição sobre isso?O Sr. Ministro Carlos Velloso – Por que não?O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - É nova a tese. Sempre seentendeu que haveria ai preclusão administrativa.O Sr. Ministro Carlos Velloso – Não. Não é novo.O Sr. Ministro Cezar Peluso – Mas o objeto <strong>do</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurançanão concerne aos pressupostos <strong>do</strong> direito à pensão. O objeto <strong>do</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança –e é este objeto que traça os limites <strong>do</strong> nosso poder de cognição – é saber se era possívelcancelar a pensão, sem observância <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal. Esse é o objeto <strong>da</strong>controvérsia.V. Exª. está partin<strong>do</strong> <strong>da</strong> consideração de que podemos examinar agorauma situação em que aparentemente ...legaliza<strong>do</strong>.O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - Havia um julgamentoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>137


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>anos?O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente): – Depois de quantosO Sr. Ministro Cezar Peluso - Vinte anos: 1984.O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - Isso, para mim, é fun<strong>da</strong>mental.O Sr. Ministro Carlos Velloso – Segun<strong>do</strong> apreen<strong>do</strong> <strong>do</strong> parecer, esta não éa única causa de pedir. Enfrenta-se o mérito também.O Senhor Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence - Uma coisa é, no processo deconcessão <strong>da</strong> aposenta<strong>do</strong>ria ou <strong>da</strong> pensão, o <strong>Tribunal</strong> decidir de sua legali<strong>da</strong>de, porqueisso integra o processo de formação administrativa <strong>do</strong> ato concessivo. Outra coisa é,depois de julga<strong>da</strong> legal a concessão <strong>da</strong> aposenta<strong>do</strong>ria e <strong>da</strong> pensão, vir o <strong>Tribunal</strong> deContas e cancelá-la, sem ouvir o titular <strong>da</strong> situação cria<strong>da</strong> há dezoito anos.O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Presidente):– Acho que a questão já está mais <strong>do</strong> que esclareci<strong>da</strong>.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>138


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISVOTOO SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – Considero excessoimper<strong>do</strong>ável fazer algum reforço ao voto erudito e exaustivo <strong>do</strong> Ministro GILMARMENDES e ao qual adiro incondicionalmente. Mas gostaria de fazer pequenaobservação.A Constituição (art. 5º, LIV) não permite que ninguém percaqualquer de seus bens, e não apenas a liber<strong>da</strong>de (diz ela: “nenhum de seusbens”, materiais ou imateriais), sem o justo processo <strong>da</strong> lei. Nem basta que oprocesso seja legal; tem ain<strong>da</strong> de ser devi<strong>do</strong>, justo. Evidentemente, não háprocesso minimamente justo onde não haja possibili<strong>da</strong>de, de acor<strong>do</strong>, aliás, como inciso subseqüente (LV), <strong>do</strong> exercício pleno <strong>do</strong> contraditório, o qual não selimita – e, isso já consta <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Ministro - à garantia de alegação oportuna eeficaz a respeito de fatos, mas implica a possibili<strong>da</strong>de de ser ouvi<strong>do</strong> também emmatéria jurídica. É preciso, pois, que, nos termos <strong>da</strong> Constituição, seja talpossibili<strong>da</strong>de assegura<strong>da</strong> àquele que goza de situação jurídica estável durantevinte anos, e a situação <strong>da</strong> ora impetrante não poder ser considera<strong>da</strong> como umnão-bem, porque há anos estabiliza<strong>da</strong> e desfruta<strong>da</strong> como tal. Tem de serouvi<strong>da</strong>, porque o fato de não ser ouvi<strong>da</strong>, sob pretexto de suposta aparência defraude, transforma a pessoa humana em objeto, em se dispon<strong>do</strong> sobre ela semlhe <strong>da</strong>r a oportuni<strong>da</strong>de de ser ouvi<strong>da</strong> e considera<strong>da</strong> como sujeito.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>139


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>É a razão por que, Sr. Presidente, com o devi<strong>do</strong> respeito,acompanho, na íntegra, o voto <strong>do</strong> eminente Ministro GILMAR MENDES.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>140


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T OO SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Sr. Presidente,acompanharei o ministro Gilmar Mendes, não sem antes fazer abreve observação de que, na ver<strong>da</strong>de, esse tipo de procedimento eraciocínio jurídico que se consoli<strong>da</strong> na praxe jurisdicionalbrasileira é responsável, em grande parte, pela desmoralizaçãodessa mesma prática. Por quê? Pelo que diz a ministra EllenGracie, é evidente a fraude.O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - MasMinistro, nós decidirmos isso, <strong>da</strong>ta venia, em um man<strong>da</strong><strong>do</strong> desegurança, que impede o direito de defesa!O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Estou apenasfazen<strong>do</strong> uma observação, é um obiter dictum.O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Isso não éobiter dictum. Não podemos nos <strong>da</strong>r ao luxo de obiter dicta sobrequestões de fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo administrativo, no julgamento deum man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança no qual o impetrante quer é que, naqueleprocesso administrativo, se lhe assegure o direito de defesa.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>141


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA: Simplesmente é umapelo no senti<strong>do</strong> de que flexibilizemos essa visão formalista.Conhecemos to<strong>do</strong>s a Lei 9.784.radical.O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – E hoje a Lei nº 9.784 éO SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Lembro-mede um habeas corpus denega<strong>do</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> <strong>da</strong> minha terra - econheci, na minha juventude, o juiz: simplesmente não se tinha<strong>da</strong><strong>do</strong> defesa, sequer nomea<strong>do</strong> advoga<strong>do</strong> ao réu, mas, se negou ohabeas corpus para anular o processo, com a in<strong>da</strong>gação: mas opaciente matou o pai pelas costas, para que defensor?Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>142


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISÀ revisão de apartes <strong>do</strong>s Srs. Ministros Nelson Jobim, Cezar Peluso,Ellen Gracie (Relatora), Sepúlve<strong>da</strong> Pertence e Gilmar Mendes.VOTOO SR. MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - Sr. Presidente,quan<strong>do</strong> o <strong>Tribunal</strong> de Contas aprecia a legali<strong>da</strong>de de um atoconcessivo de pensão, aposenta<strong>do</strong>ria ou reforma, ele não precisaouvir a parte diretamente interessa<strong>da</strong>, porque a relação jurídicatrava<strong>da</strong>, nesse momento, é entre o <strong>Tribunal</strong> de Contas e aAdministração Pública. Num segun<strong>do</strong> momento, porém, concedi<strong>da</strong> aaposenta<strong>do</strong>ria, reconheci<strong>do</strong> o direito à pensão ou à reforma, jáexiste um ato jurídico que, no primeiro momento, até prove ocontrário, chama-se ato jurídico perfeito, porque se perfez reunin<strong>do</strong>os elementos forma<strong>do</strong>res que a lei exigia para tal. E, nesse caso, apensão, mesmo fraudulenta —— porque estou convenci<strong>do</strong>, também, deque, na sua origem, ela foi fraudulenta ——, ganha esse tônus dejuridici<strong>da</strong>de.O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Só uma questão: teria o<strong>Tribunal</strong> de Contas a competência jurisdicional de desconstituir umato, que foi exatamente essa escritura pública de a<strong>do</strong>ção? Ou seja, aEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>143


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>escritura pública de a<strong>do</strong>ção, para efeito de concessão <strong>da</strong>aposenta<strong>do</strong>ria, teria si<strong>do</strong> desconstituí<strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas. Eele não tem competência para desconstituir atos jurídicos. Poderá,eventualmente, promover a ação respectiva de anulação. Agora, oefeito jurídico desse ato foi a a<strong>do</strong>ção. Tanto é que essa senhora,casualmente, pode ter arreca<strong>da</strong><strong>do</strong> herança de outra ci<strong>da</strong>dã. Então, nãoé possível.O SR. MINISTRO CEZAR PELUSO – V. Exª me permite? NoCódigo atual, não sei, mas, no Código Civil anterior, havia normaque autorizava prova <strong>da</strong> posse <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de pessoa por qualquer meio.Não se exigia sequer escritura.A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (RELATORA) – A a<strong>do</strong>ção pelobisavô, Ministro, tenha paciência. É meio longe o parentesco.O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Ministro, neste caso, seo <strong>Tribunal</strong> de Contas não tem competência jurisdicional paradesconstituir atos jurídicos pratica<strong>do</strong>s fora <strong>da</strong> sua alça<strong>da</strong>respectiva, isso aqui não é um contrato público; os contratospúblicos têm condições de ter função desconstitutiva, está naConstituição. Agora, aqui, é um ato jurídico externo. Mesmo que essasenhora tivesse participa<strong>do</strong>, o ato <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>144


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>desconstituin<strong>do</strong>, seria ineficaz e não teria <strong>da</strong>no maior, só <strong>da</strong> suacompetência.O SR. MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Prosseguin<strong>do</strong>, nessesegun<strong>do</strong> momento de desconstituição <strong>do</strong> ato jurídico, que confirmou aconcessão <strong>da</strong> pensão, a relação jurídica trava<strong>da</strong> é entre o <strong>Tribunal</strong>de Contas e o particular, não mais a Administração Pública, ao menosno plano <strong>da</strong> imediati<strong>da</strong>de.Parece-me evidente, como está no voto <strong>do</strong> <strong>do</strong>uto MinistroGilmar Mendes —— e peço vênia à eminente Ministra-Relatora EllenGracie ——, neste caso, o direito ao contraditório e à ampla defesa éum direito que emerge, exsurge elementarmente e, aliás, é o objeto<strong>da</strong> segurança; o direito líqui<strong>do</strong> e certo reclama<strong>do</strong> é o de ser ouvi<strong>do</strong>nesse momento <strong>da</strong> desconstituição de um ato oficial, que vigorou pordezoito anos.A própria Constituição assevera, no art. 19, inciso II,que não se pode “recusar fé aos <strong>do</strong>cumentos públicos”. Essa é uma <strong>da</strong>smatrizes <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> presunção de vali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos jurídicos.Nesse caso, o <strong>Tribunal</strong> de Contas, para desfazer o seu próprio ato,poderia, sim, a qualquer momento, desfazer, mas desde que conferisseà parte priva<strong>da</strong> o direito ao contraditório e à ampla defesa.Agora, que houve fraude, é evidente que sim. Porém,sobrepaira no Direito aquela idéia tão magnificamente exposta porVon Ihering, segun<strong>do</strong> a qual “a forma é inimiga <strong>do</strong> capricho e irmãEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>145


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>gêmea <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de”. Então, a forma recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Constituição háde ser observa<strong>da</strong>.A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (RELATORA) – Ministro CarlosBritto, só para responder essa bela ponderação que V. Exª acaba defazer, quero rememorar ao <strong>Tribunal</strong> que a orientação aqui a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong>contraria a anterior orientação <strong>da</strong> Casa, no RE nº 185.255, <strong>da</strong>Relatoria <strong>do</strong> Ministro Sydney Sanches, que expressamente referiu oseguinte, com relação ao direito ao “due process of law” noprocedimento administrativo:Não ofende o art. 5º, LV, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, oato de autori<strong>da</strong>de que, sem procedimento administrativo,portanto, sem <strong>da</strong>r ao interessa<strong>do</strong> a oportuni<strong>da</strong>de de semanifestar, retifica o ato de sua aposentação, a fim deexcluir vantagens atribuí<strong>da</strong>s em desconformi<strong>da</strong>de com alei.Essa foi a orientação que a Casa tinha no RE nº 185.255.O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Mas não foi nojulgamento <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aposenta<strong>do</strong>ria?A SRA MINISTRA ELLEN GRACIE (RELATORA) – Não. Não foi naaprovação <strong>da</strong> aposenta<strong>do</strong>ria; foi posteriormente, em ato deretificação. É esse RE que gostaria de trazer à memória <strong>da</strong> Corte.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>146


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>O SR. MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – Impressiona-me muitoporque, afina<strong>do</strong>, rima<strong>do</strong> com o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, ofato <strong>do</strong> transcurso de dezoito anos.Mas gostaria, Ministro Gilmar Mendes, de fazer umapergunta: V.Exª chamou o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, que subjaza to<strong>da</strong> essa nossa decisão, de subprincípio?O SR. MINISTRO GILMAR MENDES – Chama-se subprincípio <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> de direito. Um princípio desenvolvi<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> dedireito.O SR. MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - Penso ser elementoconceitual <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de direito, mas não vamos discutir isso agora.Acompanho a divergência <strong>do</strong> eminente Ministro GilmarMendes.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>147


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISTRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268VOTOO SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM - Sr. Presidente, volto ainsistir no senti<strong>do</strong> de que, não obstante a hiperinflação deprincípios e subprincípios <strong>do</strong> Ministro Gilmar Mendes, no casoespecífico, tivemos um ato jurídico externo ao <strong>Tribunal</strong> de Contas,que não é ato <strong>da</strong> Administração Pública, em que houve uma a<strong>do</strong>ção.Essa a<strong>do</strong>ção continua vigente e, fraudulenta ou não – pode ser queseja, e efetivamente os elementos condizem a isso -, é um juízo quedeve ser <strong>da</strong><strong>do</strong> no foro competente para desconstituir os atosjurídicos.Se o <strong>Tribunal</strong> de Contas não quisesse registrar essaaposenta<strong>do</strong>ria, porque suspeitasse, aí ele deveria ter promovi<strong>do</strong> -conforme o próprio texto determina - os atos necessários paradesconstituir a causa <strong>da</strong> aposenta<strong>do</strong>ria. Senão, teremos uma situaçãocuriosa: para efeito de aposenta<strong>do</strong>ria, não é filha; mas, para efeitode arreca<strong>da</strong>ção, de herança, etc, é filha. Então, não podemos <strong>da</strong>r acompetência ao <strong>Tribunal</strong> de Contas. E fico mais longe: mesmo que essasenhora tivesse si<strong>do</strong> cita<strong>da</strong>, não teria o <strong>Tribunal</strong> de Contascompetência de desconhecer a eficácia de um negócio jurídico sobre oqual ele não tem competência no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> sua desconstituição.Com essas considerações, defiro o man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança,com vênia à Ministra Ellen Gracie.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>148


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T OO SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente,reporto-me ao precedente menciona<strong>do</strong> pelo ministro Gilmar Mendes etambém ao voto referi<strong>do</strong> <strong>do</strong> ministro Nelson Jobim. E ressalto que,principalmente em época de depuração, as franquias constitucionaisdevem ser preserva<strong>da</strong>s, em prol <strong>da</strong> República, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democráticode Direito.O <strong>Tribunal</strong> de Contas simplesmente não poderiadesfazer, como já salienta<strong>do</strong>, um negócio jurídico, uma relaçãojurídica estabeleci<strong>da</strong> que foge totalmente à área de atuação <strong>da</strong>quelaCorte de Contas, muito menos sem <strong>da</strong>r oportuni<strong>da</strong>de, à beneficiária <strong>da</strong>relação jurídica, de pronunciar-se, de defender-se, de mo<strong>do</strong> afirmar-se o contraditório.Tem-se, inclusive, a questão suscita<strong>da</strong> no parecer <strong>do</strong>Ministério Público, pelo então Procura<strong>do</strong>r-Geral Geral<strong>do</strong> Brindeiro,quanto à prescrição <strong>do</strong> artigo 54, que deve ser dirimi<strong>da</strong>. E, a meuver, tanto quanto possível, não devemos, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> a organici<strong>da</strong>dee a dinâmica <strong>do</strong> próprio Direito, sinalizar nosso entendimento sobreo que venha a ser ajuiza<strong>do</strong> para fulminar-se o ato jurídico. Quedeci<strong>da</strong> a respeito o juiz natural.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>149


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Acompanho, com a devi<strong>da</strong> vênia <strong>da</strong> relatora, adissidência <strong>do</strong> ministro Gilmar Mendes.***Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>150


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T OO SR. Ministro CARLOS VELLOSO – Eminente Relatora, épossível decidir a questão, no Supremo <strong>Tribunal</strong>, por ser uma questãojurídica, apenas?a pergunta de V. Exa.A SRA. Ministra ELLEN GRACIE (Relatora) – Não entendiO SR Ministro MARCO AURÉLIO – Há legitimi<strong>da</strong>de, ou não?O SR. Ministro CARLOS VELLOSO – É possível ao <strong>Tribunal</strong>decidir a questão no seu mérito? É o que V. Exa sustenta ?A SRA. Ministra ELLEN GRACIE (Relatora) – O man<strong>da</strong><strong>do</strong> desegurança aponta a ausência de formação de um processoadministrativo, antes <strong>da</strong> cassação. Esse é o motivo principal,a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo Ministro Gilmar Mendes, para contradizer o voto que euinicialmente formulara. A inicial também alega em seu benefício aexistência de coisa julga<strong>da</strong> e de direito adquiri<strong>do</strong>, que são essesdezoito longos anos – já agora vinte – em que percebeu uma pensão <strong>do</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>151


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>seu bisavô, oriun<strong>da</strong> dessa a<strong>do</strong>ção irregular. Até fiz consulta aonosso civilista de plantão – essa é uma dúvi<strong>da</strong>, por isso pedi osautos ao Ministro Gilmar Mendes - para saber se já à época teriahavi<strong>do</strong> a alteração legislativa mediante a qual não mais se admitama<strong>do</strong>ções por simples escritura pública. Este é o motivo pelo qual o<strong>Tribunal</strong> de Contas fulminou a a<strong>do</strong>ção.Faz tanto tempo que examinei os atos, que não merecor<strong>do</strong> mais. Mas, se não me engano, parece-me que essa era amotivação <strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de dessa a<strong>do</strong>ção, feita por forma já supera<strong>da</strong> pelalegislação.Além disso, a autora invocava também a existência decoisa julga<strong>da</strong>, e V. Exa. já referiu que era uma sentença <strong>do</strong> Juízo <strong>da</strong><strong>4ª</strong> Vara <strong>da</strong> Família, pela qual o pátrio poder – que havia si<strong>do</strong>passa<strong>do</strong> para uma pessoa de oitenta e quatro anos, o bisavô –revertesse aos pais naturais. Com base nisso, ela invoca aexistência de coisa julga<strong>da</strong>.Foram esses os três argumentos enfrenta<strong>do</strong>s no meuvoto, e a to<strong>do</strong>s afastei. Acato, naturalmente, as ponderações <strong>do</strong>Ministro Gilmar Mendes e <strong>do</strong>s demais Colegas, mas lembro que temos oprecedente que referi <strong>do</strong> Ministro Sydney Sanches, autorizan<strong>do</strong> aautori<strong>da</strong>de administrativa a revisar o seu ato.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>152


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>O SR. Ministro CARLOS VELLOSO – Esse precedente dizrespeito ao julgamento <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de.Posteriormente à concessão.A SRA Ministra ELLEN GRACIE (Relatora) –O SR. Ministro CARLOS VELLOSO - É concedi<strong>da</strong> aaposenta<strong>do</strong>ria e submete o julgamento <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de ao <strong>Tribunal</strong> deContas, o qual costuma excluir gratificações. Tem-se, neste caso,bem disse V. Exa., que a relação é entre o <strong>Tribunal</strong> e aAdministração.A SRA. Ministra ELLEN GRACIE (Relatora) – Mas oprecedente <strong>do</strong> Ministro Sydney Sanches não diz respeito àqueleprimeiro exame, mas a uma retificação posterior de uma aposenta<strong>do</strong>riajá concedi<strong>da</strong>. A similitude é absoluta.O SR. Ministro CARLOS VELLOSO – Perfilho a <strong>do</strong>utrina nosenti<strong>do</strong> de que se é possível decidir o mérito <strong>da</strong> questão, sem voltálaà apreciação <strong>da</strong> Administração, assim deveremos proceder, emobséquio ao princípio <strong>da</strong> economia processual.O SR. Ministro MARCO AURÉLIO – Mas desde que a favor<strong>da</strong> parte a quem beneficiaria a declaração de nuli<strong>da</strong>de.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>153


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>O SR. Ministro CARLOS VELLOSO – Sem dúvi<strong>da</strong>. Penso,eminente Presidente, com a licença sempre devi<strong>da</strong> à eminenteMinistra-Relatora, existir <strong>do</strong>is fun<strong>da</strong>mentos sobre os quais posso meapoiar para deferir em definitivo a segurança: primeiro, a questão<strong>da</strong> segurança jurídica. Isso foi deferi<strong>do</strong> há mais de dezoito anos,quer dizer, o <strong>Tribunal</strong> de Contas julgou <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de desta pensãohá mais de dezoito anos. Não é possível que venha, em 2001 – parecemeque o ato é de 2001 –, a revogar o seu entendimento quan<strong>do</strong>, comoórgão <strong>da</strong> Administração, devia obediência à Lei nº 9.784/99, queestabelece a prescrição:“Art. 54. O direito <strong>da</strong> Administração de anularos atos administrativos de que decorram efeitosfavoráveis para os destinatários decai em cinco anos,conta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que foram pratica<strong>do</strong>s, salvocomprova<strong>da</strong> má-fé.”A Lei nº 9.784, que rege o processo administrativofederal em vigor quan<strong>do</strong> <strong>da</strong> prática <strong>do</strong>s atos ora questiona<strong>do</strong>s, estavaem vigor.O SR. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - Há precedente <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong>, <strong>do</strong> Ministro Bilac Pinto, aplican<strong>do</strong> por construção essanorma, que o art. 5º <strong>da</strong> L. 9.784 viria a a<strong>do</strong>tar. Agora, quanto à leisuperveniente, tenho minhas dúvi<strong>da</strong>s.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>154


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>O SR. Ministro CARLOS VELLOSO – Poderia fazê-lo tambémpor construção, porque a questão é <strong>da</strong> prescrição - aqui é decadência- contra a Fazen<strong>da</strong>, cinco anos.E mais: vem um terceiro fun<strong>da</strong>mento, suscita<strong>do</strong> peloeminente Ministro Nelson Jobim. Seria possível a um órgão <strong>da</strong>Administração - e o <strong>Tribunal</strong> de Contas é órgão <strong>da</strong> Administração, étribunal administrativo -, a um tribunal administrativo anular umato jurisdicional, um ato pratica<strong>do</strong> pelo Poder Judiciário?Penso que, por ato próprio, não. E se quisessepromover essa anulação, encontraria obstáculo na decadência <strong>da</strong> Leinº 9.784/99, art. 54, § 1º, ou na prescrição qüinqüenal imposta,estabeleci<strong>da</strong> em favor <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública que, é de se aplicar, emtermos de construção, ten<strong>do</strong> em vista o princípio isonômico.De maneira que peço licença à eminente Ministra-Relatora e defiro o man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança em termos definitivos.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>155


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T OO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:Ninguém pode serpriva<strong>do</strong> de sua liber<strong>da</strong>de, de seus bens ou de seus direitos sem odevi<strong>do</strong> processo legal, nota<strong>da</strong>mente naqueles casos em que seestabelece uma relação de polari<strong>da</strong>de conflitante entre o Esta<strong>do</strong>, deum la<strong>do</strong>, e o indivíduo, de outro.Cumpre ter presente, bem por isso,que o Esta<strong>do</strong>, emtema de restrição à esfera jurídica de qualquer ci<strong>da</strong>dão, não podeexercer a sua autori<strong>da</strong>de de maneira abusiva ou arbitrária,desconsideran<strong>do</strong>, no exercício de sua ativi<strong>da</strong>de, o postula<strong>do</strong> <strong>da</strong>plenitude de defesa, pois - cabe enfatizar - o reconhecimento <strong>da</strong>legitimi<strong>da</strong>de ético-jurídica de qualquer medi<strong>da</strong> imposta pelo PoderPúblico, de que resultem, como no caso, conseqüências gravosas noplano <strong>do</strong>s direitos e garantias individuais, exige a fiel observância<strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal (CF, art. 5º, LV), consoanteadverte autoriza<strong>do</strong> magistério <strong>do</strong>utrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRAFILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69,1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à ConstituiçãoBrasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRAJÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>156


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito àDefesa na Constituição”, p. 47-49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIROBASTOS, “Comentários à Constituição <strong>do</strong> Brasil”, vol. 2/268-269,1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “DireitoAdministrativo”, p. 401-402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLEFIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 290 e 293-294,2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “DireitoAdministrativo Brasileiro”, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.).A jurisprudência <strong>do</strong>s Tribunais, nota<strong>da</strong>mente a <strong>do</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, tem reafirma<strong>do</strong> a essenciali<strong>da</strong>de desseprincípio, nele reconhecen<strong>do</strong> uma insuprimível garantia, que,instituí<strong>da</strong> em favor de qualquer pessoa ou enti<strong>da</strong>de, rege econdiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua ativi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong>que em sede materialmente administrativa, sob pena de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>própria medi<strong>da</strong> restritiva de direitos, revesti<strong>da</strong>, ou não, de caráterpunitivo (RDA 97/110 - RDA 114/142 - RDA 118/99 - RTJ 163/790, Rel.Min. CARLOS VELLOSO - AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, inInformativo/STF nº 253/2002 - RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO -RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 199.800/SP, Rel. Min.CARLOS VELLOSO, v.g.):“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESSOF LAW’.- O Esta<strong>do</strong>, em tema de punições disciplinares ou derestrição a direitos, qualquer que seja o destinatárioEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>157


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>de tais medi<strong>da</strong>s, não pode exercer a sua autori<strong>da</strong>de demaneira abusiva ou arbitrária, desconsideran<strong>do</strong>, noexercício de sua ativi<strong>da</strong>de, o postula<strong>do</strong> <strong>da</strong> plenitude dedefesa, pois o reconhecimento <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de ético--jurídica de qualquer medi<strong>da</strong> estatal - que importe empunição disciplinar ou em limitação de direitos -exige, ain<strong>da</strong> que se cuide de procedimento meramenteadministrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância <strong>do</strong>princípio <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal.A jurisprudência <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> temreafirma<strong>do</strong> a essenciali<strong>da</strong>de desse princípio, nelereconhecen<strong>do</strong> uma insuprimível garantia, que, instituí<strong>da</strong>em favor de qualquer pessoa ou enti<strong>da</strong>de, rege econdiciona o exercício, pelo Poder Público, de suaativi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> que em sede materialmenteadministrativa, sob pena de nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> próprio atopunitivo ou <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> restritiva de direitos.Precedentes. Doutrina.”(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)Isso significa, portanto, que assiste, ao ci<strong>da</strong>dão,mesmo em procedimentos de ín<strong>do</strong>le administrativa, a prerrogativaindisponível <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong> plenitude de defesa, com os meiose recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição <strong>da</strong>República, em seu art. 5º, inciso LV.O respeito efetivo à garantia constitucional <strong>do</strong> “dueprocess of law”, ain<strong>da</strong> que se trate de procedimento administrativo(como esse instaura<strong>do</strong> perante o E. <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União),condiciona, de mo<strong>do</strong> estrito, o exercício <strong>do</strong>s poderes de que se achainvesti<strong>da</strong> a Pública Administração, sob pena de descaracterizar-se,com grave ofensa aos postula<strong>do</strong>s que informam a própria concepção <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> democrático de Direito, a legitimi<strong>da</strong>de jurídica <strong>do</strong>s atos eEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>158


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>resoluções emana<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, especialmente quan<strong>do</strong> taisdeliberações, como sucede na espécie, importarem em invali<strong>da</strong>ção, poranulação, de típicas situações subjetivas de vantagem.Esse entendimento – que valoriza a perspectivaconstitucional que deve orientar o exame <strong>do</strong> tema em causa – tem obeneplácito <strong>do</strong> autoriza<strong>do</strong> magistério <strong>do</strong>utrinário expendi<strong>do</strong> pelaeminente Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo emEvolução”, p. 82/85, itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 1996, ForenseUniversitária):“O coroamento <strong>do</strong> caminho evolutivo <strong>da</strong> interpretação<strong>da</strong> cláusula <strong>do</strong> ‘devi<strong>do</strong> processo legal’ ocorreu, noBrasil, com a Constituição de 1988, pelo art. 5º,inc. LV, que reza:‘Art. 5°, LV. Aos litigantes, em processojudicial ou administrativo, e aos acusa<strong>do</strong>s em geralsão assegura<strong>do</strong>s o contraditório e a ampla defesa,com os meios e recursos a ela inerentes.’Assim, as garantias <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong> ampladefesa des<strong>do</strong>bram-se hoje em três planos: a) no planojurisdicional, em que elas passam a ser expressamentereconheci<strong>da</strong>s, diretamente como tais, para o processopenal e para o não-penal; b) no plano <strong>da</strong>s acusações emgeral, em que a garantia explicitamente abrange aspessoas objeto de acusação; c) no processoadministrativo sempre que haja litigantes. (...)É esta a grande inovação <strong>da</strong> Constituição de 1988.Com efeito, as garantias <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong>ampla defesa, para o processo não-penal e para osacusa<strong>do</strong>s em geral, em processos administrativos, jáeram extraí<strong>da</strong>s, pela <strong>do</strong>utrina e pela jurisprudência,<strong>do</strong>s textos constitucionais anteriores, ten<strong>do</strong> aexplicitação <strong>da</strong> Lei Maior em vigor natureza didática,Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>159


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>afeiçoa<strong>da</strong> à boa técnica, sem apresentar conteú<strong>do</strong>inova<strong>do</strong>r. Mas agora a Constituição também resguar<strong>da</strong> asreferi<strong>da</strong>s garantias aos litigantes, em processoadministrativo.E isso não é casual nem aleatório, mas obedece àprofun<strong>da</strong> transformação que a Constituição operou notocante à função <strong>da</strong> administração pública.Acolhen<strong>do</strong> as tendências contemporâneas <strong>do</strong> direitoadministrativo, tanto em sua finali<strong>da</strong>de de limitação aopoder e garantia <strong>do</strong>s direitos individuais perante opoder, como na assimilação <strong>da</strong> nova reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>relacionamento Esta<strong>do</strong>-socie<strong>da</strong>de e de abertura para ocenário sociopolítico-econômico em que se situa, aConstituição pátria de 1988 trata de parte considerável<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa, no pressuposto de que ocaráter democrático <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deve influir naconfiguração <strong>da</strong> administração, pois os princípios <strong>da</strong>democracia não podem se limitar a reger as funçõeslegislativa e jurisdicional, mas devem também informara função administrativa.Nessa linha, dá-se grande ênfase, no direitoadministrativo contemporâneo, à nova concepção <strong>da</strong>processuali<strong>da</strong>de no âmbito <strong>da</strong> função administrativa,seja para transpor para a atuação administrativa osprincípios <strong>do</strong> ‘devi<strong>do</strong> processo legal’, seja para fixarimposições mínimas quanto ao mo<strong>do</strong> de atuar <strong>da</strong>administração.Na concepção mais recente sobre a processuali<strong>da</strong>deadministrativa, firma-se o princípio de que a extensão<strong>da</strong>s formas processuais ao exercício <strong>da</strong> funçãoadministrativa está de acor<strong>do</strong> com a mais alta concepção<strong>da</strong> administração: o agir a serviço <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Oprocedimento administrativo configura, assim, meio deatendimento a requisitos <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> atoadministrativo. Propicia o conhecimento <strong>do</strong> que ocorreantes que o ato faça repercutir seus efeitos sobre osindivíduos, e permite verificar como se realiza atoma<strong>da</strong> de decisões.Assim, o caráter processual <strong>da</strong> formação <strong>do</strong> atoadministrativo contrapõe-se a operações internas esecretas, à concepção <strong>do</strong>s arcana imperii <strong>do</strong>minantes nosgovernos absolutos e lembra<strong>do</strong>s por Bobbio ao discorrersobre a publici<strong>da</strong>de e o poder invisível, consideran<strong>do</strong>essencial à democracia um grau eleva<strong>do</strong> de visibili<strong>da</strong>de<strong>do</strong> poder....................................................Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>160


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Assim, a Constituição não mais limita ocontraditório e a ampla defesa aos processosadministrativos (punitivos) em que haja acusa<strong>do</strong>s, masestende as garantias a to<strong>do</strong>s os processosadministrativos, não-punitivos e punitivos, ain<strong>da</strong> queneles não haja acusa<strong>do</strong>s, mas simplesmente litigantes.Litigantes existem sempre que, num procedimentoqualquer, surja um conflito de interesses. Não épreciso que o conflito seja qualifica<strong>do</strong> pela pretensãoresisti<strong>da</strong>, pois neste caso surgirão a lide e o processojurisdicional. Basta que os partícipes <strong>do</strong> processoadministrativo se anteponham face a face, numa posiçãocontraposta. Litígio equivale a controvérsia, aconten<strong>da</strong>, e não a lide. Pode haver litigantes – e os há –sem acusação alguma, em qualquer lide.” (grifei)Não foi por outra razão, Senhor Presidente, tal comorelembra<strong>do</strong> pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, que a colen<strong>da</strong>Segun<strong>da</strong> Turma <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> - ao examinar a questão <strong>da</strong>aplicabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> extensão, aos processos de naturezaadministrativa, <strong>da</strong> garantia <strong>do</strong> “due process of law” - proferiudecisão, que, consubstancia<strong>da</strong> em acórdão assim ementa<strong>do</strong>, reflete aorientação que ora exponho neste meu voto:“Ato administrativo – Repercussões – Presunção delegitimi<strong>da</strong>de – Situação constituí<strong>da</strong> – Interessescontrapostos – anulação – Contraditório. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>da</strong>anulação de ato administrativo cuja formalização hajarepercuti<strong>do</strong> no campo de interesses individuais, aanulação não prescinde <strong>da</strong> observância <strong>do</strong> contraditório,ou seja, <strong>da</strong> instauração de processo administrativo queenseje a audição <strong>da</strong>queles que terão modifica<strong>da</strong> situaçãojá alcança<strong>da</strong>. (...)”(RTJ 156/1042, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>161


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Sen<strong>do</strong> assim, Senhor Presidente, e com estasconsiderações, peço vênia à eminente Relatora, para, ao acompanhar o<strong>do</strong>uto voto proferi<strong>do</strong> pelo eminente Ministro GILMAR MENDES, concedero man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança impetra<strong>do</strong> na presente causa.É o meu voto.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>162


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISV O T OO SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Sr. Presidente,é preciso distinguir - como já ficou claro, aliás, <strong>da</strong> discussão, maspara mim é o ponto essencial, a que me restrinjo - a atuação <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> de Contas integran<strong>do</strong> e tornan<strong>do</strong> definitiva, na órbitaadministrativa, a concessão de aposenta<strong>do</strong>ria e pensões — ato queindepende <strong>da</strong> audiência <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> —, <strong>da</strong>quela outra decisão que,após julgar legal a pensão concedi<strong>da</strong> — e corri<strong>do</strong>s dezoito anos desua concessão — vem, unilateralmente, a cancelá-la: neste caso,parece-me que a incidência <strong>da</strong> garantia <strong>do</strong> contraditório e <strong>da</strong> ampladefesa, hoje clara e explicitamente estendi<strong>da</strong> ao processoadministrativo, e a <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal, se não couber aprimeira, levam necessariamente a anular a decisão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> deContas.Fico aqui, para não me antecipar, no caso concreto,quer aos prismas aparentemente favoráveis à impetrante, quer aosprismas a ela aparentemente desfavoráveis. A parte tem direito e o<strong>Tribunal</strong> de Contas tem competência para examinar to<strong>do</strong>s essesaspectos na órbita administrativa, obedeci<strong>do</strong> o devi<strong>do</strong> processo legalEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>163


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>e, eventualmente, sujeitan<strong>do</strong>-se ao controle jurisdicional provoca<strong>do</strong>por quem estiver legitima<strong>do</strong>.O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – Quer dizer, então queV.Exª admite que a questão retorne à apreciação <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> deContas?O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Sim, até aprescrição tu<strong>do</strong> há de ser examina<strong>do</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas.O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – No meu voto conce<strong>do</strong> emdefinitivo a segurança. Não há retorno <strong>da</strong> questão à apreciação <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> de Contas.O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Entendi o votode V.Exª, mas creio que acompanho apenas o voto <strong>do</strong> Ministro GilmarMendes.Com as vênias <strong>da</strong> eminente Ministra-Relatora, defiro asegurança.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>164


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISVOTOO SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA (PRESIDENTE) - AMinistra Ellen Gracie, ao delimitar os fatos que deram origem àimpetração, anotou que o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União teria atenta<strong>do</strong>contra o seu direito adquiri<strong>do</strong> e vulnera<strong>do</strong> a coisa julga<strong>da</strong>, namedi<strong>da</strong> em que, relegan<strong>do</strong> a segun<strong>do</strong> plano as garantias <strong>da</strong> ampladefesa, <strong>do</strong> contraditório e <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal, determinou ocancelamento de sua pensão especial, concedi<strong>da</strong> há dezoito anos,decisão proferi<strong>do</strong> em um procedimento administrativo para o qual nãofoi notifica<strong>da</strong>.2. O Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, em suasinformações, sustentou a legali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato impugna<strong>do</strong> no “writ”,esclarecen<strong>do</strong> que a denegação <strong>do</strong> registro <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> pensãoespecial está embasa na ausência de comprovação <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção porinstrumento jurídico adequa<strong>do</strong>, conforme determinam os artigos 28 e35 <strong>da</strong> Lei 6.679/79. Acentuou, ain<strong>da</strong>, que o procedimento estavaampara<strong>do</strong> no artigo 71, III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, que outorgacompetência àquela Corte de Contas para apreciar, para fins deregistro, a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s concessões de aposenta<strong>do</strong>rias, reformas epensões.3. O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto-vista, destacou quea inobservância pelo <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União aos princípiosconstitucionais <strong>do</strong> contraditório, <strong>da</strong> ampla defesa e ao devi<strong>do</strong>processo legal no procedimento administrativo instaura<strong>do</strong> peranteaquela Corte, seria suficiente para a concessão <strong>do</strong> writ. Apesar deassim entender, as razões de seu voto ressaltaram, ademais, o fatoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>165


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>de a cassação <strong>da</strong> pensão ter ocorri<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>s 20 (vinte) anos de suaconcessão. Assim, não era concebível que após decorri<strong>do</strong> temposuficiente à estabilização <strong>do</strong>s fatos viesse o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União desconsiderar o ato jurídico que deu origem à percepção <strong>da</strong>pensão especial, sob o argumento de que o instrumento jurídico <strong>da</strong>a<strong>do</strong>ção não estava de acor<strong>do</strong> com os artigos 28 e 35 <strong>da</strong> Lei 6679/79. Oseu voto, por isso, divergiu <strong>do</strong> proferi<strong>do</strong> pela Ministra EllenGracie, relatora <strong>do</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança.4. Não tenho como deixar de acompanhar o bem articula<strong>do</strong> voto<strong>do</strong> eminente Ministro Gilmar Mendes. Apenas me situaria, aqui, numponto: se deferíssemos a segurança, estaríamos, na ver<strong>da</strong>de, julgan<strong>do</strong>a questão relativamente ao direito que teria si<strong>do</strong> já consagra<strong>do</strong>antes <strong>da</strong> Lei nº 6.679/79 - Código de Menores - e que assegurou odireito ao menor. O <strong>Tribunal</strong> de Contas, ao que parece, desfez esseato ao negar registro à pensão especial. Primeiro, falececompetência àquele <strong>Tribunal</strong> para desconstituir o ato civil, ain<strong>da</strong>mais com base em interpretação de norma superveniente à suaformação. Houve, isto sim, aplicação retroativa <strong>da</strong> lei, alcançan<strong>do</strong> oato jurídico perfeito.5. Por outro la<strong>do</strong>, apenas a título de argumentação, importaressaltar que, ain<strong>da</strong> que competente fosse o <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União para desconstituir o ato, o procedimento, por imposiçãoconstitucional, deveria observar os princípios <strong>do</strong> contraditório, <strong>da</strong>ampla defesa e <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal, o que não sucedeu naespécie.6. O voto <strong>do</strong> Ministro Gilmar Mendes, para mim, põe uma pedrade cal em cima <strong>da</strong> questão, porque enfrentou to<strong>do</strong>s os obstáculos denatureza constitucional que impedem o desfazimento por ato <strong>do</strong>Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>166


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong><strong>Tribunal</strong> de Contas.Peço to<strong>da</strong>s as vênias à Ministra Ellen Gracie paraacompanhar o voto divergente e deferir a segurança.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>167


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>05/02/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISRETIFICAÇÃO DE VOTOO SR. MINISTRO CEZAR PELUSO - Sr. Presidente, vou acompanhartambém os votos dissidentes quanto à maior extensão <strong>da</strong> ordem, para impedir rediscussãoadministrativa <strong>da</strong> presunção de validez <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>168


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>TRIBUNAL PLENOEXTRATO DE ATAMANDADO DE SEGURANÇA 24.268-0 MINAS GERAISRELATORA ORIGINÁRIA : MIN. ELLEN GRACIERELATOR PARA O : MIN. GILMAR MENDESACÓRDÃOIMPETRANTE: FERNANDA FIUZA BRITOADVOGADOS : CARLOS AUGUSTO DE ARAUJO CATEB EOUTROSIMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DAUNIÃOIMPETRADO : GERENTE DE RECURSOS HUMANOS DASUBSECRETARIA DE PLANEJAMENTO,ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO DOMINISTÉRIO DA FAZENDA-GERÊNCIAREGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO EM MINASGERAISDecisão: Após o voto <strong>da</strong> Senhora Ministra Ellen Gracie,Relatora, indeferin<strong>do</strong> a segurança, pediu vista o Senhor Ministro GilmarMendes. Ausentes, justifica<strong>da</strong>mente, os Senhores Ministros Sepúlve<strong>da</strong>Pertence e Celso de Mello, e, neste julgamento, o Senhor Ministro CarlosVelloso. Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário,03.04.2003.Decisão: Apresenta<strong>do</strong> o processo em mesa pelo SenhorMinistro Gilmar Mendes, que pedira vista <strong>do</strong>s autos, S. Exa. indicouadiamento. Ausentes, justifica<strong>da</strong>mente, os Senhores Ministros Cezar Peluso,Sepúlve<strong>da</strong> Pertence e, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie.Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 15.10.2003.Decisão: O <strong>Tribunal</strong>, por decisão majoritária, deferiu asegurança, nos termos <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Senhor Ministro Gilmar Mendes, venci<strong>do</strong>s aSenhora Ministra Ellen Gracie, Relatora, que a indeferia, e, na extensão <strong>da</strong>concessão, os Senhores Ministros Nelson Jobim, Carlos Velloso e CezarPeluso. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Maurício Corrêa. Redigirá oacórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 05.02.2004.Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Maurício Corrêa. Presentesà sessão os Senhores Ministros Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, Celso de Mello, CarlosEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>169


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 24.268 / MGSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, CezarPeluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.Procura<strong>do</strong>r-Geral <strong>da</strong> República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.Luiz TomimatsuCoordena<strong>do</strong>rEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>170


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Diário <strong>da</strong> Justiça de 05/11/200427/05/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALRELATORIMPETRANTEADVOGADOIMPETRADO: MIN. GILMAR MENDES: IVETE DO SOCORRO ABREU DE SOUSA EOUTROS: WALTER PIRES BETTAMIO: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃOEMENTA: Man<strong>da</strong><strong>do</strong> de Segurança. 2. Acórdão <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> deContas <strong>da</strong> União. Prestação de Contas <strong>da</strong> Empresa Brasileira de InfraestruturaAeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularizaçãode admissões. 3. Contratações realiza<strong>da</strong>s em conformi<strong>da</strong>de com alegislação vigente à época. Admissões realiza<strong>da</strong>s por processoseletivo sem concurso público, vali<strong>da</strong><strong>da</strong>s por decisão administrativae acórdão anterior <strong>do</strong> TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde aconcessão <strong>da</strong> liminar no man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança. 5. Obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>observância <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica enquanto subprincípio<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito. Necessi<strong>da</strong>de de estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s situaçõescria<strong>da</strong>s administrativamente. 6. Princípio <strong>da</strong> confiança como elemento<strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> segurança jurídica. Presença de um componente deética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direitopúblico. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionaisque revelam: a boa fé <strong>do</strong>s impetrantes; a realização de processoseletivo rigoroso; a observância <strong>do</strong> regulamento <strong>da</strong> Infraero, vigenteà época <strong>da</strong> realização <strong>do</strong> processo seletivo; a existência decontrovérsia, à época <strong>da</strong>s contratações, quanto à exigência, nostermos <strong>do</strong> art. 37 <strong>da</strong> Constituição, de concurso público no âmbito <strong>da</strong>sempresas públicas e socie<strong>da</strong>des de economia mista. 8. Circunstânciasque, alia<strong>da</strong>s ao longo perío<strong>do</strong> de tempo transcorri<strong>do</strong>, afastam aalega<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s contratações <strong>do</strong>s impetrantes. 9. Man<strong>da</strong><strong>do</strong> deSegurança deferi<strong>do</strong>.A C Ó R D Ã OVistos, relata<strong>do</strong>s e discuti<strong>do</strong>s estes autos, acor<strong>da</strong>m osMinistros <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em Sessão Plenária, sob aPresidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Nelson Jobim, na conformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atade julgamentos e <strong>da</strong>s notas taquigráficas, por unanimi<strong>da</strong>de de votos,conceder a segurança, nos termos <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Relator.Brasília, 27 de maio de 2004.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>171


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>MINISTRO NELSON JOBIM - PRESIDENTEMINISTRO GILMAR MENDES - RELATOREscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>172


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>27/05/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALRELATORIMPETRANTEADVOGADOIMPETRADO: MIN. GILMAR MENDES: IVETE DO SOCORRO ABREU DE SOUSA EOUTROS: WALTER PIRES BETTAMIO: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃOR E L A T Ó R I OO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR):O parecer <strong>da</strong> Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>da</strong> República assim relataa controvérsia:“Trata-se de man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança, compedi<strong>do</strong> de medi<strong>da</strong> liminar, impetra<strong>do</strong> por IVETE DOSOCORRO ABREU DE SOUSA E OUTROS, objetivan<strong>do</strong> aanulação <strong>do</strong> ato administrativo <strong>do</strong> Presidente <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, exara<strong>do</strong> nos autos <strong>do</strong>processo nº TC 016.629/92-2, publica<strong>do</strong> no DiárioOficial de ...[3.11.1993], relativo à prestação decontas <strong>do</strong> exercício de 1991, que determinou àINFRAERO a a<strong>do</strong>ção de providências com vistas aregularizar as 366 admissões realiza<strong>da</strong>s sem concursopúblico, sob pena de nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s mesmas.2. Relatam os impetrantes que, por ocasião<strong>do</strong> julgamento <strong>da</strong>s contas <strong>da</strong> INFRAERO relativas aoexercício de 1990, no processo TC 016.810/91-0, foiEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>173


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>6. Deferi<strong>da</strong> a concessão de medi<strong>da</strong> liminar afim de que não se execute a decisão impugna<strong>da</strong> <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, até o julgamento final<strong>do</strong> man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança (fls. 622), vieram os autoscom vista a esta Procura<strong>do</strong>ria Geral <strong>da</strong> República.”(fls. 648/650)O parecer é pela concessão <strong>da</strong> ordem (fls. 648/652).É o relatório.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>176


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>27/05/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALV O T OO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Relator):A propósito <strong>da</strong> controvérsia anota a Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>da</strong>República:“7. Por certo, a obrigatorie<strong>da</strong>de de realizaçãode concurso público para provimento de cargos emempresas públicas e socie<strong>da</strong>des de economiamista, prevista nos incisos I e II, <strong>do</strong> art. 37,<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, não é mais objeto decontrovérsias, tornan<strong>do</strong>-se pacífico esseentendimento após decisão dessa Suprema Corte,proferi<strong>da</strong> nos autos <strong>do</strong> Man<strong>da</strong><strong>do</strong> de Segurança n o21.322, Ministro-Relator Paulo Brossard,publica<strong>do</strong> no Diário Oficial de 23.04.93.8. Entretanto, antes <strong>do</strong> acórdão pioneiro <strong>do</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, a matéria inspirouintensa polêmica, em razão de aparente antinomiaentre o disposto nos artigos 37, II e 173, § 1 o ,<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, reconheci<strong>da</strong> pelopróprio <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União, conformeextrai-se <strong>do</strong>s presentes autos.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>177


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>9. Observa-se que, ao julgar regulares ascontas <strong>da</strong> INFRAERO referentes ao exercício de1990, com acórdão publica<strong>do</strong> em 03.12.92, o<strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> União convali<strong>do</strong>u asituação <strong>da</strong>s admissões pretéritas, recomen<strong>da</strong>n<strong>do</strong>apenas que não fossem efetua<strong>da</strong>s admissõesfuturas sem a realização de concurso público.Esse acórdão foi proferi<strong>do</strong> pelo TCU embora jáexistisse decisão administrativa desse mesmoórgão, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 06.06.90, decidin<strong>do</strong> pelaobrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aplicação <strong>do</strong>s incisos I e II,<strong>do</strong> art. 37, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, a empresaspúblicas e socie<strong>da</strong>des de economia mista, sen<strong>do</strong>facilmente constata<strong>do</strong> o caráter controverso <strong>da</strong>matéria.10. Ademais, verifica-se que as contratações<strong>do</strong>s impetrantes, além de promovi<strong>da</strong>s em razão <strong>da</strong>carência de pessoal qualifica<strong>do</strong>, foramprocedi<strong>da</strong>s de rigoroso processo seletivo, emconformi<strong>da</strong>de com o Regulamento <strong>da</strong> empresa, ematenção ao preceito à época inscrito no § 1 o , <strong>do</strong>art. 173, <strong>da</strong> Carta <strong>Federal</strong>, não poden<strong>do</strong>, em face<strong>da</strong>s circunstâncias, serem considera<strong>da</strong>sirregulares.11. Faz-se oportuno ressaltar que, com oadvento <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional n o 19/98, omenciona<strong>do</strong> art. 173, § 1 o , <strong>da</strong> Carta <strong>Federal</strong>passou a vigorar com nova re<strong>da</strong>ção, não maissujeitan<strong>do</strong> as empresas públicas, as socie<strong>da</strong>desde economia mista e suas subsidiárias,unicamente, ao regime jurídico próprio <strong>da</strong>sEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>178


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>empresas priva<strong>da</strong>s, mas determinan<strong>do</strong> oestabelecimento, por lei, de um estatutojurídico dispon<strong>do</strong> sobre vários aspectos a elasinerentes.” (fls. 650/651)Impressiona, na espécie, que o <strong>Tribunal</strong> de Contas,inicialmente, ao julgar as contas referentes ao exercício de 1990,(acórdão publica<strong>do</strong> em 03.12.92), tenha-se limita<strong>do</strong> a reconhecer anecessi<strong>da</strong>de de a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> concurso público para futuras admissões(fls. 482), o que foi entendi<strong>do</strong> como uma convali<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s admissõesrealiza<strong>da</strong>s anteriormente.É ver<strong>da</strong>de, igualmente, que o próprio TCU houve por bemestabelecer o dia 23 de abril de 1993, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>do</strong> acórdãono MS 21.322/DF, Plenário, rel. Paulo Brossard, como termo inicial apartir <strong>do</strong> qual haveriam de ser torna<strong>da</strong>s nulas as admissões depessoal. Neste julgamento, firmou-se o entendimento de que “asautarquias, empresas públicas ou socie<strong>da</strong>des de economia mista estãosujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta oufun<strong>da</strong>cional, de qualquer <strong>do</strong>s poderes <strong>da</strong> União, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>Distrito <strong>Federal</strong> e <strong>do</strong>s Municípios” estão sujeitos ao princípioconstitucional <strong>do</strong> concurso público para acesso aos cargos e empregospúblicos.Nesse senti<strong>do</strong>, registrou-se a seguinte passagem <strong>do</strong> voto <strong>do</strong>Ministro Adhemar Paladini Ghisi, no Processo TC 674.054/91-1:“14. Considero, portanto, de grande relevância a<strong>da</strong>ta de 23 de abril de 1993, em que foipublica<strong>da</strong> no Diário <strong>da</strong> Justiça a decisão final eirrecorrível <strong>do</strong> E. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, queEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>179


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>definiu, de uma vez por to<strong>da</strong>s a questão <strong>da</strong>exigência <strong>do</strong> concurso público para a admissão depessoal por parte <strong>da</strong>s empresas públicas esocie<strong>da</strong>des de economia mista, em geral.15. A partir dessa <strong>da</strong>ta portanto, a ninguémserá <strong>da</strong><strong>do</strong> questionar essa matéria, e, se dúvi<strong>da</strong>sexistiam, foram afasta<strong>da</strong>s definitivamente,constituin<strong>do</strong>-se, assim, num marco defini<strong>do</strong>rdessa exigência constitucional, consentâneo como mérito <strong>do</strong>s diversos julga<strong>do</strong>s desta Corte decontas.16. Esse Acórdão pioneiro <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> anima-me a sugerir, nestes autos, e emrelação à tese que ora se discute em caráterdefinitivo, que se altere a <strong>da</strong>ta base a partir<strong>da</strong> qual deverão ser anula<strong>da</strong>s as admissões depessoal, que passaria a ser a <strong>da</strong> publicação <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> Decisório, isto é, 23 de abril de 1993.17. Esta proposta se assenta no fato de que asreitera<strong>da</strong>s decisões <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong>União a respeito desse assunto de alta in<strong>da</strong>gaçãojurídica, além de jamais man<strong>da</strong>rem retroagir à<strong>da</strong>ta <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> atual Carta Magna a anulação<strong>da</strong>s admissões, aleatoriamente fixaram a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>publicação de sua primeira deliberação sobre amatéria como aquela a partir <strong>da</strong> qual não maisseriam tolera<strong>da</strong>s as admissões em causa(06/06/1990).” (Acórdão n o 056/93, DO 13/12/1993,fls. 19.088-19.090)Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>180


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Está certo, portanto, que, embora o <strong>Tribunal</strong> de Contashouvesse, em 06.06.90, firma<strong>do</strong> o entendimento quanto àindispensabili<strong>da</strong>de de concurso público para a admissão de servi<strong>do</strong>resnas empresas estatais, considerou aquela Corte que, no caso <strong>da</strong>INFRAERO, ficava a empresa obriga<strong>da</strong> a observar a orientação para asnovas contratações. Essa orientação foi revista no julgamento <strong>da</strong>scontas <strong>do</strong> exercício de 1991, assentan<strong>do</strong> o <strong>Tribunal</strong> que a empresadeveria regularizar as 366 admissões, sob pena de nuli<strong>da</strong>de (fls.492).Ao julgar o Recurso de Revisão, o prazo de 30 dias para aa<strong>do</strong>ção <strong>da</strong>s providências referi<strong>da</strong>s foi dilata<strong>do</strong> para 195 diasconta<strong>do</strong>s de 09.05.95, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação no Diário Oficial.No entanto, ten<strong>do</strong> o meu antecessor, Néri <strong>da</strong> Silveira,deferi<strong>do</strong>, em parte, aos 02.10.1995, a liminar (fls. 622), não seexecutou a decisão <strong>do</strong> TCU, objeto <strong>do</strong> presente man<strong>da</strong><strong>do</strong> de segurança.Na hipótese, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio<strong>da</strong> segurança jurídica.A propósito <strong>do</strong> direito compara<strong>do</strong>, vale a pena trazer àcolação clássico estu<strong>do</strong> de <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong> sobre a aplicação<strong>do</strong> aludi<strong>do</strong> princípio:“É interessante seguir os passos dessaevolução. O ponto inicial <strong>da</strong> trajetória está naopinião amplamente divulga<strong>da</strong> na literaturajurídica de expressão alemã <strong>do</strong> início <strong>do</strong> séculode que, embora inexistente, na órbita <strong>da</strong>Administração Pública, o principio <strong>da</strong> resjudicata, a facul<strong>da</strong>de que tem o Poder Público deEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>181


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>anular seus próprios atos tem limite não apenasnos direitos subjetivos regularmente gera<strong>do</strong>s,mas também no interesse em proteger a boa fé e aconfiança (Treue und Glauben)<strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s.(...)Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro temadespertou maior interesse <strong>do</strong> que este, nos anos50 na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, paraconcluir que o princípio <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de deanulamento foi substituí<strong>do</strong> pelo <strong>da</strong>impossibili<strong>da</strong>de de anulamento, em homenagem àboa fé e à segurança jurídica. Informa ain<strong>da</strong> quea prevalência <strong>do</strong> princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de sobre o<strong>da</strong> proteção <strong>da</strong> confiança só se dá quan<strong>do</strong> avantagem é obti<strong>da</strong> pelo destinatário por meiosilícitos por ele utiliza<strong>do</strong>s, com culpa sua, ouresulta de procedimento que gera suaresponsabili<strong>da</strong>de. Nesses casos não se pode falarem proteção à confiança <strong>do</strong> favoreci<strong>do</strong>.(Verfassungsrecht,Verwaltungsrecht,Verfahrensrecht in der Rechtssprechung desBundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3.Auflage, vol. I, p. 257 e segs.; vol. II, 1967,p. 339 e segs.).Embora <strong>do</strong> confronto entre os princípios <strong>da</strong>legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública e o <strong>da</strong>segurança jurídica resulte que, fora <strong>do</strong>s casosde <strong>do</strong>lo, culpa etc., o anulamento com eficáciaEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>182


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>ex tunc é sempre inaceitável e o com eficáciaex nunc é admiti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> pre<strong>do</strong>minante ointeresse público no restabelecimento <strong>da</strong> ordemjurídica feri<strong>da</strong>, é absolutamente defeso oanulamento quan<strong>do</strong> se trate de atosadministrativos que conce<strong>da</strong>m prestações emdinheiro, que se exauram de uma só vez ou queapresentem caráter dura<strong>do</strong>uro, como os de ín<strong>do</strong>lesocial, subvenções, pensões ou proventos deaposenta<strong>do</strong>ria.”Depois de incursionar pelo direito alemão, refere-se omestre gaúcho ao direito francês, rememoran<strong>do</strong> o clássico “affaireDame Cachet”:“Bem mais simples apresenta-se a solução<strong>do</strong>s conflitos entre os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> Administração Pública e o <strong>da</strong> segurançajurídica no Direito francês. Desde o famosoaffaire Dame Cachet, de 1923, fixou o Conselhode Esta<strong>do</strong> o entendimento, logo reafirma<strong>do</strong> pelosaffaires Vallois e Gros de Beler, ambos tambémde 1923 e pelo affaire Dame Inglis, de 1935, deque, de uma parte, a revogação <strong>do</strong>s atosadministrativos não cabia quan<strong>do</strong> existissemdireitos subjetivos deles provenientes e, deoutra, de que os atos macula<strong>do</strong>s de nuli<strong>da</strong>de sópoderiam ter seu anulamento decreta<strong>do</strong> pelaAdministração Pública no prazo de <strong>do</strong>is meses,que era o mesmo prazo concedi<strong>do</strong> aos particularespara postular, em recurso contencioso deEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>183


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>anulação, a invali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s atos administrativos.HAURIOU, comentan<strong>do</strong> essas decisões, asaplaude entusiasticamente, in<strong>da</strong>gan<strong>do</strong>: ‘Mas seráque o poder de desfazimento ou de anulação <strong>da</strong>Administração poderá exercer-se indefini<strong>da</strong>mentee em qualquer época? Será que jamais assituações cria<strong>da</strong>s por decisões desse gênero nãose tornarão estáveis? Quantos perigos para asegurança <strong>da</strong>s relações sociais encerram essaspossibili<strong>da</strong>des indefini<strong>da</strong>s de revogação e, deoutra parte, que incoerência, numa construçãojurídica que abre aos terceiros interessa<strong>do</strong>s,para os recursos contenciosos de anulação, umbreve prazo de <strong>do</strong>is meses e que deixaria àAdministração a possibili<strong>da</strong>de de decretar aanulação de ofício <strong>da</strong> mesma decisão, sem lheimpor nenhum prazo’. E conclui: ‘Assim, to<strong>da</strong>s asnuli<strong>da</strong>des jurídicas <strong>da</strong>s decisões administrativasse acharão rapi<strong>da</strong>mente cobertas, seja comrelação aos recursos contenciosos, seja comrelação às anulações administrativas; umaatmosfera de estabili<strong>da</strong>de estender-se-á sobre assituações cria<strong>da</strong>s administrativamente.’ (LaJurisprudence Administrative de 1892 a 1929,Paris, 1929, vol. II, p. 105-106.)” (SILVA,<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e. Os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> administração pública e <strong>da</strong> segurança jurídicano esta<strong>do</strong> de direito contemporâneo. Revista <strong>da</strong>Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Publicação <strong>do</strong>Instituto de Informática Jurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul, V. 18, N o 46, p. 11-29, 1988).Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>184


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Na mesma linha, observa <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong> em relação aodireito brasileiro:“MIGUEL REALE é o único <strong>do</strong>s nossos autoresque analisa com profundi<strong>da</strong>de o tema, no seumenciona<strong>do</strong> ‘Revogação e Anulamento <strong>do</strong> AtoAdministrativo’ em capítulo que tem por título‘Nuli<strong>da</strong>de e Temporali<strong>da</strong>de’. Depois de salientarque ‘o tempo transcorri<strong>do</strong> pode gerar situaçõesde fato equiparáveis a situações jurídicas, nãoobstante a nuli<strong>da</strong>de que originariamente ascomprometia’, diz ele que ‘é mister distinguirduas hipóteses: (a) a de convali<strong>da</strong>ção ousanatória <strong>do</strong> ato nulo e anulável; (b) a per<strong>da</strong>pela Administração <strong>do</strong> benefício <strong>da</strong> declaraçãounilateral de nuli<strong>da</strong>de (le bénéfice dupréalable)’. (op. cit., p.82). (SILVA, <strong>Almiro</strong> <strong>do</strong><strong>Couto</strong> e. Os princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>administração pública e <strong>da</strong> segurança jurídica noesta<strong>do</strong> de direito contemporâneo. Revista <strong>da</strong>Procura<strong>do</strong>ria-Geral <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Publicação <strong>do</strong>Instituto de Informática Jurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul, V. 18, N o 46, p. 11-29,1988).”Em ver<strong>da</strong>de, a segurança jurídica, como subprincípio <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, caben<strong>do</strong>lhepapel diferencia<strong>do</strong> na realização <strong>da</strong> própria idéia de justiçamaterial.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>185


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Nesse senti<strong>do</strong>, vale trazer passagem de estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> professorMiguel Reale sobre a revisão <strong>do</strong>s atos administrativos:“Não é admissível, por exemplo, que, nomea<strong>do</strong>irregularmente um servi<strong>do</strong>r público, visto carecer, naépoca, de um <strong>do</strong>s requisitos complementares exigi<strong>do</strong>spor lei, possa a Administração anular seu ato, anos eanos volvi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> já constituí<strong>da</strong> uma situaçãomerece<strong>do</strong>ra de amparo e, mais <strong>do</strong> que isso, quan<strong>do</strong> aprática e a experiência podem ter compensa<strong>do</strong> a lacunaoriginária. Não me refiro, é claro, a requisitosessenciais, que o tempo não logra por si sóconvalescer, ⎯ como seria, por exemplo, a falta dediploma para ocupar cargo reserva<strong>do</strong> a médico, ⎯ masa exigências outras que, toma<strong>da</strong>s no seu rigorismoformal, determinariam a nuli<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ato.Escreve com acerto José Frederico Marques que asubordinação <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder anulatório a umprazo razoável pode ser considera<strong>do</strong> requisitoimplícito no princípio <strong>do</strong> due process of law. Talprincípio, em ver<strong>da</strong>de, não é váli<strong>do</strong> apenas no sistema<strong>do</strong> direito norte-americano, <strong>do</strong> qual é uma <strong>da</strong>s peçasbasilares, mas é extensível a to<strong>do</strong>s os ordenamentosjurídicos, visto como corresponde a uma triplaexigência, de regulari<strong>da</strong>de normativa, de economia demeios e forma e de adequação à tipici<strong>da</strong>de fática. Nãoobstante a falta de termo que em nossa linguagemrigorosamente lhe correspon<strong>da</strong>, poderíamos traduzirdue process of law por devi<strong>da</strong> atualização <strong>do</strong> direito,fican<strong>do</strong> entendi<strong>do</strong> que haverá infração desse ditamefun<strong>da</strong>mental to<strong>da</strong> vez que, na prática <strong>do</strong> atoadministrativo, por preteri<strong>do</strong> algum <strong>do</strong>s momentosEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>186


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>essenciais à sua ocorrência; porém destruí<strong>da</strong>s, semmotivo plausível, situações de fato, cujacontinui<strong>da</strong>de seja economicamente aconselhável, ou sea decisão não corresponder ao complexo de notasdistintivas <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social tipicamenteconfigura<strong>da</strong> em lei.” (Miguel Reale, Revogação eanulamento <strong>do</strong> ato administrativo. 2 a ed. Forense. Riode Janeiro. 1980, p. 70/71)Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós,assento constitucional (princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Direito) e estádisciplina<strong>do</strong>, parcialmente, no plano federal, na Lei n o 9.784, de 29de janeiro de 1999 (v.g. art. 2 o ).Embora não se aplique diretamente à espécie, a Lei n o9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processoadministrativo no âmbito <strong>da</strong> Administração Pública <strong>Federal</strong>,estabelece em seu art. 54 o prazo decadencial de cinco anos,conta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que foram pratica<strong>do</strong>s os atos administrativos,para que a Administração possa anulá-los.Vale lembrar que o próprio <strong>Tribunal</strong> de Contas <strong>da</strong> Uniãoaceitou a situação de fato existente à época, convali<strong>da</strong>n<strong>do</strong> ascontratações e recomen<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a realização de concurso público paraadmissões futuras. Observa-se que mais de 10 anos já se passaram emrelação às contratações ocorri<strong>da</strong>s entre janeiro de 1991 e novembrode 1992, restan<strong>do</strong> constituí<strong>da</strong>s situações merece<strong>do</strong>ras de amparo.Dessa forma, meu voto é no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> deferimento <strong>da</strong>ordem, ten<strong>do</strong> em vista as específicas e excepcionais circunstâncias<strong>do</strong> caso em exame. E aqui considero, sobretu<strong>do</strong>: a boa fé <strong>do</strong>simpetrantes; a existência de processo seletivo rigoroso e acontratação conforme o regulamento <strong>da</strong> Infraero; a existência decontrovérsia, à época <strong>da</strong> contratação, quanto à exigência de concursoEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>187


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>público, nos moldes <strong>do</strong> art. 37, II, <strong>da</strong> Constituição, no âmbito <strong>da</strong>sempresas públicas e socie<strong>da</strong>des de economia mista; o fato de quehouve dúvi<strong>da</strong> quanto à correta interpretação <strong>do</strong> art. 37, II, em face<strong>do</strong> art. 173, § 1 o , no âmbito <strong>do</strong> próprio TCU; o longo perío<strong>do</strong> de tempotranscorri<strong>do</strong> <strong>da</strong>s contratações e a necessi<strong>da</strong>de de garantir segurançajurídica a pessoas que agiram de boa-fé.Assim, meu voto é no senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> segurança paraafastar (1) a ressalva <strong>do</strong> Acórdão n o 110/93, Processo TC n o016.629/92-2, publica<strong>do</strong> em 03.11.1993, que determinou aregularização <strong>da</strong>s admissões efetiva<strong>da</strong>s sem concurso público após adecisão <strong>do</strong> TCU de 16.05.1990 (proferi<strong>da</strong> no Processo TC n o 006.658/89-0), e, (2) em conseqüência, a alega<strong>da</strong> nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>scontratações <strong>do</strong>s impetrantes.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>188


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>27/05/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALD E B A T E SA Sra. Ministra Ellen Gracie – Sr. Presidente, só um esclarecimento.Ministro Gilmar, as contratações foram realiza<strong>da</strong>s em 1990?1991.O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator) – Em 1990 eA Sra. Ministra Ellen Gracie – Vossa Excelência estáaplican<strong>do</strong> a prescrição qüinqüenal porque o <strong>Tribunal</strong> de Contas semanifestou cinco anos depois?O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator) – O <strong>Tribunal</strong>de Contas, já em 1990, considerava irregulares. No caso <strong>da</strong> prestaçãode contas <strong>da</strong> INFRAERO, realiza<strong>da</strong> creio que em 1992, o <strong>Tribunal</strong> deContas recomen<strong>do</strong>u que ela regularizasse as situações pro futuro,portanto, convali<strong>da</strong>n<strong>do</strong> os atos pratica<strong>do</strong>s.Posteriormente, numa nova prestação de contas, ele faza censura a essas admissões e determina a sua regularização; e,desde de então, começa-se um burocrático processo de recursos erevisões com o alongamento desses prazos, até cominar com a situaçãode uma liminar concedi<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, creio que emoutubro de 1995, manten<strong>do</strong>, portanto, a questão.O Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente)– A primeiradeblateração <strong>da</strong> INFRAERO ao TCU foi em junho de 1990, em que ela disse: acertempara o futuro.A Sra. Ministra Ellen Gracie – E àquela época oSupremo não havia defini<strong>do</strong> a questão.O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator) – Em abril1993 - essa é uma <strong>da</strong>ta marco que o TCU considera -, o Supremo<strong>Tribunal</strong> fixou a orientação em definitivo. Portanto, antes haviaessa disputa.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>189


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong> <strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>__________________________________________________________________________________________________________MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>O Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente) – Foi noMan<strong>da</strong><strong>do</strong> de Segurança nº 21.322, de 23 de abril de 1993.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>190


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>27/05/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALV O T OO SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente,apenas para ressaltar que, não estivesse envolvi<strong>da</strong> empresa pública,caminharia no senti<strong>do</strong> de concluir pela irregulari<strong>da</strong>de constitucional<strong>da</strong>s contratações.Mas, no caso, a toma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s serviços é uma empresapública. Durante muito tempo, permaneceram dúvi<strong>da</strong>s quanto ao alcance<strong>da</strong> cabeça <strong>do</strong> artigo 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, no que alude àAdministração Pública direta e indireta.Essas incertezas ain<strong>da</strong> assaltam o meu espírito, porquesabemos que deve ser conferi<strong>da</strong> aos preceitos conti<strong>do</strong>s na Carta amaior eficácia possível. Considera<strong>do</strong> apenas o artigo 37, areferência à Administração Pública direta e indireta, teríamos comoapanha<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des de economia mista e as empresas públicas.Acontece que um outro dispositivo <strong>do</strong> próprio Diploma de 1988 submeteas socie<strong>da</strong>des de economia mista e empresas públicas ao regimepróprio <strong>da</strong>s empresas priva<strong>da</strong>s. Muito embora haja esse precedente <strong>da</strong>lavra <strong>do</strong> ministro Paulo Brossard, revelan<strong>do</strong> que os presta<strong>do</strong>res deserviços <strong>da</strong>s empresas públicas e <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des de economia mistatambém estão submeti<strong>do</strong>s a concurso público, tenho muitas dúvi<strong>da</strong>s aEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>191


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>MS 22.357 / DFSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>respeito. Numa interpretação sistemática <strong>da</strong> Carta <strong>da</strong> República,compreen<strong>do</strong> o artigo 173 como a viabilizar uma atuação no merca<strong>do</strong> quecoloque essas pessoas jurídicas de direito priva<strong>do</strong>, integrantes <strong>da</strong>administração indireta, no mesmo patamar <strong>da</strong>s pessoas jurídicas dedireito priva<strong>do</strong> stricto sensu.Por isso, acompanho o ilustre relator.Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>192


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>27/05/2004 TRIBUNAL PLENOMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALV O T OO SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor Presidente,sempre interpretei o art. 173, § 1º, na seguinte perspectiva: aConstituição declara que a empresa pública e a socie<strong>da</strong>de de economiamista não gozariam de facili<strong>da</strong>des superiores franquea<strong>da</strong>s às empresasorto<strong>do</strong>xamente priva<strong>da</strong>s, sem que ela, Constituição, libere aseconomias públicas e as empresas públicas <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>concurso público, <strong>da</strong> licitação.Então, nesse ponto, divirjo <strong>do</strong> Ministro Marco Aurélio,<strong>da</strong>ta venia. Entretanto, <strong>da</strong><strong>da</strong> as circunstâncias <strong>do</strong> caso tão bemrelata<strong>da</strong>s no voto <strong>do</strong> eminente Ministro Gilmar Mendes, eu oacompanho.* * * * * *Escola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>193


Caderno de Direito Administrativo - 2007<strong>Almiro</strong>__________________________________________________________________________________________________________<strong>do</strong> <strong>Couto</strong> e <strong>Silva</strong>Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>TRIBUNAL PLENOEXTRATO DE ATAMANDADO DE SEGURANÇA 22.357-0 DISTRITO FEDERALRELATORIMPETRANTEADVOGADOIMPETRADO: MIN. GILMAR MENDES: IVETE DO SOCORRO ABREU DE SOUSA EOUTROS: WALTER PIRES BETTAMIO: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃODecisão: O <strong>Tribunal</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, concedeu asegurança, nos termos <strong>do</strong> voto <strong>do</strong> Relator. Ausente, justifica<strong>da</strong>mente,neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Velloso. Presidiu ojulgamento o Senhor Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente noexercício <strong>da</strong> Presidência. Plenário, 27.05.2004.Presidência <strong>do</strong> Senhor Ministro Nelson Jobim, Vice–Presidente. Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlve<strong>da</strong>Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, EllenGracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e JoaquimBarbosa.Fonteles.Procura<strong>do</strong>r-Geral <strong>da</strong> República, Dr. Cláudio LemosLuiz TomimatsuCoordena<strong>do</strong>rEscola <strong>da</strong> Magistratura <strong>do</strong> TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>194

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