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Discurso - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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QUARTA REGIÃO


QUARTA REGIÃOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 1-531, 2012


Ficha TécnicaDireção:Des. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoAssessoria:Isabel Cristina Lima SelauDireção <strong>da</strong> Divisão de Publicações:Arlete HartmannAnálise e Indexação:Giovana Torresan VieiraMarta Freitas HeemannRevisão e Formatação:Candice de Morais AlcântaraCarlos Campos PalmeiroLeonardo SchneiderOs textos publicados nesta revista são revisados pela Escola <strong>da</strong> Magistraturado <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.Revista do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> 4. <strong>Região</strong>. – Vol. 1, n. 1(jan./mar. 1990)- . – Porto Alegre: <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> 4. <strong>Região</strong>, 1990- .v. ; 23 cm.Semestral.Inicialmente trimestral.Repositório Oficial do TRF4 <strong>Região</strong>.ISSN 0103-65991. Direito – Periódicos. I. Título. II. Brasil. <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong>.<strong>Região</strong>, <strong>4ª</strong>.CDU 34(051)TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL<strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Rua Otávio Francisco Caruso <strong>da</strong> Rocha, 300CEP 90.010-395 – Porto Alegre – RSPABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: revista@trf4.gov.brTiragem: 850 exemplares


QUARTA REGIÃOLUIZ FERNANDO WOWK PENTEADODes. <strong>Federal</strong> Diretor <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> Magistratura


PRIMEIRA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaDes. <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo JunqueiraDes. <strong>Federal</strong> Joel Ilan PaciornikDes. <strong>Federal</strong> Rômulo PizzolattiDesa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa MünchSEGUNDA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDesa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaDes. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores LenzDes. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> SilvaDes. <strong>Federal</strong> Jorge Antonio MauriqueJuiz <strong>Federal</strong> João Pedro Gebran Neto (convocado)TERCEIRA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto SilveiraDes. <strong>Federal</strong> Celso KipperDes. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle PereiraDes. <strong>Federal</strong> Rogerio FavretoJuiz <strong>Federal</strong> Cândido Alfredo Silva Leal Júnior (convocado)Juíza <strong>Federal</strong> Vivian Josete Pantaleão Caminha (convoca<strong>da</strong>)QUARTA SEÇÃODes. <strong>Federal</strong> Luiz Carlos de Castro Lugon – PresidenteDes. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroDes. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazDes. <strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. <strong>Federal</strong> Néfi CordeiroDes. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos LausDes. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha


SUMÁRIODOUTRINA...........................................................................................13Parecer: Magistratura. Concurso. Exclusão de candi<strong>da</strong>to após asua habilitação. Ilegali<strong>da</strong>de.Carlos Thompson Flores.................................................................15Conciliações nos conflitos sobre direitos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de SocialPaulo Afonso Brum Vaz.................................................................29A eleição do conselho fiscal na socie<strong>da</strong>de anônima (comentário aoart. 161, § 4º, a, <strong>da</strong> Lei nº 6.404/76)Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz........................................41Pressupostos hermenêuticos para o contemporâneo Direito Civilbrasileiro: elementos para uma reflexão críticaLuiz Edson Fachin........................................................................49DISCURSOS.........................................................................................59Otávio Roberto Pamplona.............................................................61Jorge Antonio Maurique.................................................................71


ACÓRDÃOS........................................................................................81Direito Administrativo e Direito Civil..............................................83Direito Penal e Direito Processual Penal........................................151Direito Previdenciário..................................................................245Direito Processual Civil...............................................................337Direito Tributário.........................................................................353ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE.........................391SÚMULAS.........................................................................................495RESUMO...........................................................................................505ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................509ÍNDICE ANALÍTICO........................................................................513ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................525


DOUTRINA


Parecer: Magistratura. Concurso. Exclusão decandi<strong>da</strong>to após a sua habilitação. Ilegali<strong>da</strong>de. *Carlos Thompson Flores **Consultado pela Dra. M.C.M.A.B., por intermédio de seu ilustreprocurador, acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de emitir parecer sobre Man<strong>da</strong>do deSegurança que ajuizou perante o Órgão Especial do Egrégio <strong>Tribunal</strong> deJustiça do Estado, procedi ao exame <strong>da</strong>s várias xerocópias extraí<strong>da</strong>s dosrespectivos autos e que me foram encaminha<strong>da</strong>s.Do estudo <strong>da</strong>s questões de direito que delas promanam, convenci--me do “bom direito” que lhe assiste. Por isso, dispus-me em atendê-la,passando a fazê-lo, segundo o presente instrumento.I Os fatosCom clareza e precisão, além de minuciosi<strong>da</strong>de, assim os expõe onobre consulente, na sua petição inicial, fls. 2-4:“1. A suplicante, em 06 de agosto do ano de 1982, assumiu o cargo de Pretor, apóshaver sido aprova<strong>da</strong> em concurso público de provas e títulos, tendo exercido jurisdição nacomarca de Pelotas, em Varas Cíveis e Criminais, estando, atualmente, em razão de haversido reconduzi<strong>da</strong>, titulando a 3ª Vara Cível <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> comarca (doc. nº 2).*Parecer lavrado em 18.04.1986.**Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. Em 2011, comemorou-se o centenáriode nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 15


2. Em face do Edital nº 24/83, publicado no D.O. de 23.09.83, a impetrante inscreveu--se no concurso para provimento de cargos de Juiz de Direito, tendo se submetido a to<strong>da</strong>sas etapas previstas, logrando completa aprovação. Assim, na fase preliminar, obteve asseguintes notas: seis e doze (6,12) em Português e sete (7,0) em Conhecimentos de Direito.Em razão desse resultado, a requerente obteve a inscrição definitiva no concurso, nostermos do item 3 do Edital.3. A segun<strong>da</strong> etapa constituiu-se de provas escritas, tendo a suplicante novamente obtidoaprovação, com as seguintes notas: sete (7,0) na sentença cível; seis e cinco (6,5) na sentençacriminal; oito (8,0) em Direito Civil; quatro (4,0) em Direito Comercial; seis (6,0) em DireitoProcessual Civil; quatro (4,0) em Direito Penal; e cinco (5,0) em Direito Processual Penal.4. Tendo em vista esse resultado, a impetrante submeteu-se às provas orais, em quetambém, mais uma vez, logrou êxito, com as notas seguintes: oito (8,0) em Direito Civil;oito (8,0) em Direito Comercial; quatro (4,0) em Direito Processual Civil; cinco (5,0) emDireito Penal; nove (9,0) em Direito Processual Penal; sete (7,0) em Direito Constitucional;nove e cinco (9,5) em Direito Administrativo; e seis (6,0) em Organização Judiciária.Em após, avaliaram-se os títulos apresentados pela requerente, tendo sido atribuí<strong>da</strong> anota seis e cinco (6,5).5. Realiza<strong>da</strong> a média de acordo com os termos do Edital, a suplicante obteve aprovaçãocom a nota final de seis e trinta e um (6,31), visto que satisfeitas to<strong>da</strong>s as condições estabeleci<strong>da</strong>s,tendo o seu nome sido incluído na relação dos candi<strong>da</strong>tos classificados, como sepode constatar do incluso documento, e colocado em 51º lugar (doc. nº 3).As notas referi<strong>da</strong>s pela impetrante acham-se consigna<strong>da</strong>s na inclusa certidão (doc. nº 4).6. Além <strong>da</strong> aprovação no concurso de provas e títulos, foi a impetrante considera<strong>da</strong> aptanos exames de saúde física e mental (item 7 do Edital), conforme comprovam os inclusosdocumentos (docs. n os 5, 6 e 7).7. Surpreendentemente, contudo, na relação publica<strong>da</strong> no Diário Oficial de 22 de maiop.p., <strong>da</strong>ndo notícia dos candi<strong>da</strong>tos aprovados (doc. nº 8), não constou o nome <strong>da</strong> impetrante,aliás o único que foi excluído <strong>da</strong> relação primitiva e ora apresenta<strong>da</strong> sob o documento nº 3.Inconforma<strong>da</strong> com a não inclusão do seu nome na aludi<strong>da</strong> relação, a impetrante manifestou‘pedido de reconsideração’ o qual, to<strong>da</strong>via, restou improvido (doc. nº 9).8. Exauri<strong>da</strong> a área administrativa, vem agora a impetrante, com a devi<strong>da</strong> vênia, paraa esfera jurisdicional, onde espera ver reconhecido o direito, líquido e certo, qual seja, ode ver o seu nome incluído na relação de candi<strong>da</strong>tos aprovados no concurso para Juiz deDireito, realizado sob a égide do Edital nº 24/83.”II O direito1. Para justificar a ilegali<strong>da</strong>de do ato impugnado, indica a impetrantevários dispositivos legais, a começar pela Constituição <strong>Federal</strong> e do Estado,<strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Magistratura Nacional, do Código de OrganizaçãoJudiciária do Estado, bem como de normas constantes do Edital nº 24/83,16R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


<strong>Federal</strong>, art. 119, I, i; Constituição do Estado, art. 132, parágrafo único,e Coje, art. 12, III, 2, 3ª indicação).B) Do mérito do man<strong>da</strong>do de segurança1. A pretensão <strong>da</strong> suplicante é, como se constata do exame <strong>da</strong> petiçãoinicial, desconstituir a deliberação do Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong>de Justiça que a excluiu, sumariamente, <strong>da</strong> relação dos candi<strong>da</strong>tos aoprovimento do cargo de Juiz de Direito já aprovados e classificados, nafase final e derradeira, máxime negando-se a declinar o motivo do seuproceder, ain<strong>da</strong> que por ela provocado, não lhe proporcionando, consequentemente,a oportuni<strong>da</strong>de de oferecer qualquer defesa.2. Considero, <strong>da</strong>ta maxima venia, que já não poderia legalmente fazê--lo àquela altura do procedimento concursal, quando não mais dispunha o<strong>Tribunal</strong> do poder discricionário, segundo as próprias disposições do minuciosoedital que, fun<strong>da</strong>do nas normas legais e regimentais, disciplinouo certame, desde a sua fase inicial, compreendendo os pedidos iniciais <strong>da</strong>sinscrições preliminares, provisórias ou precárias dos candi<strong>da</strong>tos, até suaaprovação, classificação, indicação, nomeação, posse e final exercício.E o fez, inegavelmente, com clareza, não deixando, sobretudo nopertinente a suas fases, destinação de ca<strong>da</strong> uma e área de compreensão,qualquer margem de dúvi<strong>da</strong>.3. E tão claro e translúcido parece-me o direito <strong>da</strong> requerente que mecusta a atinar e compreender quão infeliz foi a inspiração <strong>da</strong> Egrégia Corteao assim proceder. Divergiu <strong>da</strong> orientação ao menos de quando, parahonra minha, integrei o seu Plenário, fazendo parte <strong>da</strong>s inúmeras Comissõesde Concurso e, quando chamado a apreciar situações semelhantes,ou mesmo idênticas às revela<strong>da</strong>s neste processo, distinguiu sempre opoder que dispunha inicialmente, para excluir <strong>da</strong> inscrição quaisquercandi<strong>da</strong>tos a ela requerentes, discricionariamente, <strong>da</strong>quele outro que, apartir de então, lhe restava e, a todo tempo, mesmo após a classificação,quando seu poder seria apenas regrado, ou seja, menos amplo, obrigadoque estava a declinar o motivo pelo qual pudesse justificar a exclusãodo concorrente, acoimado de falta ou defeito que comprometesse suamorali<strong>da</strong>de, proporcionando-lhe, então, sua defesa e produção de provas,tudo sumária e secretamente, e apreciando, com o mesmo cui<strong>da</strong>do, desua procedência ou não. De três deles, ao que me recordo, foram as acu-18R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


sações assim considera<strong>da</strong>s inteiramente rejeita<strong>da</strong>s, sendo eles nomeados,exercendo a magistratura com digni<strong>da</strong>de, por vários anos, um dos quaisencontrei, não faz muito, aposentado, segundo informou-me, ao atingir a<strong>4ª</strong> entrância. Por óbvias razões, estou impedido de declinar seus nomes.4. É sabido e ressabido que a nomeação de Juiz de Direito constituiato administrativo complexo, do qual participam, obrigatoriamente, doisdos Poderes do Estado: o <strong>Tribunal</strong> de Justiça e o Governador.Versa a espécie sobre o citado ato administrativo, na sua fase primeira,antes <strong>da</strong> indicação dos concorrentes aprovados e classificados para suaregular nomeação.Em dita fase, o procedimento concursal divide-se em outras tantas,as quais integram o que os autores denominam fases progressivas ou sucessivas(O. Ranelletti, in Le Guarentigie della Giustizia nella PubblicaAmmnistrazione, 4. ed., Dott. A. Giuffrè Editore, 1934, p. 117, n. 76).Assemelha-se o concurso a uma espécie de esca<strong>da</strong>, cujos degraus têmárea própria e devi<strong>da</strong> destinação. Por eles, degraus, vai ascendendo o concorrente,conquistando, em ca<strong>da</strong> um deles, um relativo direito subjetivo.Parecem-me os concursos para provimento dos cargos públicos,especialmente os dos juízes, de maior qualificação, às licitações nasconcorrências públicas, como fazem notar os tratadistas <strong>da</strong> matéria.Deles, limito-me a indicar, por sua habitual clareza, o sempre consultadoProfessor Hely Lopes Meirelles, em várias de suas obras, inclusivePareceres, e <strong>da</strong>s quais destaco seu considerado Direito AdministrativoBrasileiro, 5. ed., p. 396 e seguintes, e a clássica Licitação e ContratoAdministrativo, 3. ed., p. 117 e seguintes, to<strong>da</strong>s elas ilustra<strong>da</strong>s com julgados,especialmente do Egrégio Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>.4.1. O que brota <strong>da</strong> simples leitura do edital em comentário é o queacaba de ser afirmado. Sua clara linguagem e disciplinação, referente àsvárias fases do certame, mostra a sua racionali<strong>da</strong>de, permitindo verificar,como nas concorrências públicas já cita<strong>da</strong>s, que, cumpri<strong>da</strong>s que sejampelo concorrente, completam-se, ultimam-se, a elas não mais se retornando.Certamente não se afirmará que gozam, cumpri<strong>da</strong>s, do poder <strong>da</strong>res judicata, mas, porque definitivas, não se reabrem.5. Com efeito.O edital que rege o presente concurso, nº 24/83, é longo, detalhadoe bem sistematizado. Proporciona, assim, fácil compreensão. É penosoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 19


para o concorrente pelas exigências muitas que lhe impôs cumprir.5.1. Começa ele disciplinando o pedido de inscrição provisória, nº 1,seguindo-se a chama<strong>da</strong> “Fase Preliminar”, nº 2. Nessa se realiza a nomina<strong>da</strong>“prova escrita preliminar”, dividi<strong>da</strong> em duas partes devi<strong>da</strong>menteesclareci<strong>da</strong>s, n os 2.1 a 2.6.Aos que forem nela aprovados, proporciona-se o direito de requererema “Inscrição Definitiva”, nº 3.1, impondo ao requerente, além de petiçãodetalha<strong>da</strong>, a apresentação de novos documentos, nº 3, alíneas a e e.Convém, desde já, sublinhar o que estatuem seus subitens 3.2 a 3.4.Dizem eles, verbis:“3.2 O Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong> de Justiça, em sessão secreta, decidirá, conclusivamente,e por livre convicção, a respeito <strong>da</strong> admissão dos candi<strong>da</strong>tos aprovados na provaescrita preliminar, atendendo às suas quali<strong>da</strong>des e à sua aptidão para o cargo.3.3 A Comissão colherá informes sobre os candi<strong>da</strong>tos, procedendo à sindicância <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>pregressa e à investigação social.3.4 Os candi<strong>da</strong>tos aprovados na prova preliminar serão submetidos a entrevista com aComissão de Concurso.”5.2. Sucessivamente seguem-se as “Provas Escritas”, nº 4, disciplina<strong>da</strong>snos subitens 4.1 a 4.6; a “Prova Oral”, nº 5.1; a de “Aferição dosTítulos”, nº 5, integra<strong>da</strong> pelos subitens 5.1, alíneas a a n, e 6.2 a 6.5; asdos “Exames de Saúde Física e Mental e o Psicotécnico”, nº 7.Atinge-se, assim, a cognomina<strong>da</strong> “Nota Final”, nº 8; e, à derradeiro,o “Julgamento do Concurso”, nº 9. Encerra-se com os esclarecimentosdo prazo de “vali<strong>da</strong>de” do concurso, nº 10. Segue-se a <strong>da</strong> “Nomeação”,nº 11, “Observações Gerais”, n os 12 a 12.5; e, para encerrar, o de nº 13,o <strong>da</strong> “Comissão de Concurso”.6. A requerente submeteu-se a to<strong>da</strong>s elas e as satisfez, cumpri<strong>da</strong>mente,tanto que atingiu aquela <strong>da</strong> aprovação e subsequente classificação,cabendo-lhe o 51º lugar, em lista que foi divulga<strong>da</strong>.6.1. Foi aí que aconteceu o pior, resultando, após dita divulgação, omitidoo seu nome ao ser publica<strong>da</strong> a relação no D.O. de 22.05.85. Continuaela a ignorar o motivo <strong>da</strong> exclusão, ain<strong>da</strong> que, em reclamo administrativo,o propugnasse, sendo ele indeferido, o que lhe obstou qualquer gênerode defesa <strong>da</strong> presuntiva ocorrência <strong>da</strong> falta, a qual há de ser grave, emface do grau de penali<strong>da</strong>de que lhe foi imposta, com o elenco de efeitos,os mais variados e negativos, quanto à sua personali<strong>da</strong>de.20R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


Observo, <strong>da</strong>ta venia, que em épocas passa<strong>da</strong>s, como já salientei atrás,diversa era a orientação <strong>da</strong> Colen<strong>da</strong> Corte.Vigilante sempre como me impendia o ser, como os demais Colegas,estive sempre atento a repelir concursandos sobre cuja idonei<strong>da</strong>de moralpairasse dúvi<strong>da</strong>. E isso desde os momentos iniciais de análise <strong>da</strong> inscrição.Nessa fase, fazendo-o discricionariamente, como já era admissível (M.Petrozziello, in Il Rapporto di Pubblico Impiego, Società Editrice Libraria,1935, p. CLI). Mas, note-se, procedia o Eg. <strong>Tribunal</strong> diversamentequando a acusação ocorria em fases posteriores do concurso, quaisquerque fossem elas, mesmo à altura posterior à <strong>da</strong> aprovação e prestes à indicaçãodos candi<strong>da</strong>tos já classificados. Ouvia-se, nesse ínterim, o acusadopara que a conhecesse, oferecesse defesa e, se o quisesse, apresentasseprovas. Em sessão secreta, o <strong>Tribunal</strong> apreciava o ocorrido e decidia, pormaioria de votos, pela sua procedência ou não. Excluía-se o concorrentena primeira hipótese, ou mantinha-se-o no lugar conquistado na segun<strong>da</strong>.E assim era o seu procedimento habitual, repetido e unânime, isso porqueseu ato administrativo era, manifestamente, regrado, em harmonia comos termos <strong>da</strong> lei e em consonância com as garantias que a Constituiçãoassegurava ao candi<strong>da</strong>to.Em precioso estudo intitulado L’Esclusione <strong>da</strong>i Pubblici Concorsi eL’art. 51 della Costituzione, publicado na renoma<strong>da</strong> Rivista Trimestraledi Diritto Pubblico, 1952, conclui, em significativo trecho, GiovanniMiele, verbis:“Quindi, di fronte a un atto amministrativo lesivo di un diritto o interesse legittimov’è sempre la possibilità della tutela giurisdizionale; ma, poichè la lesione di un diritto ointeresse legittimo può essere in relazione ai motivi determinanti dell’atto, la persona cuiil provvedimento si riferisce deve essere messa in grado di conoscerli. Ne consegue allora,che, allo stesso modo in cui gli altri elementi rilevanti per la legittimità dell’atto risultanoo debbono risultare <strong>da</strong>ll’atto stesso, come la competenza, l’osservanza delle forme edella procedura, la menzione che è stato udito un parere obbligatorio, così parimenti deverisultare <strong>da</strong>ll’atto la specificazione delle ragioni giustificative che siano giuridicamenterilevanti per la legittimità di esso.”7. Considero, por isso, <strong>da</strong>ta venia, que mal orienta<strong>da</strong> esteve a EgrégiaCorte ao proferir a deliberação com respeito à requerente.8. A análise do edital do concurso não autoriza, <strong>da</strong>ta venia, a exclusãocomenta<strong>da</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 21


Realmente, e cabe insistir.Em duas oportuni<strong>da</strong>des, o respeitável Órgão Especial do <strong>Tribunal</strong> deJustiça examina e decide a respeito <strong>da</strong> idonei<strong>da</strong>de do concorrente: primeiramente,na chama<strong>da</strong> “Inscrição Definitiva”, n os 3 e 3.2; posteriormente,a segun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s fases para o exame <strong>da</strong> honorabili<strong>da</strong>de do candi<strong>da</strong>to é a do“Julgamento do Concurso”, nº 9, e, em especial, nº 9.1.Convém ter presentes essas normas indica<strong>da</strong>s, as quais me abstenhode transcrever para não estender em demasia o presente pronunciamento,visto que as recor<strong>da</strong>ndo a ca<strong>da</strong> passo, pois elas são decisivas para apreciaro procedimento recursal.8.1. Na primeira fase, o poder <strong>da</strong> Corte é discricionário, tal como oconceitua a doutrina e repetem os julgados dos Tribunais.Na segun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s fases indica<strong>da</strong>s seu poder é regrado, como emqualquer outro momento, até o <strong>da</strong> posse do candi<strong>da</strong>to. E, ocorrendo aindicação <strong>da</strong> falta, o comportamento do <strong>Tribunal</strong> é diverso, obrigado queestá a convocar o acusado, revelando-lhe em que consiste a inculpação.Oferece-lhe, então, oportuni<strong>da</strong>de de defesa e até de produção deprovas. Secretamente as examina e decide, já não mais de plano e conclusivamente,como sucede quando dispõe do poder discricionário, vistoque com base no livre convencimento, e conclui por sua procedência ounão, com os efeitos <strong>da</strong>í emergentes e já considerados, como é própriodo ato regrado.O cui<strong>da</strong>do que deve orientar o <strong>Tribunal</strong> no exame <strong>da</strong> honorabili<strong>da</strong>dedos candi<strong>da</strong>tos à judicatura é questão que me dispenso de considerar,pois é conhecido o alto proceder com que sempre atua a mais alta Cortede Justiça local.Ora, se a honradez do ci<strong>da</strong>dão merece integrar sua personali<strong>da</strong>de,admitindo presuntivamente sua ocorrência, com mais forte razão a dofuncionário público que dispõe de parcela de autori<strong>da</strong>de, nota<strong>da</strong>menteo juiz, que vai julgar os atos de seus jurisdicionados, nos mais variadossentidos, seja na família, como marido e pai; seja no ambiente de trabalho,quando pratica tantos atos administrativos, no exercício <strong>da</strong> função,quanto na tela criminal, quando aplica as mais graves sanções.São os magistrados como a mulher de César, sejam, em reali<strong>da</strong>de,honrados, mas pareçam o ser, como requer a comuni<strong>da</strong>de onde irãopraticar o seu delicado ofício.22R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


8.2. Não foi em vão que o Egrégio <strong>Tribunal</strong> de Justiça, ao ser procedi<strong>da</strong>a a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> Constituição do Estado à Carta <strong>Federal</strong>, propôs – ea Colen<strong>da</strong> Assembleia Legislativa aceitou – a a<strong>da</strong>ptação que constou donovo texto constitucional do Estado, em seus arts. 109, V, e 115.To<strong>da</strong>via, o Governador representou à Procuradoria-Geral <strong>da</strong> Repúblicaarguindo a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos preceitos citados, além de muitosoutros.Tomou dita Representação o nº 749 e foi julga<strong>da</strong> improcedente (Representaçõesno Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, Tomo II, p. 206 e seguintes;RTJ, v. 50, p. 738 e seguintes).Criou-se, na ocasião, a figura do Juiz Adjunto, estatuindo-se que sóse tornaria Juiz de Direito aquele que, depois de ultrapassado o prazo dedois anos <strong>da</strong> investidura no cargo para o qual havia prestado concursoapenas nas provas intelectuais, prestasse, agora, decorrido o biênio,concurso de títulos.A excelência do novo sistema, salientei então, e com ligeiras modificaçõesde forma, consta hoje <strong>da</strong> Carta local, Emen<strong>da</strong> nº 7.8.3. Invoco o precedente para mostrar que a vigilância dos ÓrgãosDisciplinares não se fin<strong>da</strong> com os concursos, sobre os quais se discuteneste man<strong>da</strong>do de segurança. Prorroga-se ela pela vi<strong>da</strong> inteira dos magistradosem ativi<strong>da</strong>de. E ela se torna mais fácil, proveitosa e salutar aoPoder Judiciário quando antes de adquirir o magistrado as prerrogativasde juiz vitalício. Ela já ocorria, há anos, no Estado de São Paulo, noextinto Estado <strong>da</strong> Guanabara, onde o prazo era de quatro anos, e, pelasvirtudes do sistema, outras uni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> federação o aceitaram.É que, até então, precárias eram as condições para examinar requisitosoutros a satisfazer pelo juiz, além <strong>da</strong>queles comprovados no concursode provas.Os que versaram os predicamentos impostos aos bons juízes osdestacam em suas obras, seus votos e seus artigos de doutrina (MárioGuimarães, O Juiz e a função jurisdicional; identicamente o salientouo julgado em M.S. nº 2.267, em 30.11.53, publicado na RDA, v. 60, p.120-3). O Diagnóstico elaborado pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> sobrea Reforma do Poder Judiciário realiza<strong>da</strong> em 1977, quando eu exerciaa Presidência <strong>da</strong>quela Alta Corte, depois do estudo meditado dos maisde noventa volumes com proposições dos Tribunais e mais aquelas queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 23


constam hoje de seus arquivos, o salienta. Igualmente o faz a Propostade Reforma do mesmo Estatuto, em 11.05.56 (in RDA, v. 46, p. 54 eseguintes).Cabe ler, para melhor ilustrar, todo o debate que se fez na EgrégiaSuprema Corte quando, larga e profun<strong>da</strong>mente, houve por bem rejeitara inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> representação, no particular, para se verificara importância que aquela Corte emprestou aos predicamentos impostosaos juízes (Rp. nº 749, in RTJ, v. 50, p. 738 e seguintes).8.4. Essas observações que acabam de ser feitas bem evidenciam aexigência mais que indormi<strong>da</strong> que se reclama quanto aos juízes e aosÓrgãos Superiores que sobre eles têm jurisdição, nota<strong>da</strong>mente disciplinar– em faltas de ordem moral e social, acaso ocorrentes, ao menosa eles imputa<strong>da</strong>s, impõe-se, como não poderia deixar de ser, sob penade contrariar a Constituição, assegurar-lhes to<strong>da</strong> defesa, dependendoos procedimentos adotados dos direitos subjetivos que já dispõem, talcomo estatuem os diplomas citados. E acentue-se que sempre se operavela<strong>da</strong>mente, discretamente e até, por vezes, secretamente, para assegurar,a ca<strong>da</strong> passo, a discrição na sua apuração, em prol do Poder Judiciário.Falam por si alguns julgamentos ocorridos na Suprema Corte, muitosdos quais com minha participação, como se vê <strong>da</strong>s publicações já feitas(RTJ, v. 85, p. 986 e segs.; v. 86, p. 619 e segs.; v. 89, p. 846 e segs.; ev. 109, p. 48 e segs.).9. In casu, a requerente foi excluí<strong>da</strong>, cancelando-se a sua inscriçãosumariamente, nas circunstâncias já por vezes várias sublinha<strong>da</strong>s, quando,até então, sua inscrição prevaleceu para justificar as muitas provasque lhe sucedeu.Procedeu a Egrégia Corte como se dispusesse do poder discricionárioque já não possuía, o qual era evidentemente regrado. Obriga<strong>da</strong>, então,ao exercício de ativi<strong>da</strong>de sujeita à disciplina legal, seja como se deduz<strong>da</strong>s disposições constantes do edital já comentado, as quais condensamto<strong>da</strong> a legislação pertinente, seja <strong>da</strong> própria Constituição, ao calor <strong>da</strong>squais devem ser considera<strong>da</strong>s e obedeci<strong>da</strong>s.9.1. Na espécie já tão examina<strong>da</strong>, omitindo-se o Colendo <strong>Tribunal</strong> emproporcionar à requerente, como lhe cumpria, o direito de defender-se,praticou ato administrativo eivado de nuli<strong>da</strong>de mortal, tal como dispõe oCódigo Civil, art. 145, IV, aplicável também aos atos administrativos, na24R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


lição unânime dos autores, como já salientava há anos o Mestre saudosoRuy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, 5. ed., 1982, p.94), combinado com o art. 153, §§ 15, 21 e 4º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>de 1969.Outro não é o ensinamento de Raphael Alibert, em sua obra clássicaLe Contrôle Juridictionnel de L’Administration, Paris, 1926, p. 221-2,verbis:“Le vice de forme en droit administratif est une nullitté qui provient de la violationde formes édictées par les lois et règlements. Cette nullité existe sans texte et elle est enprincipe absolue.Les formalités administratives ne sont pas des procédures de pure forme dont il seraitloisible à l’administration d’éluder l’accomplissement. Ce sont des garanties accordées auxadministrés; elles sont pour eux la contre-partie des pouvoirs exorbitants de l’administration,ainsi qu’une assurance contre le risque des décisions hâtives, mal étudiées et vexatoires.Elles sont en principe d’ordre public.”9.2. É lamentável que a Egrégia Corte tenha procedido contra a lei,realizando o ato impugnado, deslembra<strong>da</strong> de assegurar o direito de defesaà concorrente, máxime nas circunstâncias em que o fez. Dito direito éinato à criatura humana.O próprio Deus, o mais sábio e justo dos juízes, assim o entendeu,apesar do seu poder total, desde o princípio do mundo. Externou-o aoser cometido o primeiro homicídio ocorrido sobre a Terra, quando Caim,levado pela inveja, matou seu irmão Abel.São palavras do Senhor, segundo a Bíblia Sagra<strong>da</strong>, Genesis, cap. 4, nº9: “E o Senhor disse a Caim: ‘Onde está teu irmão Abel?’ Ao que Caimrespondeu: ‘Eu não sei. Acaso sou eu guar<strong>da</strong> do meu irmão?’”E consta do mesmo livro e capítulo, nº 10: “Disse-lhe o Senhor: ‘Queé o que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama desde a terra atémim’”.E, só então, o Senhor o puniu. Não se animou, o maior Juiz, a aplicar--lhe a sanção, como o fez, sem ouvi-lo para que se defendesse.E assim seguiu-se na marcha <strong>da</strong>s gerações.Entre nós, o direito de defesa jamais foi ignorado nem deixou de serreconhecido. Desde o regime republicano, conforme a Constituição de1891, resultou expresso, art. 72, § 16. Integrou ele as demais Constituiçõesque àquela se seguiram: 1934, 1937, 1946, 1967 e Emen<strong>da</strong> nº 1/69,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 25


art. 153, § 15, em pleno vigor.9.3. Por certo os fatos mais comuns ocorrem nos procedimentos criminais.Mas sempre se reconheceu a necessi<strong>da</strong>de de observar-se o direitode defesa nos processos administrativos, quando do seu exame se imputafalta grave ao servidor. No presente procedimento, a to<strong>da</strong> evidência, ele éde aplicar-se, uma vez que trata de processo semelhante ao qual incidemnormas decorrentes do Direito Administrativo.9.4. Cabe assinalar que, mesmo no regime revolucionário instauradono País em 1964, os Atos Institucionais, embora sobranceiros à própriaConstituição, reconheceram o direito de defesa, deixando-o expresso.Assim ocorreu com o primeiro deles, AI nº 1/64, art. 7º, § 4º, com a regulamentaçãoque lhe atribuiu o Decreto nº 53.897, de 27.04.1964, art.5º (in RF, v. 206/434), ao impor graves sanções.No Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, concorri com meu voto para anulardiversas sanções impostas com base no citado art. 7º, § 4º. E o fun<strong>da</strong>mentocentral <strong>da</strong>s nuli<strong>da</strong>des dos procedimentos referidos assentou na falta deaudiência dos imputados, como o impunha a cita<strong>da</strong> legislação. Destacode tais julgamentos os primeiros deles, publicados na RTJ, v. 47/211; v.50/67; e v. 53, p. 120 e 379.Inegavelmente o princípio em comentário, direito de defesa, aplica--se ao procedimento do concurso quando, é certo, ocorre acusaçãosobre o concorrente já admitido em definitivo, depois de procedido oseu respectivo exame, discricionariamente, pelo <strong>Tribunal</strong>. Certo ele nãovem expresso, apesar dos detalhes introduzidos na regulamentação doconcurso, seja no edital, seja em leis outras a ele referentes.Dito direito, que o Padre Vieira acentuava em seus “Sermões” ser “sagrado”,está implícito na sua disciplinação, uma vez que a Constituiçãosobre ele incide, projetando-se com to<strong>da</strong> a força e intensi<strong>da</strong>de.Cabe, aqui, invocar a lição do saudoso mestre Pontes de Miran<strong>da</strong>, emseus Comentários à Constituição de 1967 c/c a Emen<strong>da</strong> nº 1/69, Tomo4º, p. 624, c, verbis:“Nenhuma lei brasileira pode ser interpreta<strong>da</strong> ou executa<strong>da</strong> em contradição com osenunciados <strong>da</strong> Declaração de Direitos, nem em contradição com quaisquer outros artigos<strong>da</strong> Constituição de 1967; porém, alguns dos incisos do art. 153 são acima do Estado, e aspróprias Assembleias Constituintes não os podem revogar ou derrogar. Tais incisos são osque contêm declaração de direitos fun<strong>da</strong>mentais supraestatais.”26R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


10.1. Certamente se dirá que, em sendo assim, mesmo na primeira fasedo certame, havendo dúvi<strong>da</strong> sobre a idonei<strong>da</strong>de do concorrente, o direitode defesa tinha de lhe ser reconhecido. Sem qualquer razão o argumentoporque opera, então, o <strong>Tribunal</strong> discricionariamente, com o poder quesempre se lhe reconheceu e sempre constou <strong>da</strong>s leis e dos regulamentosdos concursos. E inexiste, ademais, qualquer direito do candi<strong>da</strong>to de seradmitido naquele instante prefacial do respectivo procedimento. Jamais<strong>da</strong>í por diante, quando o seu pedido de inscrição já fora reconhecidocomo definitivo, tal como ocorreu com a requerente.10.2. Por último, e para concluir.O Egrégio <strong>Tribunal</strong> teria cancelado a inscrição <strong>da</strong> postulante e, consequentemente,a excluído do rol dos candi<strong>da</strong>tos já classificados, ondese encontrava. Presumi<strong>da</strong>mente, por considerá-la inidônea.10.3. To<strong>da</strong>via, surpreendentemente, em momento posterior, propôsa sua recondução ao cargo de Pretor para a mesma comarca a qual jájurisdicionava, Pelotas, onde sempre viveu na condição, outrossim, demulher casa<strong>da</strong>, como o era e é, no mesmo lar, o qual, também, jamaisfora afetado.10.4. Para admissão ao cargo em questão, Pretor, é condição ser pessoaidônea, exigindo-se que faça prova de idonei<strong>da</strong>de moral, conformeAssento Regimental nº 1/82, art. 10, nº 4. Tal condição foi feita e reconheci<strong>da</strong>no respectivo concurso. Agora, reiterou o Egrégio <strong>Tribunal</strong> seureconhecimento, ao propor sua recondução, como o requer o AssentoRegimental nº 2/84, art. 22.10.5. Inexplicavelmente, negou perdurasse dita idonei<strong>da</strong>de no procedimentoaqui atacado, quando, em consequência, adveio o ato impugnado.10.6. Uma única solução é de extrair-se: a idonei<strong>da</strong>de <strong>da</strong> postulante aacompanhou sempre ou, entrementes, dela tendo decaído após o julgamentofinal do concurso. Entretanto, a reconquistara mais tarde, ao proporo <strong>Tribunal</strong> a sua recondução ao cargo de Pretor ou, ain<strong>da</strong>, a acusaçãoque levara a Corte a excluí-la do concurso e gerou o ato impugnado teriasido julga<strong>da</strong> improcedente, quando melhor apurado o fato imputado.10.7. O que era, então, de esperar-se do Egrégio Colegiado era corrigirseu erro anterior, que ocasionara a prática do ato atacado, com base noprincípio insculpido na Súmula do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, verbetesn os 346 e 473, primeira parte, condensando julgamentos seus, fun<strong>da</strong>dosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 27


na melhor doutrina.Dispõe o primeiro, verbis: “A administração pública pode declarar anuli<strong>da</strong>de dos seus próprios atos”.E o segundo: “A administração pode anular seus próprios atos quandoeivados de vícios que os tornam ilegais porque deles não se originamdireitos”.10.8. A essa altura, somente resta lançar a conclusão deste parecer. É oque se faz, encerrando-o; nele, por vezes se repetiu certas deduções mas,repita-se, com a intenção única de melhor esclarecê-las, para salientar odireito líquido e certo <strong>da</strong> requerente.ConclusõesEspera-se, assim, que o Egrégio <strong>Tribunal</strong>, por seu Órgão Especial, emsua alta sabedoria, defira o presente man<strong>da</strong>mus, reconhecendo a nuli<strong>da</strong>dedo ato impugnado, repondo a postulante na mesma situação em que seencontrava quando a afastou <strong>da</strong> relação classificatória (R. Alibert, inop. cit., p. 53); ou, pelo menos, defira-o em parte para, anulando o citadoato, proporcionar à postulante a defesa <strong>da</strong> falta que lhe é imputa<strong>da</strong>,declinando-se, concretamente, qual seja ela, e, se considerar necessário,a produção de provas de sua improcedência.É o parecer.Porto Alegre, 18 de abril de 1986.28R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


Conciliações nos conflitos sobre direitos <strong>da</strong>Seguri<strong>da</strong>de SocialResumoPaulo Afonso Brum Vaz*Trata o presente artigo do tema conciliações na Seguri<strong>da</strong>de Social naperspectiva de uma proposta de incremento <strong>da</strong>s soluções consensuaisna Justiça <strong>Federal</strong> a partir do advento <strong>da</strong> Política Judiciária Nacionalde tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do PoderJudiciário. Destaca-se a imprescindível cooperação do INSS e dosadvogados, bem assim a necessi<strong>da</strong>de de releitura do papel dos juízes econciliadores, a fim de se chegar a uma maior aproximação <strong>da</strong>s propostasao valor monetário efetivamente devido, evitando que a mora judiciáriana entrega <strong>da</strong> prestação jurisdicional seja utiliza<strong>da</strong> como argumento depressão para que a parte hipossuficiente culmine premi<strong>da</strong> a aceitar umacordo com supressão unilateral de direito.Palavras-chave: Política Judiciária Nacional. Conciliação. TribunaisMultiportas. Seguri<strong>da</strong>de Social. Autocomposição. Juízes. Advogados.Procuradores. INSS. Litígio.* Desembargador <strong>Federal</strong>, Coordenador do Sistema de Conciliações – Sistcon/Núcleo Permanente deMétodos Consensuais de Solução de Conflitos do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Mestre em PoderJudiciário pela FGV.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 29


Sumário: Introdução. 1 Mecanismos alternativos de resolução deconflitos. 2 O Poder Público e as conciliações. 3 O novo papel doadvogado na conciliação. 4 Sobre a Política Judiciária Nacional deConciliação. 5 Breves fun<strong>da</strong>mentos conciliatórios. 6 Conciliaçõesnas Ações Previdenciárias. Considerações finais.IntroduçãoO Judiciário brasileiro encontra-se mergulhado no que sepode chamar de crise multifaceta<strong>da</strong>, caracteriza<strong>da</strong> por tensões deeficiência e de identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> justiça. A eficiência é comprometi<strong>da</strong>pelo déficit qualitativo e quantitativo referente à prestaçãojurisdicional, que, analisa<strong>da</strong> sob o ponto de vista <strong>da</strong> eficácia e<strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de, está longe de ser satisfatória. A identi<strong>da</strong>de, porsua vez, encontra-se sob sério risco, na medi<strong>da</strong> em que o papelde vetor de transformações sociais e instrumento de solução deconflitos com eficácia para a pacificação social também estáesmaecido e sensivelmente comprometido.O presente artigo analisa aspectos pontuais dos mecanismosde resolução integrativa de conflitos enquanto tentativa de solução<strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s crises. A chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> terceira on<strong>da</strong> deacesso à justiça parece apontar para a superação do modelo desolução adjudica<strong>da</strong> pela autori<strong>da</strong>de estatal, ain<strong>da</strong> amplamenteadotado, sobretudo nas ações previdenciárias, <strong>da</strong>do o marcadocunho social.Todos os caminhos passam pela releitura dos papéis <strong>da</strong> justiça,do poder público e dos advogados. Nesse contexto, uma variávelrelevante no processo de alavancagem <strong>da</strong> autocomposiçãoé também a política de elevação dos patamares financeiros <strong>da</strong>spropostas conciliatórias.1 Mecanismos alternativos de resolução de conflitosO modelo tradicional de solução de conflitos empregado peloPoder Judiciário, detentor do monopólio <strong>da</strong> jurisdição, colocaas partes em um ver<strong>da</strong>deiro duelo, uma vez que predispostas emlados antagônicos no processo judicial, acirrando o preexistenteestado de tensão em que um ganha e o outro perde, quandoambos não perdem. Na autocomposição, inverte-se essa lógica,pois o que se tem é o chamado “ganha-ganha”: ambas as partes30R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


saem vencedoras. 1Com a conciliação abre-se uma nova e mais eficaz técnica de gestãodo processo, que é a consensual, possibilitando ao Poder Judiciárioprestar um serviço mais qualificado e melhorar o atendimento e o nívelde satisfação dos seus usuários.A conciliação, enquanto via integrativa e democrática de solução deconflitos, 2 para além de reduzir a deman<strong>da</strong> de processos, o que é apenasuma consequência, apresenta a vantagem <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira pacificação social.A melhor sentença não possui o valor de um acordo. Na sentença, oEstado-juiz se substitui à vontade <strong>da</strong>s partes, mas não soluciona o conflitosubjetivo destas, gerando, muitas vezes, ain<strong>da</strong> maior conflituosi<strong>da</strong>de. 3A locução mecanismos alternativos talvez não seja hoje a mais apropria<strong>da</strong>se considerarmos que: 1. incumbem as partes, enquanto senhores<strong>da</strong> disputa, em primeiro plano, de a ela <strong>da</strong>r fim; 4 2. oferecem mais vantagensdo que a solução adjudica<strong>da</strong>; e 3. passam a ser priori<strong>da</strong>de para oPoder Judiciário. 5O que se busca com a conciliação é conferir aos ci<strong>da</strong>dãos o direito departicipação ativa na resolução de conflitos, proporcionando o crescimentodo sentimento de responsabili<strong>da</strong>de civil, de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e de controlesobre os problemas vivenciados. A possibili<strong>da</strong>de de solução consensualdo conflito reflete-se positivamente na quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população,na ampliação do acesso à Justiça, na conscientização sobre direitos e no1Na lição do professor Kazuo Watanabe, “a ‘cultura <strong>da</strong> sentença’ traz como consequência o aumento ca<strong>da</strong> vezmaior <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de recursos, o que explica o congestionamento não somente <strong>da</strong>s instâncias ordinárias,como também dos Tribunais Superiores, e até mesmo <strong>da</strong> Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentandotambém a quanti<strong>da</strong>de de execuções judiciais, que sabi<strong>da</strong>mente são morosas e ineficazes e constituem o calcanharde Aquiles <strong>da</strong> Justiça” (Política Pública do Poder Judiciário Nacional para o Tratamento Adequado dosConflitos de Interesses. In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almei<strong>da</strong> (Coords.). Conciliaçãoe Mediação: estruturação <strong>da</strong> política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 4).2Os mais conhecidos mecanismos alternativos de resolução de disputas (MARDs ou ADRs) são a mediação,a conciliação e a arbitragem.3Os mecanismos de solução alternativa de conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário, nos moldes do sistemaamericano, que seriam o ideal, porque não comprometem o tempo <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de judicial, a ser canaliza<strong>da</strong> paraos processos judicializados, têm como maior óbice o elevado custo. Poucos possuem condições de pagarmediadores, conciliadores ou árbitros.4A solução adjudica<strong>da</strong> pela autori<strong>da</strong>de estatal, mediante sentença, deve sempre ocorrer em caráter subsidiárioà iniciativa <strong>da</strong>s partes para a solução do conflito.5O nosso sistema processual não prevê, ao contrário de outros sistemas legais (a maioria dos sistemasestaduais germânicos e americanos), a obrigatorie<strong>da</strong>de de as partes procurarem as ADRs como condição deprocedibili<strong>da</strong>de ou pressuposto para acesso à via judicial.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 31


pleno exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Constitui, em última análise, ampliaçãodo acesso à justiça.Conciliar é ato de desprendimento. Por meio <strong>da</strong> conciliação resgata-seo outro, o ser humano, há uma acentua<strong>da</strong> preocupação com o futuro <strong>da</strong>spartes, seus valores e problemas em seus mínimos e às vezes imperceptíveisaspectos. 6Conciliar é também uma arte. Deman<strong>da</strong> técnica apura<strong>da</strong>. O papel doconciliador é estimular as pessoas a chegarem aonde elas querem estar,é estimular a comunicação, o diálogo e o entendimento, dizia o saudosoprofessor Warat. 7O grande problema que se tem a enfrentar é a reinante cultura de litigância.Incutir a mentali<strong>da</strong>de consensual é um trabalho de longo prazo.Deveríamos nos preocupar com essa questão desde o ensino fun<strong>da</strong>mentalde nossos jovens, mas, ao menos, no ensino jurídico, que não educapara a pacificação social, mas para litigar, dever-se-ia estu<strong>da</strong>r, comodisciplina obrigatória, as formas consensuais de solução dos conflitosou de autocomposição. 8É de fun<strong>da</strong>mental importância a cooperação entre os diversos atoresenvolvidos no sistema judicial, incentivando a implantação de novosmétodos de solução de conflitos, em especial a conciliação, antes oudepois de ajuiza<strong>da</strong> a ação. Além <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça de cultura, faz-se misterque os usuários <strong>da</strong> Justiça revejam suas orientações criando também políticasinstitucionais de incentivo e incremento <strong>da</strong>s conciliações. E mais,precisam preparar seus quadros funcionais, nota<strong>da</strong>mente seus prepostos,representantes e procuradores para enfrentar essa nova reali<strong>da</strong>de que seapresenta na solução de conflitos.2 O Poder Público e as conciliaçõesA grande maioria dos processos <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> advém do PoderPúblico <strong>Federal</strong>, com 77% do total de processos dos 100 maiores liti-6WARAT, Luís Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fun<strong>da</strong>ção Boiteux, 2004.7WARAT, Luís Alberto, op. cit.8“No Brasil há um ensino jurídico mol<strong>da</strong>do pelo sistema <strong>da</strong> contradição (dialética) que forma guerreiros,profissionais combativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde duas forçasopostas lutam entre si e só pode levar a um vencedor. Todo caso tem dois lados polarizados. Quando umganha, o outro tem de perder.” (BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma <strong>da</strong> guerrana solução dos conflitos. In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almei<strong>da</strong> (Coord.). Conciliaçãoe Mediação: estruturação <strong>da</strong> política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 31)32R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


gantes dessa Justiça (68% no polo passivo). O INSS é o maior litigantenacional (22,33%) e também o maior <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong> (43,12%). 9Essa litigiosi<strong>da</strong>de contra o Poder Público se deve ao tratamento tendencioso<strong>da</strong>s pretensões na via administrativa, sobretudo ao equívocodessa instância de limitar a exegese <strong>da</strong> lei à sua literali<strong>da</strong>de, vale dizer,de olvi<strong>da</strong>r os demais métodos existentes, especialmente os filtros constitucionaisque a todos os intérpretes vinculam.É censurável a prática comumente emprega<strong>da</strong> pelo Poder Públicode resistir às legítimas pretensões que lhe são dirigi<strong>da</strong>s na via administrativapara obrigar o interessado a residir em juízo e depois obter umacordo com renúncia de parte do direito. Isso é inaceitável, mas ocorrecom frequência. Avulta o papel do juiz em coibir tal prática, que viola osprincípios que norteiam a ativi<strong>da</strong>de administrativa: morali<strong>da</strong>de e boa-fé,principalmente.Por outro lado, a simples judicialização de uma pretensão legítimanão impede a sua satisfação. Não fica obstado, nem dependente de autorização,o acordo que tenha por objeto uma pretensão que administrativamentepoderia ter sido atendi<strong>da</strong>. Basta a boa vontade e o maior zelocom a coisa pública.Sobre a transação nos processos em trâmite na Justiça <strong>Federal</strong>, destaca--se um aspecto que é de fun<strong>da</strong>mental relevância: é preciso romper como mito <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de dos direitos tutelados pela AdministraçãoPública. O que é indisponível é o interesse público, que não se confundecom o interesse de determinado órgão ou enti<strong>da</strong>de administrativa. Interessepúblico é o <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de como um todo. Mas a indisponibili<strong>da</strong>dedo interesse público não ve<strong>da</strong> o reconhecimento de direitos legítimos,nem a renúncia a determina<strong>da</strong>s pretensões quando não se revelem aeste lesivas. A coletivi<strong>da</strong>de tem interesse em atender aos justos pleitosde seus membros em face do Estado, com a brevi<strong>da</strong>de que um acordoproporciona.Haveria interesse público no pagamento de vultosas quantias a títulode juros moratórios insertos nas condenações judiciais? É certo que não.Os juros milionários que são anualmente pagos pela Fazen<strong>da</strong> Pública emdecorrência de condenações judiciais oneram a coletivi<strong>da</strong>de e poderiam9Dados disponíveis em: .Acesso em: 20 jun. 2011.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 33


ser evitados, se (1) não houvesse recalcitrância em atender pleitos legítimosna via administrativa e (2) procurasse a Fazen<strong>da</strong> Pública acor<strong>da</strong>rcom os deman<strong>da</strong>ntes para deles eximir-se satisfazendo as pretensõesantes <strong>da</strong> condenação.Há ain<strong>da</strong> outra variável que conspira favoravelmente à conciliaçãopor parte do Poder Público: o elevado gasto com a sua advocacia contenciosa,que poderia ser melhor utiliza<strong>da</strong> em lides de ver<strong>da</strong>deiro interessepúblico. Por qualquer ângulo que se examine a questão, vai-se concluirque o custo-benefício <strong>da</strong> manutenção de certas deman<strong>da</strong>s, como asprevidenciárias, por exemplo, é mais negativo aos cofres públicos doque a adesão aos programas de solução consensual. Optar pela soluçãoadjudica<strong>da</strong> mediante sentença estatal é, por assim dizer, um péssimonegócio para o Poder Público.O problema <strong>da</strong> intransigência do Poder Público em firmar acordos noâmbito judicial tem a solução dependente de uma mu<strong>da</strong>nça nas políticasinstitucionais e, em boa medi<strong>da</strong>, de atitudes mais corajosas dos procuradorespúblicos. 10 Basta ver que em algumas locali<strong>da</strong>des os acordosacontecem e em outras não. Da insistência do juiz e <strong>da</strong>s tratativas queeste pode e deve entabular com os procuradores também é dependenteo bom resultado.3 O novo papel do advogado na conciliaçãoOs advogados, de sua vez, alguns intransigentes e refratários à ideiade solução consensual, precisam compreender que todos ganham quandose consegue evitar a judicialização do conflito (função primeira doadvogado) e, depois, não sendo possível, quando se busca a soluçãodo litígio pela via autocompositiva. Nunca se pode colocar o interessepróprio (do advogado) acima do interesse do cliente (parte). O advogadotem, na conciliação, a oportuni<strong>da</strong>de de antecipar no tempo o recebimentode seus honorários.A tônica <strong>da</strong>s soluções consensuais, que deverá nortear as ativi<strong>da</strong>desdo Poder Judiciário neste início de milênio, parece ampliar o espectro10Basta lembrar, exemplarmente, que tramitam hoje, nas Turmas Recursais dos JEFs <strong>da</strong> 4 a <strong>Região</strong>, pertode 200 mil processos figurando o INSS no polo passivo, número expressivo que constitui um campo muitofértil para conciliações, especialmente porque em um percentual bastante elevado desses processos já existesentença de procedência a sinalizar no sentido do bom direito a beneficiar os autores. Todos ganhariam casohouvesse iniciativa do INSS de pôr fim aos litígios apresentando proposta conciliatória.34R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


<strong>da</strong>s atribuições dos advogados. Acresce-se às hoje desempenha<strong>da</strong>s, nadefesa do direito e enquanto ativi<strong>da</strong>de essencial à administração <strong>da</strong>justiça, a orientação, infra e endoprocessual, para a solução consensual,que constitui um trabalho imprescindível e relevante, sobretudo comvistas a possibilitar que o cliente retire o máximo de proveito <strong>da</strong>s negociações.Por isso, também o advogado deve estar qualificado para atuarna audiência conciliatória.4 Sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequadodos conflitos de interesses no âmbito do Poder JudiciárioSensível à problemática do Poder Judiciário, por meio <strong>da</strong> Resoluçãonº 125, de 29 de novembro de 2010, o CNJ instituiu a Política JudiciáriaNacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbitodo Poder Judiciário, dispondo que aos órgãos do Poder Judiciário incumbe,além <strong>da</strong> solução adjudica<strong>da</strong> mediante sentença, oferecer outrosmecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamadosmeios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestaratendimento e orientação ao ci<strong>da</strong>dão.Para os juízes, especialmente na Justiça <strong>Federal</strong>, os esforços no sentidode obter um acordo entre as partes para pôr fim ao litígio mediantesolução consensual deixaram de ser uma facul<strong>da</strong>de para se tornaremuma obrigação que a todos vincula com caráter cogente. Passam a serum dever do cargo. Até porque a existência formal de uma Política Públicade tratamento adequado dos conflitos de interesses (conciliação)repercute no patrimônio jurídico de todos os litigantes, aperfeiçoando odireito subjetivo de ter o litígio de que é parte submetido a uma soluçãopela via autocompositiva.A partir do advento <strong>da</strong> Resolução nº 125/10-CNJ, instituindo a PolíticaJudiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interessesno âmbito do Poder Judiciário, os Tribunais estão obrigados à criação deestruturas apropria<strong>da</strong>s à sua efetivação, a saber: Núcleos Permanentesde Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e Centros Judiciáriosde Solução de Conflitos e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia – Cejuscon. 11Destaca-se a proposta de ampliação <strong>da</strong> atuação do Poder Judiciáriopor meio <strong>da</strong> criação dos Cejuscons, que deverão, nos moldes dos Tri-11No âmbito do TRF <strong>da</strong> 4 a <strong>Região</strong>, a matéria foi regulamenta<strong>da</strong> pela Resolução nº 15, de 14 de março de 2011.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 35


unais ou Foros multiportas, prestar aos ci<strong>da</strong>dãos uma maior gama deserviços, tais como orientação jurídica e para o pleno exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia,como, por exemplo, o encaminhamento aos órgãos e enti<strong>da</strong>despúblicas, como Justiças Estadual e do Trabalho, INSS, Receita <strong>Federal</strong>,Polícia <strong>Federal</strong>, AGU, Defensoria Pública, Incra, Conselhos Profissionais,Universi<strong>da</strong>de etc, sendo imprescindível firmar com estas convênios demútua cooperação.Para viabilizar a ampliação dos serviços prestados devem os Tribunaisprover os Núcleos e os Cejuscons com os recursos humanos e materiaisadequados. Incumbe-lhes, por conseguinte, investir na formação de juízes,servidores e conciliadores, promovendo cursos e treinamento de capacitação,nos moldes preconizados pela Resolução nº 125/10-CNJ.O juiz será avaliado para fins de promoção ou remoção por merecimentoem razão <strong>da</strong> sua atuação em conciliações. Portanto, faz jus àscondições para o desenvolvimento do trabalho que vai habilitá-lo a umamelhor avaliação promocional na carreira. É importante que isso ocorraporque certamente as conciliações, enquanto ampliação <strong>da</strong>s técnicas degestão do processo, devem, num primeiro momento, aumentar o volumede trabalho dos juízes.Será também <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de dos Tribunais criar e manter um bancode <strong>da</strong>dos contemplando as ativi<strong>da</strong>des do Núcleo e de ca<strong>da</strong> Cejuscon, paraseu controle próprio e de forma a alimentar o banco de <strong>da</strong>dos nacional,que ficará a cargo do CNJ, possibilitando assim correções e adequaçõesna Política Judiciária Nacional.5 Breves fun<strong>da</strong>mentos conciliatóriosAs conciliações se caracterizam por recíprocas concessões <strong>da</strong>s partes,ca<strong>da</strong> uma cedendo em relação a uma parcela do seu direito (art. 840 doCC), com vistas a pôr fim ao litígio. Nas deman<strong>da</strong>s contra o Poder Público,via de regra, o autor cede quanto ao seu direito material, ou seja, abre mãode uma parcela <strong>da</strong> benesse que está postulando. O réu cede em relaçãoao seu direito (processual) de contestar e recorrer, admitindo satisfazer apretensão antecipa<strong>da</strong>mente.As partes capazes são livres para pactuar, sendo lícito o objeto <strong>da</strong> transação,ca<strong>da</strong> uma obedecendo à sua livre vontade e às suas conveniências.Cabe ao juiz apenas incentivá-las esclarecendo as vantagens <strong>da</strong> conciliação.36R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


Não deve, por outro lado, a solução consensual implicar, com o beneplácitojudicial, que apenas uma <strong>da</strong>s partes abra mão do seu direito, paraobter a sua satisfação sem delongas, porque mais vale um mau acordo doque uma boa deman<strong>da</strong>. A deman<strong>da</strong> nunca é boa, mas o Poder Judiciário,com to<strong>da</strong>s as suas mazelas, nota<strong>da</strong>mente a sua lentidão, a torna muitopior. O acordo tem de ficar “bom para ambas as partes”.As variáveis que mais influem na realização de uma composiçãoamigável por conciliação são o grau de certeza do direito e a possíveldemora na tramitação do processo até a efetiva satisfação do direito.Poder-se-ia acrescer aqui o grau de capaci<strong>da</strong>de de a parte esperar pelatramitação normal do processo até que possa efetivar eventual sentençaque lhe favoreça.Há na matéria o que se pode chamar de paradoxo <strong>da</strong> eficiência: quantomais eficiente e ágil for a uni<strong>da</strong>de jurisdicional, menor será a probabili<strong>da</strong>dede a parte-autora optar por uma solução consensual. É que, enquantonão invertermos a lógica que tem presidido as conciliações no PoderJudiciário, pauta<strong>da</strong> na necessi<strong>da</strong>de de a parte ter de abrir mão de umaparcela do direito para obter a sua satisfação imediata, vamos convivercom dito paradoxo. Ocorre que a solução adjudica<strong>da</strong>, ao contemplar aintegrali<strong>da</strong>de do direito, em certos casos, torna-se financeiramente maisvantajosa.Havendo relevância na pretensão, a ponto de constituir um temor dederrota ao réu, o campo estará fértil para uma composição amigável. Oréu, certamente, não aderirá a uma proposta conciliatória diante de umpedido infun<strong>da</strong>do.Há o que os processualistas chamam de risco ou <strong>da</strong>no marginal, queé o decorrente <strong>da</strong> duração natural do processo. Ônus que a parte-autorasuporta naturalmente pela opção (ou infelici<strong>da</strong>de) de buscar em juízo asatisfação do seu direito, porque não foi atendido antes pelo deman<strong>da</strong>do.Se quiser abreviar o tempo e fugir do risco marginal, é justo que abramão de parcela de seu direito. To<strong>da</strong>via, quanto ao tempo que constituia demora anormal, patológica, por deficiência do poder judiciário e/oudevi<strong>da</strong> à atuação <strong>da</strong> parte-ré, não deveriam os riscos que lhe são inerentesprojetar-se sobre os ombros apenas <strong>da</strong> parte-autora. Não deveria aameaça <strong>da</strong> demora constituir uma variável a ser considera<strong>da</strong> para definiro alcance e o valor de eventual acordo.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 37


É, pois, relevante o papel do conciliador quando o litígio versa sobreprestações alimentares. Sua atuação, em boa medi<strong>da</strong>, aproxima-se <strong>da</strong>queladesempenha<strong>da</strong> por um mediador, que também deve preocupar-se coma quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> solução para as partes. No modelo acordista que adotamosno Poder Judiciário, há sempre o sério risco de o conciliador substituircom sua autori<strong>da</strong>de as vontades <strong>da</strong>s partes, conduzindo-as a realizar osobjetivos do próprio conciliador, mesmo que lhes sejam prejudiciais.Como bem observa Alexandre Araújo Costa, o“conciliador judicial cumpre seu papel institucional e burocrático quando o acordo é assinadoe, por isso, muitas vezes, utiliza todos os meios de pressão disponíveis para fazer com que aspartes aceitem algum acordo. E mais grave ain<strong>da</strong> é a distorção do papel dos juízes que, para‘agilizar’ o seu próprio serviço, pressionam as partes, afirmando expressamente (ou quaseexpressamente) a uma <strong>da</strong>s partes que ela deveria aceitar uma certa proposta, pois o acordolhe seria mais vantajoso que a decisão que ele tomaria se tivesse que resolver o litígio.” 12A legitimi<strong>da</strong>de do acordo, refere o citado autor,“é basea<strong>da</strong> na ideia de que ele é fruto de uma decisão <strong>da</strong>s pessoas envolvi<strong>da</strong>s, mas, porum lado, muitos acordos resultam <strong>da</strong> pressão do meio judicial (e <strong>da</strong> ignorância <strong>da</strong>s partes,que potencializa essa pressão) ou de negociações em que afloram apenas os aspectos maissuperficiais do conflito, pois falta ao conciliador a formação (e muitas vezes o interesse)de explorar to<strong>da</strong>s as dimensões do conflito.” 13A oportuni<strong>da</strong>de e a situação pessoal do litigante são sempre <strong>da</strong>dosrelevantes a serem considerados por quem atua como conciliador. Casoshá em que a manifestação de vontade <strong>da</strong> parte no sentido de aceitar umaproposta conciliatória encontra-se parcialmente prejudica<strong>da</strong> em razãode determina<strong>da</strong> situação particulariza<strong>da</strong> (doença grave ou situação demiserabili<strong>da</strong>de). Em casos tais, a atuação do conciliador é importantepara evitar que a parte adversa tire proveito <strong>da</strong> situação de fragili<strong>da</strong>dedo outro litigante para reduzir o valor <strong>da</strong> oferta apresenta<strong>da</strong>.6 Conciliações nas Ações PrevidenciáriasAs soluções consensuais tendo por objeto direitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>seguri<strong>da</strong>de social apresentam algumas peculiari<strong>da</strong>des. Trata-se de débitos12COSTA, Alexandre Araújo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2011.13Idem, ibidem.38R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


alimentares e há vinculação legal quanto ao valor dos benefícios. A margemde negociação pelas partes é sempre mais reduzi<strong>da</strong>, diferentementedos contratos bancários, em que o credor pode abrir mão de seu créditoa seu livre talante, ou de um caso de desapropriação, em que o valor <strong>da</strong>avaliação do imóvel pode oscilar conforme as flutuações de mercado,por exemplo.Tomando em consideração a premissa de que os acordos em tema deseguri<strong>da</strong>de social somente são aceitos pelo INSS quando a pretensãodo autor se revele estreme de dúvi<strong>da</strong>s, certa e determina<strong>da</strong>, parece nãohaver muito sentido em exigir-se do autor <strong>da</strong> ação, que está amparadopelo direito, porque a Justiça não tem condições de oferecer-lhe a tutelajurisdicional com a brevi<strong>da</strong>de que a natureza alimentar <strong>da</strong> prestaçãopretendi<strong>da</strong> recomen<strong>da</strong>, a renúncia de parcela do seu direito para vê-loimplementado de imediato. Não pode o autor <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> previdenciáriaser prejudicado pela mora do Poder Judiciário. Tampouco beneficiadoo réu. Se o direito é inequívoco e incontroverso, apenas se teria umcaminho, a sua imediata satisfação. Caberia, inclusive, a antecipaçãode tutela do direito incontroverso (art. 273, § 6º, do CPC: “A tutela antecipa<strong>da</strong>também poderá ser concedi<strong>da</strong> quando um ou mais dos pedidoscumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”).Mas o que se está fazendo? Diz-se assim para o autor: “Olhe, o seudireito é inequívoco, você realmente está incapaz, mas o devedor (INSS)está lhe oferecendo 80% do que você tem direito. Se você desejar recebera benesse relativa ao seu direito integralmente, terá que esperar ‘muitotempo’, uns dois ou três anos”.Nessa hipótese, o acordo, a partir de uma proposta de redução dovalor efetivamente devido, é apenas um calote chancelado pelo PoderJudiciário. O direito reconhecido precisa ser satisfeito integralmente. Osacordos com renúncia de parcela dos valores devidos somente teriamlugar quando há margem de dúvi<strong>da</strong> sobre algum aspecto que compõe odireito a ser satisfeito. Por exemplo: se não há certeza sobre a <strong>da</strong>ta doinício <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de, então é razoável que as partes transijam acercado início do cálculo <strong>da</strong>s diferenças pretéritas.Considerações finaisCom essas considerações, ao tempo em que festejo a alvissareira ini-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 39


ciativa do CNJ ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamentoadequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário,promovendo e incentivando a ampliação, por essa via, do acesso à ordemjurídica justa, auguro um novo tempo para as práticas autocompositivas,enquanto sucedâneas <strong>da</strong> tutela jurisdicional dos direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>desocial, para que:1. as conciliações passem a ser a técnica preferencial de solução dosconflitos judicializados ou não;2. o papel dos juízes e conciliadores seja marcado pela busca de soluçõesconsensuais mais justas, de forma a conferir maior legitimi<strong>da</strong>deàs práticas conciliatórias;3. os valores objeto dos acordos, observa<strong>da</strong>s as variáveis antes cita<strong>da</strong>s,fiquem o mais próximo possível do valor efetivamente devido;4. sendo incontroverso o pedido, haja reconhecimento <strong>da</strong> procedênciado pedido ou antecipação <strong>da</strong> tutela (art. 273, § 6°, do CPC);5. não seja a demora patológica do processo argumento a pressionar oautor para abrir mão de parcela considerável do seu direito na audiênciaconciliatória.40R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


A eleição do conselho fiscal na socie<strong>da</strong>de anônima(comentário ao art. 161, § 4º, a, <strong>da</strong> Lei nº 6.404/76)Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz *“(...) todo início de socie<strong>da</strong>de é despreocupado e fácil como uma lua de mel.As incompreensões surgem depois, sobrevêm, às vezes, violentamente. No atode contratar, poucos serão os sócios que atentam para certas particulari<strong>da</strong>desdo contrato social. A regra é a facili<strong>da</strong>de e a confiança mútua. As cláusulas,especialmente as cláusulas mais cheias de riscos, só adquirem significado como decurso do tempo, à medi<strong>da</strong> que a experiência pessoal lhes vai revelando oconteúdo.” (RF, v. 98/570)Miguel RealeCom efeito, tanto a Lei nº 6.404/76 como a lei anterior – arts. 161,§ 4º, a, e 125 do Decreto-Lei nº 2.627/40 – consignam a regra assegurandoaos acionistas titulares de ações preferenciais e aos dissidentesou minoritários o direito de comparecer à assembleia geral e eleger, emvotação em separado, ca<strong>da</strong> grupo, um membro do conselho fiscal e orespectivo suplente.É este o teor do art. 161, § 4º, a, <strong>da</strong> Lei nº 6.404/76, verbis:“Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento,de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido deacionistas.(...)§ 4º Na constituição do conselho fiscal serão observa<strong>da</strong>s as seguintes normas:*Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 41


a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terãodireito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igualdireito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez porcento) ou mais <strong>da</strong>s ações com direito a voto;”Trata-se, pois, de um direito intangível do acionista que lhe permitefiscalizar, na forma <strong>da</strong> lei, a gestão dos negócios sociais.Dessa forma, sequer os estatutos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima, ou mesmodeliberação <strong>da</strong> assembleia geral, poderão privar qualquer acionista dessedireito.Verificando-se tal ilegali<strong>da</strong>de, impõe-se a intervenção judicial, semprediscreta, sem comprometer a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima.Nesse sentido, o voto do Justice Brandeis, no célebre case Ashwanderv. Tenessee Valley Authority, julgado pela Suprema Corte em fevereirode 1936, verbis:“Within recognized limits, stockholders may invoke the judicial remedy to enjoin acts ofthe management which threaten their property interest. But they cannot secure the aid of acourt to correct what appear to them to be mistakes of judgment on the part of the officers.Courts may not interfere with the management of the corporation, unless there is bad faith,disregard of the relative rights of its members, or other action seriously threatening theirproperty rights.” (In Supreme Court Reporter. St. Paul, Minn.: West Publishing, 1936. v.56. p. 481)Da mesma forma, a lição de Louis Fredericq, in Précis de DroitCommercial. Bruxelles: Émile Bruylant, 1970. p. 391-2, nº 357, verbis:“Si l’assemblée générale a délibéré en violation des formalités légales ou statutaires, lanullité de la décision peut être poursuivie en justice. Comme la loi n’édicte aucune sanctionexpresse, les juges appréciant librement ne prononceront la nullité que lorsque l’omissiondes formalités vicie essentiellement la décision prise, de manière telle qu’un nouveau scrutinpourrait altérer le résultat du premier.S’il est vrai qu’en principe, une décision acquise en observant les formalités légales et lalettre des statuts lie la minorité, encore ne faut-il pas que la majorité exerce sa suprématieà des fins essentiellement égoïstes. En matière de sociétés aussi, la bonne foi s’impose, etle juge constatant des abus de majorité a le devoir de réduire à néant les décisions quitrahissent l’intérêt collectif en lésant injustement les associés opposants.”Na mesma esteira, o pronunciamento de Pierre Coppens, in L’Abusde Majorité <strong>da</strong>ns les Sociétés Anonymes. Louvain: René Fonteyn, 1947.p. 10-1, nº II, verbis:42R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


“De bonne foi les actionnaires majoritaires peuvent voter des résolutions malencontreuses.Errare humanum est. Il ne serait pas admissible de recourir en justice contre cesdélibérations. Mais s’il est établi que la majorité ne s’est prononcée que pour se réserverdes avantages anormaux, la décision ne peut alors être considérée comme inattaquable.Afin de protéger les droits des minorités, la loi a prévu certaines garanties d’ordreformel: mode et délai de convocation aux assemblées sociales, conditions de quorum etde majorité, conditions de tenue des délibérations. A l’usage, ces garanties ne se sont pasaffirmées suffisantes. Les délibérations doivent aussi pouvoir se réclamer d’une régularitéintrinsèque, c’est-à-dire ne pas comporter une exploitation de la minorité des associés.”Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, Dominique Schmidt, in Les Droits de la Minorité<strong>da</strong>ns la Société Anonyme. Paris: Sirey, 1970. p. 175, nº 232; Henry W.Ballantine, in Cases and Materials on the Law of Corporations. Chicago:Callaghan, 1939. p. 289-290; A. Berle, Corporate Power as Powers inTrust, in Harvard Law Review, v. XLIV, 1930-1, p. 1.049-1.074; WillianH. Fain, Limitations of the Statutory Power of Majority Stockholdersto Dissolve a Corporation, in Harvard Law Review, v. XXV, 1911-2, p.677-690.No que diz respeito ao procedimento a ser adotado pela socie<strong>da</strong>deanônima para proceder à eleição de membros do seu Conselho Fiscal, nostermos do disposto no art. 161, § 4º, “a”, <strong>da</strong> Lei nº 6.404/76, deliberouo Eg. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> ao julgar o RE nº 92.609-GO, sendorelator o Ministro Thompson Flores, verbis:“Socie<strong>da</strong>de Anônima. Ação visando à declaração de nuli<strong>da</strong>de de assembleias que elegeramo Conselho Fiscal (25.04.77) e a nova diretoria (02.05.78) e aprovou o novo EstatutoSocial (31.10.77). Medi<strong>da</strong> cautelar deferi<strong>da</strong>. Deman<strong>da</strong>s acolhi<strong>da</strong>s em ambas as instâncias.II. Recurso só em parte conhecido e provido para vali<strong>da</strong>r a assembleia de 25.04.77 e,consequentemente, a eleição do Conselho Fiscal.1. Incabível a irresignação ao atacar a decisão proferi<strong>da</strong> em procedimento cautelar.Incidência do R.I., art. 308, V, desisti<strong>da</strong> que foi a arguição de relevância.2. Negativa de vigência dos arts. 20, 37, caput, e 39 do CPC, bem como dos artigos 122e 296, § 1º, <strong>da</strong> Lei 6.404/76, não reconheci<strong>da</strong>.3. Igualmente do art. 153 do Código Civil, não ventilado nas decisões impugna<strong>da</strong>s(Súmula 282 e 356).4. Os titulares de ações preferenciais – sem direito a voto, ou com voto restrito –, e osacionistas minoritários que representem, em conjunto, 10% (dez por cento), ou mais, <strong>da</strong>sações com direito a voto, têm o direito de comparecer à Assembleia Geral e eleger, emvotação em separado, ca<strong>da</strong> grupo, um membro do Conselho Fiscal e respectivo suplente.Negativa de vigência dos arts. 161, § 4º, a, <strong>da</strong> Lei 6.404/76 e 125 do DL 2.627/40.5. A divisão <strong>da</strong>s ações ordinárias de Companhia de capital fechado em classes diversasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 43


é facultativa. Inocorrência de negativa de vigência ao art. 16 <strong>da</strong> Lei 6.404/76.6. Dos Estatutos <strong>da</strong> Companhia, forma<strong>da</strong> também com ações preferenciais, constarão,obrigatoriamente, as vantagens e preferências atribuí<strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong> classe dessas ações, bemcomo as restrições a elas impostas; é, entretanto, facultativa a previsão referente ao direitode resgate, amortização, conversão de uma classe em outra ou em ordinárias, e dessas empreferenciais, hipótese em que fixará as respectivas condições. Negativa de vigência do art.19 <strong>da</strong> Lei 6.404/76 despreza<strong>da</strong>.” (In RTJ 99/766)Nesse julgamento, após transcrever excertos de autoriza<strong>da</strong> doutrina,o eminente Ministro Cunha Peixoto profere substancioso voto nestestermos, verbis:“8 – A lei anterior, como a atual, sobre socie<strong>da</strong>de anônima, atribuiu à minoria dissidentee aos acionistas preferenciais o direito à eleição de membro no conselho fiscal. Dizia o art.125 do Decreto-Lei nº 2.627, de 1940:‘É assegurado aos acionistas dissidentes, que representarem um quinto ou mais docapital social, e aos titulares de ações preferenciais o direito de eleger, separa<strong>da</strong>mente, umdos membros do conselho fiscal e o respectivo suplente.’Esse dispositivo foi reproduzido, com pequena modificação – que não importa no casosubjudice na letra a do § 4º do art. 161 <strong>da</strong> Lei nº 6.604/76, de 1976:‘Na constituição do conselho fiscal serão observa<strong>da</strong>s as seguintes normas:a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terãodireito de eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente; igual direitoterão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento)ou mais <strong>da</strong>s ações com direito a voto.’Verifica-se que os acionistas preferenciais sem direito a voto e os ordinários dissidentestêm direito a eleger, separa<strong>da</strong>mente, respectivamente, um membro de ca<strong>da</strong> Classe. Mas oque eles têm direito é de eleger um desses membros, e não o de indicar o nome para quea maioria o faça. Esses elementos são eleitos; nas preferenciais, pelo voto <strong>da</strong> maioria dostitulares dessas ações; e, quanto aos dissidentes com direito à eleição, ocorre pelo voto <strong>da</strong>maioria destas. De to<strong>da</strong> maneira, é necessária sempre a eleição e, consequentemente, ocomparecimento dos titulares dessas ações na assembleia geral. Essa, aliás, é a opinião detodos os comentadores, quer <strong>da</strong> lei antiga, quer <strong>da</strong> atual. Mencionaremos apenas os escritorestrazidos à colação pelo acórdão recorrido. Trajano de Miran<strong>da</strong> Valverde, em escólio ao art.125 do Decreto-Lei nº 2.627/40, escreveu:‘O art. 78 incluiu, entre os direitos intangíveis do acionista, o de fiscalizar, pela formaestabeleci<strong>da</strong> na lei, a gestão dos negócios sociais. Nem os estatutos, nem a assembleia geral,poderão privar qualquer acionista desse direito. Mais, ain<strong>da</strong>: os meios, processos ou ações quea lei dá ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelos estatutos.Para assegurar a realização desse direito, o decreto-lei estabeleceu a norma do art. 125,que não é senão o meio pelo qual os acionistas dissidentes, que representam um quinto oumais do capital social, e os titulares de ações preferenciais poderão eleger, separa<strong>da</strong>mente,44R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


um dos membros do Conselho Fiscal e o respectivo suplente.’ (Socie<strong>da</strong>des por Ações, v.II, p. 351, nº 651)Wilson Batalha, comentando o art. 161 <strong>da</strong> atual lei, estabelece:‘Não se admite voto múltiplo para eleição dos conselheiros fiscais. Entretanto, os titularesde ações preferenciais, sem direito a voto, ou com direito a voto restrito (art. 111),poderão eleger, em votação em separado, na própria assembleia geral (sem necessi<strong>da</strong>de deassembleia especial), um membro e respectivo suplente. Igual direito terão os acionistasminoritários representando, em conjunto, dez por cento ou mais <strong>da</strong>s ações com o direitoa voto. Os outros acionistas elegerão igual número mais um, desde que sejam titulares dedireito de voto.’ (Comentários à Lei de Socie<strong>da</strong>des Anônimas, v. II, p. 743)O acórdão trouxe também à colação o ensinamento de Romano Cristiano. Vejamos oque diz esse comentarista:‘A constituição do conselho fiscal deverá obedecer às seguintes normas:a) os acionistas minoritários, desde que representem 10% ou mais do capital votante,poderão eleger um membro e respectivo suplente, em votação em separado;b) os acionistas preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito – se houver – poderãoeleger outro membro e respectivo suplente, também em votação em separado;c) os demais acionistas com direito a voto elegerão os membros restantes e respectivossuplentes, que deverão ser em número igual aos já eleitos, mais um.’ (Nova Estrutura <strong>da</strong>Socie<strong>da</strong>de Anônima, p. 144)Portanto, todos os membros do conselho fiscal – representantes <strong>da</strong> maioria, dos acionistassem direito a voto e <strong>da</strong> minoria dissidente – são eleitos na assembleia geral ordinária, comojá acentuávamos em comentários ao Decreto-Lei nº 2.627/40, verbis:‘Se, por ocasião <strong>da</strong> eleição dos membros do conselho fiscal, se verificar a existência deacionistas dissidentes, representando, no mínimo, um quinto do capital social, e acionistaspreferenciais que desejam eleger, separa<strong>da</strong>mente, seus representantes, a Mesa determinará,inicialmente, a eleição do representante ou representantes <strong>da</strong> maioria e, em segui<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong>um por sua vez, o <strong>da</strong> minoria e dos acionistas preferenciais.’ (Carlos Fulgêncio <strong>da</strong> CunhaPeixoto, in Socie<strong>da</strong>de por Ações, v. IV, p. 137, nº 997)Para que os acionistas preferenciais e titulares de ações ordinárias dissidentes tenhamum membro no conselho fiscal, precisam comparecer à assembleia ordinária e eleger seuscandi<strong>da</strong>tos.Ora, como se verifica, o autor, ora recorrido, não compareceu à sessão ordinária de25.04.77 (fl. 19) e, portanto, não poderia eleger seu candi<strong>da</strong>to. Limitou-se ele a escreverduas cartas, uma <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 24 de março e outra de 19 de abril, indicando nomes para oConselho Fiscal e suplentes. Na primeira, mencionava dois nomes; e na segun<strong>da</strong>, três,substituindo um <strong>da</strong> primeira.Por aí se verifica que queria ter um elemento, no Conselho Fiscal, como representante<strong>da</strong>s preferenciais; e outro como dissidente.O quórum para a eleição <strong>da</strong>quele seria o <strong>da</strong> maioria presente à assembleia, uma vez queela enfeixava a maioria de ações preferenciais e, assim, o direito seria dela, e não do recor-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 45


ido, de eleger esse fiscal. Ele próprio informa que, mesmo nesse particular, é minoritário.Para ter um representante no Conselho Fiscal como dissidente, seria indispensável queo autor, ora recorrido, tivesse comparecido à assembleia geral e votado em seu candi<strong>da</strong>to.A lei exige a eleição, e não simples indicação, não sendo a maioria obriga<strong>da</strong> a <strong>da</strong>r seuvoto à pessoa indica<strong>da</strong> pelo acionista ou pelos acionistas dissidentes, mesmo que essestenham o percentual que lhes conferiu tal direito.Não houve, pois, violação do art. 161 <strong>da</strong> Lei sobre Socie<strong>da</strong>de Anônima. Ao contrário,tendo a sentença, apoia<strong>da</strong> pelo acórdão recorrido, dispensado a eleição para que os titulares<strong>da</strong>s preferenciais e o acionista tivessem um elemento no Conselho Fiscal, ela, sim, é queviolou, expressamente, frontalmente, o § 4º, letra a, do art. 161 <strong>da</strong> Lei nº 6.404, de 1976.Nessa parte, pois, merece conhecimento e provimento o recurso, para que se restabeleçao disposto na Assembleia de 25.04.1977.” (In RTJ 99/776-8)Dessa forma, o que é assegurado pelo art. 161, § 4º, a, <strong>da</strong> Lei nº6.404/76 aos acionistas preferenciais, sem direito a voto, e aos ordináriosdissidentes é o direito a eleger, separa<strong>da</strong>mente, um membro de ca<strong>da</strong>classe e o respectivo suplente, e não simplesmente o de indicar o nomepara que a maioria o faça.Impõe-se, pois, o comparecimento dos titulares dessas ações à assembleiageral e, via de consequência, a eleição de seus candi<strong>da</strong>tos pelosacionistas ali presentes.A Lei nº 6.404/76 requer a eleição, e não a simples indicação, consoantedecidido pelo Pretório Excelso no RE nº 92.609-GO, não sendoa maioria obriga<strong>da</strong> a meramente chancelar o nome <strong>da</strong> pessoa indica<strong>da</strong>pelo acionista dissidente ou pelos acionistas dissidentes, ou mesmo pelosacionistas minoritários que representem, em conjunto, 10% ou mais <strong>da</strong>sações com direito a voto, ain<strong>da</strong> que esses possuam o percentual que lhesconcedeu tal direito.Non ex regula jus sumatur, sed ex jure, quod est, regula fiat.Essa é a lição <strong>da</strong> doutrina mais autoriza<strong>da</strong> (Trajano de Miran<strong>da</strong> Valverde,in Socie<strong>da</strong>de por Ações, v. II, p. 351, nº 651; Wilson de SouzaCampos Batalha, in Comentário à Lei de Socie<strong>da</strong>des Anônimas, Forense,1977, v. II, p. 743; Min. Carlos F. Cunha Peixoto, in Socie<strong>da</strong>de por Ações,v. IV, p. 137, nº 997; Fran Martins, in Comentários à Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>desAnônimas, 2. ed., Rio: Forense, 1984, v. 2, Tomo I, p. 424, nº 715;Modesto Carvalhosa, in Comentários à Lei de Socie<strong>da</strong>des Anônimas, 5.ed., Saraiva, 2011, v. 3, p. 514-516).Ademais, o legislador, por meio do mencionado dispositivo legal,46R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


visou, também, a integrar os acionistas minoritários na administração<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, procurando evitar o lamento de Pierre Vigreux, quandoregistrou em obra já clássica, verbis:“(...) les actionnaires ont donc pris l’habitude, d’une façon quasi générale, de ne pasassister aux assemblées des sociétés <strong>da</strong>ns lesquelles ils ont une participation. Tel est le fait.Mais, en se comportant ainsi, ils renonçaient à exercer l’une des prérogatives essentiellesque leur donnait la propriété de leurs actions: celle qui consiste à exercer le pouvoirsouverain qui, <strong>da</strong>ns les sociétés anonymes, est dévolu au capital.Ne pas assister à l’assemblée générale des actionnaires, ce n’est pas seulement ne pasrépondre à une convocation. C’est renoncer au droit de venir demander des explicationsau conseil d’administration, à celui de formuler des critiques ou des suggestions, à celuisurtout enfin de voter éventuellement contre les décisions qui seront soumises à l’assemblée.Si l’abstentionnisme n’était que le fait exceptionnel d’un nombre limité d’actionnaires,il n’aurait guère d’importance pratique. Mais dès l’instant qu’il se généralisait, il devaitavoir une incidence directe et considérable sur le fonctionnement des sociétés anonymes.Ce pouvoir des actionnaires est ainsi tombé en désuétude. Non pas qu’il n’existe plus endroit; mais simplement parce qu’il n’est plus exercé en fait.” (In Les Droits des Actionnaires<strong>da</strong>ns les Sociétés Anonymes. Paris: R. Pichon et R. Durand-Auzias, 1953. p. 36-7, § 1º)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 47


Pressupostos hermenêuticos para o contemporâneoDireito Civil brasileiro: elementos para uma reflexãocrítica * Luiz Edson Fachin **Uma palavra inicial de agradecimento e de congratulações se impõe.De uma parte, expresso gratidão pela honra de ombrear a abertura <strong>da</strong>sJorna<strong>da</strong>s ao lado do pensamento vivo do Direito Civil, iluminado pelavoz dos juristas de nomea<strong>da</strong> que, acedendo ao convite do Ministro JoãoOtávio de Noronha, aqui pontificam. Gratificado estou para aqui apresentarsingela reflexão que humildemente trago à colação.Registro, outrossim, a exemplar iniciativa e a oportuni<strong>da</strong>de de recolocarna cena do debate a posição sobranceira do governo jurídico <strong>da</strong>srelações interpriva<strong>da</strong>s. É nesse contexto que emerge o relevo <strong>da</strong> interpretação,do papel do intérprete e <strong>da</strong> função dos princípios.O significado de hermenêutica, como se sabe, está para além de*Palestra proferi<strong>da</strong> no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça – abertura <strong>da</strong>s V Jorna<strong>da</strong>s de Direito Civil – apresentaçãoem 08.11.11. O autor registra o agradecimento ao pesquisador acadêmico Felipe Frank pela contribuiçãocom as pesquisas que consubstanciaram o presente estudo, ao pesquisador acadêmico Rafael Corrêa peloauxílio na sistematização <strong>da</strong>s reflexões aqui expostas e ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Pianovski pelo intercâmbiode ideias.**Professor Titular de Direito Civil <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> UFPR (Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> do Paraná),Mestre e Doutor em Direito <strong>da</strong>s Relações Sociais pela PUC/SP (Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de SãoPaulo), pós-doutorado no Canadá pelo Ministério <strong>da</strong>s Relações Exteriores do Canadá. Atuou como colaboradorno Senado <strong>Federal</strong> na elaboração do novo Código Civil brasileiro.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 49


elacioná-la à acepção semiológica de pura e simples interpretaçãode signos ou à concepção jurídica de conjunto de regras e princípiosinterpretativos. Não se pode reduzir, etimologicamente, tal apreensãocomo sendo a “arte de interpretar” relaciona<strong>da</strong> tão somente ao estudogramatical e retórico.Impende, então, problematizar o proceder que quer restringir ahermenêutica a cânones científicos determináveis, ou ain<strong>da</strong>, que querreduzir, no sistema jurídico, a hermenêutica a ter vez apenas quandodo surgimento de uma “lacuna normativa”, ou mesmo quando almeja,ain<strong>da</strong>, equivaler hermenêutica à interpretação, implicando ou não equivoci<strong>da</strong>deelementar.Assim, tem sentido investigar em que medi<strong>da</strong> isso pode contribuirpara uma hermenêutica jurídica diferencia<strong>da</strong>, liga<strong>da</strong> à percepção civil--constitucionalista de índole prospectiva cujo devir encontra-se orientadopela aletheia de conceitos e relações jurídicas submetidos à contraprovahistórica <strong>da</strong> concretude, visando sempre à promoção do ser como humanode necessi<strong>da</strong>de e liber<strong>da</strong>de, constituído dialeticamente por intermédiode sua própria ação.Anima esse horizonte sustentar a constitucionalização prospectiva deuma hermenêutica emancipatória do Direito Civil brasileiro.Em ver<strong>da</strong>de, para fins de breve contextualização, impende registrarque a pretensão emancipatória que já informava a Moderni<strong>da</strong>de deulugar, sob muitos aspectos, ao paradoxo <strong>da</strong> negação do humano. A razãomoderna, que, ao contrário do legado pela filosofia grega, acaboupor se reduzir, quase que exclusivamente, a uma razão instrumental,conduz todo o saber a um viés cientificista. A crença na previsibili<strong>da</strong>dee na possibili<strong>da</strong>de de controle dos eventos reduz o saber a uma noçãode ciência que abstrai o objeto e o sujeito, como entes entre os quais háinafastável cisão.Essa razão instrumental é linear, traçando puramente uma relaçãodireta entre meios e fins.A pretensão de controle e previsibili<strong>da</strong>de, supostamente asseguradospela racionali<strong>da</strong>de instrumental, constitui a bússola do pilar regulatório<strong>da</strong> Moderni<strong>da</strong>de, que se espraia por todos os saberes – o direito inclusive.Com efeito, o jurídico, em sua construção moderna, apesar <strong>da</strong>quelapretensão emancipatória, foi estruturado sob essa razão instrumental50R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


egulatória que tem por objetivos centrais a previsibili<strong>da</strong>de e a segurança.É discurso por demais conhecido, e repetido à exaustão, o de que oDireito teria, então, por função assegurar a “paz social”. Trata-se de reflexo<strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de regulatória, que em nome de uma “paz” – sobre aqual não se questiona a quem se destina – estrutura um modelo de direitofun<strong>da</strong>do em conceitos estáveis e em uma pretensão de neutrali<strong>da</strong>de dooperador jurídico.O ser humano concreto transforma-se em meio para essa estabili<strong>da</strong>de,na medi<strong>da</strong> em que não é ele o fim último: o fim se apresenta na abstraçãodo <strong>da</strong>do formal a que se denomina “segurança jurídica”.Não se nega, por óbvio, que a segurança jurídica seja valor relevante,até mesmo como instrumento <strong>da</strong> tutela <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa. Oproblema se situa na inversão de valores que faz <strong>da</strong> segurança formalprincípio supremo, corolário <strong>da</strong> clivagem “real versus abstrato” a que acisão <strong>da</strong> razão moderna conduziu o modelo de direito sob ela constituído.No que respeita especificamente ao Direito Civil, três foram os caracteresfun<strong>da</strong>mentais construídos com base nesse “racionalismo” fun<strong>da</strong>doem uma razão instrumental: individualismo, patrimonialismo e abstração.Foi o tripé de base que se projetou para o governo jurídico <strong>da</strong>s relaçõesinterpriva<strong>da</strong>s, especialmente na doutrina e nos modelos de codificação.Tal sistema, na<strong>da</strong> obstante, recebeu e recebe as vicissitudes <strong>da</strong> compreensãoe <strong>da</strong> interpretação. É que a questão <strong>da</strong> existência humana precedeo pensar (existo, logo penso), conformando aquilo que se define por<strong>da</strong>s sein (ser-aí). 1 O homem, assim, não é um sujeito, mas o conjuntohomem-mundo em um <strong>da</strong>do tempo; o homem apenas existe se presenteno mundo e se estiver nele inserto em um <strong>da</strong>do tempo.Ser, portanto, é um problema temporal, e não puramente espacial.Concebido em um todo que abarca o ente, e, portanto, o espaço, o ser temuma dimensão histórica, segundo a qual o homem se coloca na históriapor meio <strong>da</strong> linguagem. 2 O ser se manifesta pela cultura, cultiva<strong>da</strong> pela1A hermenêutica, para Heidegger, compreende a interpretação do objeto ente pela preconcepção do intérpreteser, que só existe enquanto tal em um <strong>da</strong>do tempo. Assim, a hermenêutica se revela como fenômeno <strong>da</strong>existência do ser, que abarca ontologicamente a totali<strong>da</strong>de por traduzir o universo ente pela compreensão dosujeito ser. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte II. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 149.2Idem, 2005. p. 219-220.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 51


linguagem, e que se traduz como uma questão aberta, inclausurável. 3O desenvolvimento dessas ideias evidenciou que a hermenêutica é umprocesso que está para além do puro e simples interpretar, pois transcendeo texto escrito, compondo um colóquio dialético entre leitor e texto. 4Nesse sentido a hermenêutica conforma um fenômeno interpretativocomo compreensão do ser, e não apenas um método que orienta a interpretaçãogenérica visando à obtenção de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de.Restringir, desse modo, a hermenêutica aos cânones objetivos e fechados<strong>da</strong> ciência implica reduzir-lhe a abrangência, limitar-lhe o diálogopara com o texto e, por consequência, torná-la menos dúctil, barrandoo seu potencial transformador e emancipatório como compreensão dopróprio sujeito.Se fechado e hermético for o sistema, o rol de possibili<strong>da</strong>des interpretativasmostrar-se-á insuficiente à complexi<strong>da</strong>de fática <strong>da</strong> questãosob análise, conduzindo à injustiça. E, se aberto for, duas ponderaçõessão possíveis.Primeiramente, o sistema pode se revelar aberto àquilo que ele nãopôde abarcar, <strong>da</strong>ndo-se azo a uma lacuna que deverá ser colmata<strong>da</strong> porcritérios hermenêuticos. 5 Em segundo lugar, um sistema pode se revelaraberto por uma hermenêutica dialética, que submete perenemente as regrasaos princípios constitucionais e à contraprova <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, tornando3Uma vez que a linguagem fenomenológica preenche-se pela intuição, “remonta as experiências de pensamentorelativas ao mundo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que estão sedimenta<strong>da</strong>s na linguagem, que originariamente tambémresidiam à base <strong>da</strong> conceptuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tradição”. GADAMER, Hans-Georg. Heidegger e a linguagem. In:Hermenêutica em retrospectiva. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 27.4Segundo Ga<strong>da</strong>mer, isso ocorre porque a hermenêutica sintetiza um processo inerente ao saber humano eque tem por escopo uma pré-compreensão liga<strong>da</strong> à existência humana. GADAMER, Hans-Georg. Ver<strong>da</strong>dee Método. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 403.5Esses critérios referem-se à hermenêutica enquanto método, o que não é objeto do presente trabalho,entretanto seguem aqui arrola<strong>da</strong>s as diferentes técnicas interpretativas menciona<strong>da</strong>s por Lenio Streck: “a)remissão aos usos acadêmicos <strong>da</strong> linguagem (método gramatical); b) apelo ao espírito do legislador (métodoexegético); c) apelo ao espírito do povo; apelo à necessi<strong>da</strong>de (método histórico); d) explicitação dos componentessistemáticos e lógicos do direito positivo (método dogmático); e) análise de outros sistemas jurídicos(método comparativo); f) idealização sistêmica do real em busca <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptabili<strong>da</strong>de social (método <strong>da</strong> escolacientífica francesa); g) análise sistêmica dos fatos (método do positivismo sociológico); h) interpretaçãoa partir <strong>da</strong> busca <strong>da</strong> certeza decisória (método <strong>da</strong> escola do direito livre); i) interpretação a partir dos fins(método teleológico); j) análise linguística a partir dos contextos de uso (método do positivismo fático);1) compreensão valorativa <strong>da</strong> conduta por meio <strong>da</strong> análise empírico-dialética (egologia); m) produção deconclusões dialéticas a partir de lugares (método tópico-retórico).” STRECK, Lenio Luiz. HermenêuticaJurídica e(m) crise. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 98.52R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


quase que impossível a predeterminação do conjunto de possibili<strong>da</strong>desinterpretativas.No Brasil, com a vira<strong>da</strong> hermenêutica do final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, 6conferiu-se abertura semântica ao Direito, passando-se a valorizar a heterogenei<strong>da</strong>desocial, a força criativa dos fatos e o pluralismo jurídico,cuja síntese normativa somente se revelou possível pela reestruturação<strong>da</strong> concepção dos princípios.Abre-se aqui uma especial atenção aos princípios.Por meio deles é possível verificar que o Direito é um sistemaaberto, mas não só. É um sistema dialeticamente aberto, quedeve ser compreendido por meio de uma hermenêutica crítica,que submete as regras aos preceitos constitucionais, destacando--se o princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, e à contraprova<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.Assim, a crescente importância <strong>da</strong> filosofia e a vertiginosavalorização dos princípios não tar<strong>da</strong>ram a influenciar a hermenêuticacivilista, ganhando, rapi<strong>da</strong>mente, força e voz. Dentrodo Direito Civil, não seria exagero considerar essa reviravoltahermenêutica ver<strong>da</strong>deira Vira<strong>da</strong> de Copérnico.Nesse sentido, mais do que interpretar harmonicamente as leisconstitucionais e infraconstitucionais, a compatibilização do CódigoCivil e <strong>da</strong>s demais leis à Constituição <strong>Federal</strong> compreendehoje uma “teoria <strong>da</strong> interpretação inspira<strong>da</strong> no personalismo ena proeminência <strong>da</strong> justiça sobre a letra dos textos”, 7 cuja contribuiçãosintetiza uma dupla tentativa: de superar o tecnicismopositivista e de relê-lo criticamente, à luz de experiências práticase culturais.A essa tentativa dúplice deve ser acrescentado um dever queestá para além dos cânones hermenêuticos rigi<strong>da</strong>mente concebidos,compondo um dever de práxis, de aplicação prática dosprincípios e <strong>da</strong>s normas constitucionais, cujos limites transcendemo mero raciocínio silogístico de subsunção para compor uma6BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Unisinos; Riode Janeiro: Renovar, 2006. p. 395.7PERLINGIERI, Pietro. O estudo do direito e a formação do jurista. In: O direito civil na legali<strong>da</strong>de constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 54.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 53


lógica inversa, segundo a qual o fato informa a norma, e não o contrário. 8Tomando-se por base a hermenêutica de Ga<strong>da</strong>mer, quando um juizinterpreta uma norma – que, geral como é, “não pode conter em si a reali<strong>da</strong>deprática com to<strong>da</strong> sua correção” 9 –, a<strong>da</strong>ptando-a aos anseios de umnovo tempo, ele está a resolver um problema prático, o que não significaque sua hermenêutica é arbitrária ou relativa. Pautando-se em Aristóteles,Ga<strong>da</strong>mer afirma que “o justo também parece estar determinado num sentidoabsoluto, pois está formulado nas leis e contido nas regras gerais decomportamento <strong>da</strong> ética, que, apesar de não estarem codifica<strong>da</strong>s, mesmoassim têm uma determinação precisa e uma vinculação geral”. 10Leis, tratados, convenções, decretos e regulamentos devem ser conhecidospelo jurista não apenas em sua literali<strong>da</strong>de, mas sob uma hermenêuticaaprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, funcionaliza<strong>da</strong> e aplicativa, guia<strong>da</strong> pelo axioma<strong>da</strong> promoção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana na permanente dialéticaentre a norma e o fato, entre o formal e o social, cujo resultado, ain<strong>da</strong> queeventualmente imprevisível, resulta na constante renovação do Direito.Ignorar a reali<strong>da</strong>de no estudo do Direito é negar a própria ciênciajurídica, uma vez que esta não se encerra em um conjunto de regras eprincípios interconectados. O Direito compõe-se de uma função ordenadorapara arquitetar a estrutura de um todo maior, denominado estruturasocial ou reali<strong>da</strong>de normativa. 11 Nessa direção, “é indispensável quetanto o direito quanto a sua teorização não percam jamais o sentido <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de”. 12Embora o Direito pertença à superestrutura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, inolvidávelé o fato de que o Direito tem origem plúrima. Nesse sentido, “o direito éestrutura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, força promocional transformadora, [sendo que]entre direito e ciências sociais não há reprodução mecânica, mas dialética8Perlingieri afirma que a força de emancipação <strong>da</strong> praxe como tal se revela pelo direito material (em oposiçãoao direito formal), pela supremacia <strong>da</strong> Constituição material, pelos “atos que têm força de lei”. PERLIN-GIERI, Pietro. O estudo do direito e a formação do jurista. In: O direito civil na legali<strong>da</strong>de constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 55.9GADAMER, Hans-Georg. Ver<strong>da</strong>de e Método. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 473.10Ibidem. p. 472-473.11PERLINGIERI, Pietro. Complexi<strong>da</strong>de e uni<strong>da</strong>de do ordenamento jurídico vigente. In: O direito civil nalegali<strong>da</strong>de constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 170.12AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Sergio AntonioFabris. p. 54.54R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


contínua”. 13 Assim, o Direito está na socie<strong>da</strong>de sem nela se esgotar empura e simples normativi<strong>da</strong>de.Reconhecer as necessi<strong>da</strong>des do presente e incorporar ao Direitoaquilo que a socie<strong>da</strong>de e a cultura lhe têm para oferecer ain<strong>da</strong> no planohermenêutico, independentemente de apreensão legislativa, conforma,como já dito, um dever de práxis, o qual, na ativi<strong>da</strong>de do jurista, implicaa adequação <strong>da</strong> lei genérica e abstrata às necessi<strong>da</strong>des do presente e docaso sob análise.Tome-se como exemplo o princípio constitucional <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>pessoa humana, que pode incidir direta e imediatamente sobre as relaçõesde Direito Civil; não se afigura como sustentável a barreira dogmática queoutrora se pretendia erigir entre Constituição e Direito privado, segundoa qual somente se admitia a incidência do texto constitucional sobre asrelações interpriva<strong>da</strong>s por meio do “filtro” <strong>da</strong>s normas e dos princípiospróprios ao Direito Civil.À luz dessa ordem de ideias, revela-se inequívoca a repercussão doprincípio em tela na configuração do perfil contemporâneo dos pilaresde base do Direito Civil: contrato, proprie<strong>da</strong>de e família.Os direitos fun<strong>da</strong>mentais podem, assim, incidir direta e imediatamentesobre as relações interpriva<strong>da</strong>s, por meio de sua eficácia horizontal (oumesmo vertical, como bem ensina Ingo Sarlet, no pertinente aos poderesprivados).Com efeito, dúvi<strong>da</strong> não há de que a aplicação do princípio constitucional<strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana parte <strong>da</strong> tópica, uma vez que nãose trata de formular um conceito exauriente e abstrato de digni<strong>da</strong>de, mas,sim, zelar pela satisfação de necessi<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais que propiciemaos sujeitos o livre desenvolvimento de capaci<strong>da</strong>des individuais.Utilizar princípios, por certo, é admitir ponderação de valores “in concreto”e buscar superar a simples subsunção lógica em favor de métodosde decisão, pelo que não cabe, aqui, a postura mecanicista <strong>da</strong> clivagemdo discurso jurídico, <strong>da</strong> valoração a priori, <strong>da</strong>s respostas prêt à porter.De outro lado, não contrastam com essa racionali<strong>da</strong>de instrumentosde aplicação e repercussões diretas do princípio em tela para o DireitoCivil contemporâneo.A noção de que a norma jurídica se constrói topicamente não afasta13PERLINGIERI, op. cit., p. 172-173.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 55


a pertinência <strong>da</strong> sistematização.Nesse sentido, espera-se que a lei vincule todos por igual, mas, nocaso de aplicação, de concretização <strong>da</strong> lei, cabe ao intérprete e aplicadora complementação produtiva do direito por meio de uma ponderaçãojusta do conjunto que lhe foi apresentado. 14Dessarte, como a constituição do Direito se dá gra<strong>da</strong>tiva e dialeticamente,abarcando leis elabora<strong>da</strong>s em momentos histórico-ideológicosbastante distintos, busca-se uma hermenêutica crítica, que conceba noDireito a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, interpretando-o a partir de seus princípiose valores fun<strong>da</strong>mentais; uma hermenêutica não adstrita à formali<strong>da</strong>de,mas alarga<strong>da</strong> pela substanciali<strong>da</strong>de do ser humano e de sua digni<strong>da</strong>de.Remarque-se: como a hermenêutica está para além do puro e simplesinterpretar, uma vez que transcende o que está escrito, compondo umcolóquio dialético entre leitor e texto, premente se faz sua construção emum sistema dialeticamente aberto, que submeta perenemente as normasaos preceitos constitucionais e à contraprova <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.Por isso, reafirmamos: a hermenêutica conforma um fenômeno interpretativocomo compreensão do ser, ou seja, objetivar a hermenêuticae reduzi-la a método interpretativo implica diminuir a sua abrangência.Tendo por pressuposto essas compreensões, verifica-se que a maiorcontribuição trazi<strong>da</strong> ao Direito Civil contemporâneo por uma hermenêuticadiferencia<strong>da</strong> pode ser a consciência crítica e dialética para coma reali<strong>da</strong>de de uma hermenêutica que não é somente a interpretação domundo, mas também a sua transformação pelo próprio sujeito que neleestá inserto.Considerar, assim, o fato um elemento fenomenológico informador doordenamento jurídico importa reler a própria hermenêutica jurídica – aqual não pode ser vista separa<strong>da</strong>mente de uma teoria <strong>da</strong> compreensão,como se dela diferisse – para que se possa levar em conta não apenas anorma, o que inclui a própria Constituição, mas também a ação legítimado sujeito concreto como constituinte de sua própria personali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>história <strong>da</strong>queles com quem dialeticamente se relaciona.É somente por meio <strong>da</strong> hermenêutica como compreensão e açãoconstitutiva do próprio sujeito que se alcançará a imperiosa sensibili<strong>da</strong>dejurídica à renovação do Direito, reconhecendo-se as necessi<strong>da</strong>des14GADAMER, Hans-Georg. Ver<strong>da</strong>de e Método. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 489.56R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012


do presente e conformando-lhe um modo de olhar socialmente eficaz.É nessa via que sustentamos uma principiologia axiológica de índoleconstitucional, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> numa dimensão prospectiva <strong>da</strong> constitucionalizaçãodo Direito. São esses alguns dos aspectos que, no dia de hoje, aquitrazemos à colação, almejando a todos excelente proveito, no evento queprincipia balizado por intérpretes que vão beneplacitar um horizonte derelevo para a hermenêutica do Direito Civil brasileiro contemporâneo.Muito grato por vossa atenção.Referências bibliográficasALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica.In: Doxa n. 5. San Sebastián: Universi<strong>da</strong>d de Alicante, 1988.AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêuticajurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris.BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia do Direito.São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006.BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional. Rio deJaneiro: Renovar, 2003.______. Interpretação e aplicação <strong>da</strong> Constituição. São Paulo: Saraiva,1996.BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional.3. ed. São Paulo: Celso Bastos, 2002.CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistemana ciência do direito. Lisboa: Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian,1996.CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria <strong>da</strong> Constituição.6. ed. Coimbra: Almedina, 2002.COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Abril Cultural,1978. (Os Pensadores)DESCARTES, René. <strong>Discurso</strong> do Método – Quarta Parte. Disponívelem: .Acesso em: 18 jun. 2011.DWORKIN, Ronald. Is law a system of rules? In: The Philosophy ofLaw. New York: Oxford University Press, 1977.______. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 13-58, 2012 57


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DISCURSOS


<strong>Discurso</strong> * Otávio Roberto Pamplona **Sau<strong>da</strong>ções.Distinguiu-me a Presidência <strong>da</strong> Corte para, em nome do <strong>Tribunal</strong>,nesta sessão solene em que o seu Plenário se reúne para <strong>da</strong>r posse ao seumais novo membro, fazer a sau<strong>da</strong>ção ao Desembargador <strong>Federal</strong> JorgeAntonio Maurique.Com certeza, outros colegas, dotados de melhor capaci<strong>da</strong>de oratória,estariam mais aptos a cumprir esta honrosa missão.No entanto, estou certo de que a minha indicação se deveu mais aoslaços de fraterna amizade que tenho com o Desembargador Jorge Maurique,bem como à origem do empossado, o qual, conquanto nascido emsolo gaúcho, adotou o Estado de Santa Catarina para fazer a sua vi<strong>da</strong>,onde constituiu uma bela família, consolidou a sua carreira e, por isso,passa a compor este <strong>Tribunal</strong> na condição de mais um representante <strong>da</strong>magistratura federal catarinense.Declina<strong>da</strong>s as razões que imagino que tenham levado à minha escolha,inicio esta sau<strong>da</strong>ção, Senhora Presidente, fazendo referência a um fatoocorrido há mais de duas déca<strong>da</strong>s.*<strong>Discurso</strong> de sau<strong>da</strong>ção ao Desembargador <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique quando <strong>da</strong> sua posse no TRF<strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, em 24.02.2012.**Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 61


Era o ano de 1991, mais precisamente o seu primeiro semestre, quandofui promovido para o cargo de Promotor de Justiça titular na Comarca deItapiranga, no extremo oeste catarinense. A Associação Catarinense doMinistério Público tinha coordenadorias regionais, e uma delas era situa<strong>da</strong>naquelas plagas. Em razão de uma desavença havi<strong>da</strong> entre dois colegaspromotores de justiça, foi marca<strong>da</strong> uma reunião entre os promotores <strong>da</strong>região para tentar apaziguar os ânimos e restabelecer a harmonia entreos associados. O local <strong>da</strong> reunião: a Comarca de Maravilha.Ain<strong>da</strong> não conhecia todos os colegas, pois era novo na região. Feitasalgumas apresentações, a reunião se iniciou. Um dos participantes sedestacava pelas inúmeras e pertinentes manifestações. Expunha razõespara a aproximação dos desafetos, <strong>da</strong>va alguns conselhos, ponderava adesnecessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> animosi<strong>da</strong>de. Enfim, fez de tudo paraconciliar, expondo com muita segurança todos os motivos para que apaz se restabelecesse.Como eu não conhecia todos, inclusive aquele colega que, a essaaltura, já estava praticamente conduzindo os trabalhos, perguntei a umpromotor que se encontrava ao meu lado quem era o promotor que tantose manifestava.Para minha surpresa, a resposta foi a seguinte: “Pamplona, ele não éPromotor de Justiça, ele é o Juiz aqui de Maravilha, que mantém estreitoslaços com os promotores e juízes de direito aqui do oeste”.Senhora Presidente: quem era aquele Juiz de Direito que praticamente,para usar uma expressão bem popular, havia “roubado a cena” na reuniãode promotores? Jorge Antonio Maurique.Foram nessas circunstâncias que conheci o Maurique.Faço alusão a esse fato, senhoras e senhores, porque ele é bem representativo<strong>da</strong> figura ímpar que é o Maurique: uma pessoa irreverente;que está sempre de bem com a vi<strong>da</strong>; que tem uma facili<strong>da</strong>de de fazer emanter amizades; dotado de extrema perspicácia, inteligência e capaci<strong>da</strong>dede persuasão, apresentando-se, sem dúvi<strong>da</strong>, como um grande lídere conciliador.Feita essa introdução, que, a meu juízo, bem representa a figura humanaque é o Maurique, passo, na sequência, a narrar um pouco <strong>da</strong> suahistória.Com efeito.62R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


Jorge Antonio Maurique, nascido em junho de 1960 no municípiogaúcho de São Luiz Gonzaga, é o filho mais novo, de um total de oito, deJoão Maurique e Anita Pacheco Maurique. O seu João, atualmente com83 anos de i<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> exerce as funções de cartorário na locali<strong>da</strong>de deAlegrete, vivendo ao lado <strong>da</strong> dona Anita, companheira de déca<strong>da</strong>s, que,como guardiã do lar, criou os oito filhos <strong>da</strong>ndo-lhes a melhor formaçãomoral.Sobre a sua família, em particular sobre o seu pai e sobre o nossonovo Desembargador, me informou o seu irmão, o Advogado Assis BrasilMaurique, que seu pai era agricultor e,“incentivado por um Promotor de São Luiz Gonzaga, fez concurso para escrivão distrital.Esse Promotor lhe forneceu a matéria, e ele, que possuía uma mente privilegia<strong>da</strong>, estudoue tirou o primeiro lugar no referido concurso. E assim em todos os demais que prestou.Quanto ao Jorge, ele é meu irmão mais moço e também sempre teve uma inteligênciasuperior aos demais, sempre foi líder onde passou, era extremamente dedicado à leiturae, mais importante, sempre trabalhou. Destaco que, quando ele tinha cerca de 13/15 anos,começou a trabalhar como office-boy no escritório de advocacia do Dr. Miguel HamannPinheiro, em Porto Alegre.”Posteriormente, ain<strong>da</strong> segundo o seu irmão, trabalhou com ele comoestagiário no seu escritório de advocacia.Aqui em Porto Alegre, para onde se mudou aos doze anos de i<strong>da</strong>de,bacharelou-se, no ano de 1984, em Direito pela Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong>do Rio Grande do Sul. Após, formou-se no Curso de Especializaçãolato sensu de preparação à Magistratura, mantido pela Ajuris. Concluiu,agora em sede de pós-graduação, os créditos do Mestrado em Direitopela Universi<strong>da</strong>de do Sul de Santa Catarina – Unisul.Na vi<strong>da</strong> acadêmica, destacou-se, ain<strong>da</strong>, como docente. Foi professor(a) <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Sul de Santa Catarina – Unisul nas disciplinasde Direito Tributário e Processo Penal; (b) <strong>da</strong> Escola Superior <strong>da</strong> Magistratura<strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Associação dos Juízes Federais de Santa Catarinanas mesmas disciplinas; e, também, (c) <strong>da</strong> Escola <strong>da</strong> Magistratura Catarinense,manti<strong>da</strong> pela AMC. Lecionou, ain<strong>da</strong>, como professor convi<strong>da</strong>donos cursos de pós-graduação na Universi<strong>da</strong>de do Vale do Itajaí – Univalie no Cesusc, as disciplinas “Ações Tributárias” e “Tributos e ContribuiçõesFederais”.Ao lado dessas ativi<strong>da</strong>des docentes, proferiu inúmeras palestras sobreR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 63


os mais variados temas jurídicos, com ênfase, porém, nas áreas de DireitoPenal, Direito Tributário, Organização Judiciária e sobre Conselhos deFiscalização Profissional.Participou, como delegado do Estado Brasileiro, de vários encontrosde âmbito internacional.Tem vários artigos publicados em áreas especializa<strong>da</strong>s do Direitoe é coautor do livro, editado pela Revista dos Tribunais, Conselhos defiscalização profissional: Doutrina e Jurisprudência, coordenado peloDesembargador <strong>Federal</strong> aposentado deste <strong>Tribunal</strong> Vladimir Passos deFreitas.Foi Advogado privado e, posteriormente, aprovado em concursopúblico, atuou como Advogado <strong>da</strong> Cohab/RS.Logrando aprovação em concurso público, em 1987 iniciou a carreirade Juiz de Direito no Estado de Santa Catarina, sendo, à época, um dosmais novos juízes de direito do estado barriga-verde, atuando, inicialmente,como Juiz Substituto em várias comarcas, e, como juiz titular,nas comarcas de São Carlos, Maravilha, Caçador e Criciúma.Em 1993, também mediante aprovação em concurso público, tomouposse como Juiz <strong>Federal</strong> Substituto em Porto Alegre, tendo atuado comoJuiz Titular nas Subseções Judiciárias de Caxias do Sul e Porto Alegre,neste Estado, e como Juiz Titular nas Subseções Judiciárias de Criciúmae Florianópolis, sendo que, por último, estava lotado na 2ª Vara <strong>Federal</strong>do JEF Cível Adjunto de Criciúma.Foi Juiz Suplente do TRE/SC no biênio 2002/2004 e Juiz Titular domesmo <strong>Tribunal</strong> no biênio 2006/2008.Jurisdicionou, antes <strong>da</strong> sua promoção para o cargo de Desembargador,como juiz convocado neste TRF, no período de 2009/2011.Ocupou vários outros cargos de relevância, inclusive de natureza internacional,como o de Juiz de Ligação Haia-Brasil para a Convenção deHaia de 1980 e de Coordenador do Grupo de Haia, por indicação do STF.Participou, outrossim, como membro de relevantes comissões, deque são exemplos a Comissão de Altos Estudos <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>,coordenando o tema “Reforma <strong>da</strong> Previdência” (2003), e a ComissãoNacional de Erradicação do Trabalho Escravo <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República(2004/2006).Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, indicado pelo64R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


Egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, no biênio 2007/2009, órgão noqual teve destaca<strong>da</strong> e reconheci<strong>da</strong> atuação.Mas não é só. Ao lado <strong>da</strong> brilhante carreira acadêmica e profissional,o novo Desembargador, desde os tempos de estu<strong>da</strong>nte, teve intensaatuação política.Participou, em importante momento histórico <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política brasileira,no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, do movimento estu<strong>da</strong>ntil. Inclusive,ocupou o cargo de representante discente no Conselho Universitário <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> do Rio Grande do Sul.Após, já magistrado federal, em razão <strong>da</strong> sua reconheci<strong>da</strong> e destaca<strong>da</strong>atuação político-institucional e <strong>da</strong> invulgar capaci<strong>da</strong>de de liderança,galgou todos os postos de representação nas ativi<strong>da</strong>des associativas.Foi fun<strong>da</strong>dor e Presidente <strong>da</strong> Associação dos Juízes Federais de SantaCatarina, antigo Instituto dos Juízes Federais do nosso Estado, no biênio2001/2003.Foi Vice-Presidente, Secretário e Presidente <strong>da</strong> Associação dos JuízesFederais do Brasil, este último cargo exercido no biênio 2004/2006.Sua gestão é reconheci<strong>da</strong> por todos como uma <strong>da</strong>s mais profícuas <strong>da</strong>nossa enti<strong>da</strong>de representativa, ocorri<strong>da</strong> exatamente em um momentoem que a magistratura, em particular a federal, passava por incontáveisdificul<strong>da</strong>des. Conquistas significativas foram obti<strong>da</strong>s na administraçãodo Maurique. O tempo limitado, no entanto, não me permite arrolá-las.Por fim, ain<strong>da</strong> sobre o nosso novo Desembargador, é relevante referiros títulos que lhe foram outorgados por várias instituições, entre eles a“Comen<strong>da</strong> do Mérito do Ministério <strong>da</strong> Defesa, no grau de Comen<strong>da</strong>dor”;a “Comen<strong>da</strong> do Mérito do <strong>Tribunal</strong> de Justiça de Santa Catarina, nograu de Grande Mérito”; e, principalmente, o título de “Ci<strong>da</strong>dão Catarinense”,concedido pela Assembleia Legislativa do Estado de SantaCatarina, pela Lei nº 13.585, de 29 de novembro de 2006.Como se depreende, o currículo de nosso novo Desembargador revelasua vasta bagagem e experiência, as quais foram adquiri<strong>da</strong>s ao longode sua exitosa trajetória acadêmica, profissional e político-associativa.É um currículo eloquente, que fala por si próprio.E, em um momento difícil pelo qual atravessa o Poder JudiciárioBrasileiro, é de extrema importância a assunção, neste <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,de um juiz com as quali<strong>da</strong>des ostenta<strong>da</strong>s pelo Maurique, que, ao lado doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 65


seu descortino, <strong>da</strong> sua inteligência, <strong>da</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de argumentaçãoe articulação, sempre se mostrou um juiz operoso e, mais importante,corajoso no exercício <strong>da</strong> jurisdição. Coragem essa que se faz, reitero, maisdo que nunca, necessária nesta quadra <strong>da</strong> história brasileira, porquantonão há dúvi<strong>da</strong> de que, ao lado <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, uma <strong>da</strong>s virtudes mais carasdo julgador é o destemor para decidir, o que deve ser feito, muitas vezes,contrariamente ao que aponta a opinião pública.Como bem asseverou o Desembargador <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong>Silva, por ocasião <strong>da</strong> posse do Desembargador <strong>Federal</strong> Márcio AntonioRocha nesta Corte:“A vi<strong>da</strong> e a renovação se impõem inexoravelmente. O que importa são as instituições,porque elas são o fruto do somatório de ideias, sentimentos e ideais. O maior legado dohomem público é justamente não se esforçar muito para deixar legado. É cumprir o que alei espera dele. No nosso caso, prometemos cumprir e fazer cumprir a Constituição e asleis <strong>da</strong> República Federativa do Brasil, compromisso que Vossa Excelência, Dr. Márcio,acabou de renovar. Essa é a maior tarefa que temos que desempenhar, mesmo que à custa<strong>da</strong> antipatia de alguns, por vezes <strong>da</strong> opinião pública; tudo em nome do bem maior que éa justiça. E, quanto a isso, este <strong>Tribunal</strong> vem inegavelmente <strong>da</strong>ndo excelentes exemplos.”Nesse sentido, também, as palavras precisas do Ministro aposentadodo STF e seu ex-presidente, Sydney Sanches, vaza<strong>da</strong>s nas seguintes letras:“Não deve o juiz ceder à tentação de proferir decisões simpáticas só por serem simpáticas,se não forem justas. Não deve ceder à tentação de ganhar notorie<strong>da</strong>de, à custa de decisõestemerárias ou injustas. Ou apenas suscitar polêmica e obter destaque pessoal. Mas tambémnão deve se intimi<strong>da</strong>r diante <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de decisões que, toma<strong>da</strong>s de acordo com asua consciência jurídica, possam repercutir negativamente na chama<strong>da</strong> ‘opinião pública’.Até porque nem sempre ela se forma pelo caminho <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, mas, frequentemente, <strong>da</strong>versão, mediante deturpação dos fatos, desinformação e manipulação maliciosa e interesseirade <strong>da</strong>dos reais. E até de informes irreais.” (Curso de deontologia <strong>da</strong> magistratura.São Paulo: Saraiva, 1992. p. 29. Capítulo: O Juiz e os valores dominantes. O desempenho<strong>da</strong> função jurisdicional em face dos anseios sociais por justiça)Não tenho a menor dúvi<strong>da</strong>, caros colegas, de que a atuação do Mauriquenesta Corte se <strong>da</strong>rá, como até agora tem ocorrido, segundo estesparâmetros: coragem e independência no exercício <strong>da</strong> jurisdição.Não optará jamais pelo discurso jurídico fácil de balizar as suas decisões,necessariamente, pela opinião pública, quando esta contrastar comas normas plasma<strong>da</strong>s no ordenamento jurídico, em particular, o ordenamentoconstitucional. Isso porque, é bom que se lembre, diferentemente66R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


do que ocorre com relação aos agentes políticos que compõem os demaisPoderes <strong>da</strong> República, a legitimi<strong>da</strong>de dos juízes não decorre do voto, doprocesso eleitoral, mas sim dos princípios e man<strong>da</strong>mentos que, constantes<strong>da</strong> Constituição, conferem aos membros do Poder Judiciário o poder dedizer, soberana e imparcialmente, o direito no caso concreto, nos exatostermos em que juramos ao assumirmos o cargo de juiz, qual seja, o derespeitar a Constituição, juramento esse ora renovado pelo empossado.A história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, aliás, é repleta de exemplos de que nemsempre a voz <strong>da</strong>s ruas é a mais abaliza<strong>da</strong>. Sabemos que, muitas vezes,o que dela decorre é fruto de paixões momentâneas, não raro mol<strong>da</strong><strong>da</strong>de maneira direciona<strong>da</strong>. A jurisdição, em síntese, não deve ser exerci<strong>da</strong>plebiscitariamente.Essa é uma <strong>da</strong>s razões pelas quais o legislador constituinte originárioconferiu aos membros <strong>da</strong> magistratura algumas garantias, que, antes deprerrogativas do juiz enquanto pessoa, se constituem, em ver<strong>da</strong>de, emgarantias <strong>da</strong> própria nação, <strong>da</strong> própria ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.Afora isso, trata-se de um juiz sensível e comprometido com a garantiados direitos fun<strong>da</strong>mentais. São dele as seguintes palavras, prolata<strong>da</strong>s porocasião do seu discurso de despedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> presidência <strong>da</strong> Ajufe:“A maior tristeza que levo neste momento é ver que, embora to<strong>da</strong> a nossa luta, a reali<strong>da</strong>deé que o Estado brasileiro não consegue sequer fazer valer os mais mínimos direitoshumanos para uma grande parte de nosso povo. Aí continuam as chagas do trabalho escravo,<strong>da</strong> miséria, <strong>da</strong> violência e <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong>, que atingem todos, mas commuito maior intensi<strong>da</strong>de os mais despossuídos. Ain<strong>da</strong> temos brasileiros que, por conta deum modelo excludente e concentrador, nem sequer sabem que possuem direitos. A tristezapor ver que muitas vezes os direitos humanos são meras figuras de retórica a adornaremquadros em paredes ou discursos desprovidos de eficácia.”Tal preocupação, aliás, coincide com o que disse o jurista italianoNorberto Bobbio, quando assinalou em sua obra A era dos direitos, noartigo “Presente e futuro dos direitos dos homens”, que, presentemente,“o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido maisamplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua naturezae seu fun<strong>da</strong>mento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, massim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar <strong>da</strong>s solenesdeclarações, eles sejam continuamente violados.” (Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25)Senhora Presidente e demais Colegas Desembargadores, é momentoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 67


de encerrar.E, antes de fazê-lo, não poderia deixar de me referir à figura do Mauriqueenquanto pai e marido.Sobre sua afeição e sua dedicação à família, valho-me, mais uma vez,<strong>da</strong>s palavras do empossado, que, no mesmo discurso de despedi<strong>da</strong> a queantes me referi, assim pontuou:“Por fim, devo agradecer àquelas pessoas que sofreram em minhas ausências, que chorarame se alegraram ao meu lado mais do que todos. Falo aqui de meus familiares que meacompanharam nesta jorna<strong>da</strong> de presidência. Agradeço às minhas filhas, Luana e Luísa, pelosimples fato de existirem e por me dedicarem seu amor, amor sem cobrança, amor sem fim.Vocês, Luísa e Luana, amando-me ensinaram-me também a me amar, e isso me apazigua,reconcilia-me e me rejubila. Jamais terei palavras ou atitudes suficientes para retribuir otanto que me deram. Amo vocês com to<strong>da</strong> a força do meu ser. Um espaço especial mereceBeatriz, companheira na alegria e na tristeza, na falta e na opulência, em to<strong>da</strong>s as horasem que me consolava, apoiava-me e me aju<strong>da</strong>va a seguir. Sei que outras Beatrizes forammusas de Dante, de Petrarca e de Neru<strong>da</strong>, entre tantos poetas. Mas, para a minha Beatriz, euposso tomar empresta<strong>da</strong>s as palavras de Chico Buarque (afinal, a poesia é para quem delaprecisa) e dizer ‘Sim, me leva para sempre, Beatriz, me ensina a não an<strong>da</strong>r com os pés nochão’. Sou feliz ao teu lado, e você me proporciona muito mais que mereço.”Além <strong>da</strong> Beatriz, sua esposa há mais de vinte anos, <strong>da</strong> Luísa e <strong>da</strong>Luana, deve ser referido, também, o seu filho, o jornalista Thiago deLima Maurique, atualmente com 28 anos de i<strong>da</strong>de, a quem o empossadodestina um amor incondicional.É esse, portanto, senhoras e senhores, o juiz que ora passa a vestir atoga deste <strong>Tribunal</strong>. Um homem de excepcionais virtudes, de trato fácil,apegado à família e aos amigos, com sóli<strong>da</strong> cultura jurídica, extraordináriacapaci<strong>da</strong>de de trabalho, acentua<strong>da</strong> vocação para a magistratura edetentor de muita coragem, quali<strong>da</strong>des que o tornaram respeitado nacomuni<strong>da</strong>de jurídica nacional.Desejamos todos, membros desta Corte, juízes de primeiro grau, teusfamiliares e amigos, a ti, Maurique, à Beatriz, à Luísa, à Luana e aoThiago, to<strong>da</strong> a felici<strong>da</strong>de do mundo.Como já tive a oportuni<strong>da</strong>de de enfatizar no Plenário deste <strong>Regional</strong>,por ocasião <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>ção ao Desembargador <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira doValle Pereira, as pessoas querem que suas causas sejam julga<strong>da</strong>s não sópor alguém que conheça bem o direito, mas, também, por alguém queesteja de bem com a vi<strong>da</strong>, pois só pode <strong>da</strong>r felici<strong>da</strong>de, por meio <strong>da</strong> atua-68R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


ção jurisdicional, quem é feliz. Afinal, como diz Sua Santi<strong>da</strong>de o DalaiLama, “o próprio objetivo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é perseguir a felici<strong>da</strong>de”.Sede, pois, felizes, Maurique, Beatriz, Luísa, Luana e Thiago.Desembargador <strong>Federal</strong> Jorge Antonio Maurique, bem-vindo a este<strong>Tribunal</strong>, o qual se orgulha de tê-lo, a partir de agora, como um de seusmembros definitivos.E que Deus continue a iluminar a sua caminha<strong>da</strong>.Muito obrigado.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 69


<strong>Discurso</strong> * Jorge Antonio Maurique **Excelentíssima Senhora Presidente deste egrégio <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong><strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Desa. <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler:Peço permissão a Vossa Excelência, que dirige esta soleni<strong>da</strong>de, parasau<strong>da</strong>r meus colegas magistrados na figura de três excepcionais amigosque aqui comparecem: o Min. Edson Vidigal, ex-Presidente do Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça, que, por generosi<strong>da</strong>de, se desloca do Maranhão atéo extremo sul para me cumprimentar; meu querido amigo e grande líder<strong>da</strong> magistratura, Min. Hélio de Melo Mosimann; e o querido amigoMin. Paulo Gallotti, com quem tenho tanta convivência e uma amizadefraterna, inicia<strong>da</strong> muito tempo atrás, quando nós dois éramos Juízes deDireito em Santa Catarina.Peço licença, então, a Vossa Excelência para sau<strong>da</strong>r todos os magistradosnas pessoas desses três grandes e exemplares magistrados e amigos.Saúdo os integrantes do Poder Executivo nas pessoas de dois grandesamigos: José Fortunati, Prefeito de Porto Alegre, meu colega de sala deaula durante quatro anos, com quem tive uma convivência muito grande,não só nos bancos escolares, como também na militância dos DireitosHumanos; e meu querido amigo Clésio Salvaro, Prefeito de Criciúma,ci<strong>da</strong>de que adotei para morar há muito tempo, e que foi quem me honrou* <strong>Discurso</strong> de posse como Desembargador <strong>Federal</strong> do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, em 24.02.2012.** Desembargador <strong>Federal</strong> do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 71


com a proposta desse título de Ci<strong>da</strong>dão Catarinense ao tempo em que eraDeputado Estadual. Agradeço a presença de Vossas Excelências e, emnome dos dois, cumprimento todos os integrantes do Poder Executivo.Cumprimento os integrantes do Poder Legislativo na pessoa <strong>da</strong> ilustreDeputa<strong>da</strong> Estadual Ângela Albino, que, com grande esforço pessoal, sedesloca de Florianópolis até aqui para testemunhar esta posse. Agradeçosua presença, que representa não só o reforço dos laços de amizade quemantemos, como também o enorme apreço de Vossa Excelência peloPoder Judiciário.Agradeço aos membros do Ministério Público a presença, na pessoa domeu querido amigo João Carlos de Carvalho Rocha, com quem trabalheitanto tempo, em tantas ações aqui em Porto Alegre. É um prazer tê-loaqui, já que também trabalhamos juntos na política associativa, VossaExcelência na ANPR e eu na Ajufe.Quero sau<strong>da</strong>r os advogados de uma maneira muito especial na pessoado meu querido amigo Márcio Vicari, meu ex-colega do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> Eleitoral de Santa Catarina e que, por uma deferência <strong>da</strong> OABnacional, aqui representa os advogados.Meus queridos amigos magistrados, meus queridos amigos membrosdo Ministério Público, <strong>da</strong> advocacia, meus queridos amigos funcionários,meus amigos que aqui estão – vejo tantos aqui de Criciúma, deFlorianópolis, de Pernambuco, <strong>da</strong> Paraíba, de Brasília, do Rio de Janeiro,de São Paulo, enfim, dos mais diversos lugares do nosso País –, muitoobrigado. A presença de todos vocês realmente me emociona e me deixaem uma situação extremamente delica<strong>da</strong> para fazer um discurso. Depois<strong>da</strong>s palavras tão elogiosas, tão agradáveis e tão generosas do OtávioPamplona, é muito difícil fazer um discurso, mas, mesmo assim, tenhoesta obrigação e tentarei fazê-lo.A <strong>da</strong>ta de 24 de fevereiro de 2012 ficará marca<strong>da</strong> na minha históriapessoal pelo fato de ser neste dia que tomo posse como membro do<strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. Fazer um discurso envolve, primeiro,uma obrigação, pois assim o determina o protocolo, mas significatambém uma carta de intenções e uma oportuni<strong>da</strong>de, talvez a mais rarade to<strong>da</strong>s, de agradecer o fato de aqui estar.Começo dizendo que a nossa tarefa final como Juízes é fazer e aplicara justiça, justiça que possui inúmeros significados e continua<strong>da</strong>s evoca-72R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


ções através dos tempos. Evocam essa palavra os juristas, os filósofos, ospoetas e aqueles que pedem e esperam justiça. A Bíblia nos lembra <strong>da</strong>spalavras de Jesus, que no Sermão <strong>da</strong> Montanha pregou: “Bem-aventuradosos que têm fome e sede de Justiça, porque encontrarão a Justiça”.Já nos ensina o filósofo André Comte-Sponville:“Respeitar as leis sim, ou pelo menos obedecer-lhes e defendê-las, mas não à custa <strong>da</strong>justiça, não à custa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de um inocente. A moral vem antes, a Justiça vem antes, pelomenos quando se trata do essencial. E o essencial é a liber<strong>da</strong>de de todos, a digni<strong>da</strong>de deca<strong>da</strong> um e os direitos primeiramente do outro.Às vezes, é necessário entrar na luta clandestina; às vezes, obedecer ou desobedecer. Odesejável é, evidentemente, que leis e justiça caminhem no mesmo sentido, e é nisso queca<strong>da</strong> um, enquanto ci<strong>da</strong>dão, tem a obrigação moral de se empenhar.A justiça não pertence a nenhum campo, a nenhum partido, todos são moralmente obrigadosa defendê-la. A justiça deve ser preserva<strong>da</strong> não pelos partidos, mas pelos indivíduosque os compõem, a justiça só existe e só é um valor quando há justos para defendê-la.”Por sua vez, Brecht afirmou:“A Justiça é o pão do povo, às vezes bastante, às vezes pouco; às vezes de gosto bom, àsvezes de gosto ruim; quando o pão é pouco, há fome; quando o pão é ruim, há descontentamento;fora com a justiça ruim, cozi<strong>da</strong> sem amor, amassa<strong>da</strong> sem sabor, a justiça sem saborcuja casca é cinzenta, a justiça de ontem, que chega tarde demais; quando o pão é bom ebastante, o resto <strong>da</strong> refeição pode ser perdoado, não pode haver, logo, tudo em abundância.Alimentado do pão <strong>da</strong> justiça, pode ser feito o trabalho de que resulta a abundância. Comoé necessário o pão diário, é necessária a justiça diária, sim, mesmo várias vezes ao dia.”Eis aí, nas palavras do filho de Deus, do filósofo e do poeta, os desafiosque temos: reconhecer que há fome de justiça, e é nossa função procurarsaciá-la. Uma justiça que não pode ser tardia, uma justiça que não podeser alheia à digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, uma justiça que não pode serfeita sem bon<strong>da</strong>de e sem amor, pois acredito que a ver<strong>da</strong>deira justiçaé sempre boa, porque traz a paz, porque sacia a sede, porque acolhe,porque protege e alimenta.Cumpro assim a primeira parte do discurso para dizer que pretendocontinuar tentando fazer justiça como há quase 25 anos me comprometia fazer. Tenho, pois, a sincera convicção de que continuarei tentandofazer o melhor possível no meu trabalho cotidiano, na busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deirajustiça. Isso porque não consigo esquecer as palavras de um grandeamigo que, infelizmente, neste exato momento, passa pela maior dor queum ser humano pode passar. Disse-me Flávio Dino que devemos tentarR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 73


fazer <strong>da</strong> nossa ativi<strong>da</strong>de de magistrado uma transformação a ca<strong>da</strong> dia,na busca de um mundo um pouquinho melhor. Se tivermos melhorado omundo um pouquinho só, ao final de ca<strong>da</strong> dia, teremos justificado nossafunção de magistrados e justificado nossa passagem por esse mundo. Éisso que todos os colegas deste <strong>Tribunal</strong> se propõem todo dia a fazer, eé a esse propósito que, com muito orgulho, honra e esperança, me uno.Se conseguirmos melhorar a vi<strong>da</strong> de uma só pessoa ao final de ca<strong>da</strong> dia,teremos saciado um pouco a imensa fome de justiça <strong>da</strong> população donosso País.Este momento também implica que me recorde um pouquinho <strong>da</strong>minha trajetória, tão bem descrita pelo Otávio, com uma bon<strong>da</strong>de e umagenerosi<strong>da</strong>de próprias dos amigos, pois atendeu o meu pedido, já que lhesolicitei que aumentasse um pouquinho as minhas quali<strong>da</strong>des e retirasseum pouquinho dos meus defeitos, o que fez com muita competência e arte.O início <strong>da</strong> minha carreira como Juiz de Direito no Estado de SantaCatarina, esse Estado que me acolheu e que me proporcionou as maioreshonrarias que um servidor público pode receber. O apoio dos colegas naminha ativi<strong>da</strong>de associativa, tendo exercido os mais elevados cargos queum Juiz <strong>Federal</strong> pode exercer nessa ativi<strong>da</strong>de, tanto em nível estadual,na associação agora presidi<strong>da</strong> pelo meu querido amigo Vilian Bollmann,como em nível nacional, na enti<strong>da</strong>de agora presidi<strong>da</strong> pelo eminente colegaGabriel Wedy. A eleva<strong>da</strong> honra de ser membro do Conselho Nacionalde Justiça e, depois, a alegria de ser promovido a esta Casa, disputandoessa indicação com dois ilustres e honrados colegas, os quais saúdo napessoa do Gebran, aqui presente. Tenho certeza de que Vossa Excelência,assim como a colega Vivian, teria tantas ou mais quali<strong>da</strong>des para estaraqui no meu lugar.Isso implica dizer: o Poder Judiciário sempre me proporcionou asmaiores honras, as maiores deferências, as mais puras e fantásticas alegrias.Essas alegrias são multiplica<strong>da</strong>s a partir desta <strong>da</strong>ta, que me permiteter assento nesta Corte por onde se perfilaram grandes homens e mulheres,não posso citar todos, já que são tantos e muitos estão aqui presentes.Peço licença a todos vocês para citar apenas alguns. Cito aqui a bon<strong>da</strong>dede coração <strong>da</strong> Silvia Goraieb, recentemente aposenta<strong>da</strong>; a persistênciae a vontade de Vilson Darós, que em breve aproveitará uma mereci<strong>da</strong>aposentadoria; e a incomparável inteligência de Maria Lúcia Luz Leiria74R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


– todos ex-Presidentes desta Corte e que, pelas suas atuações, deixarame ain<strong>da</strong> deixam marcas perenes em todos nós, magistrados federais.Posso dizer que, como magistrado, vivi dias e instantes gloriosos,sabendo <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong>des do meu cargo, ao mesmo tempo em quetive momentos de apreensão nas dúvi<strong>da</strong>s que assomaram, se o caminhoescolhido era o correto para cumprir o juramento que fiz, pela primeiravez, em maio de 1987 e que renovei inúmeras vezes, inclusive na <strong>da</strong>tade hoje.No entanto, devo dizer que a carreira de Juiz nem sempre é só dealegrias. Com efeito, neste exato momento histórico em que se debatemeventuais prerrogativas dos magistrados como se fossem fruto de descabidosprivilégios em uma socie<strong>da</strong>de republicana, devemos lembrarque a alguns eventuais e poucos direitos que possuímos, em contrastecom outras ativi<strong>da</strong>des e profissões, corresponde um rol ca<strong>da</strong> vez maisextenso de proibições e ve<strong>da</strong>ções não encontráveis em nenhuma outraativi<strong>da</strong>de ou profissão no nosso País. A série de “o Juiz não pode”, ouseja, as ve<strong>da</strong>ções aos magistrados, excede em muito a série “o Juiz temo direito”, ou seja, as prerrogativas. Esse debate, que deveria ser sereno edemocrático, por vezes assume as proporções de acerto de contas ou caçaàs bruxas, o que nos dá uma imensa tristeza e frustração, como se to<strong>da</strong>sas mazelas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pudessem ser atribuí<strong>da</strong>s ao Poder Judiciário.Agora, a maior tristeza não é esse debate. A maior tristeza que podeter um magistrado é ver a morosi<strong>da</strong>de processual, é ver que as coisas nãose resolvem e é ver como a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> consegue ser mais dura doque imaginamos. Aqui faço um improviso e sei que, quando se improvisaem um discurso, se flerta com o abismo, mas, de qualquer maneira,penso que é importante dizer que nós, magistrados, temos uma profun<strong>da</strong>consciência republicana, um profundo sentimento e uma ver<strong>da</strong>deirapaixão pela ideia <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e que, muitas vezes, algumas situaçõesnos chocam de uma maneira tal que nos permitem (e nos obrigam) quereavaliemos to<strong>da</strong> a nossa atuação em to<strong>da</strong> a nossa vi<strong>da</strong>.Falo isso, meu querido amigo Vidigal, porque estive no seu Estado,como membro do Conselho Nacional de Justiça e coordenador de umacomissão, e lá tive contato com a Eurídice, sua esposa, participando <strong>da</strong>sativi<strong>da</strong>des a respeito do sistema prisional brasileiro, um sistema que seaproxima de 500 mil presos, grande parte deles em condições degra-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 75


<strong>da</strong>ntes, em condições subumanas, que nos chocam e que colocam emxeque se somos realmente uma socie<strong>da</strong>de civiliza<strong>da</strong>. Lembro que NelsonMandela escreveu que se julga uma socie<strong>da</strong>de pela maneira como trataseus encarcerados. Se for dessa maneira, parece-me que o julgamentoque se fará do nosso Brasil, neste determinado momento histórico, nãoé dos mais favoráveis. Temos aproxima<strong>da</strong>mente 200 mil presos provisórios,dos quais a grande maioria não tem assistência jurídica, porque setivesse, com certeza, pelo menos um terço já teria saído em virtude dealgum benefício. É claro que essas mazelas não são atribuíveis apenas aoJudiciário, a socie<strong>da</strong>de inteira tem que superar. Outras mazelas tambémtemos, como o trabalho escravo, o trabalho degra<strong>da</strong>nte, a impuni<strong>da</strong>de, apistolagem, o crime de mando, a criminali<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong>, mas na<strong>da</strong> mechocou mais, ao longo <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, do que constatar as péssimas condiçõescarcerárias, a ver<strong>da</strong>deira chaga que é o sistema prisional brasileiro.Agora, esse momento de tristeza deixemos para trás, porque estemomento é para ser de alegria e de compromisso, e nenhuma felici<strong>da</strong>depode ser maior do que ver, nesta distinta plateia, incontáveis amigose amigas que me acompanham, a mim e a minha família, nessa longajorna<strong>da</strong>, amigos de inúmeras ci<strong>da</strong>des e locais, meus queridos amigos deCriciúma, que aqui estão, meus queridos amigos de Florianópolis, deBrasília, de Porto Alegre, do Maranhão, <strong>da</strong> Paraíba, de Pernambuco, deAraranguá e de tantas outras ci<strong>da</strong>des pelas quais passei. Enfim, vocês mefazem acreditar, ca<strong>da</strong> vez mais, que a amizade é condição de felici<strong>da</strong>de,que sem ela, sem a amizade, a vi<strong>da</strong> é um erro.Portanto, agradeço do fundo do coração a todos aqui presentes, poissuas existências fazem lembrar que a vi<strong>da</strong> vale a pena, já que preenche acondição básica <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de, como dizia Epicuro, que é ter amigos fiéis.Agradeço aos colegas magistrados que buscam todo dia saciar a sede<strong>da</strong> justiça do nosso povo. A convivência com os colegas sempre foi umbálsamo para qualquer dor <strong>da</strong> alma que pude sentir na vi<strong>da</strong>.Obrigado, meus queridos colegas, obrigado, meus queridos amigos.São homens e mulheres de bom coração, como vocês, que aju<strong>da</strong>m amelhorar o nosso País ca<strong>da</strong> dia um pouquinho.Agradeço aos advogados e aos membros do Ministério Público, figurasindispensáveis sem as quais a justiça perde o sentido, pois vocêsnos permitem exercitar o sadio contraditório e o dialético exercício <strong>da</strong>76R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


argumentação. Devo dizer que as suas buscas, as dos advogados e as dosmembros do Ministério Público, são idênticas às nossas, pois tambémquerem e almejam o justo.Agradeço, do fundo do coração, aos funcionários do Poder Judiciário,em especial àqueles com os quais tive a felici<strong>da</strong>de de trabalhar. Otrabalho de todos vocês de Caxias do Sul, Porto Alegre, Florianópolis eCriciúma foi o que me permitiu chegar aqui. Muitas <strong>da</strong>s minhas vitóriaspessoais devem ser debita<strong>da</strong>s aos vossos esforços.Agradeço, de modo especial, aos meus familiares, aos meus pais, aquem devo o bem mais precioso que se pode receber, que é a vi<strong>da</strong>. SeuJoão, Dona Anita, muito obrigado, deram-me a vi<strong>da</strong>, procurei dela fazerbom uso, espero que sintam orgulho.Meus familiares aqui presentes, muito obrigado pela sua presença.E vejam que os cui<strong>da</strong>dos que me dispensaram como irmão mais novoderam resultado. Agradeço tudo o que vocês me deram, que foram asmais legítimas provas de afeto e carinho.Devo agradecer às pessoas que entenderam minhas ausências, quesofreram e se emocionaram ao meu lado mais do que todos e que quasenunca recebem qualquer tipo de reconhecimento. Agradeço às minhasfilhas, Luana e Luísa – Luísa aqui presente, e Luana parece que está noCanadá –, que, amando, me ensinaram também a amar. Agradeço aoThiago pela sua presença e pelo seu carinho, carinho que nem sempreposso retribuir. Este momento também é seu. Jamais terei palavras ouatitudes suficientes para retribuir o tanto que vocês três me deram. Amovocês com to<strong>da</strong> a força do meu ser.Agradeço de um modo especial à Beatriz, que, como já disse o Otávio,é minha companheira na alegria e na tristeza, na falta e na opulência,a quem sou um eterno devedor. Devo-lhe muito pelas ausências queminha vi<strong>da</strong> lhe causou. Devo-lhe muito pela paciência. Devo-lhe muitopor aguentar as provações por ser esposa de um magistrado. Aliás, devodizer, meu querido amigo Leomar Amorim – sua presença me alegrade uma maneira especial –, que, se ser magistrado é difícil, ser esposade magistrado ou marido de magistra<strong>da</strong> é quase impossível, é uma <strong>da</strong>smaiores provações que se pode sofrer pelas constantes mu<strong>da</strong>nças deendereço, de ci<strong>da</strong>de, de projetos de vi<strong>da</strong>. Muito obrigado, Beatriz. Vocême inspira com suas críticas, com suas certezas e com suas dúvi<strong>da</strong>s,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 77


com seus questionamentos, e porque fun<strong>da</strong>mentalmente me lembra que,com sua existência e presença, o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é o amor. Sem o seuamor, eu pouco ou na<strong>da</strong> seria. Muito obrigado. Sou eternamente gratopor você me amar.Tenho que concluir e peço escusas pela extensão do discurso. Agradeçoa todos que me ensinaram a caminhar em direção à utopia, a utopia deum mundo melhor, a utopia de uma magistratura republicana, a utopiade acreditar que a ver<strong>da</strong>deira justiça tem os olhos bem abertos para ainjustiça e a opressão. Aliás, sem querer, de alguma maneira, atiçar ouabrir algumas feri<strong>da</strong>s, eu me formei no período <strong>da</strong> ditadura militar, quandoa luta contra a injustiça e a opressão era uma coisa muito presente e nãoera fácil respirar os tempos democráticos que hoje nós temos. Sequerimaginávamos como poderia ser a socie<strong>da</strong>de ou como seria uma socie<strong>da</strong>dedemocrática, como hoje temos.O Brasil melhorou muito. Temos nossas mazelas? Temos, sim, mas oPaís melhorou muito. Eu, outro dia, fui à formatura do filho <strong>da</strong> Valquíria,que por tanto tempo foi promotora junto comigo, e assisti a um discursoem que parecia que o mundo estava acabando antes de 12 de dezembrodeste ano. Ia acabar naquela hora. Eu prefiro enxergar de uma maneiradiferente. A morosi<strong>da</strong>de do Judiciário deve-se a um número excessivode processos, mas deve-se também ao fato de a população acreditar noJudiciário, acreditar que terá uma solução no Judiciário, ou seja, essaconsciência que nós não tínhamos, ou essa certeza que nós nem sequerimaginávamos nos tempos de nossos bancos escolares. Então, faço umaoutra leitura. O País está melhorando. Não é o Brasil que nós queremos,não é o Brasil que desejamos, não é o País que nós merecemos, mas é oPaís que nós estamos construindo. Melhor que o do passado; ain<strong>da</strong> nãoé o ideal, como será no futuro, e para isso trabalhamos e trabalharemosmuito mais.Mas eu falava aqui na utopia. A utopia de que só existe justiça onde háamor. Amor sem o qual a vi<strong>da</strong> não tem sentido. Amor, que é o que nos traza humani<strong>da</strong>de, a generosi<strong>da</strong>de e a bon<strong>da</strong>de. Como escreveu São Paulo,o amor não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a ver<strong>da</strong>de.O amor é paciente, o amor é prestativo. Não ostenta, não se irrita e nãoguar<strong>da</strong> rancor. Essas características, que são próprias do amor, tambémdevem ser as <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira justiça.78R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012


Devo dizer que este ano, meu caro amigo Favreto, é um ano muitoespecial para tomar posse. O ano de 2012, além de ser ano de Olimpía<strong>da</strong>,é o ano em que nós teremos em Porto Alegre a inauguração <strong>da</strong> maiorarena de espetáculos do sul do Brasil. Portanto, voltar para Porto Alegreno ano <strong>da</strong> inauguração dessa arena é um motivo de muita alegria e felici<strong>da</strong>de.Espetáculos que já começamos, não é, Darós, a apresentar naquarta-feira <strong>da</strong> semana passa<strong>da</strong>.Meus caros amigos e amigas, gozar de suas amizades é muito maisdo que eu mereço. Meus queridos familiares, tentarei todos os dias sermerecedor do amor que generosamente me destinam. Tenho orgulho deestar aqui. Tenho orgulho <strong>da</strong> profissão que escolhi, em que fui, sou eserei sempre muito feliz.Muito obrigado a todos.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 79


ACÓRDÃOS


DIREITO ADMINISTRATIVO EDIREITO CIVIL


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009433-95.2009.404.7200/SCRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo ThompsonFlores LenzApelante: Cia. de Gás de Santa Catarina – SCGÁSAdvogado: Dr. Leandro Ribeiro MacielApela<strong>da</strong>: Autopista Litoral Sul S/AAdvogado: Dr. Candido <strong>da</strong> Silva DinamarcoApela<strong>da</strong>: Agencia Nacional de Transportes Terrestres – ANTTProcurador: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAConstitucional e administrativo. Concessão de serviço público.Rodovia. Faixa de domínio. Remuneração. Cabimento. Doutrina e jurisprudência.Contrato. Proteção constitucional. Ato jurídico perfeito.Art. 5º, XXXVI, <strong>da</strong> CF/88.1. Com efeito, o uso privativo de qualquer parte <strong>da</strong> “faixa de domínio”<strong>da</strong> rodovia, ain<strong>da</strong> que por parte de outro órgão público, deve ser precedidode autorização, permissão ou concessão do órgão público responsável,uma vez que se trata de bem público de uso comum.Por outro lado, não há qualquer óbice à exigência de remuneraçãocomo contraparti<strong>da</strong> à permissão de uso de “faixa de domínio” na situaçãoem causa, nos termos do disposto no art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 8.987/95 e nos arts.24, IV, e 26, VI, <strong>da</strong> Lei nº 10.233/01, bem como <strong>da</strong> Resolução nº 2.552,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 85


de 28.02.2008, edita<strong>da</strong> pelo ANTT.In casu, impõe-se a aplicação <strong>da</strong> fórmula prevista na Resolução nº2.552/08, <strong>da</strong> ANTT, único órgão competente para a elaboração e edição<strong>da</strong>s normas pertinentes à exploração de rodovias concedi<strong>da</strong>s, nos termosdo disposto no art. 24, IV, <strong>da</strong> Lei nº 10.233/01.Por conseguinte, é manifestamente ilegal a utilização por parte <strong>da</strong> oraapelante <strong>da</strong> “faixa de domínio” do trecho situado entre os quilômetros118 e 151+700 m <strong>da</strong> BR 101, pois despi<strong>da</strong> <strong>da</strong> necessária autorização<strong>da</strong> ANTT e <strong>da</strong> celebração de contrato com a concessionária <strong>da</strong> rodovia.Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, <strong>da</strong> CF/88, éindubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídicoperfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para umaou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançadopor lei superveniente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> celebração do contrato, mesmo quantoaos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase,ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:“Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présuméeconstituent, <strong>da</strong>ns le sens de notre matière, des droits acquis à l’abride l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet depaiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéanceque postérieurement à la promulgation de cette loi.” (Baudry-Lacantinerie,in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément parJulien Bonnecase. Paris: Librairie Recueil Sirey, 1925. Tomo 2º. p. 123)Nesse sentido, também, é a jurisprudência <strong>da</strong> Suprema Corte dosEstados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:“The integrity of contracts-matter of high public concern – isguaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, ofthe federal Constitution, ‘No state shall (...) pass any (...) law impairingthe obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislatureto substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under avery clear contract.” (In The Supreme Court Reporter. November, 1923– July, 1924. St. Paul: West Publishing Co., 1924. v. 44. p. 86)Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista FranciscoCampos, em seu Direito Administrativo. Rio: Freitas Bastos, 1958. v.II. p. 11, verbis:86R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o atojurídico perfeito continuará a ser regido pela lei do tempo em que seconsumou, é, precisamente, o efeito jurídico <strong>da</strong>quele ato, isto é, as transformaçõespor ele opera<strong>da</strong>s nas relações jurídicas que constituem o seuconteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo ou extinguindodireito.O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição deum direito, ou a pretensão fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a uma prestação, ou a modificaçãoou a extinção de direito anterior à determina<strong>da</strong> prestação.O ato jurídico perfeito é subtraído ao império <strong>da</strong> lei posterior precisamentepara que não seja prejudicado pela sua aplicação o direito queemergiu <strong>da</strong>quele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou seincorporou ao patrimônio do indivíduo.”É sabido o respeito pela observância <strong>da</strong>s cláusulas dos contratos nosEstados Unidos <strong>da</strong> América, a tal ponto de constituir a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>relação contratual uma diretriz constitucional de primeira ordem, quedeve ser preserva<strong>da</strong> sempre que possível.Quem o diz é o respeitado Professor Ernest Freund, em obra clássica,verbis:“The integrity of contractual obligation is a constitutional policy ofthe first order, and should be maintained wherever possible.” (FREUND,Ernest. Stan<strong>da</strong>rts of American Legislation. 2. ed. The University of ChicagoPress, 1965. p. 283)No que diz com a reconvenção, bem andou o juízo a quo ao julgá-laprocedente em parte para declarar a aplicação <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08<strong>da</strong> ANTT, para o efeito <strong>da</strong> permissão/autorização de uso <strong>da</strong> “faixa dedomínio” <strong>da</strong> rodovia BR 101, a serem celebrados entre as partes, e alargura mínima de 0,50 m de ocupação a ser considera<strong>da</strong> no cálculo dovalor pelo uso <strong>da</strong> “faixa de domínio”.2. Apelação a que se nega provimento.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 3ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, venci<strong>da</strong> a Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, negar provimentoà apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 87


que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 26 de abril de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator parao acórdão.RELATÓRIOA Exma Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de açãoordinária ajuiza<strong>da</strong> pela SCGÁS – concessionária de gás no Estado deSanta Catarina – contra os valores cobrados pela Autopista Litoral SulS/A – concessionária de rodovias – por uso <strong>da</strong> faixa de domínio de trecho<strong>da</strong> rodovia BR 101 para instalação de dutos de gás natural. Pretendeua autora o reconhecimento <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de dos valores cobrados nostermos fixados no contrato de permissão especial de uso firmado com oDNIT, indevi<strong>da</strong> majoração feita em contrato posterior entre Autopista,DNIT e ANTT.A concessionária ré contestou a ação e apresentou reconvenção, naqual enfatizou que a Lei nº 8.987/95, o edital e seu respectivo contrato deconcessão autorizam a cobrança do preço conforme fórmula <strong>da</strong> Resoluçãonº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT, não tendo aplicabili<strong>da</strong>de, por incompetênciado DNIT, o valor fixado anteriormente por ele. Com tais fun<strong>da</strong>mentos,pediu condenação <strong>da</strong> autora ao pagamento de R$ 442.818,00 ao ano,relativamente ao trecho discutido nestes autos, mais R$ 1.053.341,82ao ano, quanto aos demais trechos ocupados pela reconvin<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> aBR 101/SC, postulando, ao final, declaração de que ocupações futuras,inclusive objetos de renovações <strong>da</strong> concessão de uso ora em comento,estarão to<strong>da</strong>s submeti<strong>da</strong>s às regras <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTTou <strong>da</strong>quelas que lhe substituírem.A sentença julgou improcedente a ação, entendendo que a Lei nº10.233/01 e a Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT prevêem explicitamentea possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cobrança de tal espécie de preço público em rodoviafederal concedi<strong>da</strong> pela ANTT. Destacou que a assunção do trecho pelaANTT para concessão afasta por lei a competência e, via de consequência,os contratos do DNIT, passando à esfera ativa <strong>da</strong> concessionária que, porsua vez, tem previstos nas normas de regências os requisitos para fixaçãode seu próprio preço, a ser exigível a partir de então. Ao final, ressalvandoque o objeto <strong>da</strong> reconvenção não pode ampliar a própria lide, não admitiu88R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


os pedidos relativos a trechos não discutidos nestes autos e, no pontoem que acolheu, julgou procedente em parte a reconvenção para declarara aplicação <strong>da</strong> resolução <strong>da</strong> ANTT como substitutiva <strong>da</strong> Resolução11/08 do DNIT para o caso em comento, cuja tarifa será calcula<strong>da</strong> sobrelargura mínima <strong>da</strong> faixa de 0,50 m, condenando a autora ao pagamentode R$ 442.818,00 pela ocupação do trecho <strong>da</strong> BR 101 – km 118 ao km151+700 m, acresci<strong>da</strong> de juros e correção monetária. Por fim, declaroua aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT e <strong>da</strong>quelas que lheseguirem em relação às renovações do contrato de permissão de uso.Apela a SCGÁS enfatizando que não tem pretensão de deixar de pagarpela ocupação <strong>da</strong> faixa de domínio utiliza<strong>da</strong> com a passagem de seusgasodutos e obras de expansão, mas exclusivamente pretende garantir opagamento no limite fixado em contrato com o DNIT (R$ 9.172,99 porkm), afastando a majoração feita pela Autopista (R$ 13.140,00 por km).Aduz que, no contrato firmado em 2005 para permissão de uso especialde bem público, foi fixado prazo de 5 anos, prorrogável por iguais períodos,salvaguar<strong>da</strong>do o status quo em ca<strong>da</strong> quinquênio. A concessãofeita pela Anatel e pelo próprio DNIT à Autopista não tem força paramodificar sua esfera jurídica, eis que dela não fez parte. Não sendo esseo entendimento, aplicando-se de imediato a nova fórmula de cálculo <strong>da</strong>tarifa nos moldes <strong>da</strong> Resolução 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT, impugna os valoresatribuídos pela concessionária de rodovias. Sendo o preço resultante defórmula que considera o custo mínimo do km, a área ocupa<strong>da</strong> e o custode oportuni<strong>da</strong>de, aduz que a ré calculou área de 0,50 m² enquanto a utilizaçãode fato é de menos que 0,20 m². Quanto ao custo de oportuni<strong>da</strong>de,embora sejam os termos <strong>da</strong> resolução calculados conforme critérios <strong>da</strong>concessionária, não há justificativa suficiente para fun<strong>da</strong>mentar o valorde R$ 25,14 por m², o que encareceu injustifica<strong>da</strong>mente a cobrança.Com contrarrazões, subiram os autos.Parecer do Ministério Público <strong>Federal</strong> pelo desprovimento do apelo.É o relatório.VOTOA Exma Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 89


HistóricoA Lei nº 10.233/01 instituiu o Sistema Nacional de Viação – SNV ecriou, dentre outros órgãos e agências, a Agência Nacional de TransportesTerrestres – ANTT e o Departamento Nacional de Infraestrutura deTransportes – DNIT.Em síntese, o DNIT é responsável pela estrutura viária, por suaoperação, manutenção, restauração, adequação e ampliação (art. 80),enquanto à ANTT cabe implementar as políticas públicas do SNV, regulare supervisionar as ativi<strong>da</strong>des de prestação de serviços e de exploração<strong>da</strong> infraestrutura de transportes, exerci<strong>da</strong>s por terceiros (arts. 20, 22 e24). Conforme art. 80, § 1º, “as atribuições a que se refere o caput nãose aplicam aos elementos <strong>da</strong> infraestrutura concedidos ou arren<strong>da</strong>dospela ANTT e pela Antaq”. Assim, a concessão do uso <strong>da</strong>s faixas de domínioao largo <strong>da</strong>s rodovias a particulares é feita pelo DNIT nos trechosem geral, sendo legítima a cobrança por tal ativi<strong>da</strong>de, na quali<strong>da</strong>de dePoder Público que é. Porém, se a exploração <strong>da</strong> rodovia for concedi<strong>da</strong>,nos termos <strong>da</strong>s políticas do SNV, o será pela ANTT e não pelo DNIT,de forma que será <strong>da</strong>quela e não deste a competência para respectivasregulações, licitando particular para assumir a higidez <strong>da</strong>quele trecho<strong>da</strong> estrutura viária.No período de dezembro/2003 a janeiro/2008, a SCGÁS – Cia. deGás de Santa Catarina firmou com o DNIT – Departamento Nacionalde Infraestrutura de Transportes uma série de Contratos de PermissãoEspecial de Uso <strong>da</strong>s faixas de domínio de trechos <strong>da</strong> BR 101/SC (Doc.17 do Vol. 2 apenso).O trecho de 11,388 km (do km 151 + 700 m até o km 163 + 88 m)foi concedido por meio do Contrato de Permissão Especial de Uso <strong>da</strong>Faixa de Domínio – UT-16-001/2007-00 – para implantação de rede dedistribuição de gás natural denomina<strong>da</strong> Ramal Tijucas-Itajaí, estabelecidona Cláusula 9ª remuneração anual à União no valor de R$ 104.462,01,o que equivale a R$ 9.172,99 por km. A Cláusula 15ª estabeleceu prazode duração de cinco anos, prorrogável por iguais períodos sucessivos.Ademais, destaque-se a seguinte cláusula:“CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA – DA CONCESSÃO OU TRANSFERÊNCIA – Nahipótese de o PERMISSOR, no decorrer <strong>da</strong> vigência do presente contrato, vier a ceder ou90R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


transferir a terceiros a concessão <strong>da</strong> exploração <strong>da</strong> faixa de domínio referi<strong>da</strong> na CLÁUSULAPRIMEIRA, deverão permanecer assegurados à PERMISSIONÁRIA todos os direitos econdições ajustados neste contrato.”Em junho/2008, por sua vez, Autopista Litoral Sul S/A firmou com oDNIT e a ANTT Contrato de Concessão de Exploração <strong>da</strong> Rodovia BR-101/SC e BR-116/376/PR, conforme Edital nº 03/2007 (tudo como sedepreende do Documento 1 do Vol. 1 apenso). O Capítulo VII do editalprevê as fontes de receitas, sendo a principal delas o pedágio, garanti<strong>da</strong>sreceitas alternativas:“7.2. Constituem receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetosassociados quaisquer receitas <strong>da</strong> Concessionária não advin<strong>da</strong>s do recebimento de pedágioou de aplicações financeiras, sejam elas direta ou indiretamente provenientes de ativi<strong>da</strong>desvincula<strong>da</strong>s à exploração <strong>da</strong> Rodovia, <strong>da</strong>s suas faixas marginais, acessos ou áreas de serviçoe lazer, inclusive decorrentes de publici<strong>da</strong>de.”A captação de receitas extraordinárias nas rodovias federais regula<strong>da</strong>spela ANTT é regra<strong>da</strong> pela Resolução nº 2552/08 <strong>da</strong> Agência, com asmodificações trazi<strong>da</strong>s pela Resolução nº 3.346/09. Quanto ao valor a sercobrado, decorre de fórmula que considera o custo <strong>da</strong> área à concessionária,o tamanho <strong>da</strong> área a ser ocupa<strong>da</strong> pelo particular a contratar coma concessionária e o custo de oportuni<strong>da</strong>de desta ocupação, sendo esteaferido segundo critérios <strong>da</strong> própria credora, conforme re<strong>da</strong>ção atual:“Art. 11. O valor a ser cobrado pela ocupação de uso <strong>da</strong> faixa de domínio é definidopela fórmula descrita no anexo único desta Resolução§ 1º O valor do custo mínimo de manutenção será reajustado anualmente pelo ÍndiceNacional de Preços ao Consumidor Amplo.§ 2º Para os casos de ocupações longitudinais, a área “A” <strong>da</strong> fórmula, de que trata ocaput deste artigo, será calcula<strong>da</strong> considerando a largura mínima de 1,00 m (um metro) e aextensão equivalente à diferença entre os marcos quilométricos que a caracterize.V = Cm*A + CoSendo:V = valor <strong>da</strong> ocupação do uso <strong>da</strong> faixa de domínio em reais ao ano.Cm = custo mínimo de manutenção <strong>da</strong> faixa de domínio, de R$ 1,14/m² ao ano.A = área ocupa<strong>da</strong> em m², eCo = custo de oportuni<strong>da</strong>de de ocupação do uso <strong>da</strong> faixa de domínio anual definidopela concessionária <strong>da</strong> rodovia, em reais ao ano.Parágrafo único. O valor do custo mínimo de manutenção será reajustado anualmentepelo IPCA.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 91


Por meio do Termo nº 03/2008 de Cessão de Bens Móveis e Imóveisreferentes à concessão, restou assim determinado entre as partes:“5. Acor<strong>da</strong>m as partes que o DNIT procederá à revogação de to<strong>da</strong>s as autorizações e/ou permissões de uso <strong>da</strong> faixa de domínio, outorga<strong>da</strong>s em caráter precário, e transfere àCONCESSIONÁRIA to<strong>da</strong> documentação que embasou a concessão de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s autorizaçõese/ou permissões revoga<strong>da</strong>s, bem como as que embasariam futuras concessõesde autorizações e/ou permissões.”Forte em tal situação fática, a Autopista analisou o contrato entre aSCGÁS e o DNIT e, trazendo-o a sua esfera de competência, elaborouplanilha de custo de oportuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área e, apurando juntamente com osdemais critérios <strong>da</strong> fórmula supratranscrita, informou à autora a cobrançaimediata do valor de R$ 13.140,00 por quilômetro ocupado.Não há dúvi<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de do procedimento levado aefeito pelo DNIT e pela ANTT para, nos termos <strong>da</strong> lei, transferir <strong>da</strong>quelepara esta a competência sobre a rodovia e, então, proceder à concessãoà Autopista. Sem dúvi<strong>da</strong>s, também, que o contrato de permissão de usoespecial anterior à concessão passaria à esfera <strong>da</strong> ANTT e <strong>da</strong> Autopista.Sem questionar a legitimi<strong>da</strong>de de cobrança por terceiro particular dopreço público então devido ao DNIT, a SCGÁS vem aos autos impugnarespecificamente o novo valor <strong>da</strong> cobrança. Aduz a prevalência do valoranterior e, ademais, critica a unilaterali<strong>da</strong>de e insuficiência de informaçõespara demonstrar a certeza do custo de oportuni<strong>da</strong>de apurado.Ação Ordinária – do valor exigívelA primeira questão trazi<strong>da</strong> à tona diz, então, com a segurança jurídicae a irretroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> norma. Tenho que merece ser modifica<strong>da</strong> asentença para, procedente a ação, declarar a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cobrançaexclusivamente se feita nos exatos limites do contrato originário até ofinal do prazo nele fixado.A execução de serviço ou ativi<strong>da</strong>de pública e o uso dos bens públicospodem ser feitos/utilizados pela pessoa jurídica de direito público quedetém sua titulari<strong>da</strong>de, por outros entes públicos ou por particulares.Neste último caso, se dá mediante concessão, permissão ou autorização.A permissão é ato unilateral, discricionário e precário, forma de descentralizaçãopor colaboração. Apesar de, em regra geral, apresentar-se comtais características, é comum a concessão de permissão mediante contrato92R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


com prazo fixo, o que mitiga a precarie<strong>da</strong>de e denota bilaterali<strong>da</strong>de naavença, embora por adesão. É a chama<strong>da</strong> permissão bilateral, introduzi<strong>da</strong>pelo art. 175 <strong>da</strong> CRFB/88, ao exigir desta espécie de relação os mesmosrequisitos <strong>da</strong> concessão, sujeitando-a às normas de regência dos contratosadministrativos (Leis nº 8.666/93 e nº 8.987/95).Os vícios de re<strong>da</strong>ção destas normas, trazendo confusão à doutrinaacerca <strong>da</strong>s exigências cabíveis nesta forma pública de atuação, não podemtrazer equívocos à interpretação e à análise <strong>da</strong> situação fática destes autos.Os termos em que foi feita a permissão retiram a precisão necessária paradistingui-la <strong>da</strong> concessão, não prosperando qualquer pretensão de veraplica<strong>da</strong> a precarie<strong>da</strong>de absoluta <strong>da</strong> contratação, a ponto de reconhecer apossibili<strong>da</strong>de de a Administração firmar avença com prazo certo e preçofixo e, durante a contratuali<strong>da</strong>de, ceder tais direitos a terceiro particularque, unilateralmente, pretende aplicar de imediato cobrança maior.O contrato é instrumento que firma e fixa a relação entre as partes,não sendo legítimo a qualquer delas alterar seus termos sem aquiescência<strong>da</strong> parte contrária. Embora a relação com o ente público tenha particulari<strong>da</strong>des,como a existência do chamado fato do príncipe e as cláusulasexorbitantes, a modificação dos valores contratados somente tem fun<strong>da</strong>mentaçãolegal quando finaliza restauração do equilíbrio econômico--financeiro, o que definitivamente não é o caso dos autos. A pretensãode majorar cobrança por permissão em mais de 70% (R$ 9.172,99 e R$13.140,00) não encontra qualquer fun<strong>da</strong>mento, sendo legítima a insurgência<strong>da</strong> autora, que por óbvio elaborou todos os seus custos e fixou acobrança de sua ativi<strong>da</strong>de/serviço público de distribuição de gás naturallastrea<strong>da</strong> em tais cálculos.Não prospera alegação de que a finali<strong>da</strong>de do preço cobrado pelaconcessionária <strong>da</strong> rodovia tem resultado benéfico direto na cobrançade seus usuários, pois que o serviço prestado pela autora, também concessionária,não é menos público. Ora, o aumento de seus custos serárepassado aos consumidores, e equivaleria a privilegiar um interessepúblico em detrimento de outro, evidente disparate.Fosse outro o entendimento acerca <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> resolução <strong>da</strong>ANTT neste interregno de 5 anos <strong>da</strong> contratuali<strong>da</strong>de, por óbvio dever-se--ia analisar com parcimônia os critérios de formação do preço, tal comolargura mínima utiliza<strong>da</strong> pela concessionária de gás e, principalmente,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 93


a formação do valor do custo de oportuni<strong>da</strong>de pela concessionária <strong>da</strong>rodovia. Nos termos <strong>da</strong> resolução <strong>da</strong> ANTT, a fórmula para encontro doV (valor de ocupação ) é V = Cm*A + Co, sendo Co o custo anual deoportuni<strong>da</strong>de de ocupação do uso <strong>da</strong> faixa de domínio, a ser definido pelaprópria concessionária. Ora, custo de oportuni<strong>da</strong>de na<strong>da</strong> mais é que conceitoeconômico para indicar o custo de uma renúncia, ou seja, o quantoo sujeito deixa de ganhar executando determinado ato, que benefíciosdeixa de obter a partir dessa oportuni<strong>da</strong>de renuncia<strong>da</strong>. Não se trata decusto de manutenção ou de construção, mas quanto a concessionária <strong>da</strong>rodovia deixa de ganhar autorizando o uso pela concessionária de gáse não por um particular para instalar um out door ou um quiosque. Ouseja, tratar-se-ia de avaliar o Co de um espaço de 0,1674 m de largurasubterrânea a cerca de 1,5 m do acostamento.Assim, forte nos princípios <strong>da</strong> segurança jurídica e <strong>da</strong> irretroativi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> norma, prevalecem os termos do contrato original firmado em 2007,inaplicáveis os termos <strong>da</strong> resolução <strong>da</strong> ANTT de 2008 e as pretensões<strong>da</strong> concessionária ré, cujo contrato também <strong>da</strong>ta de 2008. Findo o contratono prazo fixado (5 anos), caberá, no interesse de ambas e conformegarantias originais, renovação <strong>da</strong> permissão de uso.Passo a analisar, então, a admissibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reconvenção e, supera<strong>da</strong>essa análise, as irresignações <strong>da</strong> apelante neste ponto.Reconvenção – <strong>da</strong>s condições <strong>da</strong> ação <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> reconvencionalDiz o art. 315 do CPC que “o réu pode reconvir ao autor no mesmoprocesso, to<strong>da</strong> vez que a reconvenção seja conexa com a ação principalou com o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> defesa”. A reconvenção tem a mesma estruturae vincula-se aos mesmos pressupostos que to<strong>da</strong> e qualquer deman<strong>da</strong>,acrescentando-se os requisitos específicos dessa espécie de resposta doréu e juízo, na medi<strong>da</strong> em que desencadeia uma cumulação ulterior dedeman<strong>da</strong>s. Sujeita, então, às regras dos arts. 267, 282, 283 e 295, todosdo CPC. Os pressupostos e as condições especialmente colocados paraa admissão <strong>da</strong> reconvenção limitam, em alguma medi<strong>da</strong>, o exercício dodireito de deman<strong>da</strong>r do reconvinte. Para se libertar dessas limitações,basta propor a sua deman<strong>da</strong> de forma autônoma. Especificamente quantoàs condições <strong>da</strong> ação, sujeitas à análise de ofício e em qualquer tempo94R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


e grau de jurisdição.São condições <strong>da</strong> ação a possibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido, a legitimi<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s partes e o interesse processual, subdividido este em necessi<strong>da</strong>dee adequação.“Para que a reconvenção preencha a exigência processual <strong>da</strong> adequação e viabilize oexame <strong>da</strong> pretensão nela veicula<strong>da</strong>, não basta que o réu escolha o processo e o procedimentopróprios para a sua deman<strong>da</strong>, fato que seria suficiente para a caracterização desse aspectodo interesse processual se ele tomasse iniciativa que desse vi<strong>da</strong> a uma nova e particularrelação jurídica processual. Na medi<strong>da</strong> em que a deman<strong>da</strong> reconvencional se insere emum processo já instaurado e se vincula a um procedimento já iniciado, é preciso que areconvenção seja compatível também com eles.” (BONDIOLI, Luis G.A. Reconvençãono processo civil. Saraiva, 2009)E digo mais, por óbvio respeitados os limites temporais e fáticos <strong>da</strong>discussão.Conforme amplamente descrito supra, a autora pugna pela manutençãodo preço pelo uso <strong>da</strong> faixa de domínio no trecho do km 151 + 700 m aokm 163 + 88 m <strong>da</strong> BR 101/SC, conforme contrato de 5 anos com o DNIT.A concessionária ré reconveio pretendendo discutir (a) esse pagamento,nesse trecho e referente a esse contrato, (b) o pagamento nesse mesmotrecho no que diz respeito a eventuais contratos subsequentes e (c) opagamento em outros trechos decorrente de outros contratos.Entendo que a discussão, tal como trazi<strong>da</strong> a juízo, não pode suscitarreconvenção que não diga respeito especificamente ao contrato firmadonaquele trecho e a seus respectivos pagamentos. Descabe, definitivamente,questionar quais os normativos aplicáveis em contratos ain<strong>da</strong>não firmados ou pré-elaborados, pois que além de configurar decisãocondicional, porque situação hipotética, alarga o objeto guerreado nestalide. Lícito ao réu pretender não só a improcedência como também acondenação do autor ao pagamento, o que faz pela via <strong>da</strong> reconvenção.Assim, presentes as condições <strong>da</strong> ação, em especial a de adequação,exclusivamente no pedido “a”, indevi<strong>da</strong> qualquer declaração além dosmarcos fáticos e temporais <strong>da</strong> exordial do autor, de forma que os pedidossupradivididos em “b” e “c” não merecem ser conhecidos.A sentença, ressalvando a impossibili<strong>da</strong>de de alargar o objeto <strong>da</strong> lidemediante reconvenção, não conheceu exclusivamente do pedido “c” e,julgando os pedidos “a” e “b”, deu parcial provimento ao pleitoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 95


“para declarar: a) a aplicação <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT ou do instrumento normativoque a substitua aos contratos administrativos respeitantes à permissão/autorizaçãopara o uso de faixa de domínio <strong>da</strong> rodovia BR 101, a serem celebrados entre a autora e aAutopista Litoral Sul S/A; b) a largura mínima de 0,50 m de ocupação a ser considera<strong>da</strong>no cálculo do valor pelo uso <strong>da</strong> faixa de domínio. Condeno a autora a pagar à ré AutopistaLitoral Sul S/A a quantia anual de R$ 442.818,00 (R$ 13.140,00 por km) pela ocupação <strong>da</strong>faixa de domínio no trecho <strong>da</strong> BR 101– km 118 ao km 151+ 700 m, (...).”Modifico de ofício a sentença <strong>da</strong> reconvenção para conhecer exclusivamentedo pedido condenatório de R$ 442.818,00 ao ano relativamenteao trecho discutido nestes autos, não conhecendo dos demais, pontos emque a ação reconvencional deve ser extinta sem exame de mérito. Conformefun<strong>da</strong>mentação supra, entendo pela procedência <strong>da</strong> ação principalpara declarar a exigibili<strong>da</strong>de do preço nos estritos limites do contratocom o DNIT. Decorrência lógica deste provimento em prol <strong>da</strong> autora éa improcedência do único pedido conhecido na reconvenção <strong>da</strong> ré, queresta totalmente improcedente. Prejudica<strong>da</strong>s as demais alegações.Honorários e PrequestionamentoSucumbente exclusivo o pólo passivo, condeno as rés ao pagamentodos honorários em 10% do valor atribuído à causa.Por fim, ressalvo que não se faz necessário indicar todos os dispositivoslegais e constitucionais nos quais se fun<strong>da</strong> a decisão, desde quefun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> e motiva<strong>da</strong>mente exponha suas razões.Ante o exposto, voto por de ofício extinguir em parte a reconvençãosem exame de mérito e, na parte em que julga<strong>da</strong>, negar-lhe procedência,e <strong>da</strong>r provimento ao recurso de apelação para julgar procedente a açãoprincipal.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Pedi vista dos autos para examiná-los, em face <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> causa.Com a devi<strong>da</strong> vênia, divirjo <strong>da</strong> ilustre Relatora.In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as bem-lança<strong>da</strong>s consideraçõespostas pelo ilustre Juiz <strong>Federal</strong> Dr. Gustavo Dias de Barcellos a fls.503-9, verbis:“Ação ordinária96R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


I. Controverte-se no caso acerca do valor devido pela autora à concessionária <strong>da</strong> rodoviaBR 101, em virtude do uso <strong>da</strong> faixa de domínio de trecho compreendido entre o km 118 aokm 151+700 m <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> rodovia, para a implementação <strong>da</strong> rede de distribuição de gásnatural denomina<strong>da</strong> ramal Tijucas-Itajaí.Salienta-se, em primeiro lugar, que a União, por meio <strong>da</strong> agência Nacional de TransportesTerrestres – ANTT, celebrou com a empresa Autopista Litoral Sul S/A contrato deconcessão <strong>da</strong>s rodovias BR 116/376/PR e 101/SC – trecho Curitiba-Florianópolis –, para aexploração <strong>da</strong> infraestrutura e a prestação de serviços públicos e obras, mediante pedágio(doc. 02 – anexo).Segundo o referido contrato (Cláusula 7.7), ‘os convênios e as autorizações para utilização,por enti<strong>da</strong>des prestadoras de serviços públicos e entes privados, <strong>da</strong> faixa de domíniodo trecho integrante do Lote Rodoviário e de seus respectivos acessos deverão obedecer àsdisposições regulamentares <strong>da</strong> ANTT.’ (Doc. 2, p. 23 – anexo).Feitas essas ressalvas, importa dizer que a ‘faixa de domínio’ <strong>da</strong> rodovia é compreendi<strong>da</strong>por pistas de rolamento, canteiros, acostamentos, sinalização, faixa lateral de segurança etc.O uso privativo de qualquer parte <strong>da</strong> faixa de domínio, mesmo que por outro órgão público,não pode ocorrer pura e simplesmente, devendo ser precedido de autorização, permissãoou concessão do poder público responsável, já que se trata de bem público de uso comum.É incontroverso nos autos que a autora não possuiu autorização ou permissão para autilização <strong>da</strong> faixa de domínio do trecho rodoviário em questão. O contrato de permissãoespecial de uso de faixa de domínio anteriormente firmado com o DNIT, sem efeito após aconcessão de parte <strong>da</strong> rodovia BR 101 para a empresa ré (doc. 2 do anexo, p. 4), compreendetrecho (km 151+700 m ao km 163+088 m – fls. 30-35 <strong>da</strong> cautelar em apenso) diverso doobjeto <strong>da</strong> presente ação (km 118 ao km 151+700 m).De outro lado, não há qualquer óbice à exigência de remuneração como contraparti<strong>da</strong>à permissão de uso de faixa de domínio na situação em comento. Na ver<strong>da</strong>de, a permissãode uso caracteriza-se por ser um ‘ato administrativo unilateral, discricionário e precário,gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa debem público, para fins de interesse público’ (Maria Sylvia Zanella di Pietro in DireitoAdministrativo. 15. ed., Atlas, p. 565).Importante ressaltar, que a Lei nº 8987/95, que regulamenta o artigo 175 <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>, autoriza o poder concedente a prever em favor <strong>da</strong> concessionária (Autopista LitoralSul S/A no caso) fontes de ren<strong>da</strong> complementares, alternativas ou acessórias (art. 11), comofeito no contrato de concessão firmado entre a ANTT e a empresa ré, em relação à receitadecorrente <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> faixa de domínio <strong>da</strong> rodovia por terceiro:‘7.2. Constituem receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associadosquaisquer receitas <strong>da</strong> Concessionária não advin<strong>da</strong>s do recebimento de pedágioou de aplicações financeiras, sejam elas direta ou indiretamente provenientes de ativi<strong>da</strong>desvincula<strong>da</strong>s à exploração <strong>da</strong> Rodovia, <strong>da</strong>s suas faixas marginais, dos acessos ou <strong>da</strong>s áreas deserviço e lazer, inclusive decorrentes de publici<strong>da</strong>de’ (Doc. 2 do anexo, p. 22).Por força <strong>da</strong> Lei nº 10.233/2001, cumpre à Agência Nacional de Transportes terrestres,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 97


além <strong>da</strong> celebração de contratos de concessão de rodovias federais (artigo 26, inciso VI),estabelecer as normas e os regulamentos respeitantes à exploração <strong>da</strong>s rodovias (artigo 24,inciso IV).Atendendo a este mister, a ANTT editou a Resolução nº 2.552, de 28 de fevereiro de2008, que assim dispõe:‘Art. 1º. Serão considera<strong>da</strong>s receitas extraordinárias as receitas complementares,acessórias, alternativas e de projetos associados, caracteriza<strong>da</strong>s por fontes que não sejamprovenientes de arreca<strong>da</strong>ção de pedágio e de aplicações financeiras.Art. 2º. Para ca<strong>da</strong> projeto gerador de receitas extraordinárias deverá ser celebrado umContrato de Receita Extraordinária – CRE entre a concessionária de rodovia e terceiros.[...]TÍTULO IIRECEITAS EXTRAORDINÁRIAS ADVINDAS DA FAIXA DE DOMÍNIOArt. 10. Todo e qualquer CRE que envolver projeto de engenharia deverá ser previamenteanalisado pela concessionária e autorizado pela ANTT antes de sua celebração.Art. 11. O valor a ser cobrado pela ocupação de uso <strong>da</strong> faixa de domínio é definidopela fórmula:V = Cm*A+CoSendo:V = valor <strong>da</strong> ocupação de uso <strong>da</strong> faixa de domínio por m².Cm = custo mínimo de manutenção <strong>da</strong> faixa de domínio, de R$ 1,14 m² ao ano.A = área ocupa<strong>da</strong>.Co = custo de oportuni<strong>da</strong>de de ocupação <strong>da</strong> faixa de domínio definido pela concessionária<strong>da</strong> rodovia por m².Parágrafo único. O valor do custo mínimo de manutenção será reajustado anualmentepelo IPCA.’ (fl. 343)Aplicando a fórmula acima discrimina<strong>da</strong>, a concessionária encontrou o valor anual de R$13.140,00 por km {V = R$ 1,14 x 500 m² (0,5 m x 1000 m) + (R$ 25,14x500 m²)} (fl. 249).A autora, por sua vez, impugnou o cálculo por entender que área ocupa<strong>da</strong> pela rede de gásnatural tem um valor médio de 0,1674 m² e não 0,50 m², como atribuído pela concessionária;que o valor do custo de oportuni<strong>da</strong>de (Co) não foi demonstrado e justificado e que deveser observado no caso o critério de cálculo estabelecido na Resolução DNIT nº 11/2008.II. Da aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT – Correção dos valores exigidospela concessionáriaAo contrário do que afirma a parte autora, a Resolução nº 11, de 27 de março de 2008,edita<strong>da</strong> pelo DNIT, não pode ser utiliza<strong>da</strong> para a composição do preço pelo uso <strong>da</strong> faixa dedomínio de trecho <strong>da</strong> BR 101.O DNIT, por força <strong>da</strong> Lei nº 10.233/01, não tem competência para fixar regras relativasàs rodovias; objeto de contrato de concessão entre a ANTT e terceiro. É o que se compreendedo artigo infra transcrito:‘Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:98R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


[...]IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação,os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias,ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetua<strong>da</strong>sas outorga<strong>da</strong>s às companhias docas; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.518, de 2007)§ 1º As atribuições a que se refere o caput não se aplicam aos elementos <strong>da</strong> infra-estruturaconcedidos ou arren<strong>da</strong>dos pela ANTT e pela Antaq. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.561, de13.11.2002).’ (Sem grifos no original)Impõe-se, portanto, a aplicação <strong>da</strong> fórmula inserta na Resolução nº 2.552/08, <strong>da</strong> AgênciaNacional de Transporte Terrestre, único órgão competente para a elaboração e ediçãode normas pertinentes à exploração de rodovias concedi<strong>da</strong> (Lei nº 10.233/01, art. 24, IV).No que toca aos elementos de cálculo utilizados na referi<strong>da</strong> fórmula e impugnados pelaautora, tem-se que:1. Não há equívoco na área de 0,50 m² usa<strong>da</strong> pela concessionária no cálculo do valordevido por quilômetro, apesar de a área efetivamente ocupa<strong>da</strong> pela rede de distribuição de gástotalizar em torno de 0,1674 m². É que deve ser considera<strong>da</strong> no cálculo uma área adicionalde segurança, a fim de se evitar prejuízos à rede de tubulação em virtude <strong>da</strong> colocação deoutra estrutura, como placas, postes de sustentação etc.A área mínima de 0,50 m², na ver<strong>da</strong>de, foi determina<strong>da</strong> pela própria ANTT, conformese observa do Ofício nº 146/2009 (documento 14 do anexo). Importante frisar, ain<strong>da</strong>, quedita área também consta <strong>da</strong> Resolução DNIT nº 11/2008, invoca<strong>da</strong> pela autora em seusarrazoados.2. O custo de oportuni<strong>da</strong>de de ocupação <strong>da</strong> faixa de domínio é definido pela concessionária,de acordo com a Resolução ANTT nº 2552/2008, sendo, no caso, calculado a partirdos itens constantes <strong>da</strong> Instrução Técnica 7.5.35, a saber (documento 15 do anexo 2):– utilização (valor de utilização <strong>da</strong> faixa de domínio, valores pagos em desapropriações);– conservação/manutenção;– CFTV + Cabo (referente a 172 câmeras instala<strong>da</strong>s na rodovia);– faixa de domínio (relativo à equipe para a fiscalização <strong>da</strong> faixa de domínio);– verba de aparelhamento <strong>da</strong> Polícia Rodoviária <strong>Federal</strong> e de inspeção de tráfego.Não se trata, assim, de valor aleatoriamente fixado pela concessionária como asseveraa autora, mas amparado em critérios objetivos e atuariais.Demais disso, não foi comprova<strong>da</strong> nos autos a inadequação ou abusivi<strong>da</strong>de do montanteexigido a este título, mister que competia à parte autora de acordo com o artigo 333, incisoI, do Código de Processo Civil.Logo, correta a cobrança de R$ 25,14 por m² a título de custo de oportuni<strong>da</strong>de de ocupaçãoe, em consequência, do valor anual de R$ 13.140,00 por quilômetro em virtude douso <strong>da</strong> faixa de domínio pela autora.III. Conclui-se, ante o dito acima, que a utilização <strong>da</strong> faixa de domínio do trecho situadoentre os quilômetros 118 e 151 + 700 m <strong>da</strong> BR 101 pela autora é completamente ilegal,porquanto despi<strong>da</strong> <strong>da</strong> necessária autorização <strong>da</strong> Agência Nacional de Transportes TerrestresR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 99


e <strong>da</strong> celebração de contrato com a concessionária <strong>da</strong> rodovia. Desse modo, resta descabi<strong>da</strong>a manutenção <strong>da</strong> antecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela, concedi<strong>da</strong> porque a autora demonstroua princípio intenção conciliatória, não confirma<strong>da</strong> no decorrer do processo.RECONVENÇÃOBusca a ré Autopista Litoral Sul S/A a condenação <strong>da</strong> autora ao pagamento de R$442.818,00 (R$ 13.140,00 por km) ao ano pela ocupação <strong>da</strong> faixa de domínio no trecho <strong>da</strong>BR 101 em discussão (km 118 ao km 151 + 700 m) e de R$ 1.053.341,82 (R$ 13.140,00por km) ao ano pelos demais trechos ocupados (80,163 km), bem como a declaração deque se aplica ao caso a Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT e a largura mínima de 0,50 m deocupação <strong>da</strong> faixa de domínio.As questões referentes à utilização <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT para o cálculo dovalor devido e a largura mínima de ocupação (0,50 m) a ser considera<strong>da</strong> no aludido cálculojá foram enfrenta<strong>da</strong>s e defini<strong>da</strong>s acima, concluindo-se pela correção e legali<strong>da</strong>de do cálculo edo montante exigido pela concessionária, no total de R$ 13.140,00 por quilômetro ocupado.De outra ban<strong>da</strong>, o artigo 315 do Código de Processo Civil admite a reconvenção nassituações em que há conexão com a ação principal ou com o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> defesa, ouseja, quando coincidente o objeto ou a causa de pedir no que refere à conexão com a açãoprincipal (CPC, artigo 103). A ampliação do objeto <strong>da</strong> lide na reconvenção, porém, não éadmiti<strong>da</strong> por desconfigurar o pressuposto <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de objeto.Deste modo, não admito a reconvenção no tocante ao pedido de condenação <strong>da</strong> autoraao pagamento <strong>da</strong> quantia anual de R$ 1.053.341,82, relativa aos trechos ocupados pelaautora em razão de contratos anteriormente firmados com o DNIT.O fato de a autora ter depositado a quantia exigi<strong>da</strong> pela reconvinte na via administrativacom relação a tais trechos não significa que estes façam parte <strong>da</strong> ação principal, cujo pedidoé específico e limitado ao trecho concernente ao km 118 ao km 151 + 700 m.Por fim, ressalto que a presente decisão não substitui a autorização <strong>da</strong> ANTT nem ocontrato administrativo a ser firmado entre as partes. No entanto, como a autora/reconvin<strong>da</strong>efetivamente tem ocupado a faixa de domínio do trecho <strong>da</strong> BR 101 em questão (km118 ao km 151 + 700 m), faz jus a reconvinte ao pagamento pela ocupação nos termos <strong>da</strong>Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT.”Correto o decisum.A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisãounilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública,podendo ser exercido ain<strong>da</strong> que nenhuma cláusula expressa o consigne,porém, a alteração somente pode atingir as denomina<strong>da</strong>s cláusulas regulamentares,isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato eo modo de sua execução.No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabelecema remuneração e os direitos do contratado perante a Administraçãoe dispõem acerca <strong>da</strong> equação econômico-financeira do contrato adminis-100R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


trativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público semque se proce<strong>da</strong> à devi<strong>da</strong> compensação econômica do contratado, visandorestabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes.Esse o magistério do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles, in Licitaçãoe Contrato Administrativo. 9. ed. Revista dos Tribunais, 1990. p.181-2.É o que se encontra previsto nos arts. 37, XXI, e 175, III, <strong>da</strong> CF/88,bem como no art. 9º, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 8.987/95.A concessionária, a teor do disposto no art. 6º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 8.987/95,tem o dever de satisfazer as condições de regulari<strong>da</strong>de, continui<strong>da</strong>de,eficiência, segurança, atuali<strong>da</strong>de, generali<strong>da</strong>de, cortesia na sua prestaçãoe modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas.Ora, o não atendimento desses encargos importa na aplicação de penali<strong>da</strong>desque podem originar, inclusive, a extinção <strong>da</strong> concessão.A respeito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obraPrestação de Serviços Públicos e Administração Indireta. 2. ed. – 3ªtiragem. RT, 1987. p. 47-8, verbis:“No Brasil, a álea ordinária, ou seja, o único risco que o concessionário deve suportarsozinho, cinge-se aos casos em que o concessionário haja atuado canhestramente, procedendocom ineficiência ou imperícia. Isto porque o art. 167 <strong>da</strong> Carta Constitucional do país estatuique a lei disporá sobre o regime <strong>da</strong>s concessionárias de serviços públicos federais, estaduais emunicipais, assegurando, entre outros, ‘tarifas que permitam a justa remuneração do capital,o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeirodo contrato e fiscalização permanente e revisão periódica <strong>da</strong>s tarifas, ain<strong>da</strong> que estipula<strong>da</strong>sem contrato anterior’.Ora, desde que o texto constitucional exige a adoção de tarifas que assegurem a justaremuneração do capital, impõe a garantia do equilíbrio econômico e financeiro e requer arevisão periódica <strong>da</strong>s tarifas, está visto que, sempre que ocorrer desequilíbrio na equaçãopatrimonial – mesmo que derivado de oscilações de preços no mercado, insuficiência donúmero de usuários, ou de providências governamentais desempenha<strong>da</strong>s em nome de suasupremacia geral e sem relação com a posição jurídica de contratante que haja assumido –, oPoder concedente deverá restabelecer o equilíbrio por meio <strong>da</strong> revisão de tarifas, de modo nãosó a restaurar-lhe os termos de igual<strong>da</strong>de, mas ain<strong>da</strong> com fito de assegurar a justa retribuiçãodo capital. Em outras palavras, a Lei Magna impõe indiretamente a adoção, nas concessões,do regime de serviço pelo custo, <strong>da</strong>ndo a garantia de uma margem fixa de lucro.”Tais princípios restaram definitivamente incorporados no DireitoAdministrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Con-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 101


selho de Estado <strong>da</strong> França, no caso <strong>da</strong> Companhia de Gás de Bordeaux,proferido em 1916, em que se destacou a notável contribuição de Chardenet,verbis:“Mais tout service public doit être organisé <strong>da</strong>ns des conditions qui permettent de comptersur son fonctionnement d’une manière régulière, sans interruption, même momentanée,sans à-coups, passez-nous l’expression, et qui, en même temps, seront de nature à donnerpleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux,fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Propriétaires et Contribuablesdu quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également,et cela <strong>da</strong>ns l’intérêt général, que le service public soit à l’abri d’incessantes ou de tropfréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles <strong>da</strong>ns le fonctionnementou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour uncertain nombre d’années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraienty être apportés. Mais, au cours d’une période de temps un peu longue, bien des événementspeuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins semodifier. D’autre part, pour la bonne organisation et l’heureux fonctionnement d’un servicepublic important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent êtreimmobilisés pour longtemps. Si nous prenons l’exemple du service d’éclairage, au débuton aura à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faireface à des frais d’entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements dematériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des perfectionnementsdes moyens de fabrication, dont les bénéficiairesdu service public doiventprofiter. Au cours de l’execution du service, il faudra passer, presque toujours longtempsà l’avance, des marchés importants pour s’assurer les matières premières nécessaires àla fabrication du gaz. Les dépenses que l’on aura ainsi engagées seront amorties peu àpeu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue. Pour éviter d’exposerla personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, – pour luiéviter d’engager ses ressources propres <strong>da</strong>ns des opérations commerciales ou industriellesqu’impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d’être obligée de recourirparfois à des emprunts plus ou moins onéreus, – on a songé à s’adresser à des tiers,particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur euxdu soin d’assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.” (In Revue duDroit Public et de la Science Politique, M. Giard & E. Brière Editeurs, Paris, 1916, Tomo33, p. 220-1)É o magistério autorizado de Georges Péquignot, verbis:“Le cocontractant a droit à la rémunération inscrite <strong>da</strong>ns son contrat. C’est le principede la fixité du prix du contrat. Il n’a consenti son concours que <strong>da</strong>ns l’espoir d’un certainbénéfice. Il a accepté de prendre à sa charge des travaux et des aléas qui, s’il n’avait pasvoulu contracter, auraient été supportés par l’Administration: il est normal qu’il en soirémunéré.102R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Il serait, par ailleurs, contraire à la règle de bonne foi, contraire aussi à toute sécuritédes affaires et, de ce fait, <strong>da</strong>ngereux pour l’état social et économique, que l’Administrationpuisse modifier, spécialment réduire, cette rémunéiation.”E, mais adiante, conclui o mesmo autor, verbis:“(...) l’Administration, lorsqu’elle modifie le contrat sur un point qui intéresse le servicepublic, doit cepen<strong>da</strong>nt maintenir son équation financière, c’està-dire, le bénéfice que lecocontractant espérait tirer de l’opération. A fortiori, toute autre modification étant miseà part, cette équation financière doit-elle être maintenue par l’impossibilité de réduire oude supprimer directement la rémunération en vue de laquelle le cocontractant s’est engagé.Ce principe est fon<strong>da</strong>mental. Il doit être entendu très rigoureusement, car, applicationparticulière de l’idée d’équation financière, il est la source de la sécurité juridique ducocontractant de l’Administration.” (In Théorie Générale du Contrat Administratif. A.Pédone, Paris, 1945, p. 434-5)Confiram-se, a respeito, recentes decisões do Eg. STJ, verbis:“AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR N° 74 – PR(2004/0031293-3)Relator: Ministro Edson VidigalAgravante: Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A – EconorteAdvogados: Romeu Felipe Bacellar Filho e outrosAgravado: Estado do ParanáProcuradores: Sérgio Botto de Lacer<strong>da</strong> e outrosRequerido: <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTASuspensão de liminar. Tutela antecipa<strong>da</strong> deferi<strong>da</strong> para assegurar o reajuste de tarifas depedágio pela empresa concessionária.1. Não há como se concluir por ofensa à ordem ou à economia públicas em decisãoconcessiva de tutela antecipa<strong>da</strong> que apenas assegurou o cumprimento de cláusula contratuallivremente firma<strong>da</strong> entre as partes e não questiona<strong>da</strong> administrativamente ou em juízo.2. Perigo de <strong>da</strong>no inverso. O simples descumprimento de cláusulas contratuais por partedo governo local viola o princípio <strong>da</strong> segurança jurídica e inspira riscos nos contratos coma Administração.3. Agravo regimental provido.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acor<strong>da</strong>m os Ministros <strong>da</strong> Corte Especial,do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, na conformi<strong>da</strong>de dos votos e <strong>da</strong>s notas taquigráficas, aseguir, por unanimi<strong>da</strong>de, conhecer do agravo regimental e <strong>da</strong>r-lhe provimento, nos termosdo voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Francisco PeçanhaMartins, Humberto Gomes de Barros, César Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Arnaldo <strong>da</strong>Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, HamiltonCarvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto e Luiz Fux votaram com o Sr.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 103


Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.Ausentes, justifica<strong>da</strong>mente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado,Gilson Dipp e Francisco Falcão, sendo os três últimos substituídos, respectivamente, pelosSrs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira.Brasília (DF), 1º de julho de 2004 (<strong>da</strong>ta do julgamento).Ministro Nilson Naves, PresidenteMinistro Edson Vidigal, Relator” (Publicado no DJ de 23.08.2004 – In RSTJ, 180/21)Nessa mesma orientação, os julgados publicados na RSTJ, 181/31 e182/49.Preciso o magistério de Hely Lopes Meirelles, in Estudos e Pareceresde Direito Público, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, v. 11, p.120-1, verbis:“O equilíbrio econômico-financeiro é a relação que as partes estabelecem inicialmenteno contrato administrativo, entre os encargos do particular e a retribuição devi<strong>da</strong> pela enti<strong>da</strong>deou órgão contratante, para a justa remuneração do seu objeto (cf. nossa Licitação eContrato Administrativo, ob. cit., p. 184).Essa correlação encargo-remuneração deve ser conserva<strong>da</strong> durante to<strong>da</strong> a execução docontrato, mesmo que altera<strong>da</strong>s as cláusulas de serviço, modificados projetos e programas,liberados trabalhos em quanti<strong>da</strong>des inferiores às previstas, ou superados os prazos contratuaispor mora <strong>da</strong> Administração, a fim de que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro,o qual, como bem observa Waline, é ‘direito fun<strong>da</strong>mental de quem contrata com a Administração’(Marcel Waline. Droit Administratif, Paris, 1959, p. 574). Para De Soto, citadopor Laubadère, ‘a manutenção desse equilíbrio constitui norma fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> teoria doscontratos administrativos. As obrigações <strong>da</strong>s partes são ti<strong>da</strong>s como calcula<strong>da</strong>s de tal maneiraque se equilibram do ponto de vista financeiro e o responsável pelo contrato deveráesforçar-se para manter, a qualquer custo, esse equilíbrio’ (André De Laubadère, ContratsAdministratifs, Paris, 1956, II/35, nota 6).5. O reconhecimento do direito ao equilíbrio financeiro – o primeiro direito originaldo co-contratante com o Poder Público, segundo Péquignot (Théorie Générale du ContratAdministratif, Paris, 1945, p. 430) – surgiu como contra parti<strong>da</strong> ao poder-dever de alteraçãounilateral do contrato administrativo, mas vale também para os casos em que, impedidode invocar a exceção de contrato não cumprido, o particular contratado se vê obrigado asuportar o cumprimento irregular do ajuste ou a mora <strong>da</strong> Administração contratante.Com efeito, o contrato administrativo, por parte <strong>da</strong> Administração, destina-se ao atendimento<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lucro, pormeio <strong>da</strong> remuneração consubstancia<strong>da</strong> nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucrohá que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste porque, se de um lado a Administraçãotem o poder de modificar as condições de execução do contrato e de exigir a prestação <strong>da</strong>outra parte, ain<strong>da</strong> que ela mesma não tenha cumprido a sua, de outro lado, o particularcontratado tem o direito de ver manti<strong>da</strong> a correlação encargo-remuneração estabeleci<strong>da</strong>104R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


originariamente, uma vez que o seu objetivo ao participar <strong>da</strong> relação negocial foi – e continuasendo – o ganho pecuniário. Objetivo altamente lícito e respeitável, diga-se de passagem,que a Administração contratante não pode, va1i<strong>da</strong>mente, restringir, exigindo que, a partirde um <strong>da</strong>do momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas eaté mesmo prejudiciais ao contratado, sem qualquer culpa deste.6. Para a cabal satisfação desse direito, é forçoso se operem os necessários ajusteseconômicos sempre que, por ato ou fato <strong>da</strong> Administração, for rompido o equilíbrio econômico-financeiro,em detrimento do particular contratado, independentemente de previsãocontratual, como nos ensina Laubadère, nestes precisos termos: ‘Cette règle d’equilibreest quelque fois considerée comme résultant de la commune intention des parties; elles’applique, en tous cas, même lorsqu’el1e ne figure pas expressément <strong>da</strong>ns le contrat’(André de Laubadère. Traité Élémentaire de Droit Administratif, Paris, 1957, p. 431. Nomesmo sentido: Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, 1975, p. 293).7. Por outro lado, se o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro inicia1, na hipótesede alteração unilateral do ajuste, constitui dever <strong>da</strong> Administração contratante; com muitomais razão é direito <strong>da</strong>quele e dever desta, nos casos em que o órgão ou enti<strong>da</strong>de contratanteabusa de sua posição privilegia<strong>da</strong> para descumprir ou cumprir irregularmente suas prestações,ou ain<strong>da</strong> suspender os prazos contratuais, obrigando o particular a suportar encargosexcessivos, os quais, por não terem sido cogitados quando <strong>da</strong> elaboração <strong>da</strong> proposta ou <strong>da</strong>celebração do contrato, representam insuportáveis prejuízos, mormente numa conjunturaem que o custo do dinheiro é altíssimo e a inflação avilta a moe<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> dia.”Da mesma forma, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, inRevista Trimestral de Direito Público, v. 38/143-4, verbis:“6. A legislação brasileira, a começar <strong>da</strong> Constituição, proclama a intangibili<strong>da</strong>dedo equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Deveras o art. 37, XXI, <strong>da</strong> LeiMagna dispõe que ‘(...) obras, serviços, compras e alienações serão contratados, medianteprocesso de licitação pública que assegure igual<strong>da</strong>de de condições a todos os concorrentes,com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento manti<strong>da</strong>s as condições efetivas<strong>da</strong> proposta (...)’.O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondênciaentre as obrigações de pagamento e as condições efetivas <strong>da</strong> proposta. Dado que as partes seobrigarão em face <strong>da</strong>quelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverãode correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaramem sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional,necessitam resguar<strong>da</strong>r a correlação estratifica<strong>da</strong> sobre as condições efetivas em vista <strong>da</strong>squais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados sehouver supervenientes desconcertos.É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo <strong>da</strong>quilo que, emdireito administrativo, é denominado ‘equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo’,com os decorrentes reajustes e revisões.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 105


7. No âmbito infraconstitucional, o equilíbrio econômico-financeiro também se encontraenfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.06.1993, que veicula regrasgerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumi<strong>da</strong>de em numerosas passagens.Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40. XIe XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e 65, II, d, assim como em seu § 5º.É certo, além disso, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.02.1995, também encarecea proteção à equação econômico-financeira e exige-lhe a persistência ao longo <strong>da</strong>relação instaura<strong>da</strong>. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido ‘serápreserva<strong>da</strong> pelas regras de revisão’.O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece estampa<strong>da</strong>mentenos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que:‘Os contratos poderão estabelecer mecanismos de revisão <strong>da</strong>s tarifas, a fim de manter-se oequilíbrio econômico e financeiro’; que: ‘Ressalvados os impostos sobre a ren<strong>da</strong>, a criação,alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação <strong>da</strong>proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão <strong>da</strong> tarifa para mais ou paramenos, conforme o caso’; e que: ‘Em havendo alteração unilateral do contrato que afeteo seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo,concomitantemente à alteração’.O art. 18 <strong>da</strong> mesma lei dispõe que: ‘O edital de licitação será elaborado pelo poderconcedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais <strong>da</strong> legislação própriasobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) VIII – os critérios de reajuste erevisão <strong>da</strong>s tarifas’.O art. 23, entre as cláusulas categoriza<strong>da</strong>s como essenciais ao contrato de concessão,em seu inciso IV, inclui as relativas ‘ao preço do serviço e aos critérios e procedimentospara o reajuste e a revisão <strong>da</strong>s tarifas’.É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como ade contratos administrativos em geral e os princípios gerais desses se aplicam às licitaçõespara concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 – consagram insistentementea garantia do equilíbrio econômico-financeiro, tanto pelo instituto <strong>da</strong> revisão, quanto dosreajustes.Tudo isso está a revelar, inobjetavelmente, a decidi<strong>da</strong> orientação legislativa de asseguraro equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.”No que concerne às limitações que sofre a Administração Públicapara promover alterações unilaterais no contrato administrativo, nota<strong>da</strong>menteo contrato de concessão do serviço público, averba André deLaubadère, em seu já clássico Traité des Contrats Administratifs. 2. ed.Paris: L.G.D.J., 1984. Tomo 2º. p. 406, n. 1177, verbis:“D’une part, l’administration et son cocontractant ont conclu un certain contrat, ayantun certain objet: l’administration ne peut prétendre imposer une modification qui aboutiraità dénaturer le contrat, à lui donner en fait un objet nouveau, différent de celui qui a été106R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


envisagé <strong>da</strong>ns la commune intention des parties; D’autre part, le cocontractant a conclu lecontrat en considération de certaines conditions, notamment de ses possibilités techniqueset financières. L’administration ne peut prétendre imposer des modifications qui aboutiraientpar leur importance à un bouleversement du contrat et de son économie générale.”Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, os seguintes autores: Jean de Soto, in DroitAdministratif – Theorie Generale du Service Public. Paris: Montchrestien,1981, p. 339; Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Administratif.6. ed. Paris: Libr. du Recueil Sirey, 1952, 392-3, § 3º; JeanRivero, in Droit Administratif, 8. ed. Paris: Dalloz, 1977, p. 454-5, n.481; Jacqueline Morand-Deviller, in Cours de Droit Administratif. 3.ed. Paris: Montchrestien, p. 362, ‘C’; Georges Dupuis, Marie J. Guédon,Patrice Chrétien, in Droit Administratif. 7. ed. Paris: Armand Colin, p.403, ‘B’; Laurent Richer, in Droit des Contrats Administratifs. Paris:L.G.D.J., 1995, p. 198; Gaston Jèze, in Les Principes Généraux du DroitAdministratif – Théorie Générale des Contrats de L’Administration.Paris: Troisième Partie, L.G.D.J., 1936, 1.142.Em palavras lapi<strong>da</strong>res, a propósito do alcance <strong>da</strong> garantia do equilibrioeconômico-financeiro do contrato administrativo, anotam Nicola Assinie Lucio Marotta, in La Concessione di Opere Pubbliche, CEDAM--PADOVA, 1981, p. 73-4, verbis:“È un principio pacifico che la gestione sia svolta <strong>da</strong>l concessionario a suo rischio epericulo. Ma è altrettanto evidente che rischi e pericoli sono a carico del concessionariosolo in condizioni di normale svolgimento del rapporto economico regolato fra le parti<strong>da</strong>lla convenzione accessiva all’atto di concessione.Fra le obbligazioni de concedente e quelle des concessionario si stabilisce all’inizioun certo rapporto ed è questo rapporto che deve essere mantenuto nel tempo, anche se ciòdovesse richiedere un mutamento delle obbligazioni assunte originariamente <strong>da</strong>lle parti.Interessato particolarmente al mantenimento di questo rapporto è naturalmente ilconcessionario, che eviterà cosí di doversi accollare i rischi di gestione dipendenti <strong>da</strong>avvenimenti eccezionali ed imprevedibili. Ma anche il concedente ha interesse che ilconcessionario non venga mai a trovarsi in crisi in dipendenza di fatti che non gli sianoaddebitabili, poiché altrimenti verrebbe pregiudicato il perseguimento del fine pubblicoche l’atto di concessione si riprometteva.È nella logica della concessione che gli interessi delle parti non debbano risentire diquella contrapposizione o antiteticità che normalmente si verifica in qualsiasi altro rapportoobbligatorio scaturente <strong>da</strong> contratto. Concedente e concessionario sono in effetti legati<strong>da</strong> un rapporto del tutto peculiare, per cui essi vengono a trovarsi, secondo una plasticaespressione, nella stessa barca.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 107


Essa interpretação resulta do texto <strong>da</strong> Lei Maior, nos arts. 37, XXI, e175, III, <strong>da</strong> CF/88, que garante ao concessionário do serviço público ajusta remuneração pela prestação do serviço, o que se verifica por meio<strong>da</strong> tarifa.Ora, permitir que o Poder Público, por ato unilateral, alterasse o valor<strong>da</strong> tarifa, reduzindo-o, seria infringir o intento constitucional, comprometendoo equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão,com repercussões negativas na prestação do serviço público e no própriodesdobramento do contrato, pondo em risco a continui<strong>da</strong>de e a regulari<strong>da</strong>de<strong>da</strong> prestação do serviço.Impõe-se, aqui, recor<strong>da</strong>r as palavras de Sutherland, a propósito <strong>da</strong>interpretação <strong>da</strong>s cláusulas constitucionais, verbis:“No Court is authorized to so construe a clause of the constitution as to defeat its obviousends, when another construction, equally accor<strong>da</strong>nt with the words and sense, willenforce and protect those ends. (...) a Court has no right to insert anything in the constitutionwhich is not expressed and cannot fairly be implied, and when the text of a constitutionalprovision is not ambiguous, the courts are not at liberty to search for its meaning beyondthe instrument itself.” (William A. Sutherland, in Notes on the Constitution of the UnitedStates. San Francisco: Bancroft-Whitney Company, 1904. p. 28-9)Benignius leges interpretan<strong>da</strong>e sunt, quo voluntas eorum conservetur(Celso, Dig. 1, 3, 18).Ademais, como sabido, os atos e contratos praticados pelo PoderPúblico, sua vali<strong>da</strong>de, sua extensão e sua eficácia, somente poderão serapreciados à luz <strong>da</strong>s regras de direito público, nota<strong>da</strong>mente o princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, hoje insculpido no art. 37 <strong>da</strong> CF/88.A respeito, bem lembrou Hartmut Maurer, verbis:“Le problème principal du contrat administratif, du point de vue juridique, est le principede la soumission de l’administration à la loi et au droit (Gesetzmässigkeit der Verwaltung).Alors que le droit civil est marqué par le principe d’autonomie des relations entre personnesprivées (Privatautonomie) et que, par suite, il est axé précisément sur le contrat, considérécomme moyen d’aménagement des rapports entre individus (Gestaltungsmittel), le droitadministratif est dominé par le principe de légalité. Les règles juridiques s’imposant àl’administration régissent de plus en plus étroitement les rapports qu’elle a avec le citoyen,comme le montre l’extension du domaine réservé à la loi, la soumission croissante dupouvoir discrétionnaire à des règles de droit, la reconnaissance de droits subjectifs et ledéveloppment de la protection juridictionelle.” (In Droit Administratif Allemand. Traduitpar M. Fromont. Paris: L.G.D.J., 1994. p. 378-9, n. 25, ‘c’)108R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


A respeito, ain<strong>da</strong>, anotou a ilustre representante do MPF, Dra. SamanthaChantal Dobrowolski, em exaustivo parecer, a fls. 599v/602, verbis:“6. O recurso não comporta provimento.7. A presente deman<strong>da</strong> foca-se na inconformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> apelante com relação aos valorescobrados pela apela<strong>da</strong> para a utilização <strong>da</strong> faixa de domínio em questão. Para isso, alegaserem abusivos os valores estipulados pela ora apela<strong>da</strong>, destacando a diferença com relaçãoaos valores cobrados pela DNIT em situações semelhantes.8. Primeiramente, com relação à competência <strong>da</strong> ANTT ao caso concreto, ao contráriodo que alega a recorrente, importa destacar que é inaplicável a Resolução DNIT nº 11, de 29de março de 2008. Isso porque, in casu, é preciso fazer uma análise <strong>da</strong> Lei nº 10.233/2001:‘Art. 22. Constituem a esfera de atuação <strong>da</strong> ANTT: II – a exploração <strong>da</strong> infra-estruturaferroviária e o arren<strong>da</strong>mento dos ativos operacionais correspondentes;(...)Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais:(...)IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais,garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte,mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;V – editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infra-estrutura e deprestação de serviços de transporte terrestre, celebrando e gerindo os respectivos contratose demais instrumentos administrativos;(...)Art. 26. Cabe à ANTT, como atribuições específicas pertinentes ao Transporte Rodoviário:(...)VI – publicar os editais, julgar as licitações e celebrar os contratos de concessão derodovias federais a serem explora<strong>da</strong>s e administra<strong>da</strong>s por terceiros;VII – fiscalizar diretamente, com o apoio de suas uni<strong>da</strong>des regionais ou por meio deconvênios de cooperação, o cumprimento <strong>da</strong>s condições de outorga de autorização e <strong>da</strong>scláusulas contratuais de permissão para prestação de serviços ou de concessão para exploração<strong>da</strong> infra-estrutura.(...)Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:(...)IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação,os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias,ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetua<strong>da</strong>sas outorga<strong>da</strong>s às companhias docas;§ 1ª As atribuições a que se refere o caput não se aplicam aos elementos <strong>da</strong> infraestruturaconcedidos ou arren<strong>da</strong>dos pela ANTT e pela Antaq.’9. Assim, resta claro que, pelos dispositivos legais supracitados, diferentemente do queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 109


alega a apelante, não é aplicável a resolução do DNIT à utilização <strong>da</strong>s faixas de domínio <strong>da</strong>srodovias federais concedi<strong>da</strong>s, porquanto é a ANTT a responsável para dispor regulamentossobre tais rodovias.10. Com relação à necessi<strong>da</strong>de de autorização <strong>da</strong> ANTT para a execução <strong>da</strong>s obraspretendi<strong>da</strong>s pela autora nas faixas de domínio em questão, vale destacar o dito pelo Magistradoa quo de que ‘o uso privativo de qualquer parte <strong>da</strong> faixa de domínio, mesmo quepor outro órgão público, não pode ocorrer pura e simplesmente, devendo ser precedido deautorização, permissão ou concessão do poder público responsável, já que se trata de bempúblico de uso comum’.11. Aliás, como bem ressaltado pelo Procurador <strong>Federal</strong> às fls. 593 e seguintes, ‘aANTT não pode autorizar dita obra sem a assinatura do competente contrato de utilizaçãoe a consequente responsabilização <strong>da</strong> empresa concessionária pelo que ali estaria sendofeito. Logicamente que qualquer acidente acontecido durante essas obras ou mesmo após acolocação <strong>da</strong> tubulação de gás, produto volátil e com grande potencial destrutivo, em regiãodensamente povoa<strong>da</strong> como aquela onde está sendo requeri<strong>da</strong>, a responsabili<strong>da</strong>de será doórgão responsável pela administração <strong>da</strong> concessão do trecho rodoviário, configurando-se,bem por isso, em flagrante ilegali<strong>da</strong>de e em afronta aos princípios mais comezinhos <strong>da</strong>administração pública’.12. Tal argumento esposado pelas apela<strong>da</strong>s é corroborado com a seguinte precedentedo TRF4:‘ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DA ANTT. QUEDA DE ÁRVORE. DANOSAO VEÍCULO. DANO MATERIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL. INDE-NIZAÇÃO INDEVIDA. Responde pelos <strong>da</strong>nos eventualmente causados aos usuários doserviço o poder concedente (União), por intermédio <strong>da</strong> ANTT, porque lhe cabe promover afiscalização <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> faixa de domínio <strong>da</strong> rodovia pela concessionária, conformea Lei nº 10.233/01. (...).’ (TRF4, AC 2008.72.14.000694-6, Quarta Turma, Relator SérgioRenato Teja<strong>da</strong> Garcia, D.E. 03.11.2009)13. Por conseguinte, no que tange à suposta ‘abusivi<strong>da</strong>de’ dos valores estipulados pelaapela<strong>da</strong>, cabe destacar o previsto na Lei nº 8.987/95, que dispõe o seguinte:‘Art. 11. No atendimento às peculiari<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> serviço público, poderá o poderconcedente prever, em favor <strong>da</strong> concessionária, no edital de licitação, a possibili<strong>da</strong>de deoutras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetosassociados, com ou sem exclusivi<strong>da</strong>de, com vistas a favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas,observado o disposto no artigo 17 desta Lei.’14. No mesmo sentido, vale destacar o que estabelece a Resolução nº 2.552/08 <strong>da</strong> ANTT:‘Art. 1º Serão considera<strong>da</strong>s receitas extraordinárias as receitas complementares,acessórias, alternativas e de projetos associados, caracteriza<strong>da</strong>s por fontes que não sejamprovenientes <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção de pedágio e de aplicações financeiras.’15. Ain<strong>da</strong>, fun<strong>da</strong>mental destacar o ‘Contrato de Concessão’ Edital nº 003/2007 firmadoentre o Poder Concedente e a apela<strong>da</strong> (Anexo 1, Doc. 2):‘Cláusula 7.2. – Constituem receitas alternativas, complementares, acessórias ou de110R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


projetos associados quaisquer receitas <strong>da</strong> Concessionária não advin<strong>da</strong>s do recebimento depedágio ou de aplicações financeiras, sejam elas direta ou indiretamente provenientes deativi<strong>da</strong>des vincula<strong>da</strong>s à exploração <strong>da</strong> Rodovia, <strong>da</strong>s suas faixas marginais, dos acessos ou<strong>da</strong>s áreas de serviço e lazer, inclusive decorrentes de publici<strong>da</strong>de.Cláusula 7.11. – A utilização e a exploração <strong>da</strong> faixa de domínio do Lote Rodoviário pelaConcessionária estarão sujeitas aos preceitos regulamentares <strong>da</strong> ANTT, devendo suas receitaspropiciar a modici<strong>da</strong>de tarifária, conforme disposto na Lei nº 8.987/95 e neste Contrato.’16. O argumento trazido pela apelante de que ‘em que pese existir a fixação do mínimode 0,50 m (cinquenta centímetros) pela ANTT, (...), tal determinação se mostra totalmentedesproposita<strong>da</strong>, a vista de que prejudica sobremaneira os ocupantes <strong>da</strong>s faixas de domínioem benefício <strong>da</strong>s concessionárias’ também não deve prosperar.17. Assim, como já ressaltado na sentença recorri<strong>da</strong>, é fun<strong>da</strong>mental que seja considera<strong>da</strong>uma área adicional de segurança nas zonas limítrofes <strong>da</strong>s pistas de rolamento <strong>da</strong>srodovias, a fim de que se evitem prejuízos à rede de tubulação em virtude <strong>da</strong> colocação deoutra estrutura, como placas, postes, etc. Além do mais, tal determinação está prevista noOfício nº 146/2009 <strong>da</strong> ANTT.18. Por fim, vale destacar que o argumento de que ‘a OHL, ao apresentar o seu Custode Oportuni<strong>da</strong>de (Co) ‘arbitrado’ em R$ 25,14 m², sem nenhum comprometimento emdemonstrar de onde foi que saiu esse número, poderá causar enormes prejuízos’ à autoranão tem o condão de modificar o posicionamento aplicado ao caso concreto. Da análise<strong>da</strong> instrução técnica IT 7.5.35 (Anexo 1, Doc. 15), é possível averiguar com clareza todosos aspectos que foram utilizados para o alcance do valor estipulado. Conclui-se, portanto,que não se trata de um valor arbitrário ou discricionário <strong>da</strong> concessionária, mas sim umaquantia que foi oriun<strong>da</strong> de atenta análise de <strong>da</strong>dos estatísticos e do cruzamento de diversasinformações e valores referentes à operabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> concessão rodoviária.19. Diante do exposto, opina o Ministério Público pelo desprovimento <strong>da</strong> apelaçãointerposta, assim como manutenção <strong>da</strong> sentença recorri<strong>da</strong>.”Da mesma forma, em caso semelhante ao dos autos, deliberou o Eg.STJ, verbis:“ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE RODOVIA ESTADUAL. PREQUESTIO-NAMENTO E APLICABILIDADE APENAS DO ART. 11 DA LEI N° 8.987/95. INSTA-LAÇÃO DE DUTOS SUBTERRÂNEOS. EXIGÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO DECONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO BÁSICO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADEDE PREVISÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ART. 11 DA LEI Nº 8.987/95.1. O único artigo prequestionado e que se aplica ao caso é o art. 11 <strong>da</strong> Lei n° 8.987/95.2. Poderá o poder concedente, na forma do art. 11 <strong>da</strong> Lei n° 8.987/95, prever, em favor<strong>da</strong> concessionária, no edital de licitação, a possibili<strong>da</strong>de de outras fontes provenientes dereceitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou semexclusivi<strong>da</strong>de, com vistas a favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas.3. No edital, conforme o inciso XIV do art. 18 <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> lei, deve constar a minutaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 111


do contrato, portanto o art. 11, ao citar ‘no edital’, não inviabiliza que a possibili<strong>da</strong>de deaferição de outras receitas figure apenas no contrato, pois este é parte integrante do edital.4. No presente caso, há a previsão contratual exigi<strong>da</strong> no item VI, 31.1, <strong>da</strong> Cláusula 31, inverbis: ‘cobrança pelo uso <strong>da</strong> faixa de domínio público, inclusive por outras concessionáriasde serviço público, permiti<strong>da</strong> pela legislação em vigor’.5. Violado, portanto, o art. 11 <strong>da</strong> Lei n° 8.987/95 pelo <strong>Tribunal</strong> de origem ao impor agratui<strong>da</strong>de.Recurso especial conhecido em parte e provido.” (STJ, REsp 975.097/SP, Rel. paraacórdão Ministro Humberto Martins, julg. 09.12.2009)Em seu voto, disse o ilustre Ministro Luiz Fux, verbis:“Ouso divergir, por convergir ao entendimento de que os Poderes Públicos, em princípio,não devem extrair proveitos econômicos em suas relações recíprocas nas hipóteses emque ca<strong>da</strong> um esteja cumprindo suas finali<strong>da</strong>des próprias, de sorte que não se justificariamcobranças entre si quanto aos respectivos serviços públicos.O Poder Público ao prestar serviços rodoviários em regime de concessão pode, consoantea lei estabelece, prever receitas alternativas complementares à exploração rodoviária, com ofito de favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas. Trata-se de ‘lógica negocial’, em que se legitimao ingresso de um conjunto de interesses econômicos a serem compostos.É que conveniências favorecem a exploração econômica <strong>da</strong>s faixas de domínio, porquantoa receita que proporcionem concorrerá ou poderá concorrer para minorar o custodo pedágio, beneficiando os usuários <strong>da</strong>s rodovias.As faixas de domínio em rodovias integram a categoria dos bens públicos de uso comum,sendo certo que sua serventia natural é a de área de apoio à faixa de ro<strong>da</strong>gem.O uso comum de bens de uso comum é o que se efetua de acordo com a destinação dopróprio bem e é desfrutável por qualquer sujeito, desde que em concorrência igualitária eharmoniosa com os demais.Outrossim, de par com este uso comum dos bens de uso comum, podem, eventualmente,haver usos especiais dos mesmos, ou seja, usos que se afastem <strong>da</strong>s características menciona<strong>da</strong>s.É o que ocorre, verbi gratia, quando a utilização pretendi<strong>da</strong> for estranha ao uso a queo bem esteja naturalmente destinado, quando implique sobrecarga, igualitária utilização deterceiro ou demande exclusivi<strong>da</strong>de quanto ao uso sobre parte do bem.Conspira em prol <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> tese o artigo 68 do Código Civil de 1916, bem como o artigo11 <strong>da</strong> Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. O artigo 68 do Código Beviláqua dispunhaque ‘O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído, conforme as leis <strong>da</strong>União, dos Estados, ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem’.O art. 11 <strong>da</strong> Lei 8.987/95 viabiliza se auferirem receitas acessórias às concessionáriasde serviço público, sendo certo que referi<strong>da</strong> previsão consta expressamente do contratode concessão <strong>da</strong> recorrente, o qual dispõe que a referi<strong>da</strong> concessionária poderá obter remuneraçãomediante cobrança pelo uso <strong>da</strong> faixa de domínio público, inclusive por outrasconcessionárias de serviço público.O princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de no Direito Administrativo adstringe também aquilo que é con-112R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ferido às concessionárias, por isso que in casu não foi concedido legalmente às prestadorasde serviço público, pelo poder concedente, direito algum à gratui<strong>da</strong>de do uso especial debens de uso comum, nem há lei alguma que o estabeleça, ao passo que, às concessionáriasde obra, foi expressamente outorgado o direito de exploração do bem, assim como o quedecorre do art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 8.987/95, isto é: fontes de receita alternativas, complementaresou acessórias em vista de favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas.O concessionário de obra pública, se a tanto estiver habilitado pela concessão, podecobrar de concessionários de serviço público pelo uso que façam <strong>da</strong> faixa de domínio <strong>da</strong>rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos, sendo certo que referi<strong>da</strong> contraprestaçãoé de índole remuneratória, consistindo em uma contraparti<strong>da</strong> <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de quedita passagem subterrânea oferece aos concessionários que dela se beneficiam.Em apoio à tese, merece transcrição o parecer do eminente tratadista Celso AntônioBandeira de Mello, cujo espectro amplo abarca a hipótese sub judice, verbis:‘CONSULTAO Departamento Nacional de Estra<strong>da</strong>s de Ro<strong>da</strong>gem – DNER e os Departamentos Estaduaisde Estra<strong>da</strong>s de Ro<strong>da</strong>gem – DERs têm cobrado de concessionárias de serviços públicosde gás canalizado, de energia elétrica e de telecomunicações pela utilização subterrâneade cabos e dutos nas faixas de domínio de rodovias <strong>da</strong><strong>da</strong>s em concessão, muitas vezesatribuindo dita receita às concessionárias <strong>da</strong>s rodovias, mediante previsão nos respectivoscontratos de concessão.Tendo surgido questionamentos quanto à legitimi<strong>da</strong>de e à natureza de tais cobranças,in<strong>da</strong>ga:I – A enti<strong>da</strong>de pública a que esteja afeta a rodovia ou mesmo o concessionário dela, se atanto estiver habilitado por força <strong>da</strong> concessão, podem cobrar dos concessionários de serviçopublico de energia elétrica, de telecomunicações ou de distribuição de gás, pelo uso quefaçam <strong>da</strong> faixa de domínio <strong>da</strong> rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos?II – Se cabível dita cobrança, qual sua natureza: tributária, não tributária, meramentecompensatória de transtornos ou despesas que tal utilização acarrete ao concessionário<strong>da</strong> obra ou remuneratória, isto é, representativa de uma contraparti<strong>da</strong> <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de que talpassagem de cabos ou dutos fornece aos concessionários que dela se beneficiam?Às in<strong>da</strong>gações respondo nos termos que seguem.PARECER1. Serviços e obras públicas tanto podem ser providos diretamente pelo Estado oucriatura sua, quanto por terceiros que para isso hajam sido habilitados mediante concessãoou permissão.Na primeira hipótese, a busca do interesse público se faz sem que se ponham de permeiointeresses privados. Na segun<strong>da</strong>, pelo contrário, interfere um fator inerente ao jogo do mundonegocial; isto é: a consideração dos propósitos lucrativos que animaram os respectivosconcessionários (ou permissionários) a se engajarem na relação com o Poder Público. Éque, como de outra feita dissemos: ‘Para o concessionário, a prestação do serviço é ummeio pelo qual obtém o fim que almeja: o lucro. Reversamente, para o Estado, o lucro queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 113


propicia ao concessionário é meio por cuja via busca sua finali<strong>da</strong>de, que é a boa prestaçãodo serviço’ (Curso de Direito Administrativo.13. ed. Malheiros, 2001, p. 633).Tal anotação havíamos feito na esteira dos preciosos ensinamentos de ZANOBINI,segundo quem:‘... nel soggetto privato, il fine, che questa si propone nell’esercizio della pubblica funzione,è distinto <strong>da</strong>l fine estatuale a cui questa funzione provvede, perche è un fine privato,di solito un fine di lucro. Si può dire, anzi, che il servizio pubblico, a la pubblica funzione,serve di mezzo al privato per conseguimento di questo suo fine personale’ (Corso di DirittoAmministrativo. v. I, p.181).Assim, quando, para a prestação de serviços públicos, adota-se o regime <strong>da</strong> concessão,entrando em causa, portanto, os interesses de ordem econômica que o instituto suscita, irrompemproblemas jurídicos muito mais complexos do que os que surgiriam nas hipótesesde prestação direta ou efetua<strong>da</strong> por enti<strong>da</strong>de estatal.2. Com efeito, para solver dúvi<strong>da</strong>s de interpretação que emerjam perante situaçõesconflituosas, não mais bastará levar em conta única e exclusivamente a alternativa maisvantajosa para o interesse público. Ter-se-á de tomar em consideração, além dela, a existênciade legítimos interesses de ordem patrimonial tanto dos concessionários quanto <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>desgovernamentais envolvi<strong>da</strong>s nas recíprocas relações cruza<strong>da</strong>s que poderão se instaurar.Ou seja, se o Poder Público opta por um sistema de prestação de serviços públicos,assim como de construção e ou conservação, manutenção e reparação de obras públicas,mediante concessão a particulares, ipso facto está a optar pelo acolhimento de certas implicaçõesdo jogo de interesses econômicos aí conaturalmente envolvidos, com to<strong>da</strong>s asinerentes consequências.O caso submetido à Consulta e precisamente uma excelente demonstração disso.Quer-se saber se a passagem subterrânea de cabos de transmissão e distribuição deenergia elétrica, de telecomunicações e de gasodutos nas faixas de domínio <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>sde ro<strong>da</strong>gem pode ser objeto de cobrança ou se deve se beneficiar de gratui<strong>da</strong>de, tanto porse tratar de utilização de bens de uso comum, quanto por dizer respeito a equipamentosservientes <strong>da</strong> prestação de serviços públicos a cargo de empresas concessionárias. Casose enten<strong>da</strong> cabível a cobrança, in<strong>da</strong>ga-se que natureza terá: será tributária, não tributária,indenizatória por reparos e transtornos ou remuneratória?3. Se não estivessem em causa interesses patrimoniais dos concessionários e seusreflexos no custeio de obras e serviços, mas serviços e obras a cargo tão só de pessoas dedireito público ou suas criaturas auxiliares, poder-se-ia pura e simplesmente considerar queos Poderes Públicos não devem extrair proveitos econômicos em suas relações recíprocasquando ca<strong>da</strong> qual esteja a cumprir suas finali<strong>da</strong>des próprias. Disso se depreenderia que nãose justificariam cobranças entre si quando em causa os respectivos serviços públicos. Porrazões óbvias, seria essa mesma a conclusão se os serviços públicos e as rodovias fossemafetos à mesma órbita de governo.Entretanto, se, conforme ocorreu entre nós, o Poder Público entendeu de colocar tanto aprestação de serviços quanto as obras rodoviárias em regime de concessão e se a lei estabelecea previsão de receitas alternativas complementares à exploração rodoviária, com o fito114R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


de favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas, isto significa que foi, de direito, acolhi<strong>da</strong> uma lógicanegocial, em que se abrem portas para o ingresso de um conjunto de interesses econômicosa serem compostos. Ou seja: não mais se pode tomar como obrigatória a conclusão, <strong>da</strong>ntesaponta<strong>da</strong> como natural, caso serviços e obras fossem prestados ou realizados tão só porenti<strong>da</strong>des governamentais.Tem-se de levar em conta a teia de interesses econômicos envolvidos. Entre eles seencontram não só o dos concessionários de luz, gás, telecomunicações e os de concessionáriasde exploração de rodovias, mas também o <strong>da</strong>s próprias enti<strong>da</strong>des governamentais asquais estas estejam a elas afetas, visto ser de suas conveniências favorecerem a exploraçãoeconômica <strong>da</strong>s faixas de domínio, pois a receita que proporcionam concorrerá ou poderáconcorrer para minorar o custo do pedágio, beneficiando os usuários <strong>da</strong>s rodovias.Seja bom ou seja mau este esquema no qual se pressupõe que a satisfação do interessepúblico há de se compor na intimi<strong>da</strong>de de uma disputa assenta<strong>da</strong> em componentes desta ordem,o fato é que ele estampa o quadro jurídico dentro do qual ter-se-á de solver o problema.É com atenção a esse conjunto de interesses abrigados pelo Direito que se deve examinaro tema.4. Comece-se por anotar que as faixas de domínio em rodovias integram a categoriados bens públicos de uso comum e que sua serventia natural é a de área de apoio à faixade ro<strong>da</strong>gem.Os bens públicos de uso comum, tais como ruas, estra<strong>da</strong>s, praças, rios, mares, são abertosa livre utilização de todos. Contudo, é necessário esclarecer que esta generaliza<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de(que, de resto, nem sempre excluirá algum pagamento para desfrutá-la) diz respeito ao usocomum dos bens de uso comum.Este uso comum é o que se efetua de acordo com a destinação do próprio bem e é desfrutávelpor qualquer sujeito, desde que em concorrência igualitária e harmoniosa com osdemais. Transitar a pé nas calça<strong>da</strong>s, trafegar em rua ou em estra<strong>da</strong> com veículos automotores,acostá-los, em caso de necessi<strong>da</strong>de, na faixa de domínio <strong>da</strong>s rodovias, sentar-se nosbancos de uma praça, tomar sol na praia, na<strong>da</strong>r no mar são, exempli gratia, hipóteses desteuso comum, ordinário, normal, segundo a destinação do bem. Para dito uso prescinde-sede qualquer ato administrativo aquiescente.5. Ocorre, to<strong>da</strong>via, como o dissemos em obra teórica precita<strong>da</strong> (Curso de Direito Administrativocit., p. 764), que, de par com este uso comum dos bens de uso comum, podem,eventualmente, existir usos especiais deles, ou seja, usos que se afastem <strong>da</strong>s característicasmenciona<strong>da</strong>s. É o que ocorrera, exempli gratia, quando a utilização pretendi<strong>da</strong> for estranhaao uso a que o bem esteja naturalmente preposto ou quando implique sobrecarga dele,impedimento a concorrente e igualitária utilização de terceiro ou demande exclusivi<strong>da</strong>dequanto ao uso sobre parte do bem.Nesses casos, à to<strong>da</strong> evidência, já não mais se estará perante aquela generaliza<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>dede utilização, que prescinde de manifestação do titular do bem. Em situações destejaez, o interessado deverá, como regra geral, solicitar do bem autorização ou permissão deuso, dependendo <strong>da</strong> hipótese, para poder valer-se deste uso especial.Para a Consulta só é relevante o exame de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> e específica hipótese de uso espe-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 115


cial: o <strong>da</strong> passagem subterrânea, nas faixas de domínio <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s de ro<strong>da</strong>gem, de cabosde transmissão e distribuição de energia elétrica, de telecomunicações e de gasodutos.6. Relembre-se que até mesmo o uso comum de bens de uso comum, ain<strong>da</strong> que comcertas limitações, pode ser condicionado ao pagamento para seu desfrute.Na doutrina alienígena e na brasileira, há fartíssima referência à possibili<strong>da</strong>de de haveruso comum remunerado. Cifremo-nos aos autores nacionais. MARIA SYLVIA ZANELLADI PIETRO refere o citado art. 68 e diz que o uso comum ‘é, em geral, gratuito, mas pode,excepcionalmente, ser remunerado’ (Direito Administrativo. 9. ed. Atlas, 1998, p. 441).DIÓGENES GASPARINI, que também refere o preceptivo mencionado do Código Civil,averba que tal uso é ‘quase sempre gracioso’ (Direito Administrativo, 4. ed. Saraiva, 1995, p.504), o que bem demonstra que nem sempre o é. SERGIO DE ANDREA FERREIRA anota:‘Já foi acentuado que pode o uso comum ser gratuito ou remunerado (CC, art. 68), surgindoas taxas de pedágio de estacionamento etc.’ (Direito Administrativo Didático, 2. ed. Forense,1981, p. 166). DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO preleciona: ‘A utilização comum,como indica a expressão, e a que é franquea<strong>da</strong> a todos, indistintamente, como sucede, emgeral, com as ruas, estra<strong>da</strong>s, aveni<strong>da</strong>s, praias, mares, rios navegáveis etc. Esta liber<strong>da</strong>dede utilização poderá estar, não obstante, sujeita a uma condição, como o pagamento de umpedágio, para estra<strong>da</strong>s;’ (Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Forense, 1974, p. 260).7. Eis, pois, que, se até o uso comum de bem de uso comum pode ser remunerado, afortiori, seu uso especial também pode sê-lo. E, como ocorre no caso sub consulta, se alguémpretende dele extrair um proveito estranho ao que é propiciado por sua destinação própria,é mais do que natural que o senhor do bem ou quem haja sido qualificado para extrair-lheos proveitos cobre dos interessados um valor pela serventia que lhes virá a proporcionar.Seria até surpreendente que uma empresa priva<strong>da</strong> pretendesse valer-se de bem alheioem busca de vantagens estranhas ao destino deste bem supondo que o seu titular ou quemestivesse juridicamente titulado para explorá-lo devesse outorgar, graciosamente, as vantagensa serem por ela capta<strong>da</strong>s.Sem dúvi<strong>da</strong>, é óbvio o interesse econômico de uma prestadora de serviços públicosem ficar libera<strong>da</strong> dos dispêndios pelo uso especial do bem entregue à exploração de umaconcessionária de obra pública, que isto minoraria seus custos. Mas é igualmente óbvio ointeresse econômico, quer <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de pública a que está afeto o bem, quer <strong>da</strong> concessionária<strong>da</strong> exploração dele, em serem remunera<strong>da</strong>s por tal uso.Essas partes, sem duvi<strong>da</strong>, têm interesses econômicos a arguir.O atual governo optou por um sistema no qual os prestadores do serviço ou <strong>da</strong> obra osexploram economicamente; isto é: ganham dinheiro com os serviços e as obras públicas. Écom este ganho que os custeiam e que realizam o próprio lucro: aquilo que os mobilizou eque lhes justifica a relação trava<strong>da</strong> com o Estado. Assim, independentemente <strong>da</strong>s respectivasobrigações em relação à ativi<strong>da</strong>de pública, o fato é que são empresas priva<strong>da</strong>s, enti<strong>da</strong>desprepostas a ganhos econômicos, que estão confronta<strong>da</strong>s na hipótese de passagem de cabosnas faixas de domínio. É evidente, outrossim, que tal confronto tem índole e natureza distintasdo que poderiam se propor entre enti<strong>da</strong>des governamentais, as quais, por definição,têm como priori<strong>da</strong>de a realização do interesse público e não a obtenção de lucro. Eis porque116R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


a solução do conflito não tem porque ser igual àquela que seria <strong>da</strong><strong>da</strong> se os serviços e obrasestivessem sob regime de exploração direta pelo Estado ou por criaturas suas.8. Vista a questão estritamente do ângulo destes interesses econômicos <strong>da</strong>s empresas porforça <strong>da</strong>s respectivas quali<strong>da</strong>des de concessionárias e mesmo <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des governamentaisa que estejam afetas as rodovias, nota-se, entretanto, uma clara distinção entre eles.Às prestadoras de serviço público não foi outorgado pelo concedente – ou ao menos nãoo foi explicitamente – direito algum à gratui<strong>da</strong>de do uso especial de bens de uso comum,nem há lei alguma que o estabeleça, ao passo que às concessionárias de obra foi expressamenteoutorgado o direito de exploração do bem, assim como o que decorre do art. 11 <strong>da</strong>lei nº 8.987, isto é: fontes de receita alternativas, complementares ou acessórias em vistade favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas. Quanto às enti<strong>da</strong>des públicas a que estejam afetasas rodovias, também têm em seu prol, além do dispositivo citado, os poderes inerentes ade titulares ou de gestoras do bem.Eis, pois, que os prestadores de serviço público empenhados em fazer passar cabos edutos por faixas de domínio de rodovias podem arguir algo cuja compostura, ao menos aum primeiro súbito de vista, e apenas a de um interesse simples, ao passo que os concessionáriosdestas rodovias e as pessoas públicas a que estejam afetas podem arguir em seufavor algo que se apresenta com a estrutura de um direito.9. Restaria, então, verificar se a circunstância dos dutos e cabos a serem instrumentais àprestação de um serviço público aportaria algum elemento de relevo bastante para contraditaraquela que seria até mesmo a intuitiva lógica <strong>da</strong> situação, isto é: a de que se deve pagar sese quer usufruir de vantagens propicia<strong>da</strong>s por bens titularizados e ou explorados por outrem,pois este tem o direito de exigir uma contraparti<strong>da</strong> pelo proveito que outro intente captar.Certamente nos serviços públicos se encarnam valores de grande significação para a coletivi<strong>da</strong>dee, bem por isso, tais serviços merecem um tratamento peculiar, podendo-se agregar,ain<strong>da</strong>, que quanto menor for o custo incidente sobre sua prestação, mais se contribuirá, aomenos indiretamente, para a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas. Ocorre, to<strong>da</strong>via, que a construção deobras rodoviárias, sua manutenção, permanente conservação e oferta de serviços de apoioaos que nelas trafegam são igualmente ativi<strong>da</strong>des de assinala<strong>da</strong> valia social e também objetode concessões, as quais, de resto, em nossa legislação (lei nº 8.987, de 13.02.95), sãotrata<strong>da</strong>s como concessões de serviços públicos (art. 2° <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei). Está-se, portanto,diante de situações parifica<strong>da</strong>s no que concerne à proteção devido a interesses públicos.Assim, equivalentemente, uns e outros têm a arguir, em favor <strong>da</strong>s teses que os favoreceriam,a realização de ativi<strong>da</strong>des públicas e o interesse dos respectivos usuários oubeneficiários em pagarem o mínimo possível pelo desfrute desses cometimentos públicos.Logo, não será o fato de estar em pauta a passagem de equipamentos instrumentais à realizaçãode um interesse público o que justificaria o direito a alguma gratui<strong>da</strong>de, porquantoos pagamentos que fossem versados em contra parti<strong>da</strong> dessa utilização também podem servistos como revertendo em favor do interesse público, isto é, <strong>da</strong> modici<strong>da</strong>de do pedágio.10. Donde, para, neste plano, pretender solucionar o conflito de interesses seria necessárioque se pudesse predicar de um deles precedência em relação ao outro. Contudo, não se temcomo fazer isso, pois inexistem no direito positivo qualificações de primazia de algum deles.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 117


Se estivessem em pauta os chamados serviços públicos de utilização compulsória,isto é, aqueles suscetíveis de serem impostos aos administrados, poder-se-ia tentar algumahierarquização para estruturar, a partir dela, uma posição de vantagem, irrogável aoconcessionário que os tivesse a seu cargo, no confronto com o prestador de ativi<strong>da</strong>de nãoqualificável com tal atributo, tendo em vista onerações ou desonerações econômicas quepudessem repercutir em benefício do usuário de serviço de utilização compulsória. Comonão é o que ocorre no caso sub consulta, impõe-se a conclusão de que na<strong>da</strong> se pode buscarna tipologia dos interesses confrontados para abonar solução em favor de um ou outro.Dessarte, como no caso concreto, a presença do interesse público é neutra para fins deinclinar a exegese em favor de uma ou outra <strong>da</strong>s soluções (gratui<strong>da</strong>de ou onerosi<strong>da</strong>de dodesfrute do bem), o desate do problema fica acantonado única e exclusivamente no plano<strong>da</strong> utilização especial de bens públicos de uso comum colocados sob exploração econômicade concessionário.Ora, neste plano – já se viu – existe qualquer óbice à cobrança pelo uso do bem, existindo,pelo contrário, para embasá-la, o exercício normal dos poderes de dominiali<strong>da</strong>de oude exploração.Entretanto, não fora isso suficiente, o fato é que existe, como dito, a previsão legal deque bens <strong>da</strong>dos em concessão possam ser utilizados para a produção de receitas alternativas,complementares ou acessórias, tendo em vista favorecer a modici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tarifas (art. 11,precitado <strong>da</strong> lei nº 8.987/95).11. Isso posto, a primeira in<strong>da</strong>gação não há senão que responder que a pessoa governamentala que esteja afeto o bem ou o concessionário <strong>da</strong> exploração rodoviária, conformea previsão que haja sido feita, podem cobrar dos concessionários de serviço público deenergia elétrica, de telecomunicações ou de distribuição de gás, pela passagem subterrâneade cabos ou dutos.Restaria, então, verificar qual a índole de tal cobrança.12. Evidentemente, não está em pauta exação de natureza tributária. Não há impostoalgum instituído e na<strong>da</strong> que se assemelhe às chama<strong>da</strong>s contribuições. Também não haveriaque se cogitar de taxa, pois não se trata de cobrar pelo oferecimento de serviço público oupelo exercício do poder de polícia. A cobrança em apreço é por um uso especial de bempúblico de uso comum. Trata-se, portanto, de uma receita assemelha<strong>da</strong> a um ‘preço’; preçopúblico, se se quiser, pois as nomenclaturas na matéria dizem muito pouco.O que mais interessa discutir é se a cobrança em questão deverá ter simplesmente umcaráter quase que indenizatório, isto é, de mera compensação por eventuais transtornos,despesas e cui<strong>da</strong>dos implicados (inclusive por exigências de segurança <strong>da</strong> rodovia e deseus usuários) na implantação e conservação de cabos ou dutos, ou se poderá se constituir,efetivamente, em uma cobrança deman<strong>da</strong><strong>da</strong> a titulo de remuneração pelo proveito que afaixa de domínio está a proporcionar aos concessionários que lhe querem utilizar espaçosubterrâneo.Ain<strong>da</strong> aqui a resposta é simples. Para compensar-se de transtornos ou prejuízos quealguém lhe venha a causar para fazer uso <strong>da</strong> faixa de domínio, o concessionário <strong>da</strong> obra oua pessoa governamental a cuja esfera o bem está afeto não teria necessi<strong>da</strong>de de desfrutar118R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ou invocar quaisquer poderes de cobrança por uso do bem. Com efeito, se alguém, parausar de bem alheio, acarretará consequências gravosas para quem o titulariza ou explora,obviamente terá de compensar o agravado, sem que caiba em tal caso falar-se em cobrança,propriamente dita, pelo uso do bem.Dessarte, quando se reconhece ao concessionário de obra rodoviária ou à enti<strong>da</strong>de públicaa que esteja afeta a rodovia o direito de cobrar pela passagem subterrânea de cabos ou dutosna faixa de domínio, obviamente está-se reconhecendo seu direito de ser remunerado partal uso; isto é: direito a receber dos concessionários de serviços públicos a quem pertençamditos equipamentos uma contraparti<strong>da</strong> pela utili<strong>da</strong>de que lhes está sendo proporciona<strong>da</strong>.13. Isso tudo posto e considerado, a in<strong>da</strong>gações <strong>da</strong> Consulta respondo:I – A enti<strong>da</strong>de governamental a que esteja afeta a rodovia ou mesmo o concessionáriode obra pública, se a tanto estiver habilitado pela concessão, um ou outro, conforme o caso,podem cobrar de concessionários de serviço público de energia elétrica, de telecomunicaçõesou de distribuição de gás pelo uso que façam <strong>da</strong> faixa de domínio <strong>da</strong> rodovia mediantepassagem subterrânea de cabos ou dutos.II – Dita cobrança não tem natureza tributária, qualificando-se, antes, como um preço.Sua índole não é ressarcitória de transtornos ou despesas, mas remuneratória, consistindo emuma contraparti<strong>da</strong> <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de que dita passagem subterrânea oferece aos concessionáriosque dela se beneficiam.’Por esses fun<strong>da</strong>mentos, e pedindo vênia à E. Relatora, CONHEÇO e DOU PROVI-MENTO ao recurso especial, invertendo o ônus <strong>da</strong> sucumbência.É como voto.”Com efeito, o uso privativo de qualquer parte <strong>da</strong> “faixa de domínio” <strong>da</strong>rodovia, ain<strong>da</strong> que por parte de outro órgão público, deve ser precedidode autorização, permissão ou concessão do órgão público responsável,eis que se trata de bem público de uso comum.Por outro lado, não há qualquer óbice à exigência de remuneraçãocomo contraparti<strong>da</strong> à permissão de uso de “faixa de domínio” na situaçãoem causa, nos termos do disposto no art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 8.987/95 e nos arts.24, IV, e 26, VI, <strong>da</strong> Lei nº 10.233/01, bem como <strong>da</strong> Resolução nº 2.552,de 28.02.2008, edita<strong>da</strong> pelo ANTT.In casu, impõe-se a aplicação <strong>da</strong> fórmula prevista na Resolução nº2.552/08, <strong>da</strong> ANTT, único órgão competente para a elaboração e a edição<strong>da</strong>s normas pertinentes à exploração de rodovias concedi<strong>da</strong>s, nos termosdo disposto no art. 24, IV, <strong>da</strong> Lei nº 10.233/01.No que concerne aos cálculos utilizados e à formula impugnados naapelação, bem concluiu o douto Magistrado, a fls. 506-7, verbis:“No que toca aos elementos de cálculo utilizados na referi<strong>da</strong> fórmula e impugnadosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 119


pela autora, tem-se que:1. Não há equívoco na área de 0,50 m² usa<strong>da</strong> pela concessionária no cálculo do valordevido por quilômetro, apesar de a área efetivamente ocupa<strong>da</strong> pela rede de distribuição de gástotalizar em torno de 0,1674 m². É que deve ser considera<strong>da</strong> no cálculo uma área adicionalde segurança, a fim de se evitar prejuízos à rede de tubulação em virtude <strong>da</strong> colocação deoutra estrutura, como placas, postes de sustentação etc.A área mínima de 0,50 m², na ver<strong>da</strong>de, foi determina<strong>da</strong> pela própria ANTT, conformese observa do Ofício nº 146/2009 (documento 14 do anexo). Importante frisar, ain<strong>da</strong>, quedita área também consta <strong>da</strong> Resolução DNIT nº 11/2008, invoca<strong>da</strong> pela autora em seusarrazoados.2. O custo de oportuni<strong>da</strong>de de ocupação <strong>da</strong> faixa de domínio é definido pela concessionária,de acordo com a Resolução ANTT nº 2552/2008, sendo, no caso, calculado a partirdos itens constantes <strong>da</strong> Instrução Técnica 7.5.35, a saber (documento 15 do anexo 2):– utilização (valor de utilização <strong>da</strong> faixa de domínio, valores pagos em desapropriações);– conservação/manutenção;– CFTV + Cabo (referente a 172 câmeras instala<strong>da</strong>s na rodovia);– faixa de domínio (relativo à equipe para a fiscalização <strong>da</strong> faixa de domínio);– verba de aparelhamento <strong>da</strong> Polícia Rodoviária <strong>Federal</strong> e inspeção de tráfego.Não se trata, assim, de valor aleatoriamente fixado pela concessionária, como asseveraa autora, mas amparado em critérios objetivos e atuariais.Demais disso, não foi comprova<strong>da</strong> nos autos a inadequação ou a abusivi<strong>da</strong>de do montanteexigido a este título, mister que competia à parte-autora, de acordo com o artigo 333,inciso I, do Código de Processo Civil.Logo, correta a cobrança de R$ 25,14 por m² a título de custo de oportuni<strong>da</strong>de de ocupaçãoe, em consequência, do valor anual de R$ 13.140,00 por quilômetro em virtude douso <strong>da</strong> faixa de domínio pela autora.”Por conseguinte, é manifestamente ilegal a utilização por parte <strong>da</strong> oraapelante <strong>da</strong> “faixa de domínio” do trecho situado entre os quilômetros118 e 151+700 m <strong>da</strong> BR 101, pois despi<strong>da</strong> <strong>da</strong> necessária autorização<strong>da</strong> ANTT e <strong>da</strong> celebração de contrato com a concessionária <strong>da</strong> rodovia.Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, <strong>da</strong> CF/88, éindubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídicoperfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para umaou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançadopor lei superveniente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> celebração do contrato, mesmo quantoaos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase,ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:120“Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, <strong>da</strong>nsR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alorsmême qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraientà échéance que postérieurement à la promulgation de cette loi.” (Baudry-Lacantinerie,in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase. Paris:Librairie Recueil Sirey, 1925. Tomo 2º. p. 123)Nesse sentido, também, é a jurisprudência <strong>da</strong> Suprema Corte dosEstados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:“The integrity of contracts-matter of high public concern – is guaranteed against actionlike that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall(...) pass any (...) law impairing the obligation of contracts’. It was beyond the competencyof the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a veryclear contract.” (In The Supreme Court Reporter. November, 1923 – July, 1924. St. Paul:West Publishing Co., 1924. v. 44. p. 86)Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista FranciscoCampos, em seu Direito Administrativo. Rio: Freitas Bastos, 1958, v.II, p. 11, verbis:“O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito continuaráa ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico<strong>da</strong>quele ato, isto é, as transformações por ele opera<strong>da</strong>s nas relações jurídicas que constituemo seu conteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo ou extinguindo direito.O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de um direito, ou apretensão fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a uma prestação, ou a modificação ou a extinção de direito anterior àdetermina<strong>da</strong> prestação.O ato jurídico perfeito é subtraído ao império <strong>da</strong> lei posterior precisamente para quenão seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu <strong>da</strong>quele ato e que por seuintermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.”É sabido o respeito pela observância <strong>da</strong>s cláusulas dos contratos nosEstados Unidos <strong>da</strong> América, a tal ponto de constituir a integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>relação contratual uma diretriz constitucional de primeira ordem, quedeve ser preserva<strong>da</strong> sempre que possível.Quem o diz é o respeitado Professor Ernest Freund, em obra clássica,verbis: “The integrity of contractual obligation is a constitutionalpolicy of the first order, and should be maintained wherever possible”(FREUND, Ernest. Stan<strong>da</strong>rts of American Legislation. 2. ed. The Universityof Chicago Press, 1965. p. 283).No que diz com a reconvenção, bem andou o juízo a quo ao julgá-laprocedente em parte para declarar a aplicação <strong>da</strong> Resolução nº 2.552/08R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 121


<strong>da</strong> ANTT, para o efeito <strong>da</strong> permissão/autorização de uso <strong>da</strong> “faixa dedomínio” <strong>da</strong> rodovia BR 101, a serem celebrados entre as partes, e alargura mínima de 0,50 m de ocupação a ser considera<strong>da</strong> no cálculo dovalor pelo uso <strong>da</strong> “faixa de domínio”.Portanto, lamentando divergir <strong>da</strong> ilustre Relatora, cumprimentando-apelo seu brilhante voto, to<strong>da</strong>via, confirmo a sentença, pelos seus jurídicosfun<strong>da</strong>mentos.Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.É o meu voto.APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.00.015024-2/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> SilvaApelante: Sylvio Ferraz de AraújoAdvogados: Drs. Fabio Vinicius Guero e outroDr. Wagner Antonio CoelhoApelante: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoApelados: (Os mesmos)EMENTAAdministrativo. Recurso adesivo. Terreno de marinha. Regulari<strong>da</strong>dedo procedimento demarcatório. Prescrição quinquenal. Intimação poredital. ADI nº 4264. Possibili<strong>da</strong>de. Taxa de ocupação. Cobrança. Legitimi<strong>da</strong>de.Título particular de proprie<strong>da</strong>de. Não oponibili<strong>da</strong>de à União.Inversão <strong>da</strong> sucumbência.1. Se o procedimento demarcatório <strong>da</strong> LPM na região onde se encontrao imóvel <strong>da</strong> parte-autora foi realizado e concluído em período de temposuperior a cinco anos em relação à interposição <strong>da</strong> presente deman<strong>da</strong>,122R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


está acobertado pela prescrição, nos termos do artigo 1º do Decreto20.910/32, não cabendo agora a sua impugnação.2. Prescrito o direito <strong>da</strong> parte-autora de impugnar o procedimentodemarcatório em questão, não há como afastar a cobrança <strong>da</strong> taxa deocupação.3. O entendimento constante <strong>da</strong> ADI nº 4264, isto é, a intimação pessoalnos processos demarcatórios, apenas se aplica aos procedimentosposteriores à referi<strong>da</strong> decisão proferi<strong>da</strong> pelo e. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,e não àquelas demarcações já perfectibiliza<strong>da</strong>s e alcança<strong>da</strong>s pelaprescrição, sob pena de, indevi<strong>da</strong>mente, emprestarem-se efeitos ex tuncao decisum sufragado pela Suprema Corte.4. A certidão do registro de imóveis não é oponível à União, ante anatureza constitucional <strong>da</strong> sua proprie<strong>da</strong>de sobre as áreas de marinha.Precedentes.5. Os reajustes <strong>da</strong>s taxas de ocupação, na forma <strong>da</strong> legislação deregência, devem ser calculados com base no domínio pleno do bem.Pertinente a respeito às regras conti<strong>da</strong>s nos arts. 67 e 101 do Decreto-Leinº 9.760/46 e no art. 1º do Decreto-Lei nº 2.398/87.6. Inverti<strong>da</strong> a sucumbência, as custas processuais e os honoráriosadvocatícios deverão ser suportados pela parte-autora.7. Apelação <strong>da</strong> União provi<strong>da</strong>. Recurso adesivo do autor prejudicado.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 3ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação <strong>da</strong> União, julgando prejudicadoo recurso adesivo do autor, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 23 de novembro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva: Trata-se deação declaratória de inexigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> taxa de ocupação, com pedido deantecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela, ajuiza<strong>da</strong> por Sylvio Ferraz de Araújocontra a União, em que se discute a regulari<strong>da</strong>de, ou não, de cobrançaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 123


de valores efetua<strong>da</strong> a título de taxa de ocupação.Foi indeferido o pleito de antecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela (fl. 81).O MM. Juízo a quo lavrou o dispositivo sentencial nos seguintestermos:“O que está em questão neste processo é o aumento <strong>da</strong> base de cálculo (valor do domíniopleno) <strong>da</strong> taxa de ocupação prevista no artigo 1º do Decreto-Lei n° 2.398/1987 (re<strong>da</strong>çãodo Decreto-Lei n° 2.422/1988): ‘A taxa de ocupação de terrenos <strong>da</strong> União, calcula<strong>da</strong> sobreo valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do Patrimônio<strong>da</strong> União (SPU), será, a partir do exercício de 1988, de: [...]’. A liminar foi indeferi<strong>da</strong>, e aUnião apresentou contestação – em síntese, defendendo a legali<strong>da</strong>de do seu procedimento.A questão se resolve a partir <strong>da</strong> interpretação do artigo 1º do Decreto-Lei n° 2.398/1987(re<strong>da</strong>ção do Decreto-Lei n° 2.422/1988): ‘A taxa de ocupação de terrenos <strong>da</strong> União, calcula<strong>da</strong>sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço doPatrimônio <strong>da</strong> União (SPU), será [...]’. O que se atualiza, tão só pelos índices oficiais decorreção monetária, é o valor <strong>da</strong> taxa de ocupação originariamente estabelecido, e não odo domínio pleno. Em suma, em relação às ocupações atuais, o valor <strong>da</strong> taxa não pode seralterado, exceto até o limite <strong>da</strong> atualização monetária verifica<strong>da</strong> no período.Ante o exposto, acolho a pretensão e determino à União que, enquanto durar a ocupação,proce<strong>da</strong> à atualização anual <strong>da</strong> respectiva taxa apenas até o limite do montante <strong>da</strong>correção monetária verifica<strong>da</strong> no período. Tendo em vista a ausência de efeito suspensivo,lavre-se ofício para imediato cumprimento, inclusive em relação ao lançamento relativoao exercício 2007. Eventual saldo decorrente de pagamento a maior deverá ser ressarcidoadministrativamente ou compensado com prestações vincen<strong>da</strong>s <strong>da</strong> própria taxa de ocupação.Condeno a União ao pagamento: [a] de honorários advocatícios arbitrados em 10%(dez por cento) sobre o valor atualizado <strong>da</strong> causa (IPCA-E); e [b] <strong>da</strong>s custas adianta<strong>da</strong>spelo autor. Intimem-se.”A União interpôs recurso de apelação, sustentando, preliminarmente,a ausência do interesse de agir, uma vez que a inscrição de ocupação emtela foi requeri<strong>da</strong> pelo próprio autor, em 1973 (fl. 20). Sustentou ain<strong>da</strong>a ocorrência <strong>da</strong> prescrição, devendo o processo ser extinto, sem examedo mérito. Aduziu que o procedimento demarcatório em questão foi realizadoem estrita legali<strong>da</strong>de, incidindo as correlatas taxas de ocupaçãosobre o imóvel <strong>da</strong> parte-autora, devendo ser julgado improcedente opedido inicial. Pugnou, assim, pela reforma <strong>da</strong> sentença, com inversão<strong>da</strong> sucumbência.A parte-autora interpôs recurso adesivo, postulando a majoração <strong>da</strong>verba honorária para 20% sobre o valor <strong>da</strong> causa.Com contrarrazões, subiram os autos a esta e. Corte.124R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo desprovimento dos recursos.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva:Regulari<strong>da</strong>de do procedimento demarcatório e prescriçãoCompulsando os autos, verifico que a parte-autora solicitou a suainscrição de ocupação em terreno de marinha situado na locali<strong>da</strong>de dePorto Belo/SC em 31.03.1978, passando a pagar as respectivas taxasde ocupação, marco inicial de seu prazo para impugnar o procedimentodemarcatório em questão, porquanto a partir de então teve início a utilizaçãodo bem <strong>da</strong> União.Portanto, se o procedimento demarcatório <strong>da</strong> LPM na região onde seencontra o imóvel do autor foi realizado e concluído em período de temposuperior a cinco anos em relação à interposição <strong>da</strong> presente deman<strong>da</strong>,está acobertado pela prescrição, nos termos do artigo 1º do Decreto20.910/32, não cabendo agora a sua impugnação. Veja-se:“Art. 1º. As dívi<strong>da</strong>s passivas <strong>da</strong> União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todoe qualquer direito ou ação contra a Fazen<strong>da</strong> federal, estadual ou municipal, prescrevem emcinco anos contados <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do ato ou fato do qual se originaram.”Do dispositivo supratranscrito verifica-se que não só as ações, comotambém os direitos, não podem ser exercidos contra a União após odecurso do lapso de cinco anos contados do ato ou do fato do qual seoriginaram.O termo inicial do prazo prescricional é a <strong>da</strong>ta na qual o imóvel emdiscussão foi declarado como terreno de marinha, em virtude do términodo procedimento administrativo de demarcação <strong>da</strong> Linha do PreamarMédio na região, sendo computado <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> ciência do ocupante doimóvel à época.Nesse sentido:“EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO ADMINISTRATIVO. DOMÍNIO PÚBLI-CO. TERRENO DE MARINHA. PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO. DESCONS-TITUIÇÃO. PRESCRIÇÃO. 1. Ação ordinária visando à desconstituição do procedimentoadministrativo de demarcação de imóvel qualificado como terreno de marinha, com localizaçãono Município de Torres/RS.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 125


2. Verifica<strong>da</strong> a prescrição <strong>da</strong> pretensão desconstitutiva manifesta<strong>da</strong> ante o decurso delapso superior a cinco anos a contar <strong>da</strong> ocasião em que conhecido o procedimento de demarcaçãoe o ajuizamento desta causa.” (TRF4, EI 2004.71.00.038292-7, Relatora MargaInge Barth Tessler, Segun<strong>da</strong> Seção, D.E. 17.01.2011)No mesmo entendimento, colaciono julgado do STJ:“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INEXIS-TÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEMARCAÇÃO DE TERRENO DEMARINHA. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. PRAZO PRESCRI-CIONAL QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32.1. Os terrenos de marinha, cuja origem remonta à época do Brasil Colônia, são benspúblicos dominicais de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União, previstos no Decreto-Lei 9.760/46.2. O procedimento de demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos não atingeo direito de proprie<strong>da</strong>de de particulares, pois não se pode retirar a proprie<strong>da</strong>de de quemnunca a teve.3. A ação declaratória de nuli<strong>da</strong>de dos atos administrativos (inscrição de imóvel comoterreno de marinha) não tem natureza de direito real. Aplicável a norma conti<strong>da</strong> no art. 1ºdo Decreto 20.910/32, contando-se o prazo prescricional a partir <strong>da</strong> conclusão do procedimentoadministrativo que ultima a demarcação.4. Recurso especial não provido.” (REsp 1147589 / RS, Rel. Ministra Eliana Calmon,Segun<strong>da</strong> Turma. DJe 24.03.2010) (grifado)Assim, prescrito o direito <strong>da</strong> parte-autora de impugnar o referidoprocedimento demarcatório, não há como afastar a cobrança <strong>da</strong> taxa deocupação em questão.Intimação pessoal nos processos demarcatórios – ADI nº 4264Por sua vez, quanto à necessi<strong>da</strong>de de intimação pessoal nos procedimentosdemarcatórios de terreno de marinha, consigno que o Plenáriodo e. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sede de medi<strong>da</strong> cautelar deferi<strong>da</strong>na ADI nº 4264 (DJE 25.03.2011), ajuiza<strong>da</strong> pela Assembleia Legislativado Estado de Pernambuco, declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 11do Decreto-Lei nº 9760/1946, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo artigo 5º <strong>da</strong> Leinº 11.481/2007 (DOU 31.05.2007), que assim dispunha:“Art. 11. Para a realização <strong>da</strong> demarcação, a SPU convi<strong>da</strong>rá os interessados, por edital,para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outrosesclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado.”To<strong>da</strong>via, tenho que o entendimento constante <strong>da</strong> ADI nº 4264, isto é,a intimação pessoal nos processos demarcatórios, apenas se aplica aos126R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


procedimentos posteriores à referi<strong>da</strong> decisão proferi<strong>da</strong> pelo e. Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, e não àquelas demarcações já perfectibiliza<strong>da</strong>s e alcança<strong>da</strong>spela prescrição, sob pena de, indevi<strong>da</strong>mente, emprestarem-seefeitos ex tunc ao decisum sufragado pela Suprema Corte.Procede, portanto, a irresignação <strong>da</strong> União, devendo ser reforma<strong>da</strong>integralmente a r. sentença.Título particular constante do registro de imóveis – não oponível à UniãoEm relação ao procedimento administrativo de demarcação e cobrançade taxa de ocupação do imóvel, a atribuição de proprie<strong>da</strong>de à União dosterrenos de marinha é secular e, atualmente, de ordem constitucional,independendo, diante disso, do teor do registro de imóveis, por ser essaproprie<strong>da</strong>de decorrente dos termos <strong>da</strong> própria lei e especialmente <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, em seu artigo 20, inciso VII. Tal legislação confereao serviço de patrimônio <strong>da</strong> União o ca<strong>da</strong>stramento dos usos debens públicos, seja via aforamento, seja via permissão de uso, ocupaçãotemporária etc.Assim, a certidão do registro de imóveis não é oponível à União, antea natureza constitucional <strong>da</strong> sua proprie<strong>da</strong>de sobre as áreas de marinha.Nesse sentido:“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. PROCESSO DEMARCATÓRIO.ART. 20, VII, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ‘BRAÇO MORTO’ DE IMBÉ.1. (omissis).2. (omissis).3. Destacam-se, no que diz com o processo demarcatório dos terrenos qualificadoscomo de marinha: a proprie<strong>da</strong>de originária <strong>da</strong> União; a oponibili<strong>da</strong>de do registro em cartório;e outras questões referentes à controvérsia dos autos, o julgamento do REsp 798165pelo STJ, em que foi Relator o Ministro LUIZ FUX. Entendeu aquela Corte que o direitode proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União encontra previsão no art. 20 <strong>da</strong> Carta <strong>Federal</strong> de 1988, que teriarecepcionado o art. 1º e seguintes do Decreto-Lei nº 9.760/46. Ademais, restou assente que,em se tratando de terrenos de marinha, o título particular não é oponível à União.4. Embargos Infringentes improvidos.” (Embargos Infringentes nº 2003.71.00.050235-7,2ª Seção, Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 26.01.2009)Critério utilizado para majoração <strong>da</strong> taxa de ocupação – legali<strong>da</strong>dePor sua vez, verifico que, nos termos <strong>da</strong> jurisprudência dominante<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Seção deste <strong>Tribunal</strong>, os reajustes <strong>da</strong>s taxas de ocupaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 127


calculados com base no domínio pleno do bem são perfeitamente legítimos,verbis:“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. MAJO-RAÇÃO. VALOR DO DOMÍNIO PLENO DO IMÓVEL. PROCESSO ADMINISTRA-TIVO.– Os reajustes <strong>da</strong>s taxas de ocupação, na forma <strong>da</strong> legislação de regência, devem sercalculados com base no domínio pleno do bem. Pertinente a respeito as regras conti<strong>da</strong>s nosarts. 67 e 101 do Decreto-Lei nº 9.760/46 e no art. 1º do Decreto-Lei nº 2.398/87.– A Turma tem se manifestado no sentido <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de do procedimento <strong>da</strong> SPU,quando a comunicação dos reajustes ocorre por meio <strong>da</strong> publicação de edital em jornalde grande circulação, caso dos autos. Precedente do STJ (REsp 1132403).” (TRF4, EI2008.72.00.006457-3, Relator Jorge Antonio Maurique, Segun<strong>da</strong> Seção, D.E. 12.05.2011)Com efeito, o Decreto-Lei n° 2.398/87, que dispõe sobre foros, laudêmiose taxas de ocupação relativas a imóveis de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União,no ponto atinente ao cálculo <strong>da</strong> taxa, assim dispõe:“Art. 1° A taxa de ocupação de terrenos <strong>da</strong> União, calcula<strong>da</strong> sobre o valor do domíniopleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do Patrimônio <strong>da</strong> União (SPU), será,a partir do exercício de 1988, de:I – 2% (dois por cento) para as ocupações já inscritas e para aquelas cuja inscrição sejarequeri<strong>da</strong>, ao SPU, até 30 de setembro de 1988; e (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto-Lei nº 2.422,de 1988) (Vide Lei nº 11.481, de 2007)II – 5% (cinco por cento) para as ocupações cuja inscrição seja requeri<strong>da</strong> ou promovi<strong>da</strong>ex officio, a partir de 1° de outubro de 1988. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto-Lei nº 2.422, de1988)”No mesmo sentido, os artigos 67 e 101 do Decreto-Lei n° 9.760/46,a saber:“Art. 67. Cabe privativamente ao S.P.U. a fixação do valor locativo e venal dos imóveisde que trata este Decreto-Lei.[...]Art. 101. Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimospor cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente atualizado. (Re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 7.450, de 1985)”E ain<strong>da</strong> a orientação <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Ministério do Planejamento, Orçamentoe Gestão, por meio <strong>da</strong> Portaria n° 75, de 24 de março de 2003, a saber:“1 OBJETIVOA presente Orientação Normativa destina-se a estabelecer normas e procedimentos deavaliação e informação técnica de valor dos imóveis de proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> União ou de seu128R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


interesse.(...)4.1.1.2 Para a fixação dos valores de taxa de ocupação, do foro e <strong>da</strong>s demais multasprevistas em lei, poderá ser adotado, para a determinação <strong>da</strong>s respectivas bases de cálculo,o valor do m² do terreno constante <strong>da</strong> Planta Genérica de Valores – PGV, elabora<strong>da</strong> emconformi<strong>da</strong>de com esta Orientação Normativa.”Mostra-se, assim, legítima a atualização do valor do domínio pleno doterreno com base em critérios atuais de valoração mobiliária, como feza Secretaria de Patrimônio <strong>da</strong> União, pois há expressa previsão legal nosentido de que a atualização do “domínio pleno” será feita anualmente,de modo que, se o foreiro quer fazer jus ao direito de desfrutar do bempúblico, deve adimplir a taxa cobra<strong>da</strong> pela permissão de uso, nos termosem que apresenta<strong>da</strong> pelo órgão competente.Nesse sentido, colaciono ementa do STJ:“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. VIO-LAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TAXA DE OCUPAÇÃO.REAJUSTE. NOVA AVALIAÇÃO DO VALOR DO DOMÍNIO PLENO. PRÉVIA INTI-MAÇÃO DO OCUPANTE. DESNECESSIDADE.1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o <strong>Tribunal</strong> de origem resolve a controvérsiade maneira sóli<strong>da</strong> e fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>, apenas não adotando a tese do recorrente.2. É possível reajustar a taxa de ocupação com base em nova avaliação do imóvel. Precedente:REsp 1152279/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segun<strong>da</strong> Turma, DJe 18.12.2009.3. Desnecessária prévia intimação do ocupante para acompanhar o processo de avaliaçãodo domínio pleno. Precedente: REsp 1132403/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,Segun<strong>da</strong> Turma, DJe 11.11.2009.4. Recurso especial não provido.” (REsp 1133224/SC, Relator Castro Meira, Segun<strong>da</strong>Turma, DJe 23.04.2010) (Grifei)Ademais, a despeito de eventual insurgência quanto à ilegali<strong>da</strong>de doscritérios utilizados pelo órgão gestor do patrimônio público para avaliaçãodo bem, a parte-autora não traz qualquer argumento concreto queinfirme o valor atribuído ao imóvel pela União, o que denota a coerênciae a razoabili<strong>da</strong>de dos parâmetros legalmente adotados pela SPU.Procede, portanto, a irresignação <strong>da</strong> União, devendo ser reforma<strong>da</strong>na íntegra a r. sentença.Prequestionamento e honorários advocatíciosQuanto ao prequestionamento, esclareço que não há necessi<strong>da</strong>de deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 129


o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em quefun<strong>da</strong>menta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento<strong>da</strong> matéria por meio do julgamento feito pelo <strong>Tribunal</strong> justificao conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ,EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de FigueiredoTeixeira, DJ de 13.09.99).Tendo em vista a inversão <strong>da</strong> sucumbência, as custas processuais e oshonorários advocatícios deverão ser suportados pela parte-autora, estesúltimos fixados em R$ 545,00.DispositivoAnte o exposto, voto no sentido de <strong>da</strong>r provimento à apelação <strong>da</strong>União, julgando prejudicado o recurso adesivo do autor.APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000074-84.2010.404.7205/SCRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz LeiriaApelante: Serafim Portes RochaAdvogado: Dr. Jorge André Ritzmann de OliveiraApelados: Estado de Santa CatarinaMunicípio de BlumenauUnião – Advocacia-Geral <strong>da</strong> UniãoMPF: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTAAdministrativo e constitucional. Fornecimento de medicamentos.Entes políticos – responsabili<strong>da</strong>de solidária. Transplantados – direitoao recebimento de medicamentos.130R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


1. A União, os Estados-Membros e os Municípios têm legitimi<strong>da</strong>depassiva e responsabili<strong>da</strong>de solidária nas causas que versam sobre fornecimentode medicamentos.2. Necessária a imposição aos entes políticos para provisão de medicamentopara transplantados, mesmo quando comprovado que o fármaconecessário não esteja em lista do SUS, para o caso específico detransplante do órgão que o autor realizou.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 3ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento às apelações, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 31 de agosto de 2011.Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se deapelações contra sentença que julgou improcedente o pedido na inicialpara reconhecer o direito do autor em receber o medicamento Rapamune(rapamicina), imunodepressor necessário por ser transplantado hepático.Condena<strong>da</strong> a parte autora em honorários advocatícios de R$ 300,00,suspensos em face <strong>da</strong> assistência judiciária gratuita.A parte-autora apela, acompanha<strong>da</strong> adesivamente pelo MPF, alegandoque tem necessi<strong>da</strong>de de receber o medicamento, pois teve o fígadotransplantado em virtude de hepatite e, com a falta do imunodepressorRapamune, poderá ter o novo fígado lesionado. Aduz que o medicamentoanteriormente receitado trouxe-lhe insuficiência renal, motivo pelo qualfoi obrigado a trocar para o fármaco requerido. Requer a procedência<strong>da</strong> ação.Com contrarrazões, vieram os autos a este <strong>Tribunal</strong> onde o MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> opinou pelo provimento <strong>da</strong>s apelações.É o relatório.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 131


VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: O direito fun<strong>da</strong>mentalà saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo asalegações de mera norma programática, de forma a não lhe <strong>da</strong>r eficácia.A interpretação <strong>da</strong> norma constitucional há de ter em conta a uni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> Constituição, a máxima efetivi<strong>da</strong>de dos direitos fun<strong>da</strong>mentais e aconcordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal deum dos direitos em relação aos outros. Em se tratando de fornecimentode medicamentos, tenho adotado determinados parâmetros: a) eventualconcessão <strong>da</strong> liminar não pode causar <strong>da</strong>nos e prejuízos relevantes aofuncionamento do serviço público de saúde; b) o direito de um pacienteindividualmente não pode, a priori, prevalecer sobre o direito de outrosci<strong>da</strong>dãos igualmente tutelados pelo direito à saúde; c) o direito à saúdenão pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento demedicamentos; d) havendo disponibili<strong>da</strong>de no mercado, deve ser <strong>da</strong><strong>da</strong>preferência aos medicamentos genéricos, porque comprova<strong>da</strong> sua bioequivalência,seus resultados práticos idênticos e seu custo reduzido; e) ofornecimento de medicamentos deve, em regra, observar os protocolosclínicos e a “medicina <strong>da</strong>s evidências”, devendo eventual prova pericial,afastado “conflito de interesses” em relação ao médico, demonstrar quetais não se aplicam ao caso concreto; f) medicamentos ain<strong>da</strong> em fase deexperimentação, não enquadrados na listagem ou nos protocolos clínicos,devem ser objeto de especial atenção e verificação, por meio de períciaespecífica para comprovação de eficácia em seres humanos e aplicaçãoao caso concreto como alternativa viável.Tenho que, quanto à alega<strong>da</strong> ilegitimi<strong>da</strong>de passiva <strong>da</strong> União, em quepese não desconhecer recente posição do STJ a respeito <strong>da</strong> competênciapara julgar e decidir sobre a execução de programas de saúde e <strong>da</strong>distribuição de medicamentos, no sentido de excluir a União dos feitos(REsp 873196/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 24.05.2007, p. 328),mantenho a posição esposa<strong>da</strong> pela Exma. Ministra Ellen Gracie (SS3205, Informativo 470-STF), no sentido de que“a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuiçãode medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 <strong>da</strong> Constituição<strong>da</strong> República, que obriga to<strong>da</strong>s as esferas de Governo a atuarem de forma solidária.”132R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Prescreve o artigo 196 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> que é obrigação doEstado (União, Estados e Municípios) assegurar a todos o acesso à saúde:“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais eeconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universale igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”Portanto, está evidente a legitimi<strong>da</strong>de passiva dos réus, bem comosua soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de no caso.No caso presente, evidente a multiplici<strong>da</strong>de de direitos e princípiospostos em questão: a reserva do possível, a competência orçamentáriado legislador, a eficiência <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de administrativa, a preservaçãodo direito à vi<strong>da</strong> e o direito à saúde. Na concretização <strong>da</strong>s normas emface <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social e diante dos interesses, princípios e direitos emconflito, está subjacente a ideia de “igual valor dos bens constitucionais”e a de que a concordância prática impede, “como solução, o sacrifíciode uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites econdicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonizaçãoou concordância prática entre estes bens” (p. 1225).Disso decorre, portanto, a observação de determinados pressupostosbásicos, quais sejam: a) que eventual concessão de liminar ou tutela antecipa<strong>da</strong>não pode causar <strong>da</strong>nos nem prejuízos relevantes ao funcionamentodo serviço público de saúde, o que implicaria, ao final, prejuízo ao direitode saúde de todos os ci<strong>da</strong>dãos; b) que “o direito de um paciente individualmenteconsiderado não pode, a priori e em termos abstratos, ser semprepreferente ao direito de outro(s) ci<strong>da</strong>dão(s), igualmente tutelado(s) pelodireito à saúde ou por políticas sociais diversas, mas também essenciais”(FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fun<strong>da</strong>mental à saúde. PortoAlegre: do Advogado, 2007. p. 212), e, simultaneamente, prevalecendo,desproporcionalmente, aos princípios de competência orçamentária e<strong>da</strong>s atribuições administrativas do Poder Executivo no encaminhamento<strong>da</strong>s políticas públicas; c) que o direito à saúde não pode ser reconhecidoapenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos, porqueenvolvendo políticas públicas de maior abrangência, em especial açõespreventivas e promocionais, sem predominância de ações curativas. Necessário,pois, fixar determinados parâmetros de forma a compatibilizaros direitos e princípios envolvidos no caso sub judice.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 133


Assim, por exemplo, a Lei nº 9.787/99, <strong>da</strong>ndo nova re<strong>da</strong>ção ao art. 3º<strong>da</strong> Lei nº 6.360/78, define medicamento genérico como aquele medicamentosimilar a um produto de referência ou inovador, que se pretendeser com este intercambiável. Por sua vez, bioequivalência é a “demonstraçãode equivalência farmacêutica entre produtos apresentados sob amesma forma farmacêutica, contendo idêntica composição qualitativae quantitativa de princípio(s) ativo(s), e que tenham comparável biodisponibili<strong>da</strong>de,quando estu<strong>da</strong>dos sob um mesmo desenho experimental”(inciso XXIV). Isso indica, pois, que o medicamento genérico tem omesmo princípio ativo, na mesma dose e forma farmacêutica do medicamentode referência, apresentando a mesma segurança e podendo serintercambiável.Não há base legal nem científica, pois, para a não intercambiali<strong>da</strong>dedos medicamentos de referência e genéricos. Dentro <strong>da</strong> mesma lógica,não há por que se atender a prescrição de medicamentos, se o efeitodestes, igual ou mais benéfico à saúde, pode ser alcançado mediantemedicamento já fornecido pelo Sistema Único de Saúde ou se a aquisiçãofor possível, por parte do Poder Público, de forma menos dispendiosa,observados os parâmetros clínicos.Não é demais lembrar que o medicamento, sendo importante insumono processo de atendimento ao direito à saúde, pode constituir fator derisco quando utilizado de forma inadequa<strong>da</strong>, devendo-se, pois, procederao uso racional e seguro desses produtos, gerenciamento que é realizadopelo Ministério <strong>da</strong> Saúde, com base em protocolos clínicos que “têm oobjetivo de, ao estabelecer claramente os critérios de diagnóstico de ca<strong>da</strong>doença, o tratamento preconizado com os medicamentos disponíveis nasrespectivas doses corretas, os mecanismos de controle, o acompanhamentoe a verificação de resultados e a racionalização <strong>da</strong> prescrição e dofornecimento dos medicamentos”, de forma, pois, a “criar mecanismospara a garantia <strong>da</strong> prescrição segura e eficaz”, procurando fun<strong>da</strong>mentar“as condutas adota<strong>da</strong>s na melhor evidência científica disponível” (http://dtr2001.saude.gov.br/sas/dsra/protocolos/05_protocolos.pdf).Esse sistema incorpora-se no movimento internacional de “medicina<strong>da</strong>s evidências”, que busca conciliar informações <strong>da</strong> área médica a fimde padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a toma<strong>da</strong> de decisãodo médico.134R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Daí que se torna necessária a execução de uma perícia médica. Esta,a ser realiza<strong>da</strong> em primeiro grau, deve ter como nortes, portanto, a informaçãosobre os protocolos clínicos e terapêuticos do Ministério <strong>da</strong>Saúde e a “medicina de evidências”.De outro lado, há que se tomar posição a respeito <strong>da</strong>queles medicamentosque não se encontram enquadrados na lista Rename ou ain<strong>da</strong> emfase de experimentação ou mesmo ain<strong>da</strong> não incluídos nos protocolosclínicos e nas diretrizes médicas e que, mesmo assim, são, muitas vezes,objeto de pedidos no Judiciário.Aqui, com mais razão ain<strong>da</strong>, a execução de perícia médica, com osmesmos cui<strong>da</strong>dos já mencionados, se faz necessária para que se comproveque tal medicação já foi aprova<strong>da</strong> para uso humano, ain<strong>da</strong> que o tenhasido pelo FDA; ou que, em estado de evidência científica, se encontraperante a aprovação <strong>da</strong> Anvisa. Não é demais lembrar que o objetivobásico <strong>da</strong> vigilância sanitária é evitar a circulação de fármacos que possamcausar <strong>da</strong>nos à saúde, ou mesmo a utilização de compostos menosbenéficos, tanto que é possível à autori<strong>da</strong>de competente a proibição decerto medicamento ou a alteração de determina<strong>da</strong> fórmula (art. 6º <strong>da</strong>Lei nº 6.360/76).Ain<strong>da</strong>, observo que o acima fixado não contraria a Portaria do Ministério<strong>da</strong> Saúde nº 3.916/98, que instituiu a Política Nacional de Medicamentos,e a GM nº 2.577/06. Nelas estão previstos a responsabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s esferas governamentais e o elenco de medicamentos que serão peloEstado adquiridos diretamente ou em parceria com o Ministério <strong>da</strong> Saúde,inclusive os de dispensação em caráter excepcional.No caso presente, fica evidente a falha do serviço médico prestadopelos entes federados, pois, se no Brasil somente por um ca<strong>da</strong>stro públicoé possível um doente ter acesso a um transplante de fígado, como o autor,percebe-se, até mesmo pelas notícias que nos chegam, que não é na<strong>da</strong>fácil conseguir um órgão dessa importância compatível com o receptor.Ora, se não é fácil conseguir conciliar os vários fatores envolvidosno transplante (doação do órgão, receptor e doador compatíveis, doadorsaudável, receptor em condições de saúde para a cirurgia, retira<strong>da</strong> e colocaçãodo órgão em tempo hábil, equipe médica prepara<strong>da</strong> e disponível nomomento e locais interessados, etc), haveria de se ter um maior cui<strong>da</strong>docom aqueles que conseguem um órgão e sobrevivem à fase mais críticaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 135


após a cirurgia, tal como o autor.De na<strong>da</strong> adianta campanha de doações de órgãos e sucesso nos transplantesse os pacientes não permanecem sob cui<strong>da</strong>dos após as cirurgias.E os entes federados e seus órgãos competentes são sabedores de queos transplantados são pacientes que necessitam de medicamentos parao restante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, para que seus corpos não rejeitem o novo órgão, sobo risco de morrerem.Portanto, totalmente descabi<strong>da</strong> a decisão dos entes de negar a umci<strong>da</strong>dão transplantado o recebimento de medicamento que o mantémvivo, medicamento que apenas vem complementar aquilo que de maishumano se conseguiu na medicina, a doação de órgãos, que, muitas vezes,somente é consegui<strong>da</strong> com a dor de uma família doadora.Não há que ser aceito, também, o argumento de que o medicamentoRapamune é indicado pelo SUS apenas para transplantados renais e nãopara transplantados de fígados, pois o caso concreto se apresenta claropelo seu proveito para casos como o do autor.O laudo pericial é categórico em afirmar que o autor já tomou oimunodepressor disponibilizado pelo SUS (tacrolimo), mas que teveque suspendê-lo por risco de insuficiência renal terminal irreversível,assim, deve receber o medicamento Rapamune, pois o mesmo é indispensávelpara manutenção de sua vi<strong>da</strong> tendo em vista sua condição detransplantado.Diante disso, devendo o paciente que necessita de transplante serinscrito em lista única sob gerência do SUS, e sendo no SUS que o pacienteterá a garantia a todo o atendimento necessário, incluindo-se aí osmedicamentos, entendo que, na ausência dessa entrega, verificado casoa caso, são responsáveis diretos os entes políticos, de forma solidária.Modifica<strong>da</strong>, portanto a sentença para que a União, o Estado de SantaCatarina e o Município de Blumenau disponibilizem o medicamentoRapamune, em dosagem a ser determina<strong>da</strong> pelo médico que subscreveas receitas atuais do autor. O fornecimento do fármaco deverá ser feitoenquanto for necessário por indicação do seu médico.Modifica<strong>da</strong> a solução <strong>da</strong> lide, fica a parte autora vencedora na totali<strong>da</strong>dedo pedido, devendo a parte ré arcar com os honorários advocatíciosque arbitro em 10% do valor <strong>da</strong> condenação, pro rata, conforme art. 20do CPC, de acordo com o entendimento desta Corte.136R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Quanto ao prequestionamento, não há necessi<strong>da</strong>de de o julgadormencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fun<strong>da</strong>mentasua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento <strong>da</strong>matéria por meio do julgamento feito pelo <strong>Tribunal</strong> justifica o conhecimentode eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,DJ de 13.09.99).Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento às apelações para julgarprocedente a ação, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 5031281-28.2010.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósApelantes: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis – IbamaMinistério Público <strong>Federal</strong>Município de Caxias do SulSuperintendente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis – Ibama – Porto AlegreApelado: Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – IngáAdvogados: Dr. Marcelo Pretto MosmannDra. Livia Lima RymerApelado: Instituto Orbis de Proteção e Conservação <strong>da</strong> NaturezaAdvogado: Dr. Marcelo Pretto MosmannApelados: Os mesmosApela<strong>da</strong>: União pela Vi<strong>da</strong> – UPVAdvogados: Dr. Marcelo Pretto MosmannDra. Livia Lima RymerR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 137


EMENTAAmbiental. Apelação <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de coatora. Anuência prévia parasupressão de vegetação primária e secundária. Construção de barragempara abastecimento de água. Análise de alternativas locacionais. Lei nº11.428/2006. Dec. nº 6660/2008.A apelação contra sentença proferi<strong>da</strong> em man<strong>da</strong>do de segurança deveser interposta pelo órgão ao qual a autori<strong>da</strong>de coatora é liga<strong>da</strong> e não poresta. Não se conhece do apelo de seu Superintendente, autori<strong>da</strong>de coatora.Consoante dispõe o art. 14 <strong>da</strong> Lei nº 11.428/2006, o estudo de alternativaslocacionais para construção de represamento com vista a aumentara capaci<strong>da</strong>de de abastecimento de água do Município não compete aoIbama, mas sim ao órgão estadual. Ao Ibama, consoante o parágrafo 1ºdo artigo supracitado, cabe conceder anuência prévia para supressão deMata Atlântica.De acordo com o art. 19 do Decreto nº 6.660/2008, a anuência préviado Ibama para supressão <strong>da</strong> vegetação somente é concedi<strong>da</strong> após aautorização do órgão estadual competente.Não há hierarquia entre as atuações do órgão federal e do estadual.Desse modo, não é atribuição do Ibama realizar uma ampla análise deto<strong>da</strong>s as questões relativas ao empreendimento.O abastecimento de água de quali<strong>da</strong>de e na quanti<strong>da</strong>de necessária ésinônimo de saúde pública. E não se trata apenas de uma barragem. Trata--se de um sistema de abastecimento completo e integrado. Os serviçosde construção <strong>da</strong> barragem Marrecas estão 90% executados. Já foramplanta<strong>da</strong>s um total de 250 mil uni<strong>da</strong>des vegetais para a compensaçãoambiental (xaxins, bromélias, cactos e outras espécies) e foram investidosR$ 200 milhões, em um total de R$ 240 milhões. Sem dúvi<strong>da</strong>, paralisaruma obra nessa fase, para aprofun<strong>da</strong>r estudos acerca de eventual melhorlocalização, após to<strong>da</strong>s as análises feitas pelos órgãos responsáveis, égerar prejuízos incalculáveis, não só ao Município de Caxias do Sul, masà população <strong>da</strong>quela locali<strong>da</strong>de, especialmente por estar comprovadoque inexistem outras alternativas locacionais, já que to<strong>da</strong>s as possíveisintegram as bacias de captação que serão, em breve e paulatinamente,utiliza<strong>da</strong>s.138R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, não conhecer do apelo do Superintendente do Ibama,<strong>da</strong>r provimento aos apelos do Ibama e do Município de Caxias do Sul, enegar provimento ao apelo do Ministério Público <strong>Federal</strong>, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 17 de janeiro de 2012.Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: No presente man<strong>da</strong>do desegurança, as impetrantes pretendem suspender a anuência para supressãovegetal concedi<strong>da</strong> pelo Ibama no processo administrativo nº02023.003402/2009-47 (que versa sobre a construção de barragem paraabastecimento de água denomina<strong>da</strong> Marrecas no Município de Caxias doSul), bem como compelir o Ibama a analisar a existência de alternativaslocacionais (conforme art. 14 <strong>da</strong> Lei nº 11.428/2006 c/c art. 19 do Dec.nº 6660/2008 e art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 4.771/65).O Ministério Público <strong>Federal</strong> assim relatou os fatos:“Trata-se de apelações do Ibama (evento 129), do Superintendente do Ibama (evento128),do Município de Caxias do Sul/RS (evento 126) e do Ministério Público <strong>Federal</strong> (evento47) contra a sentença (evento 29) que concedeu parcialmente a segurança para decretara nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> anuência para supressão vegetal concedi<strong>da</strong> pelo Ibama, determinando queeste analise o mérito <strong>da</strong> existência de alternativas locacionais (conforme art. 14 <strong>da</strong> Lei nº11.428/2006 c/c art. 19 do Dec. nº 6660/2008 e art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 4.771/65) para construçãode represamento com vistas a aumentar a capaci<strong>da</strong>de de abastecimento de água do Municípiode Caxias do Sul/RS.Versou o Man<strong>da</strong>do de Segurança (evento 1) sobre irregulari<strong>da</strong>des leva<strong>da</strong>s ao conhecimentodo Ibama, por parte do impetrante, o qual emitiu anuência de supressão vegetal emMata Atlântica sem observar (evento 3, PROCADM8, fl. 514):a) Invali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> licença expedi<strong>da</strong> por órgão incompetente;b) Ilegali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> forma de compensação pretendi<strong>da</strong> em prejuízo à proteção do Biomamata Atlântica;c) Violação aos arts. 11 e 12 <strong>da</strong> Lei 11.428/2006 e, ain<strong>da</strong>, violação dos arts. 4º <strong>da</strong> Leinº 4.771/65, 14 <strong>da</strong> Lei 11.428/2006, e dos princípios <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de admi-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 139


nistrativa, <strong>da</strong> eficiência e <strong>da</strong> probi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração Pública;d) Intervenções na vegetação sem autorização do Ibama.Após prolação <strong>da</strong> sentença, foi realiza<strong>da</strong> audiência para tentativa de conciliação (eventos111 e 141), em que não se conheceu dos embargos declaratórios interpostos pelo impetrado(evento 42) e pelo Município de Caxias do Sul (evento 45). Também ficou acor<strong>da</strong><strong>da</strong>, naaudiência, a área que será destina<strong>da</strong> à compensação ambiental, embora o Ministério Público<strong>Federal</strong> tenha esclarecido que a divergência que eventualmente seria discuti<strong>da</strong> no <strong>Tribunal</strong>,em grau de recurso, seria a falta de estudos de alternativas locacionais indispensável paraconcessão de anuência, e não a compensação do <strong>da</strong>no consumado.Tendo sido proposto o Man<strong>da</strong>do de Segurança (evento 1) apenas contra o Ibama, oMunicípio de Caxias do Sul/RS formulou pedido para integrar a lide como litisconsortenecessário e interpôs embargos de declaração contra a sentença (evento 45). Aduziu, preliminarmente,que há litisconsórcio passivo necessário, uma vez que o Município seriao único a sofrer as consequências <strong>da</strong> anulação <strong>da</strong> anuência para supressão <strong>da</strong> vegetação.Tendo sido admitido a intervir no feito apenas como assistente simples <strong>da</strong> parte impetra<strong>da</strong>(evento 111), o Município de Caxias/RS interpôs apelação (evento 126), em que reforça atese de que sofreria grave prejuízo com a anulação <strong>da</strong> anuência de supressão ambiental, umavez que já foram gastos mais de R$ 140 milhões no empreendimento, que já se encontraem avançado estágio de execução, sendo irreversível, conforme fotografias anexa<strong>da</strong>s noevento 126. Alega também que to<strong>da</strong>s as licenças foram regularmente obti<strong>da</strong>s e realizadosos estudos de alternativa locacional. Em suma, assevera com o fato consumado para finsde justificar qualquer ilegali<strong>da</strong>de no licenciamento do empreendimento.O Superintendente do Ibama, por sua vez, apela (evento 128) <strong>da</strong> sentença aduzindoque o processo de licenciamento é de competência do órgão ambiental estadual (Fepam), oqual delegou a competência para Licença de Instalação para o próprio município (evento 3,PROCADM5, fl. 230), cabendo ao órgão federal apenas a anuência prévia para supressão deMata Atlântica. Alega que o Ibama não deve analisar o mérito <strong>da</strong>s alternativas locacionaissubmeti<strong>da</strong>s anteriormente à Fepam, mas apenas verificar se a alternativa escolhi<strong>da</strong> não ferenenhuma ve<strong>da</strong>ção do art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 11.428/2006. Alega não haver hierarquia entre o órgãofederal e o estadual, e sustenta ter atuado com zelo na emissão <strong>da</strong> anuência prévia, tendorealizado três vistorias no empreendimento. Assim, haveria per<strong>da</strong> do objeto do feito, vistoque o Ibama já se manifestou a respeito <strong>da</strong>s alternativas locacionais neste feito.O Ibama, em suas razões de apelação (evento 130), repisa as alegações do Superintendente,afirmando a per<strong>da</strong> do objeto <strong>da</strong> lide por já ter havido manifestação do Ibama quantoàs alternativas locacionais em audiência.O Ministério Público <strong>Federal</strong> apela (evento 47) <strong>da</strong> sentença a fim de que seja determinadoao Ibama a ampla análise <strong>da</strong>s questões relativas ao empreendimento, não resumindo suaatuação em mera formali<strong>da</strong>de, nota<strong>da</strong>mente para que sejam estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s alternativas técnicasdireciona<strong>da</strong>s à garantia do efetivo manejo ecológico previsto na Constituição <strong>Federal</strong> (art.225, § 4º, inciso I).Com as contrarrazões do Ministério Público <strong>Federal</strong> (evento 154) e dos impetrantes(evento 155), bem como as demais manifestações dos impetrantes após a sentença (evento140R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


63), vieram os autos para parecer.”O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo provimento <strong>da</strong> apelaçãodo MPF, a fim de que haja ampla revisão do processo de licenciamentoambiental, e pelo não provimento dos recursos do Ibama e do Municípiode Caxias do Sul.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Inicialmente, não conheço doapelo do Superintendente do Ibama, porquanto a apelação contra sentençaproferi<strong>da</strong> em man<strong>da</strong>do de segurança deve ser interposta pelo órgão aoqual a autori<strong>da</strong>de coatora é liga<strong>da</strong>, e não por esta. Considerando existirnos autos apelo do Ibama, não há qualquer prejuízo ao órgão federal.No mérito, a sentença monocrática concedeu parcialmente a segurançapara decretar a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> anuência para supressão vegetal concedi<strong>da</strong>pelo Ibama e determinou que esse órgão analise o mérito <strong>da</strong> existênciade alternativas locacionais para construção de represamento com vistaa aumentar a capaci<strong>da</strong>de de abastecimento de água do Município deCaxias do Sul/RS.O exame <strong>da</strong> legislação atinente ao caso demonstra que o estudo dealternativas locacionais, de fato, não compete ao Ibama. Senão vejamos:A Lei nº 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e a proteção <strong>da</strong>vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, em seu artigo 14, prevê:“Art. 14. A supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneraçãosomente poderá ser autoriza<strong>da</strong> em caso de utili<strong>da</strong>de pública, sendo que a vegetaçãosecundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimi<strong>da</strong> nos casos de utili<strong>da</strong>depública e interesse social, em todos os casos devi<strong>da</strong>mente caracterizados e motivados emprocedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional aoempreendimento proposto, ressalvado o disposto no inciso I do art. 30 e nos §§ 1º e 2º doart. 31 desta Lei.§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgãoambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal oumunicipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.§ 2º A supressão de vegetação no estágio médio de regeneração situa<strong>da</strong> em área urbanadependerá de autorização do órgão ambiental municipal competente, desde que o municípiopossua conselho de meio ambiente, com caráter deliberativo e plano diretor, medianteanuência prévia do órgão ambiental estadual competente fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em parecer técnico.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 141


§ 3º Na proposta de declaração de utili<strong>da</strong>de pública disposta na alínea b do inciso VIIdo art. 3º desta Lei, caberá ao proponente indicar de forma detalha<strong>da</strong> a alta relevância e ointeresse nacional.” (grifei)A legislação deixa claro que o processo de licenciamento, em que devemser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s as alternativas locacionais, é de competência do órgãoambiental estadual – no presente caso, a Fepam. Ao Ibama, consoante oparágrafo 1º do artigo supracitado, cabe conceder anuência prévia parasupressão de Mata Atlântica.Enquanto ao órgão estadual compete o estudo do EIA/Rima (Estudode Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) e <strong>da</strong>s alternativaslocacionais, ao Ibama incumbe a análise <strong>da</strong> existência de ve<strong>da</strong>çõesprevistas no art. 11 <strong>da</strong> Lei 11.428/2006 sobre a locali<strong>da</strong>de escolhi<strong>da</strong>.Ou seja, o órgão federal analisa se o local já escolhido como melhoralternativa locacional não sofre nenhuma <strong>da</strong>s restrições do art. 11 <strong>da</strong>Lei 11.428/2006.Ao contrário do que alega o Ministério Público <strong>Federal</strong>, não há hierarquiaentre as atuações do órgão federal e do estadual. Desse modo, nãopode o Ibama realizar uma ampla análise de to<strong>da</strong>s as questões relativasao empreendimento, tarefa afeita aos órgãos estadual e municipal.Prova disso está na documentação junta<strong>da</strong> pelo Município de Caxiasdo Sul em que fica claro que to<strong>da</strong> a discussão acerca <strong>da</strong> localização doempreendimento ocorreu no âmbito estadual e municipal. O trâmite dolicenciamento ocorreu <strong>da</strong> seguinte forma:“22 de outubro de 2008: o empreendedor apresenta, pela primeira vez, um estudo dealternativas locacionais, comparando 04 arroios. Os <strong>da</strong>dos nesse estudo demonstram que oArroio Marrecas, <strong>da</strong>s 04 alternativas analisa<strong>da</strong>s, é o segundo pior em termos de supressãode Mata Atlântica.11 de novembro de 2008: reunião <strong>da</strong> equipe técnica <strong>da</strong> Fepam conclui que tece críticasaos critérios utilizados e à definição de pesos. Ain<strong>da</strong> assim, utilizando os <strong>da</strong>dos apresentadospelos estudos, concluiu que o Arroio Marrecas seria a terceira alternativa locacional,estando atrás dos Arroios Sepultura e Mula<strong>da</strong>.25 de novembro de 2008: equipe técnica é destituí<strong>da</strong>, sugerindo-se desde logo a nomeaçãode nova equipe.27 de novembro de 2008: ofício <strong>da</strong> Fepam solicita apresentação de alternativas locacionaisdentro <strong>da</strong> bacia hidrográfica do Arroio Marrecas.11 de dezembro de 2008: Samae justifica, com 03 parágrafos apenas, as alternativaslocacionais. A justificativa é de que o Marrecas possui maior viabili<strong>da</strong>de econômica. Não142R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


abor<strong>da</strong> aspectos ambientais.16 de dezembro de 2008: parecer do órgão municipal opina quais seriam os estudoscomplementares necessários para a expedição <strong>da</strong> licença prévia: análise fitossociológicade to<strong>da</strong>s as formações vegetais constante na AID, para ca<strong>da</strong> formação e seus respectivosestágios sucessionais; quadros <strong>da</strong> área de supressão vegetal para ca<strong>da</strong> formação; entre outros.18 de dezembro de 2008: parecer técnico conjunto (Fepam e Semma) opina pela emissão<strong>da</strong> licença prévia. São inseridos como condicionantes os estudos complementares acimareferidos.”Ora, se após longo trâmite e discussões a Fepam emitiu licença préviapara o empreendimento, não é viável cobrar do Ibama a responsabili<strong>da</strong>depor estudo que não é de sua competência.A questão fica definitivamente supera<strong>da</strong> quando analisado o art.19 do Decreto nº 6.660/2008, que regulamenta dispositivos <strong>da</strong> Lei nº11.428/2006, in verbis:“Art. 19. Além <strong>da</strong> autorização do órgão ambiental competente, prevista no art. 14 <strong>da</strong>Lei nº 11.428, de 2006, será necessária a anuência prévia do Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, de que trata o § 1º do referidoartigo, somente quando a supressão de vegetação primária ou secundária em estágio médioou avançado de regeneração ultrapassar os limites a seguir estabelecidos:I – cinquenta hectares por empreendimento, isola<strong>da</strong> ou cumulativamente; ouII – três hectares por empreendimento, isola<strong>da</strong> ou cumulativamente, quando localiza<strong>da</strong>em área urbana ou região metropolitana.”Resta claro, por conseguinte, que a anuência prévia do Ibama parasupressão <strong>da</strong> vegetação somente é concedi<strong>da</strong> após a autorização do órgãoambiental competente – que, na espécie, é a Fepam. A jurisprudênciadesta Corte corrobora tal conclusão:“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. MULTA. ÁREA DEPRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). 1. De acordo com a legislação ambiental, asflorestas e demais formas de vegetação são considera<strong>da</strong>s bens de interesse comum a todos oshabitantes do País, permitindo-se que, sobre as respectivas áreas, sejam exercidos os direitosà proprie<strong>da</strong>de, desde que respeita<strong>da</strong>s as limitações impostas pela lei em geral, incluindo-seprincipalmente as impostas pelo Código Florestal. 2. Com as alterações decorrentes <strong>da</strong> MPnº 2.166/2001, o Código Florestal passou a admitir que a supressão de vegetação em área depreservação permanente possa ser autoriza<strong>da</strong> em caso de utili<strong>da</strong>de pública ou de interessesocial, desde que devi<strong>da</strong>mente caracterizados e motivados em procedimento administrativopróprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.Essa autorização deverá ser expedi<strong>da</strong> pelo órgão ambiental estadual competente, comanuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente. AlémR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 143


disso, essa autorização somente será possível em caso de supressão eventual e de baixoimpacto ambiental, assim definido em regulamento, sempre mediante indicação, prévia,de medi<strong>da</strong>s mitigadoras e compensatórias que deverão ser adota<strong>da</strong>s pelo empreendedor.”(TRF4, Apelação Cível nº 2005.72.04.010983-9, 3ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros<strong>da</strong> Silva, por unanimi<strong>da</strong>de, D.E. 26.09.2011) (grifei)No mesmo sentido, AC nº 2004.72.04.004513-4, 3ª Turma, RelatorDes. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva, por unanimi<strong>da</strong>de, D.E.02.05.2011.Decorre <strong>da</strong>í o total improvimento <strong>da</strong> apelação do Ministério Público<strong>Federal</strong>.Ademais, é preciso enfatizar que o Município de Caxias do Sul sofresérios problemas de abastecimento de água para sua população. Issoé fato notório no Estado do Rio Grande do Sul. Preocupa<strong>da</strong> com essaquestão, a Administração do Município, em parceria com o Legislativo<strong>da</strong>quela Comuna, tem-se, há muito tempo, debruçado sobre o problemae traçado algumas ações visando à sua solução.Nessa linha é importante analisar leis municipais anexa<strong>da</strong>s aos memoriaispelo Município de Caxias do Sul que eluci<strong>da</strong>m e extirpam qualquerdúvi<strong>da</strong> quanto ao procedimento adotado na emissão <strong>da</strong>s licenças, veja-se:A Lei Municipal nº 2.452, de 21 de dezembro de 1978, assim dispõe:“Art. 2º São declara<strong>da</strong>s áreas de proteção e, como tais reserva<strong>da</strong>s, as referentes aosseguintes mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interessedo Município de Caxias do Sul:(...)d – Arroio <strong>da</strong>s Marrecas;(...)Art. 11. As águas dos mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursoshídricos a que se refere o art. 2º, <strong>da</strong> presente Lei, destinam-se, prioritariamente, ao abastecimentode água.(...)Art. 14. Nas áreas ou faixas de 1ª categoria, ou de maior restrição, somente são permitidosserviços, obras e edificações – destinados à proteção de mananciais, à regularizaçãode vazões com fins múltiplos e à utilização de águas prevista no artigo 11.Art. 15. Nas áreas de 1ª categoria, ficam proibidos o desmatamento, a remoção <strong>da</strong>cobertura vegetal existente e a movimentação de terra, inclusive empréstimos e bota-fora,a menos que se destinem aos serviços, às obras e às edificações mencionados no art. 14.”A lei supracita<strong>da</strong> deixa clara a preocupação com a preservação <strong>da</strong>s144R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


áreas de mananciais, restringindo sua utilização ao abastecimento deágua no caso de interesse público. Os artigos 14 e 15 normatizam obrase remoção <strong>da</strong> cobertura vegetal para a hipótese de utilização dos mananciaispara o abastecimento de água <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Assim, a situação sobexame, desde 1978, encontrava amparo legal.A Lei Complementar Municipal nº 246/2005 estabelece conceitos efunções <strong>da</strong> Zona <strong>da</strong>s Águas (ZA) – bacias de captação e acumulação deágua para abastecimento do Município, in verbis:“Art. 1º A água é um recurso natural cuja disponibili<strong>da</strong>de é limita<strong>da</strong> e, como tal, as áreasde bacia de captação e acumulação constituem-se em espaços cuja função social prioritáriaé a preservação <strong>da</strong>s águas dos seus mananciais.Art. 2º A presente Lei tem por objetivo assegurar a disponibili<strong>da</strong>de dos recursos hídricossuperficiais e subterrâneos aos atuais usuários e às futuras gerações em padrões dequanti<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de adequados ao consumo.(...)Art. 4º Ca<strong>da</strong> bacia de captação será trata<strong>da</strong> de acordo com as fragili<strong>da</strong>des ambientaisque lhe caracterizam, base para o zoneamento do uso do solo conforme estudos realizadospara as bacias Dal Bó, Maestra, Samuara e Moschen.Parágrafo único. As demais bacias (dentre elas Marrecas), relaciona<strong>da</strong>s no art. 6º, quantoao zoneamento de uso do solo, permanecem com áreas ou faixas de proteção classifica<strong>da</strong>scomo de 1ª e 2ª categoria até realização de estudos nos moldes do referido no caput desteartigo.(...)Art. 6º A Zona <strong>da</strong>s Águas (ZA), cria<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> Lei Complementar nº 27, de 15 dejulho de 1996, Plano Físico Urbano – PFU, passa a ser regra<strong>da</strong> pela presente Lei, sendoassim designa<strong>da</strong> em espaço urbano e rural do Município de Caxias do Sul.§ 1º A Zona <strong>da</strong>s Águas é composta pelas bacias hidrográficas, que têm por função acaptação e acumulação de água para o abastecimento público do município de Caxias doSul, sendo elas:a) Dal Bó;b) Maestra;c) Samuara;d) Moschen;e) Galópolis;f) Faxinal;g) Marrecas;h) Piai;i) Sepultura; ej) Mula<strong>da</strong>.§ 2º As bacias cita<strong>da</strong>s no § 1º, alíneas a até e, estão indica<strong>da</strong>s no Anexo III.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 145


§ 3º A bacia do Faxinal está indica<strong>da</strong> no Anexo IV.§ 4º As bacias cita<strong>da</strong>s no § 1º, alíneas g até j, estão indica<strong>da</strong>s no Anexo V, sendo que adelimitação dos reservatórios para acumulação e aferição dos divisores dessas bacias seráfeita quando <strong>da</strong> elaboração dos respectivos projetos executivos, de acordo com as deman<strong>da</strong>sde abastecimento.”A Lei Complementar acima cita<strong>da</strong> demonstra que o Município tem umdetalhado plano de expansão de seu sistema de abastecimento de águaprevendo, além <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong>s bacias de Dal Bó, Maestra, Samuara,Moschen, Galópolis e Faxinal – to<strong>da</strong>s em uso –, a utilização <strong>da</strong>s baciasde Marrecas, Piai, Sepultura e Mula<strong>da</strong>.Assim, to<strong>da</strong>s as bacias são potencialmente utilizáveis e oportunamenteserão implementa<strong>da</strong>s.Além disso, há dois documentos oficiais que não deixam dúvi<strong>da</strong>sacerca do tema em debate.O Ofício Fepam/GAB nº 8639/2011, trazido com os memoriais peloMunicípio de Caxias do Sul, demonstra que as alternativas locacionaisfazem parte de todo o sistema de bacias hidrográficas que serão utiliza<strong>da</strong>sno seu devido tempo. Assim, autorizou a execução do projeto <strong>da</strong> baciade Marrecas in verbis:“Of. FEPAM/GAB Nº 8639/2011Ao cumprimentá-lo cordialmente, encaminhamos o presente expediente, referente aoOfício nº 0832/11 – GAB/SUPES/RS, com as devi<strong>da</strong>s informações sobre o licenciamentodo Sistema de Abastecimento de Água Arroio Marrecas em Caxias do Sul.O Sistema de Abastecimento de Água Marrecas, composto de barragem de acumulaçãode água, bombeamento e adução de água bruta, Estação de Tratamento de Água e bombeamento,adução e reservação de água trata<strong>da</strong>, é um empreendimento de responsabili<strong>da</strong>dedo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) de Caxias do Sul e teve suaLicença Prévia emiti<strong>da</strong> pela Fepam no ano 2008. O documento foi emitido após avaliaçãode Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental e Relatório de ImpactoAmbiental (EIA/Rima) elaborados pela Universi<strong>da</strong>de de Caxias do Sul (UCS).O EIA/Rima apresentou inicialmente quatro alternativas locacionais, que consistiam emdois pontos de localização do maciço de barramento, ca<strong>da</strong> um com dois níveis diferentes dealagamento, todos localizados na bacia hidrográfica do Arroio Marrecas, no município deCaxias do Sul. Frente a esses fatos, a equipe técnica <strong>da</strong> Fepam solicitou complementaçõesdo EIA/Rima, entre elas a apresentação de novo estudo de alternativas locacionais, abor<strong>da</strong>ndooutras bacias hidrográficas com potencial de reservação de água para abastecimentodo município, e também outras tecnologias para o abastecimento, principalmente utilizaçãode poços para captação de água subterrânea.146R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


As complementações foram apresenta<strong>da</strong>s comprovando que não há capaci<strong>da</strong>de devazão dos aquíferos, sendo necessária a captação de água superficial. Como alternativasde localização, foram apresenta<strong>da</strong>s 5 bacias hidrográficas, apontando a bacia do arroioMarrecas como a de maior viabili<strong>da</strong>de. Porém, ao revisar os <strong>da</strong>dos apresentados, a equipe<strong>da</strong> FEPAM constatou que não foram explorados todos os argumentos acerca de outra baciahidrográfica, gerando nova solicitação de complementação para apurar a melhor alternativae, consequentemente, desenvolver o estudo sobre ela.A nova documentação trouxe um fato novo ao processo, que é uma Lei Municipal <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 1970 que estabelece um plano de expansão do sistema de abastecimento de águado município, especialmente quanto aos novos reservatórios (barragens) a serem construídos.Entre eles encontra-se o empreendimento em questão, bem como as alternativaslocacionais apresenta<strong>da</strong>s anteriormente, demonstrado claramente que essas bacias nãopoderiam ser considera<strong>da</strong>s como alternativas, uma vez que to<strong>da</strong>s serão implementa<strong>da</strong>s.Assim, restou claro que as alternativas a serem avalia<strong>da</strong>s restringiam-se àquelas apresenta<strong>da</strong>sinicialmente, to<strong>da</strong>s localiza<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong> bacia hidrográfica do arroio Marrecas.Também foram avalia<strong>da</strong>s alternativas locacionais <strong>da</strong>s demais uni<strong>da</strong>des componentes doSistema Marrecas (Estação de Tratamento de Água, adutoras e reservatórios), sendo estasconsidera<strong>da</strong>s.Em anexo, Parecer Técnico conclusivo sobre as alternativas locacionais, bem como,todos os documentos que basearam o entendimento técnico, conforme solicitado.Sendo o que se apresenta, colho o ensejo para manifestar a Vossa Senhoria votos deeleva<strong>da</strong> estima e distinta consideração.Atenciosamente,Carlos Fernando NiedersbergDiretor-Presidente <strong>da</strong> Fepam.” (grifei)Portanto, a Fepam concluiu que inexistem alternativas locacionais àMarrecas, já que as existentes to<strong>da</strong>s serão implementa<strong>da</strong>s a seu tempo.O Ofício nº 1030/11 – GAB/Supes/RS – <strong>da</strong> Superintendência doIbama, também trazido com os memoriais, dá conta que o órgão federal,antes de conceder sua anuência prévia: a) considerou a Licença Prévia nº1789/2008 concedi<strong>da</strong> pela Fepam e a Licença de Instalação nº 15/2009concedi<strong>da</strong> pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente – Semma; b)constituiu equipe técnica e realizou vistoria <strong>da</strong> área, tendo solicitado 3pedidos de complementação de informações à Semma; c) concluiu pelaviabili<strong>da</strong>de técnica <strong>da</strong> supressão vegetal informa<strong>da</strong> pela Semma/Caxiasdo Sul. Veja-se seu teor:“À SenhoraLuciana Guarnieri – Procuradora <strong>da</strong> RepúblicaMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 147


Rua Sinimbu, 691 – Bairro Nossa Senhora de Lourdes95020-000 – Caxias do Sul – RSAssunto: Resposta aos Ofícios 1220/2011-PRM/CS e 1765/2011-PRM/CS – ICP1.2.002.000189/2011-16.Senhora Procuradora:Ao cumprimentá-la cordialmente, em atenção aos Ofícios em epígrafe, temos a informar,em relação ao empreendimento denominado ‘Sistema de Abastecimento de Água doArroio Marrecas’, que:– Trata-se de empreendimento com Licença Prévia nº 1789/2008, expedi<strong>da</strong> pela Fun<strong>da</strong>çãoEstadual do Meio Ambiente (Fepam), e Licença de Instalação nº 15/2009, expedi<strong>da</strong>pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) de Caxias do Sul;– A atuação do Ibama/RS em relação a esse empreendimento ocorreu em atendimento aodisposto no Art. 19 do decreto <strong>Federal</strong> nº 6.660, de 21.11.08, que regulamentou a lei <strong>da</strong> mataatlântica, estabelecendo a exigência de anuência prévia deste instituto quando a supressão <strong>da</strong>vegetação primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração ultrapassaros limites a seguir estabelecidos: I – cinquenta hectares por empreendimento, isola<strong>da</strong> oucumulativamente; ou II – três hectares por empreendimento, isola<strong>da</strong> ou cumulativamente,quando localiza<strong>da</strong> em área urbana ou metropolitana;– Para análise <strong>da</strong> anuência prévia pelo Ibama, é condição fun<strong>da</strong>mental a existênciade uma área já defini<strong>da</strong> na fase de licenciamento prévio (LP), pressupondo-se para tal arealização de análise prévia de alternativas técnicas e locacionais aponta<strong>da</strong>s no EIA/Rimae analisa<strong>da</strong>s pelo órgão ambiental licenciador nos termos dos Arts. 2º e 3º <strong>da</strong> ResoluçãoConama 237/1997. No caso <strong>da</strong> fase LP do Sistema de Abastecimento de Água do ArroioMarrecas, cabia à Fepam a análise e a manifestação quanto a viabili<strong>da</strong>de locacional doempreendimento;– Com vistas à análise do pedido de anuência <strong>da</strong> supressão vegetal decorrente desseempreendimento, o Ibama/RS constituiu equipe técnica e realizou vistoria <strong>da</strong> área, tendosolicitado três pedidos de complementação de informações à Secretaria Municipal de MeioAmbiente (Semma/Caxias do Sul), concluiu pela viabili<strong>da</strong>de técnica <strong>da</strong> supressão vegetalinforma<strong>da</strong> pela SEMMA/Caxias do Sul;– A anuência emiti<strong>da</strong> pelo Ibama/RS em 05.07.2010 considerou a Licença Prévia nº1789/2008 Fepam e a Licença de Instalação nº 15/2009 Semma e abrangeu um total de81,70 ha, sendo 10,4 ha de vegetação secundária em estágio de regeneração;– Dessa forma, o Ibama/RS entende que: 1) quando <strong>da</strong> emissão <strong>da</strong> anuência peloIbama/RS, o empreendimento em questão não apresentava quaisquer de suas licençasambientais (LP ou LI) suspensas ou cancela<strong>da</strong>s judicialmente, motivos que poderiam levarà não emissão de anuência pelo Ibama/RS; e 2) dessa maneira, não é <strong>da</strong> competência desteinstituto avaliar questões atinentes a matérias técnicas e locacionais do empreendimento‘Sistema de Abastecimento de Água do Arroio Marrecas’.Sendo o que tínhamos para o momento, manifestamos nossos votos de consideraçãoe apreço.Atenciosamente,148R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


JOÃO PESSOA R. MOREIRA JÚNIORSuperintendente Substituto em ExercícioIbama/RS”Por fim, como é enfatizado pelo Município de Caxias do Sul em seusmemoriais, os sistemas de produção hoje existentes estão trabalhandono seu limite e a situação poderá chegar ao racionamento, já que há umincremento na ordem de 4.200 novas ligações de água por ano.Sabe-se que abastecimento de água de quali<strong>da</strong>de e na quanti<strong>da</strong>denecessária é sinônimo de saúde pública. E não se trata apenas de umabarragem. Trata-se de um sistema de abastecimento completo e integrado.Os serviços de construção <strong>da</strong> barragem Marrecas estão 90% executados.Já foram planta<strong>da</strong>s um total de 250 mil uni<strong>da</strong>des vegetais para acompensação ambiental (xaxins, bromélias, cactus e outras espécies) eforam investidos R$ 200 milhões, em um total de R$ 240 milhões. Semdúvi<strong>da</strong>, paralisar uma obra nesta fase, para aprofun<strong>da</strong>r estudos acerca deeventual melhor localização, após to<strong>da</strong>s as análises feitas pelos órgãosresponsáveis, é gerar prejuízos incalculáveis não só ao Município deCaxias do Sul, mas à população <strong>da</strong>quela locali<strong>da</strong>de, especialmente porestar comprovado que inexistem outras alternativas locacionais, já queto<strong>da</strong>s as possíveis integram as bacias de captação que serão, em breve epaulatinamente, utiliza<strong>da</strong>s.Ante o exposto, voto por não conhecer do apelo do Superintendentedo Ibama, por <strong>da</strong>r provimento aos apelos do Ibama e do Município deCaxias do Sul para denegar a segurança e por negar provimento ao apelodo Ministério Público <strong>Federal</strong>.É o voto.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 149


DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002468-31.2005.404.7107/RSRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando MoroApelante: Ministério Público <strong>Federal</strong>Apela<strong>da</strong>: I.H.R.Advogado: Dr. Paulo Natalicio WeschenfelderEMENTAPenal e processual penal. Art. 40 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1998. Dolo. Danoambiental. Reparação específica.1. Não pode alegar falta de dolo agente que prossegue em construçãoem área de Uni<strong>da</strong>de de Conservação após sofrer embargo administrativodo Ibama.2. A realização de construções em Uni<strong>da</strong>de de Conservação, com alteraçãode ecossistema natural de grande relevância ecológica e cênica,gera <strong>da</strong>nos a esta, enquadrando-se a conduta no tipo do art. 40 <strong>da</strong> Leinº 9.605/1998.3. Na condenação por crime ambiental, pode ser imposta pelo Juízopenal a obrigação de reparação específica, em interpretação teleológicado art. 20 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1998.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação do Ministério Público <strong>Federal</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 153


para condenar a acusa<strong>da</strong> pelo crime do art. 40 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1995 epara, de ofício, declarar a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de do crime do art. 330do CP pela prescrição em abstrato, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.Porto Alegre, 09 de agosto de 2011.Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando Moro, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando Moro: O Ministério Público<strong>Federal</strong> ofereceu denúncia contra I.H.R., como incursa nas sanções doart. 40 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/98, porque nos anos de 2003, 2004 e 2006 causou<strong>da</strong>no à área de um hectare de sua proprie<strong>da</strong>de, na Estra<strong>da</strong> do Crespo,4.400, Morro Agudo, Cambará do Sul/RS, situado no Parque NacionalAparados <strong>da</strong> Serra, construindo cinco barracas de alvenaria e uma demadeira, destina<strong>da</strong>s a abrigar uma pousa<strong>da</strong>.A denúncia foi recebi<strong>da</strong> em 22.02.2008 (fl. 07).Posteriormente, houve aditamento, com inclusão do crime do art. 330do CP, já que a acusa<strong>da</strong> teria desobedecido ao embargo administrativo doIbama lavrado em 23.10.2004, persistindo na construção <strong>da</strong>s barracas.O aditamento foi recebido em 11.07.2008 (fl. 36).Proposta a suspensão condicional do processo, a acusa<strong>da</strong> e seu defensornão aceitaram os termos propostos (fl. 28).Instruído o processo, sobreveio sentença, a qual absolveu a ré <strong>da</strong>simputações contra ela formula<strong>da</strong>s, com base no art. 386, III do CPP (fls.272-283).Inconformado, o Ministério Público <strong>Federal</strong> recorre sustentando queestá demonstrado nos autos que a denuncia<strong>da</strong> estava ciente de que a áreaonde edifica<strong>da</strong>s as cabanas localizava-se nos limites do PNAS, e, mesmociente <strong>da</strong>s restrições decorrentes desse fato, levou adiante o seu projeto.Requer a condenação <strong>da</strong> ré (fls. 287-293).Com as contrarrazões (fls. 297-302), vieram os autos com parecerpelo provimento do apelo (fls. 311-319v).É o relatório.154VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando Moro: Narra a inicialR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


acusatória (fls. 2-3):“(...)A denuncia<strong>da</strong>, nos anos de 2003, 2004 e 2006, causou <strong>da</strong>no direto a uma área de aproxima<strong>da</strong>mente1 (um) hectare de sua proprie<strong>da</strong>de, localiza<strong>da</strong> na Estra<strong>da</strong> do Crespo, 4400, MorroAgudo, em Cambará do Sul (RS), situa<strong>da</strong> no interior do Parque Nacional de Aparados <strong>da</strong>Serra, por meio <strong>da</strong> construção de cinco cabanas de alvenaria e uma de madeira, que seriamdestina<strong>da</strong>s a abrigar uma pousa<strong>da</strong>.Tal fato foi inicialmente constatado em fiscalização realiza<strong>da</strong> pelo Ibama, na <strong>da</strong>ta de 23de outubro de 2004, ocasião em que foi lavrado o Auto de Infração nº 164342, série D (fl.03 do Apenso I). Na oportuni<strong>da</strong>de, também foi expedido o Termo de Embargo/Interdiçãonº 089789, série C (fl. 04 do Apenso I).Na <strong>da</strong>ta de 18 de janeiro de 2006, foi realiza<strong>da</strong> nova vistoria na área, na qual foi verificadoque a denuncia<strong>da</strong> continuava realizando obras no local, instalando rede hidráulicae estrutura de armazenamento de água, razão pela qual foi lavrado o Auto de Infração nº148561, série D (fl.43).Conforme o Laudo de exame de Meio Ambiente <strong>da</strong>s fls. 93-103: ‘O principal <strong>da</strong>no ambientalconstatado relaciona-se à construção em solo não edificável <strong>da</strong>s cabanas identifica<strong>da</strong>s,conforme anteriormente citado, no interior de uni<strong>da</strong>de de conservação’.Assim agindo, a denuncia<strong>da</strong> I.H.R. praticou o delito previsto no art. 40 <strong>da</strong> Lei nº9.605/98 (...).”Giza o art. 40 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/98:“Art. 40. Causar <strong>da</strong>no direto ou indireto às Uni<strong>da</strong>des de Conservação e às áreas de quetrata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sualocalização:Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.”Posteriormente, houve aditamento <strong>da</strong> denúncia (fls. 30-31), incluindotambém o crime do art. 330 do CP, uma vez que a acusa<strong>da</strong> teria desobedecidoao embargo administrativo.São duas as questões centrais:– as cabanas construí<strong>da</strong>s pela acusa<strong>da</strong> estão ou não localiza<strong>da</strong>s noParque Nacional de Aparados <strong>da</strong> Serra – PNAS; e– a acusa<strong>da</strong> agiu ou não com dolo ao construir as barracas.A sentença, ao apreciar as provas trazi<strong>da</strong>s aos autos, assim expôs aquestão (fls. 272-283):“(...)A tese central <strong>da</strong> defesa é de que a área em que ocorreu a construção <strong>da</strong>s cabanas, <strong>da</strong>qual a acusa<strong>da</strong> detém o usufruto vitalício, não pertence ao Parque Nacional dos Aparados<strong>da</strong> Serra – PNAS, sendo, pois, atípica a conduta denuncia<strong>da</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 155


A defesa apoia sua tese no Decreto nº 70.296/72, bem como nas imprecisões acerca dosexatos limites do PNAS, o que a defesa atribui aos próprios órgãos ambientais.Para uma melhor compreensão, far-se-á uma retrospectiva dos fatos, desde a criação doPNAS, com base em textos legais e na documentação trazi<strong>da</strong> pela defesa.O Decreto nº 47.446, de 17.12.1959, é o decreto de criação do Parque Nacional dosAparados <strong>da</strong> Serra – PNAS. A área prevista para a instalação do parque foi de aproxima<strong>da</strong>mente13.000 hectares, situados no estado gaúcho. (...)Posteriormente, sobreveio o Decreto nº 70.296, de 15.03.1972, que alterou os limitesdo parque, reduzindo a sua área para aproximados 10.250 hectares e passando a englobar,também, área do estado catarinense. (...)O art. 2º, com re<strong>da</strong>ção do Decreto nº 70.296/72, previu os limites do parque:‘Art. 2º O Parque Nacional de Aparados <strong>da</strong> Serra, com superfície estima<strong>da</strong> em 10.250hectares (102 km²), compreende to<strong>da</strong>s as áreas situa<strong>da</strong>s dentro do seguinte perímetro:‘Começa na interseção <strong>da</strong> margem direita do Rio Camisas com a Estra<strong>da</strong> Cambará-PraiaGrande (Ponto 1); (...)’Abre-se um parêntese para mencionar que, segundo a defesa, houve um erro na descriçãodo ponto 1, porque o Rio Camisas e a Estra<strong>da</strong> Cambará-Praia Grande seriam limites geográficosparalelos, portanto, não se cruzariam em ponto algum. Tal questão será analisa<strong>da</strong> adiante.Prosseguindo, verifica-se que, em 1984, foi elaborado um Plano de Manejo, pelo entãoInstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, vinculado ao Ministério <strong>da</strong>Agricultura, ocasião em que foi proposta nova alteração dos limites do parque.Às fls. 187-331 do apenso III, consta cópia integral do referido Plano de Manejo, o quetambém consta dentre a documentação trazi<strong>da</strong> pela defesa (autua<strong>da</strong> em apartado).Referiu, além disso, que a descrição do ponto 8 (<strong>da</strong>í segue pela margem direita do RioCamisas passando pelo local chamado Morro Agudo) gerou dúvi<strong>da</strong>s, pois o Rio Camisasnão passa pelo Morro Agudo.O Plano de Manejo de 1984 também faz menção a um relatório elaborado por Titode Paula Couto, em 1975, onde foi analisa<strong>da</strong> a problemática <strong>da</strong> delimitação do parque eapresenta<strong>da</strong>s algumas considerações (...).Com base em tais estudos, bem como em trabalhos de campo realizados pela equipeque elaborou o Plano de Manejo, foi apresenta<strong>da</strong> a proposta de novos limites do parque,com a inclusão e exclusão de áreas.Dentre as áreas a serem excluí<strong>da</strong>s consta (fl. 255 do apenso III):‘(...)Área 2 – Localiza-se ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo, entre essa estra<strong>da</strong>, orio Camisas e a estra<strong>da</strong> Cambará-Praia Grande, Figura 22.Justificativa – As dúvi<strong>da</strong>s suscita<strong>da</strong>s pelas incorreções existentes na descrição dos limitesdo Parque no Decreto nº 70.296, de 17.03.1972, acabaram fazendo com que essa área nãofosse considera<strong>da</strong> como integrante do Parque Nacional, tendo o próprio IBDF expedidolicenças para corte de pinheiros na área.’156R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Posteriormente, em 1995, foi elaborado o Plano de Ação Emergencial do PNAS (cópiaintegral nas fls. 03-186 do apenso III e na documentação apresenta<strong>da</strong> pela defesa).Já na parte introdutória desse Plano constou (fl. 08 do apenso III):‘Existe uma discrepância quanto aos limites estabelecidos pelo Decreto nº 70.296/72 ea área que efetivamente vem sendo considera<strong>da</strong> e controla<strong>da</strong> como pertencente ao Parque.Por uma incorreção, ao denominar os rios citados como referência no perímetroapresentado no memorial descritivo, surgiram dúvi<strong>da</strong>s e optou-se por adotar, na prática, aestra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo como limite norte e, dessa forma, não cortar ao meio a vilade Morro Agudo. No Plano de Manejo elaborado em 1982/83, foi definido que em partedeveriam ser construí<strong>da</strong>s as residências e os alojamentos funcionais. Porém, na<strong>da</strong> foi alteradoem relação à situação anterior: até o momento, não foi necessário construir a ‘vila defuncionários’ (já existe até mesmo nova sugestão para que isso venha a ser integrante doParque) e tampouco foi toma<strong>da</strong> alguma providência legal para adequar os limites à situaçãoque se verifica de fato.’Também consta que as proprie<strong>da</strong>des localiza<strong>da</strong>s ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-MorroAgudo sequer foram incluí<strong>da</strong>s no ca<strong>da</strong>stramento realizado para fins de regularização fundiária(fl. 61 do apenso III).O Plano de Ação Emergencial, no item relativo à regularização fundiária, propôs açõespara estabelecer uma proposta definitiva para os limites do parque, dentre outras questões(fl. 137 do apenso III): ‘Elaborar minuta de lei e buscar apoio para encaminhar e aprovarno Congresso Nacional alteração dos limites PNAS, compatibilizando-os com o que severifica de fato.’Essa era, em resumo, a situação fática sobre os limites do PNAS quando <strong>da</strong> aquisição<strong>da</strong> área onde seria instala<strong>da</strong> a pousa<strong>da</strong> <strong>da</strong> ré, em 13.06.2003, consoante cópia <strong>da</strong> escriturapública de compra e ven<strong>da</strong> junta<strong>da</strong> nas fls. 147-149 do inquérito policial.Em decorrência <strong>da</strong> ausência de qualquer controle pelos órgãos ambientais sobre a porçãode terras ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo, a população local também tinhaconvicção de que tal área não integrava o parque. Nesse sentido são as declarações <strong>da</strong>stestemunhas de defesa, residentes na locali<strong>da</strong>de de Morro Agudo, sendo algumas vizinhasde terra <strong>da</strong> ré I.H.R. (fls. 175-180).Verifica-se que tais testemunhas, unanimemente, declararam que as terras ao norte <strong>da</strong>estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo não pertencem ao parque, sendo esse o caso <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<strong>da</strong> qual é usufrutuária. As testemunhas também mencionaram que a área ao sul <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>está cerca<strong>da</strong>, havendo placas indicativas de que se trata de área do PNAS. Foi mencionado,também, que o Rio Camisas não cruza com a estra<strong>da</strong> Cambará-Praia Grande em nenhumponto. Destaca-se que as testemunhas ouvi<strong>da</strong>s declararam residir no local desde que nascerame, desde que se lembram, a área ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo não pertence aoPNAS. As testemunhas referiram ain<strong>da</strong> que, tirante a situação <strong>da</strong> ré I.H.R., nenhum outroproprietário alguma vez foi autuado por exercer qualquer ativi<strong>da</strong>de no local (fls. 175-180).Nas fls. 171-176 do inquérito, constam fotografias <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo,bem como <strong>da</strong> cerca com as placas indicativas do PNAS, tal como referido pelas testemunhas.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 157


Na foto inferior <strong>da</strong> fl. 171, consta placa indicativa <strong>da</strong> Pousa<strong>da</strong> dos Pinheiros, pertencenteao Sr. Aclenio e situa<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong> área maior de 1.090 hectares (ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>),conforme legen<strong>da</strong> <strong>da</strong> defesa.Aclenio José de Lima foi ouvido como testemunha na ação de manutenção de posseajuiza<strong>da</strong> pela ré I.H.R. contra o Ibama, que tramitou na Vara <strong>Federal</strong> de Caxias do Sul. Nacópia do depoimento, junta<strong>da</strong> nas fls. 198-202 do inquérito, o Sr. Aclenio declarou que évizinho de I.H.R., possuindo terras ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo. Aclenioconfirmou que possui uma pousa<strong>da</strong> no local, não constituí<strong>da</strong> formalmente, sendo que nuncafoi autuado pelo Ibama em razão de tal empreendimento.Já as testemunhas <strong>da</strong> denúncia na<strong>da</strong> referiram de interesse para o caso. Apenas referiramque participaram <strong>da</strong> primeira ou <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> autuação e que a área onde foram construí<strong>da</strong>sas cabanas pertence ao PNAS, com base no texto do Decreto de 72 (fls. 139-142).Nas fls. 145-146 do inquérito, a defesa juntou mapa do exército, a fim de comprovarque o Rio Camisas e a estra<strong>da</strong> Azulega-Praia Grande não se interseccionam.Os fatos, tais como expostos, levaram a ré I.H.R. a crer que a área de terras que seusfilhos adquiriram no ano de 2003, <strong>da</strong> qual a ré obteve usufruto vitalício, e onde pretendiainstalar sua pousa<strong>da</strong> rural, efetivamente não pertencia ao PNAS. Pelo menos, isso não severificava na prática.(...)As declarações <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> revestem-se de verossimilhança, uma vez que estão de acordocom a prova testemunhal e documental produzi<strong>da</strong>. A ausência de documento escrito,referente à consulta feita ao Ibama quando <strong>da</strong> aquisição <strong>da</strong> área, não retira a credibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> alegação. A acusa<strong>da</strong>, na época, não poderia imaginar que uma declaração escrita poderiase tornar útil para sua defesa em processo criminal. Aliás, é evidente que a ré nunca imaginouque viria a responder a um processo criminal em decorrência dos fatos. Por certo,a acusa<strong>da</strong> confiou na informação verbal que lhe foi presta<strong>da</strong> pelo servidor(a) do Ibama.Ademais, tudo indica que a resposta sobre a possibili<strong>da</strong>de de instalação <strong>da</strong> pousa<strong>da</strong> ruralna área tenha sido de fato positiva, já que na época a área não era vista como integrante doPNAS, conforme restou comprovado.No ano de 2004, conforme já citado, foi editado novo Plano de Manejo do PNAS (inteiroteor nas mídias forneci<strong>da</strong>s pela defesa, acosta<strong>da</strong>s no envelope <strong>da</strong> fl. 351, em apenso).(...)O resumo executivo do Plano de Manejo de 2004, constante no CD 03, classificou aregião de Morro Agudo como Área Estratégica Externa – AEE, definindo as AEEE comoáreas considera<strong>da</strong>s relevantes e, portanto, estratégicas para a interação <strong>da</strong> gestão dos Parquescom seu entorno e que merecem foco específico de manejo, mesmo estando situa<strong>da</strong>s forados limites <strong>da</strong>s Uni<strong>da</strong>des – grifei.No tópico específico sobre a AEE Morro Agudo constou:‘É a região compreendi<strong>da</strong> pela locali<strong>da</strong>de de mesmo nome, limítrofe aos dois Parquese cruza<strong>da</strong> pela rodovia RS-020, em posição estratégica em relação aos atrativos do PNAS,possuindo proprie<strong>da</strong>des tipicamente rurais e uma pequena capela, sendo esta dentro dos158R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


limites do Parque. Assim, pretende-se inserir essas proprie<strong>da</strong>des em uma economia de serviçose/ou produção ambiental amigáveis e economicamente viáveis, reduzindo a pressão evalorizando a paisagem natural e as espécies, além de implantar a capela em local adequadopara substituir aquela a ser desativa<strong>da</strong> no Centro comunitário Morro Agudo.’O último Plano de Manejo, portanto, reconhece, ain<strong>da</strong> que implicitamente, que a regiãode Morro Agudo não integra a área do PNAS ou, no mínimo, não é trata<strong>da</strong> como tal.Afora isso, tem-se que esse último Plano de Manejo é posterior à aquisição <strong>da</strong> áreade terras pelos filhos <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> e também ao início <strong>da</strong> construção <strong>da</strong>s cabanas que iriamcompor a Pousa<strong>da</strong> Preserve.Como se observa, a ré foi surpreendi<strong>da</strong> com o Plano de Manejo de 2004, que propôsnovas alterações nos limites do Parque, criando situação totalmente oposta àquela vigenteà época <strong>da</strong> aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.Ademais, é cediço que o Plano de Manejo não tem o condão de alterar o teor do Decreto,estando ain<strong>da</strong> hoje em vigor a re<strong>da</strong>ção do art. 2º do Decreto nº 70.296/72, que especificaos limites do PNAS, com as imprecisões já referi<strong>da</strong>s.Assim, tem-se que a acusa<strong>da</strong> agiu de boa-fé, tomando as precauções necessárias e queestavam ao seu alcance na época <strong>da</strong> aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, para garantir a futura instalação<strong>da</strong> sua pousa<strong>da</strong> rural. Não poderia ela imaginar que, cerca de um ano depois, seriaeditado novo Plano de Manejo pelo Ibama, com a pretensão de retomar uma área sobrea qual nunca exerceu o efetivo controle, ain<strong>da</strong> que supostamente pertencente ao Parque.Cumpre destacar que as áreas ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo nunca foramreivindica<strong>da</strong>s pela União e tampouco arrola<strong>da</strong>s para fins de regularização fundiária e pagamentode indenização aos proprietários.O antigo IBDF, sucedido pelo Ibama, durante mais de trinta anos tolerou a presença demoradias, de criações de gado e até mesmo de uma pousa<strong>da</strong> informal na região questiona<strong>da</strong>.Além disso, a presença de cerca isolando a área ao sul <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Azulega-Morro Agudo,bem como a existência de placas indicando que tal área é de preservação, gerou a convicçãode que a porção ao norte <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> estaria fora dos limites do parque.Assim, embora comprova<strong>da</strong> a construção <strong>da</strong>s cabanas e de outras benfeitorias no local,conforme laudos periciais <strong>da</strong>s fls. 36-39 e 93-103 do inquérito, conclui-se que a acusa<strong>da</strong>I.H.R. não agiu dolosamente, pois acreditava estar agindo de acordo com as disposiçõeslegais.A ré I.H.R. sequer tinha a potencial consciência <strong>da</strong> ilicitude, uma vez que buscou informaçõesjunto aos órgãos públicos (Ibama, Fepam, Prefeitura) para assegurar-se de que estavaagindo de forma lícita. Assim, sequer é possível classificar como culposa conduta <strong>da</strong> ré.(...)”E em conclusão:“Em conclusão, tem-se que a defesa comprovou de forma suficiente, mediante fartaprova testemunhal e documental, que a acusa<strong>da</strong> não agiu de forma dolosa.Ao contrário, a acusação não logrou demonstrar que I.H.R. tivesse a intenção de causar<strong>da</strong>nos em uni<strong>da</strong>de de conservação, no caso o PNAS, tampouco de que tinha ciência de queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 159


a proprie<strong>da</strong>de poderia integrar o PNAS, informação que, devido à confusão acerca dosexatos limites do parque, sequer restou confirma<strong>da</strong>.Ante o exposto, impõe-se a absolvição de I.H.R., com base no art. 386, III, do CPP.”Em síntese, o ilustre magistrado a quo entendeu que não restoucomprovado que as cabanas teriam sido construí<strong>da</strong>s na área do PNASe que, ain<strong>da</strong> que assim não fosse, teria agido a acusa<strong>da</strong> sem dolo, combase em erro de tipo.O Ministério Público <strong>Federal</strong> recorre, sustentando que está demonstradonos autos que a denuncia<strong>da</strong> estava ciente de que a área onde foramedifica<strong>da</strong>s as cabanas localizava-se nos limites do PNAS, e, mesmociente <strong>da</strong>s restrições decorrentes desse fato, levou adiante o seu projeto.Não haveria ain<strong>da</strong> que se falar em boa-fé quando a acusa<strong>da</strong> continuou aconstrução após o embargo administrativo.Assiste razão ao MPF.Apesar do relato realizado pelo magistrado quanto aos limites doPNAS, a acusa<strong>da</strong> teve contra si lavrados em duas ocasiões autos deinfração por construir na área pertinente ao PNAS (fls. 03-08 do apensoI ao inquérito e fls. 43-48 do inquérito). Outrossim, foi realizado laudopericial pela Polícia <strong>Federal</strong> afirmando categoricamente que as cabanasencontram-se dentro do PNAS (fls. 93-103 do inquérito). Transcreve-seo trecho conclusivo do laudo:“A área visita<strong>da</strong> pelos peritos não constitui, stricto sensu, área de preservação permanente,conforme definido pela legislação vigente. Entretanto, os signatários concluem quea área onde foram instala<strong>da</strong>s as cabanas, bem como as demais benfeitorias descritas nestelaudo, localiza-se inteiramente no interior <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de de Conservação <strong>Federal</strong>, especificamenteo Parque Nacional dos Aparados <strong>da</strong> Serra, cf. limites preconizados pelo Decreto nº70.296, de 17 de março de 1972, que alterou os limites do Parque Nacional dos Aparados<strong>da</strong> Serra, criado pelo Decreto 47.446, de 17 de dezembro de 1959. A seguir são plota<strong>da</strong>s ascoordena<strong>da</strong>s de algumas <strong>da</strong>s benfeitorias visualiza<strong>da</strong>s e sua localização na carta geográfica.”(fl. 101 do inquérito)O laudo está ilustrado com mapas, fotos, tendo os peritos se deslocadoaté o local, motivo pelo qual a inspeção judicial reclama<strong>da</strong> pela acusa<strong>da</strong>na primeira instância não era necessária.Tratando-se de questão eminentemente técnica, deve ser prestigia<strong>da</strong>a conclusão dos peritos a respeito dos fatos e que, aliás, estão emconsonância com a posição do órgão ambiental, também de postura160R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


eminentemente técnica.Registre-se ain<strong>da</strong> que, apesar <strong>da</strong>s ponderações do magistrado sentenciante,não chegou ele a afirmar que as cabanas estariam fora doslimites do PNAS.Não obstante, diante <strong>da</strong> controvérsia, que é ilustra<strong>da</strong> pela sentençaabsolutória, cumpre reconhecer que não é possível afirmar que a acusa<strong>da</strong>agiu com dolo, pelo menos até o tempo <strong>da</strong> lavratura do primeiro auto deinfração pelo Ibama, em 23.10.2004.Acreditava ela que a construção efetua<strong>da</strong> não estava na área do PNAS,o que é razoável diante <strong>da</strong> controvérsia sobre essa questão. Evidentemente,caso houvesse uma controvérsia vazia, apenas para sustentaruma defesa quanto à ausência de dolo, não seria o caso de reconhecê-la.Não há igualmente que se falar que agiu com culpa. Pessoas razoáveispodem, aparentemente, divergir sobre os limites do PNAS, nãosendo possível afirmar que ela teria agido com negligência, imperíciaou imprudência.Entretanto, o quadro fático foi alterado a partir <strong>da</strong> primeira autuaçãopelo Ibama, isto em 23.10.2004 (fls. 3-8 do apenso I ao inquérito).Na ocasião, foi lavrado inclusive termo de embargo <strong>da</strong>s obras, sendoadverti<strong>da</strong> a acusa<strong>da</strong> de que construía, sem autorização, em área do PNAS.Apesar disso, continuou construindo, o que foi constatado pelo segundoauto de infração, lavrado em 26.01.2006 (fls. 43-48 do inquérito).Nele foi consignado que, apesar do embargo, a acusa<strong>da</strong> teria instalado“rede hidráulica e estrutura de armazenamento de água” e descumpridoo embargo administrativo anterior. Tais instalações visavam atender àscabanas anteriormente construí<strong>da</strong>s e podem ser visualiza<strong>da</strong>s na fl. 39 doinquérito. É ali apontado que seriam construções recentes, o que tambémpode ser inferível diretamente pelas fotos na fl. 39 do inquérito.Como escusa, a acusa<strong>da</strong> declarou aos fiscais que teria prosseguido naconstrução por força de ação judicial (fl. 46 do inquérito), apresentandoextrato de ação de nº 2005.71.07.005063-8 (fl. 51 do inquérito).Entretanto, como se verifica no apenso II do inquérito, tal ação foiproposta em 21.10.2005, mas não havia, até a <strong>da</strong>ta do auto de infração,qualquer decisão judicial autorizando a construção no local. Supervenientemente,em 27.01.2006, a liminar foi denega<strong>da</strong> (fls. 148-150 do apenso IIdo inquérito). Nunca teve, portanto, a acusa<strong>da</strong> abrigo em decisão judicial.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 161


É de se questionar se aqui a acusa<strong>da</strong> agiu com dolo ou com culpa.Penso que no caso a intenção <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> melhor se enquadra na figurado dolo eventual do art. 18, I, última parte, do CP, tendo a acusa<strong>da</strong>, aodesobedecer ao embargo administrativo sem amparo legal ou judicial,assumido o risco de construir na área <strong>da</strong> PNAS.O agir doloso é ain<strong>da</strong> ilustrado pela invocação de escusa aos fiscaisque a acusa<strong>da</strong> sabia ser falsa, pois sua conduta não estava abriga<strong>da</strong> porordem judicial.Assim, pelas construções realiza<strong>da</strong>s antes de 23.10.2004, cumpreconfirmar a sentença absolutória, pois não há prova de que acusa<strong>da</strong> agiucom dolo ou culpa, atuando com crença razoável de que as cabanas nãoestavam na área <strong>da</strong> PNAS.Pelas construções realiza<strong>da</strong>s a partir de 23.10.2004 e até 21.01.2006,agiu a acusa<strong>da</strong> com dolo, assumindo o risco de edificar em área nãopermiti<strong>da</strong>, já que desobedeceu ao embargo administrativo sem qualqueramparo.O delito cuja prática o Ministério Público <strong>Federal</strong> atribui, na inicial <strong>da</strong>presente ação penal, a I.H.R. consiste em causar <strong>da</strong>no direto ou indiretoàs Uni<strong>da</strong>des de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decretonº 99.274, de 06.06.1990, independentemente de sua localização. O crimeem questão está previsto no referido art. 40 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/98.Cumpre observar que, no caso, não foram identificados <strong>da</strong>nos significativosà flora e fauna <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de de Conservação, cf. explicitado nolaudo pericial:“O principal <strong>da</strong>no ambiental constatado relaciona-se à construção em solo não edificável<strong>da</strong>s cabanas identifica<strong>da</strong>s, cf. anteriormente citado, no interior de uni<strong>da</strong>de federal deconservação. Não foi possível evidenciar <strong>da</strong>nos diretos significativos à fauna e flora local.”(fl. 101 do inquérito)Não obstante, a propósito <strong>da</strong> infração penal ambiental em apreço,João Marcos Adede y Castro vaticina que <strong>da</strong>no na<strong>da</strong> mais é que a modificaçãoque prejudica a situação posta no meio ambiente, diminuindo aquali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> do homem, dos animais e <strong>da</strong>s plantas. Ou seja, pode-seutilizar aqui o conceito de degra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de ambiental que nostraz o inciso II do artigo 3º <strong>da</strong> Lei <strong>Federal</strong> 6.938/81, que é o de “alteraçãoadversa <strong>da</strong>s características do meio ambiente”. Mais, <strong>da</strong>no tambémpode ser entendido com base no conceito de poluição do inciso III do já162R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


eferido artigo, ou seja, “a degra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de ambiental resultantede ativi<strong>da</strong>des que, direta ou indiretamente, (...) afetem as condiçõesestéticas ou sanitárias do meio ambiente (...)”. Dano é, assim, prejuízoao ambiente, modificação adversa, contrária à ordem naturalmente estabeleci<strong>da</strong>(in Crimes ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98. PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 170).Desse modo, basta, para a caracterização do delito, que seja diminuí<strong>da</strong>a quali<strong>da</strong>de ou as características que originalmente determinaram acriação <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de de conservação (COSTA NETO, Nicolau Dino deCastro et al. Crime e infrações administrativas ambientais: comentárioà Lei nº 9.605/98. Brasília: Brasília Jurídica, 2001).Pois bem. Dúvi<strong>da</strong> não há de que o Parque Nacional dos Aparados<strong>da</strong> Serra, criado pelo Decreto nº 47.446/59 e alterado pelo Decreto nº70.296/72, consiste em uma uni<strong>da</strong>de de conservação, ou seja, em umespaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,com características naturais relevantes, legalmente instituídopelo Poder Público, com objetivos de conservação e com limites definidos,sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantiasadequa<strong>da</strong>s de proteção (arts. 2º, I, <strong>da</strong> Lei nº 9.985/00). Não se podeolvi<strong>da</strong>r, ain<strong>da</strong>, nos termos do art. 11, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 9.985/00, que o ParqueNacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemasnaturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitandoa realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de ativi<strong>da</strong>desde educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com anatureza e de turismo ecológico. É região, inclusive, nos termos do §1º do artigo 40 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/98, ti<strong>da</strong> como de proteção integral, deforma a impor-se a manutenção dos ecossistemas livres de alteraçõescausa<strong>da</strong>s por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dosseus atributos naturais.Nesse contexto jurídico, ocorreu não apenas um <strong>da</strong>no indireto, mas,também, manifestamente direto à área objeto de especial proteção, especificamenteno que tange à preservação <strong>da</strong> beleza cênica local. Ora,não fossem as próprias construções ergui<strong>da</strong>s pela denuncia<strong>da</strong> um <strong>da</strong>nosuficiente (e incontestável!) aos atributos estéticos <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de de conservaçãoem comento, suficiente para caracterizar o prejuízo ambientalreclamado pelo referido tipo penal, é evidente que a edificação se fezR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 163


sobre a flora existente na área, suprimindo-a, ain<strong>da</strong> que esta não fossesignificante (a propósito, não é demais salientar que a jurisprudênciadominante não admite, em se tratando de crimes ambientais, a incidência<strong>da</strong> tese <strong>da</strong> bagatela).Portanto, embora os <strong>da</strong>nos não tenham grande dimensão, são elesincontestáveis, decorrentes <strong>da</strong>s construções ergui<strong>da</strong>s pela acusa<strong>da</strong> naUni<strong>da</strong>de de Conservação Ambiental.Dessarte, de rigor a condenação <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> como incursa nas penasdo artigo 40 <strong>da</strong> Lei Ambiental, sendo este especial em relação ao crimedo art. 64 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1995, já que atingi<strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de de Conservação.Passo à dosimetria.As circunstâncias judiciais são favoráveis à acusa<strong>da</strong>. Não tem antecedentese é primária. Não agiu com dolo direto, mas eventual. As circunstânciase consequências do crime são normais à espécie. As construçõesnão geraram <strong>da</strong>nos de grande dimensão. As demais circunstâncias sãoneutras. Assim, fixo a pena no mínimo legal, em um ano de reclusão.Elevo a pena em seis meses em decorrência <strong>da</strong>s duas agravantes doart. 15, II, a (já que o seu propósito era o de construir uma pousa<strong>da</strong>) eb, <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1998.Não estão presentes causas de aumento ou de diminuição.Resta, portanto, definitiva a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses dereclusão, a serem cumpridos em regime aberto, nos moldes do artigo 33,§ 2º, c, do Código Penal.Não é comina<strong>da</strong> pena de multa para o crime em questão.Substituo a pena privativa de liber<strong>da</strong>de, por estarem atendidos osrequisitos, por duas restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2º, in fine): umadelas, pena restritiva de direito consistente em prestação de serviçoscomunitários ao PNAS ou a enti<strong>da</strong>des encarrega<strong>da</strong>s <strong>da</strong> conservaçãoambiental, sete horas por semana, durante o período <strong>da</strong> pena substituí<strong>da</strong>(arts. 7º e 10 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1998); outra prestação pecuniária consistenteno pagamento de 3 (três) salários mínimos, no valor vigente no momentodo pagamento, destinados a enti<strong>da</strong>de pública ou priva<strong>da</strong> com fim socialdesigna<strong>da</strong> pelo juízo <strong>da</strong> execução.A pena de prestação de serviço é a que melhor se presta à ressocializaçãodo condenado e a prestação pecuniária visa compensar a socie<strong>da</strong>depela prática do crime.164R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Prevê o art. 20 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1998 que, na sentença penal condenatória,deverá o juiz fixar o valor mínimo para reparação dos <strong>da</strong>nos causadospela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelomeio ambiente. Entretanto, no caso, o que é necessário não é a reparaçãoem pecúnia, mas sim a reparação específica, a retira<strong>da</strong> <strong>da</strong>s construções<strong>da</strong> área <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de de Conservação. Interpretando teleologicamente odispositivo legal, tem ele o propósito de possibilitar que, no processopenal, seja igualmente reparado ou facilita<strong>da</strong> a reparação do <strong>da</strong>no decorrentedo crime ambiental. Nessa perspectiva, pode-se, na sentençapenal condenatória por crime ambiental, ao invés de impor a obrigaçãode reparação em pecúnia, fixar-se, o que é mais apropriado, a obrigaçãoespecífica, que poderá ser executa<strong>da</strong> no cível. Não se pode dizer que talmedi<strong>da</strong> implica imposição de medi<strong>da</strong> mais gravosa ao condenado do quea reparação em pecúnia prevista literalmente na lei. Afinal, a imposição<strong>da</strong> reparação específica ou a <strong>da</strong> reparação em pecúnia são equivalentes,trazendo os mesmos ônus. Portanto, na condenação por crime ambiental,pode ser imposta pelo Juízo penal a obrigação de reparação específica,em interpretação teleológica do art. 20 <strong>da</strong> Lei nº 9.605/1998. Assim sendo,para reparação dos <strong>da</strong>nos decorrentes do crime ambiental, imponhoà acusa<strong>da</strong> a obrigação específica de demolição e retira<strong>da</strong> <strong>da</strong>s cabanasconstruí<strong>da</strong>s na área do Parque Nacional de Aparados <strong>da</strong> Serra – PNAS,com os respectivos acessórios, cf. descrição neste processo. A medi<strong>da</strong>poderá ser executa<strong>da</strong> no cível, servindo o acórdão como título executivo.Observo ain<strong>da</strong> que a sentença não julgou o crime de desobediênciaimputado à acusa<strong>da</strong> no aditamento. Em rigor, deveria ser anula<strong>da</strong> parcialmentepor conta <strong>da</strong> omissão. Entretanto, considerando a pena máxima emabstrato para tal crime, de seis meses de detenção, é forçoso reconhecerigualmente a prescrição <strong>da</strong> pretensão punitiva entre a <strong>da</strong>ta do fato, queteve seu termo em 21.01.2006, até o recebimento do aditamento <strong>da</strong> denúncia,em 11.07.2008.Registro que não se aplicam ao presente processo as inovações emmatéria de prescrição decorrentes <strong>da</strong> Lei nº 12.234/2010, uma vez queposterior aos crimes.Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento à apelação do MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> para condenar a acusa<strong>da</strong> pelo crime do art. 40 <strong>da</strong> Leinº 9.605/1995 e para, de ofício, declarar a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 165


crime do art. 330 do CP pela prescrição em abstrato, nos termos <strong>da</strong>fun<strong>da</strong>mentação.RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITONº 0002718-18.2010.404.7001/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos LausRecorrente: Ministério Público <strong>Federal</strong>Recorrido: J.R.P.Advogado: Defensoria Pública <strong>da</strong> UniãoEMENTAPenal. Processual penal. Crimes contra a ordem tributária. Artigos1º, I, e 2º, II, <strong>da</strong> Lei 8.137/90. Representação fiscal para fins penais. Peçade informação autua<strong>da</strong> como procedimento administrativo no âmbitodo Ministério Público <strong>Federal</strong>. Inclusão do débito objeto <strong>da</strong> notícia decrime em parcelamento. Pretensão ministerial à suspensão <strong>da</strong> pretensãopunitiva e <strong>da</strong> prescrição. Princípio <strong>da</strong> insignificância. Atipici<strong>da</strong>de. Habeascorpus. Concessão. Recurso em sentido estrito. Artigo 20, § 4º, <strong>da</strong>Lei 10.522/02, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 11.033/04. Não provimento.1. A atuação do magistrado na investigação criminal pauta-se porconstituir-se em um órgão garante <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de pública e dos direitosdos investigados, pois de nenhum efeito terá a entrega de futura prestaçãojurisdicional, com dispêndio de tempo, recursos e desgaste do prestígio <strong>da</strong>Justiça Pública, bem assim dos demais sujeitos do processo, se verifica<strong>da</strong>a instauração ou o desenvolvimento de atos de persecução criminal comrelação aos quais desponte manifesta falta de justa causa ou nuli<strong>da</strong>de.Faltariam, nessas hipóteses, o interesse teleológico de agir, a justificar acessação dessas ativi<strong>da</strong>des, em obséquio aos princípios <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>166R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


pessoa, <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tutela penal.2. Nessa perspectiva, e na linha <strong>da</strong> orientação jurisprudencial, aplica-seo princípio <strong>da</strong> insignificância jurídica, como excludente de tipici<strong>da</strong>de, aoscrimes em que há elisão tributária não excedente ao teto previsto no artigo20, caput, <strong>da</strong> Lei 10.522/2002, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 11.033/2004,correspondente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), patamar consideradoirrelevante pela Administração Pública para efeito de processamentode execuções fiscais de débitos inscritos como Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União.3. A reiteração criminosa não rende ensejo ao afastamento <strong>da</strong> tesedespenalizante, visto que a incidência <strong>da</strong> mesma não pressupõe circunstânciassubjetivas, ou seja, é aferi<strong>da</strong> apenas em função de aspectosobjetivos, referentes ao delito perpetrado.4. Afeiçoando-se a hipótese dos autos a esses parâmetros, uma vezque o débito que desencadeou o procedimento administrativo instauradoem sede ministerial, e objeto do requerimento do parquet ao juízo,é inferior ao limite mínimo de relevância administrativa, o qual elide alesivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta em relação ao bem jurídico tutelado, está-se diantede conduta atípica.5. Finalmente, e como é curial, tem-se que a circunstância de a pessoajurídica relaciona<strong>da</strong> ao suposto autor do noticiado delito ostentar débitosinclusos em parcelamento, que, no seu conjunto, superam o patamar <strong>da</strong>bagatela, embora constitua, de um lado, aspecto a ser considerado doponto de vista cível, em face <strong>da</strong> equação custo-benefício que informa ojuízo de conveniência acerca <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação executiva (artigo20, § 4º, <strong>da</strong> Lei 10.522/02, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 11.033/04), deoutro, não apresenta semelhante repercussão no que tange à conformação<strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de penal, cujo controle jurisdicional (artigos 395, III, 397,IV, e 647, VII, do CPP), no que interessa ao presente julgamento, seguejungido à ideia de punibili<strong>da</strong>de, portanto aferível isola<strong>da</strong>mente (artigo119 do CP).ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento ao recurso e conceder habeas corpus,de ofício, determinando o trancamento do PAD MPF/PRM/LDAR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 167


nº 1.25.005.001255/2010-03, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 09 de agosto de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se derecurso criminal em sentido estrito interposto pelo Ministério Público<strong>Federal</strong> contra decisão que desacolheu a promoção ministerial em quepostula<strong>da</strong> a declaração <strong>da</strong> suspensão <strong>da</strong> pretensão punitiva e do prazoprescricional, reconhecendo, desde logo, a incidência do princípio <strong>da</strong>insignificância.Sustenta o órgão acusatório, em síntese, que a tese despenalizanteé inaplicável ao caso dos autos ante a existência de outros débitos <strong>da</strong>mesma pessoa jurídica que, se somados, superam o parâmetro judicialde R$ 10.000,00 (dez mil reais). Para além disso, aponta, ain<strong>da</strong>, que ainsignificância não pode incidir quando presente a habituali<strong>da</strong>de criminosa.Pede seja provido o recurso para tornar-se sem efeito a decisãoque concedeu o habeas corpus de ofício, a fim de que nova decisão sejaprolata<strong>da</strong> pelo juízo singular apreciando o seu requerimento.Com contrarrazões (fls. 72-80).O órgão ministerial, nesta instância, opinou pelo provimento do recurso(fls. 86-90).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus: O julgamentodo presente recurso foi pautado para a sessão de 03.08.2011; no entanto,indiquei, naquela oportuni<strong>da</strong>de, adiamento. Portanto, trago o feito emmesa nesta assenta<strong>da</strong>.A Delegacia <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> do Brasil em Londrina/PR, emface <strong>da</strong> conclusão do PAF nº 11634.000460/2010-88, encaminhou aoMinistério Público <strong>Federal</strong> a Representação Fiscal para Fins Penais nº11634.000461/2010-22 (fls. 01-35), com qualificação do responsável pelapessoa jurídica, que descreve a suposta prática, pelo Instituto Primaensede Saúde Nossa Senhora Apareci<strong>da</strong>, do seguinte fato ilícito, in verbis:168R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“A ação fiscal teve por objeto o ano-calendário de 2007 relativamente ao Imposto deRen<strong>da</strong> Retido na Fonte – IRRF incidente sobre os rendimentos do trabalho assalariado,tendo sua gênese no Procedimento Fiscal – Revisão Interna nº 09.1.02.00-2010-00460-3,oportuni<strong>da</strong>de em que foram colhidos elementos que apontaram para o fato que a empresafiscaliza<strong>da</strong> efetuou descontos de Imposto de Ren<strong>da</strong> Retido na Fonte incidentes sobre rendimentodo trabalho sem vínculo empregatício, porém, não efetuou recolhimento total dosvalores retidos, como demonstraremos a seguir.A empresa informou por meio <strong>da</strong> Declaração do Imposto de Ren<strong>da</strong> Retido na Fonte– DIRF 2008, entregue à Receita <strong>Federal</strong> em 16.04.2008, nº de controle 42.48.22.59.25-84, que no ano-calendário 2007 foram retidos dos ‘rendimentos do trabalho assalariado’,código de receita 0561, valores de Imposto de Ren<strong>da</strong> Retido na Fonte – IRRF no total deR$ 2.003,29 (dois mil, três reais e vinte e nove centavos) no ano-base 2007, porém nãoefetuou o recolhimento integral do Imposto de Ren<strong>da</strong> Retido na Fonte.Consultando o sistema de pagamentos SINAL, no período de 01.01.2007 a 10.04.2010,constata-se que o sujeito passivo não efetuou recolhimentos de IRRF referentes ao ano--calendário 2007, código de receita 0561, no valor de R$ 1.101,48 (um mil, cento e umreais e quarenta e oito centavos).O sujeito passivo também não declarou o valor de R$ 2.003,29 de IRRF em Declaraçãode Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF no ano 2007.Tendo em vista a incidência <strong>da</strong> empresa em malha DIRF x DARF em razão <strong>da</strong> faltade recolhimento do imposto, em 11.03.2010 o sujeito passivo foi intimado a apresentar osdocumentos que deram origem ao IRRF referente ao ano-calendário 2007. Em 17.03.2010a intimação retornou sem recebimento, constando no Aviso de Recebimento – AR, o indicativode ‘RECUSADO’.”Na sequência, instaurado o PAD MPF/PRM/LDA nº1.25.005.001255/2010-03, o parquet solicitou informação acerca dovalor consoli<strong>da</strong>do dos débitos fiscais inscritos em nome do InstitutoPrimaense de Saúde Nossa Senhora Apareci<strong>da</strong> (fl. 39).Em resposta ao ofício do órgão ministerial, a Procuradoria Seccional<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional em Londrina/PR noticiou que o montantede R$ 2.494,54 (dois mil, quatrocentos e noventa e quatro reais ecinquenta e quatro centavos), referente ao processo administrativo nº11634.000460/2010-88, fora objeto de pedido de parcelamento simplificadoem 12.08.2010 (fl. 40).Com base nessas informações, o Ministério Público <strong>Federal</strong> requereuao Juízo de origem, com base no que estabelecem os artigos 9º <strong>da</strong> Lei10.684/03 e 68 <strong>da</strong> Lei 11.941/09 e precedente jurisprudencial (TRF <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, ACR 2004.71.10.003240-9, 8ª Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> PauloAfonso Brum Vaz, DJU 17.05.2006), (a) sejam declara<strong>da</strong>s suspensasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 169


a pretensão punitiva do Estado e a respectiva prescrição, enquanto aempresa Instituto Primaense de Saúde Nossa Senhora Apareci<strong>da</strong> permanecerinclusa no programa de parcelamento; e (b) seja expedido ofícioà Procuradoria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional em Londrina/PR, solicitando queinforme tão logo haja consoli<strong>da</strong>ção dos débitos tributários ou eventualexclusão do contribuinte do referido parcelamento, ou ain<strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>çãopor pagamento do débito objeto do Procedimento Administrativo Fiscalnº 11634.000460/2010-88 (fls. 49-50).O Magistrado Singular, to<strong>da</strong>via, considerando que o crédito tributárioa que se reportava a promoção ministerial encontrava-se aquémde R$ 10.000,00, reconheceu a incidência, na hipótese, do princípio <strong>da</strong>insignificância e concedeu habeas corpus, de ofício, para determinar otrancamento do procedimento investigatório (fls. 51-51-verso).De se destacar, de início, que a atuação do magistrado na investigaçãocriminal pauta-se por constituir-se em um órgão garante <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>depública e dos direitos dos investigados, pois de nenhum efeito terá aentrega de futura prestação jurisdicional, com dispêndio de tempo, recursose desgaste do prestígio <strong>da</strong> Justiça Pública, bem assim dos demaissujeitos do processo, se verifica<strong>da</strong> a instauração ou o desenvolvimentode atos de persecução criminal com relação aos quais desponte manifestafalta de justa causa ou nuli<strong>da</strong>de. Faltariam, nessas hipóteses, o interesseteleológico de agir, a justificar a cessação dessas ativi<strong>da</strong>des, em obséquioaos princípios <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa, <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>tutela penal.Ain<strong>da</strong> em preliminar, tenho que, restando incontroverso que ao procurador<strong>da</strong> República, enquanto autori<strong>da</strong>de que, na origem, encampouos termos <strong>da</strong> notícia de crime, é assegura<strong>da</strong>, constitucionalmente, aprerrogativa de foro perante este <strong>Tribunal</strong>, caberia ao juízo a quo, considerandoo polo passivo em relação ao salvo-conduto por ele concedido,tão somente ter desacolhido a pretensão ministerial, haja vista tratar-sea tipici<strong>da</strong>de de matéria de ordem pública; logo, cognoscível espontaneamente,a qualquer tempo e grau de jurisdição, de modo que eventualirresignação do interessado seria trazi<strong>da</strong> a esta Corte.Assim, como ao fim e ao cabo foi o que se sucedeu, em obséquio aoprincípio <strong>da</strong> instrumentali<strong>da</strong>de do processo, e por tudo o que se disse atéentão, é dizer, prestigiando-se mais a teleologia do provimento objurgado170R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


e menos sua literali<strong>da</strong>de, é nesse sentido que compreendo o espírito <strong>da</strong>decisão em reexame e supero seu vício formal.Prossigo.A aplicação <strong>da</strong> tese despenalizante tem lugar quando se puder verificar,em relação à conduta perpetra<strong>da</strong> pelo agente, uma ofensivi<strong>da</strong>de mínima,podendo esta assim ser considera<strong>da</strong> se a ação, apesar de encontrar tipificaçãono ordenamento pátrio, não representar periculosi<strong>da</strong>de social, bemcomo contar com grau de reprovabili<strong>da</strong>de irrisório, mercê de o ataque oua omissão leva<strong>da</strong> a efeito pelo suposto agente não implicar lesão expressivaao bem jurídico penalmente tutelado, permitindo o reconhecimentodo chamado crime de bagatela que se caracteriza por não deter carátercriminal relevante.Nos crimes em que há elisão tributária, tais como os inscritos na Lei8.137/90 e nos artigos 168-A, 334 e 337-A do Estatuto Repressivo, incideo princípio <strong>da</strong> insignificância, como excludente de tipici<strong>da</strong>de, quando asupressão <strong>da</strong>s exações consistentes no valor consoli<strong>da</strong>do – principal maisacessórios – não exceder o montante previsto no artigo 20, caput, <strong>da</strong> Lei10.522/2002, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 11.033/2004, hoje correspondentea R$ 10.000,00 (dez mil reais), patamar esse considerado irrisóriopela Administração Pública para efeito de processamento de execuçõesfiscais de débitos inscritos como Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União.A partir <strong>da</strong> adoção desse balizador, tendo em conta que o DireitoPenal deve reger-se pelos princípios <strong>da</strong> subsidiarie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> intervençãomínima e <strong>da</strong> fragmentarie<strong>da</strong>de, posicionando-se como ultima ratio, nãoseria razoável, de um lado, a punição criminal de determina<strong>da</strong> condutae, de outro, sua desconsideração em sede administrativa sob o pálio <strong>da</strong>sua irrelevância, em função <strong>da</strong> ausência de grave violação ao bem juridicamentetutelado.Essa é a orientação <strong>da</strong> Corte Suprema:“HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MONTANTE DOS IMPOSTOS NÃO PAGOS.DISPENSA LEGAL DE COBRANÇA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL. LEI N°10.522/02, ART. 20. IRRELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA DA CONDUTA. INOBSER-VÂNCIA AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTACAUSA. ORDEM CONCEDIDA. 1. De acordo com o artigo 20 <strong>da</strong> Lei n° 10.522/02, nare<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei n° 11.033/04, os autos <strong>da</strong>s execuções fiscais de débitos inferioresa dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 171


Procurador <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de. 2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior aomínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando <strong>da</strong> denúncia a referênciaa outros débitos em seu desfavor, em possível continui<strong>da</strong>de delitiva. 3. Ausência, nahipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevantenão pode ter relevância criminal. Princípios <strong>da</strong> subsidiarie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> fragmentarie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>necessi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão aobem jurídico penalmente tutelado. 4. O afastamento, pelo órgão fracionário do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, <strong>da</strong> incidência de norma prevista em lei federal aplicávelà hipótese concreta, com base no art. 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, viola a cláusulade reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>. 5. Ordemconcedi<strong>da</strong>, para determinar o trancamento <strong>da</strong> ação penal.” (HC 92.438, 2ª Turma, Rel.Ministro Joaquim Barbosa, D.E. 19.12.2008)“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE PROCESSADO PELA INFRAÇÃODO ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (DESCAMINHO). ALEGAÇÃO DA IN-CIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTEDESTE SUPREMO TRIBUNAL FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO. HABEASCORPUS CONCEDIDO PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.1. O descaminho praticado pelo Paciente não resultou em <strong>da</strong>no ou perigo concreto relevante,de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio<strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar dehaver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio<strong>da</strong> insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de legal e, porconsequência, torna atípico o fato denunciado. 2. A análise quanto à incidência, ou não, doprincípio <strong>da</strong> insignificância na espécie deve considerar o valor objetivamente fixado pelaAdministração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos <strong>da</strong>s açõesfiscais de débitos inscritos como Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União (art. 20 <strong>da</strong> Lei nº 10.522/02), quehoje equivale à quantia de R$ 10.000,00, e não o valor relativo ao cancelamento do créditofiscal (art. 18 <strong>da</strong> Lei 10.522/02). Equivalente a R$ 100,00. 3. É manifesta a ausência de justacausa para a propositura <strong>da</strong> ação penal contra o ora Paciente. Não há que se subestimar anatureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando osoutros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos.4. Ordem concedi<strong>da</strong>.” (RE 96309-9, 1ª Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, D.E. 24.04.2009)A Terceira Seção do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, que reúne as Turmascom jurisdição criminal, também não discrepa desse entendimento:“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.ART. 105, III, A E C, DA CF/88. PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CÓDIGOPENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA. I – Segundo jurisprudência firma<strong>da</strong> no âmbito do Pretório Excelso – 1ª e 2ª Turmas172R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


–, incide o princípio <strong>da</strong> insignificância aos débitos tributários que não ultrapassem o limitede R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 <strong>da</strong> Lei nº 10.522/02. II – Muitoembora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide EREsp 966077/GO, 3ª Seção,Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20.08.2009), mas em prol <strong>da</strong> otimização do sistema, e buscandoevitar uma sucessiva interposição de recursos ao c. Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em sintoniacom os objetivos <strong>da</strong> Lei nº 11.672/08, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial<strong>da</strong> Suprema Corte. Recurso especial desprovido.” (REsp 1112748, Rel. Ministro Félix Fischer,DJe 13.10.2009)A hipótese dos autos em tudo afeiçoa-se aos precedentes colacionados.Como se depreende do ofício lavrado pela Procuradoria Seccional <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Nacional em Londrina/PR (fl. 40), o valor do crédito tributárioapurado, objeto do processo administrativo que desencadeou a notitiacriminis endereça<strong>da</strong> à instituição ministerial e nela registra<strong>da</strong> e autua<strong>da</strong>como Procedimento Administrativo (fl. 49), aponta, de maneira expressa,o montante de R$ 2.494,54 (dois mil, quatrocentos e noventa e quatroreais e cinquenta e quatro centavos), estando abaixo, portanto, do referidoparâmetro legal adotado pela jurisprudência.No tocante à aventa<strong>da</strong> reiteração <strong>da</strong>s condutas, convém frisar queessa não rende ensejo ao afastamento <strong>da</strong> tese despenalizante, visto quea incidência <strong>da</strong> mesma não pressupõe circunstâncias subjetivas, ou seja,é aferi<strong>da</strong> apenas em função de aspectos objetivos, referentes ao delitoperpetrado.É nesse sentido o entendimento <strong>da</strong> Suprema Corte brasileira:“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONA-MENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DEORIGEM E NÃO APLICADO PELA CONTUMÁCIA DO RÉU. ARTIGO 334, CAPUT,DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRECEDENTES.1. Não se admite Recurso Extraordinário em que a questão constitucional cuja ofensa sealega não tenha sido debati<strong>da</strong> no acórdão recorrido nem tenha sido objeto de Embargos deDeclaração no momento oportuno. 2. Recorrente condenado pela infração do artigo 334,caput, do Código Penal (descaminho). Princípio <strong>da</strong> insignificância reconhecido pelo <strong>Tribunal</strong>de origem, em razão <strong>da</strong> pouca expressão econômica do valor dos tributos iludidos, mas nãoaplicado ao caso em exame porque o réu, ora apelante, possuía registro de antecedentescriminais. 3. Habeas corpus de ofício. Para a incidência do princípio <strong>da</strong> insignificância sódevem ser considerados aspectos objetivos <strong>da</strong> infração pratica<strong>da</strong>. Reconhecer a existênciade bagatela no fato praticado significa dizer que o fato não tem relevância para o DireitoPenal. Circunstâncias de ordem subjetiva, como a existência de registro de antecedentescriminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do instituto. 4. Concessão de habeasR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 173


corpus, de ofício, para reconhecer a atipici<strong>da</strong>de do fato narrado na denúncia, cassar o decretocondenatório expedido pelo <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> e determinar o trancamento<strong>da</strong> ação penal existente contra o recorrente.” (RE 514531, 2ª Turma, Rel. Ministro JoaquimBarbosa, D.E. 06.03.2009 – destaquei)“HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNI-FICÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Nos termos <strong>da</strong> jurisprudência <strong>da</strong> Corte Suprema,o princípio <strong>da</strong> insignificância é reconhecido, podendo tornar atípico o fato denunciado, nãosendo adequado considerar circunstâncias alheias às do delito para afastá-lo. 2. No cenáriodos autos, presente a assenta<strong>da</strong> jurisprudência <strong>da</strong> Suprema Corte, o fato de já ter antecedentenão serve para desqualificar o princípio de insignificância. 3. Habeas corpus concedido.”(HC 94502, 1ª Turma, Rel. Ministro Menezes Direito, D.E. 19.03.2009)Neste mesmo pensamento, trago jurisprudência deste <strong>Regional</strong>, emque a questão foi abor<strong>da</strong><strong>da</strong> no EINUL 2006.70.07.000110-1, julgadopela Quarta Seção:“PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - DELIMITAÇÃO.CIRCUNSTÂNCIA SUBJETIVA – ABSTRAÇÃO. 1. É inadmissível que uma condutaseja considera<strong>da</strong> irrelevante no âmbito administrativo e não o seja na esfera penal, umavez que o Direito Penal ‘só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela dobem jurídico protegido quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficientesas tutelas estabeleci<strong>da</strong>s nos demais ramos do Direito’ (STF, HC 92438, 19.08.2008).2. Uniformizando-se o trato <strong>da</strong> relevância na ótica do interesse público, enfocado tantopelo prisma do Direito Administrativo como pelo prisma do Direito Penal, o parâmetroestabelecido para operar o princípio <strong>da</strong> insignificância em delitos de descaminho reside nacifra de R$ 10.000,00 (dez mil reais) – valor <strong>da</strong>do pela Lei n° 11.033/2004 ao artigo 20 <strong>da</strong>Lei n° 10.522/2002. 3. A incidência do princípio <strong>da</strong> bagatela é aferi<strong>da</strong> apenas em funçãode aspectos objetivos, relativos à infração cometi<strong>da</strong>, e não em função de circunstânciassubjetivas, as quais não obstam a sua aplicação.” (Rel. Des. <strong>Federal</strong> Amaury Chaves deAthayde, D.E. 27.10.2008 – destaquei)Finalmente, e como é curial, tem-se que a circunstância de a pessoajurídica relaciona<strong>da</strong> ao suposto autor do noticiado delito ostentar débitosinclusos em parcelamento, que, no seu conjunto, superam o patamar <strong>da</strong>bagatela, embora constitua, de um lado, aspecto a ser considerado doponto de vista cível, em face <strong>da</strong> equação custo-benefício que informa ojuízo de conveniência acerca <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação executiva (artigo20, § 4º, <strong>da</strong> Lei 10.522/02, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei 11.033/04), deoutro, não apresenta semelhante repercussão no que tange à conformação<strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de penal, cujo controle jurisdicional (artigos 395, III, 397, III, e648, I, do CPP), no que interessa ao presente julgamento, segue jungido à174R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ideia de punibili<strong>da</strong>de, portanto aferível isola<strong>da</strong>mente (artigo 119 do CP).Nessas condições, não há por que se prover o inconformismo, determinando-sea reapreciação <strong>da</strong> pretensão ministerial.Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso e concederhabeas corpus, de ofício, determinando o trancamento do PADMPF/PRM/LDA nº 1.25.005.001255/2010-03.APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000638-53.2011.404.7003/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio RochaApelante: C.A.B.E.Advoga<strong>da</strong>: Dra. Sandra BeckerApelado: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTAPenal. Processo penal. Artigo 273, § 1º-b, do Código Penal. Cabimento.Importação ilegal de grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentos falsificados,de procedência ignora<strong>da</strong> e/ou sem registro na Anvisa. Lesivi<strong>da</strong>de. Riscoà saúde pública. Enquadramento legal. Afastamento <strong>da</strong> pena <strong>da</strong> Leide Tóxico. Inaplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s figuras de descaminho e contrabando.Diferenciação dos tipos penais quanto a matéria.A pena mínima de dez anos de reclusão para o crime previsto no art.273 do Código Penal foi defini<strong>da</strong> em regular processo legislativo, apósdebates parlamentares que evidenciaram a gravi<strong>da</strong>de do delito, pelosriscos à saúde e à vi<strong>da</strong> de pessoas vítimas do consumo de medicamentosfalsificados, de procedência ignora<strong>da</strong> e/ou sem registro nos órgãossanitários competentes.Compete ao Juiz do processo definir a capitulação jurídica do fatoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 175


descrito na denúncia. Enquadra<strong>da</strong> a conduta do réu em determinado tipopenal, deve o Juiz aplicar-lhe a respectiva pena comina<strong>da</strong>, dosando-a entreos limites mínimos e máximos previstos, de acordo com os critérios definidosem lei, em face <strong>da</strong> apreciação <strong>da</strong>s circunstâncias do caso concreto.Não pode o Juiz deixar de aplicar a pena prevista em lei para umdeterminado crime, sob o entendimento de que a sanção comina<strong>da</strong> lhepareça excessiva ou desproporcional, pois a definição <strong>da</strong> pena em abstratoé atribuição do legislador.Não é cabível a junção <strong>da</strong> conduta descritiva de um tipo penal coma pena prevista no preceito secundário de outro tipo penal, porquantoimplica criação de tertius legis, negando vigência ao dispositivo legalaplicável ao caso.Comprova<strong>da</strong>s a materiali<strong>da</strong>de e a autoria do crime de importação ilegalde grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentos falsificados, de procedênciaignora<strong>da</strong> e/ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária– Anvisa, impõe-se a condenação do réu pelo cometimento do crimeprevisto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.A punição pelas figuras do contrabando e descaminho é, na jurisprudência<strong>da</strong> Turma, reserva<strong>da</strong> apenas a importações de quanti<strong>da</strong>des nãosignificativas de medicação adquiri<strong>da</strong> no exterior.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 7ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, vencido parcialmente o relator, <strong>da</strong>r parcial provimento àapelação, para reduzir as penas, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 08 de novembro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha, Relator para o acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> José Paulo Baltazar Junior: O Ministério Público<strong>Federal</strong> ofereceu denúncia contra C.A.B.E., <strong>da</strong>ndo-o como incursonas sanções do artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal. Narraa peça acusatória (processo eletrônico nº 5000638-53.2011.404.7003,evento 1, INIC1) que:176R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“No dia 14 de fevereiro de 2011, por volta <strong>da</strong>s 11h30min, em fiscalização de rotina noPosto <strong>da</strong> Polícia Rodoviária <strong>Federal</strong> de Marialva/PR, policiais rodoviários federais abor<strong>da</strong>ramo veículo MERCEDES BENZ, modelo C-280, de cor prata, com placas paraguaiasBBB048, conduzido por C.A.B.E., tendo a companhia de W.A.G.B.Durante a fiscalização, os policiais rodoviários encontraram, no banco traseiro, nosespaços atrás dos bancos dianteiros e no porta-malas do veículo, grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentosde origem estrangeira, bem como diversos frascos de anabolizantes. In<strong>da</strong>gadosobre a posse do produto, o denunciado declarou que estaria apenas acompanhando seutio W.A.G.B., o qual seria responsável pelos medicamentos e anabolizantes apreendidos.Diante disso, foi proferi<strong>da</strong> voz de prisão em flagrante a C.A.B.E. e providenciado oseu encaminhamento à Delegacia de Polícia <strong>Federal</strong> em Maringá/PR, para fins de lavraturado auto de prisão em flagrante e demais providências legais. Quanto a W.A.G.B., emrazão de sua condição de adido diplomático, fazendo jus aos privilégios e às imuni<strong>da</strong>desmencionados nos artigos 29 a 36 <strong>da</strong> Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, nãofoi preso nem indiciado.Segundo descreve o Auto de Infração e Apreensão de Mercadoria nº 0910500-05214/11,lavrado pela Delegacia <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> em Maringá-PR, os medicamentos e anabolizantesde origem estrangeira e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisaforam avaliados em R$ 424.603,58 (quatrocentos e vinte e quatro mil, quinhentos e seisreais e cinquenta e oito centavos).(...) Assim, C.A.B.E., de forma livre, consciente e dolosa, importou (introduziu nopaís) produto destinado a fins terapêuticos/medicinais (medicamentos e anabolizantes) semregistro exigível e autorização do órgão de vigilância sanitária competente (Anvisa) e deprocedência ignora<strong>da</strong>.”No dia 22 de março de 2011, a defesa do acusado ajuizou perante estaCorte o Habeas Corpus nº 5003782-92.2011.404.0000 (evento 1, INIC1)tendo sido nega<strong>da</strong> a ordem nas seguintes letras:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 273, § 1º-B, INCISOI E V, DO CÓDIGO PENAL. GRANDE QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS, ANA-BOLIZANTES E SUPLEMENTOS VITAMÍNICOS. CRIME INAFIANÇÁVEL. REQUI-SITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 1. Conformeo art. 5º <strong>da</strong> CF/88, em seu inciso XLIII, os crimes hediondos são inafiançáveis, não sendopassíveis, portanto, de concessão de liber<strong>da</strong>de provisória com ou sem fiança (art. 2º, <strong>da</strong> Lei8.072/90). 2. Tendo em vista que o contrabando de medicamentos (art. 273, §§ 1º e 1º-B,incisos I e IV, do CP) é considerado crime hediondo (art. 1º, inciso VII-B, <strong>da</strong> Lei 8.072/90),a ve<strong>da</strong>ção legal expressa, por si só, constitui fun<strong>da</strong>mento suficiente para o indeferimento <strong>da</strong>liber<strong>da</strong>de provisória. Precedentes. 3. Considerando a grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentos,anabolizantes e suplementos vitamínicos apreendidos, não é desarrazoado depreender queos envolvidos na importação clandestina (tanto o paciente, como o carona) atuam no ramoatacadista do comércio ilegal de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 177


origem estrangeira, o que reforça a presença dos requisitos <strong>da</strong> prisão preventiva, mormentevisando garantir a ordem pública.” (TRF4, Sétima Turma, HC 5003782-92.2011.404.0000,Relator p/ Acórdão Des. Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, public. no D.E. 27.04.2011)Levando em conta o fim <strong>da</strong> condição de Adido de Defesa e Aeronáuticado Governo Paraguaio de W.A.G.B., foi adita<strong>da</strong> a peça acusatória (evento47, INIC1, <strong>da</strong>quele processo) sem que as ações corressem conjuntamente,uma vez que incompatíveis as fases processuais.Concluí<strong>da</strong> a instrução, sobreveio sentença (evento 126, SENT1) julgandoprocedente a pretensão punitiva estatal para condenar C.A.B.E.pela prática do delito tipificado no art. 273, § 1º-B, incisos I e V, do CódigoPenal. A pena foi fixa<strong>da</strong> em 10 (dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte edois) dias de reclusão e 31 (trinta e um) dias-multa à razão de um saláriomínimo. O decisum estabeleceu o regime fechado para o cumprimento<strong>da</strong> sanção. A pena corporal não foi substituí<strong>da</strong> por restritiva de direitos,em face de o acusado não preencher os requisitos previstos no art. 44 doCP, bem como foi negado o direito de apelar em liber<strong>da</strong>de.Contra essa decisão, foi interposto o presente recurso (evento 131,INT1). Em suas razões (evento 137, APELAÇÃO1), a defesa postula suaabsolvição ao argumento de que “não ficou prova<strong>da</strong> a autoria, a materiali<strong>da</strong>dee o dolo por parte do apelante” e “o acusado não agiu com dolo,mas com culpa”. Alternativamente, pleiteia a aplicação <strong>da</strong> pena do crimede tráfico no mínimo legal de 05 (cinco) anos, bem como a minoraçãoconti<strong>da</strong> no parágrafo 4º do artigo 33 <strong>da</strong> Lei 11.343/06, em regime aberto,com substituição <strong>da</strong> privativa de liber<strong>da</strong>de por restritivas de direitos.Apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões (evento 144, CONTRAZ1).A douta Procuradoria <strong>da</strong> República, emitindo parecer (evento 04 desteprocesso eletrônico, PAREC MPF1), opinou pelo parcial provimento doinconformismo.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: Inicialmente,cabe registrar que se afigura consubstancia<strong>da</strong> a materiali<strong>da</strong>de por meio<strong>da</strong>s provas produzi<strong>da</strong>s no inquérito policial e <strong>da</strong>s colhi<strong>da</strong>s em juízo, asaber: auto de prisão em flagrante, de apreensão, ficha de contagem demercadorias, boletim de ocorrência, auto de infração e apreensão de178R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


mercadoria nº 0910500-05214/11, lavrado pela Delegacia <strong>da</strong> Receita<strong>Federal</strong> em Maringá, laudos de perícia criminal (química forense) n os549/2011, 444/2011-SETEC/SR/DPF/PR e 693/2011-INC/DITEC/DPF(processo eletrônico 5000389-05.2011.404.7003 relacionado no 1º graue ação penal originária de igual nº do presente processo).No que pertine à autoria e ao dolo, a alegação de que C.A.B.E. desconheciao conteúdo <strong>da</strong> bagagem, circunstância que afastaria o elementosubjetivo do tipo, não merece prosperar, pois, no mínimo, assumiu o riscopela sua conduta (dolo eventual).No ponto, adoto como razões de decidir os bem-lançados fun<strong>da</strong>mentos<strong>da</strong> sentença, in verbis:“Quanto à autoria, não há dúvi<strong>da</strong>s de que ela recai sobre o acusado C.A.B.E., até porquefoi preso em flagrante ao conduzir o veículo Mercedez Benz C-230, placa <strong>da</strong> República doParaguai de número BBB048, completamente carregado de medicamentos e anabolizantes, amaioria falsificados, e todos sem registro na Anvisa, provenientes do Paraguai, assim comonão pairam incertezas acerca de sua participação consciente e voluntária no cometimentodo crime descrito na denúncia.(...) O veículo Mercedez Benz, modelo C-230, placa paraguaia BBB048, conduzidopelo réu, encontrava-se com o porta-malas, o banco traseiro e os espaços entre os bancosdianteiros e traseiros lotados de caixas de papelão lacra<strong>da</strong>s e enrola<strong>da</strong>s com sacos plásticosna cor preta, consoante esclareceu a testemunha arrola<strong>da</strong> pela acusação, o PolicialRodoviário <strong>Federal</strong> Elizalbert Menezes dos Santos, perante a autori<strong>da</strong>de policial federal eem juízo, o que foi confirmado pelo réu em seu interrogatório.(...) Ademais, o réu, por ocasião de sua prisão em flagrante, confirmou à autori<strong>da</strong>depolicial federal que sabia que a mercadoria era remédio, pois seu tio teria lhe comunicadoquando entrou no carro, ain<strong>da</strong> no Paraguai. Entretanto, em razão <strong>da</strong> imensa quanti<strong>da</strong>de nãolevou a sério a informação passa<strong>da</strong> por seu tio.Em juízo, entretanto, tentou justificar essa afirmação sob o argumento de que, na ver<strong>da</strong>de,mencionou ‘remédio’ como sendo a erva-mate conheci<strong>da</strong> como ‘tererê’, visto que,no Paraguai, costuma-se tomar ‘tererê’ em conjunto com ervas popularmente chama<strong>da</strong>s de‘remédios’, tratando-se de simples ‘confusão’.Difícil acreditar em referi<strong>da</strong> justificativa. Por quê? Primeiramente, pela quanti<strong>da</strong>de de‘remédios’. Segundo, não se precisaria comprar erva-mate no Paraguai já que, no Brasil,ela é encontra<strong>da</strong>. Terceiro, o réu é brasileiro e reside no Brasil, onde não há essa ‘confusão’entre os termos; é mergulhador profissional, o que exige curso específico de formação; etem nível de ensino superior incompleto. Ademais, configuraria demasia<strong>da</strong> ingenui<strong>da</strong>deacreditar que essa enorme quanti<strong>da</strong>de de mercadorias envoltas em sacos plásticos pretos –as quais, repita-se, lotavam um veículo de grande porte – consistiria em ervas medicinais.Tanto isso é certo que o réu não levou a sério a informação. Caracterizaria, no entanto,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 179


demasia<strong>da</strong> e inaceitável ingenui<strong>da</strong>de e descaso não desconfiar e não querer saber no queconsistiriam tais mercadorias. O transporte, inclusive, poderia ser de maconha, cocaína,etc. No mínimo, resta evidenciado o dolo eventual.”Conforme se depreende, a versão apresenta<strong>da</strong> pelo apelante de quedesconhecia o conteúdo transportado não merece credibili<strong>da</strong>de, sendomera tentativa de eximir-se <strong>da</strong> responsabilização criminal.Sobre o assunto, confira-se:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO.ARTIGO 18 DA LEI 10.826/2003, C/C ARTIGO 14, II, DO CÓDIGO PENAL. CON-DENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. PARÂMETROS. SUBSTITUIÇÃO DA PENAPRIVATIVA DE LIBERDADE. POSSIBILIDADE. 1. Autoria e materiali<strong>da</strong>de devi<strong>da</strong>mentecomprova<strong>da</strong>s, não havendo causas de exclusão <strong>da</strong> ilicitude ou culpabili<strong>da</strong>de. 2. Ain<strong>da</strong> quenão se pudesse confirmar o dolo do acusado em relação ao delito de tráfico de munições,estar-se-ia diante do caso de dolo eventual, na medi<strong>da</strong> em que o réu assume o risco deimportar o conteúdo ilegal ao país. 3 a 6, omissis.” (TRF4, Oitava Turma, ACR nº 0008233-70.2006.404.7002, Rel. Des. Victor Luiz dos Santos Laus, public. no D.E. em 09.09.2011)A par disso, ain<strong>da</strong> que não fosse autor direto do delito (como alega adefesa), os elementos dos autos apontam claramente a participação deC.A.B.E. no ilícito, na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de coautoria, pois dirigia o veículocom os remédios introduzidos ilegalmente no país.Nessas circunstâncias, inexistindo excludentes <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de, ilicitudee culpabili<strong>da</strong>de, não há como afastar sua responsabili<strong>da</strong>de penalpela prática do delito inscrito no art. 273, § 1º-B, incisos I e V do CP,impondo-se a manutenção do decreto condenatório.No que tange à reprimen<strong>da</strong> aplica<strong>da</strong>, o decisum foi exarado nas seguintesletras:“O artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal comina pena de reclusão de 10(dez) a 15 (quinze) anos e multa.O réu agiu com grau de culpabili<strong>da</strong>de considerado normal para o tipo em exame; nãoregistra maus antecedentes criminais (IPL: eventos 14-15, 17-18, 23 e 27; AP: eventos 23,53 e 94); sua conduta social e personali<strong>da</strong>de não puderam ser aferi<strong>da</strong>s; as consequências dodelito justificam alteração na pena-base, em razão <strong>da</strong> enorme quanti<strong>da</strong>de de medicamentose anabolizantes apreendidos, a grande maioria falsificados, evidenciando o alto gravamesocial do crime; os motivos são próprios <strong>da</strong> espécie, o intuito de lucro; as circunstâncias,normais à espécie; não há que se falar em comportamento <strong>da</strong> vítima.Considerando-se a variação in abstrato do tipo (10 a 15 anos) e o termo médio <strong>da</strong> pena(12 anos e 6 seis meses), tenho por proporcional o aumento de 3 (três) meses e 22 (vinte e180R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


dois) dias para ca<strong>da</strong> vetorial negativo. Logo, presente apenas uma circunstância (vetorial)negativa, fixo a pena-base em 10 (dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão.Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.Não há causa especial ou geral de aumento ou de diminuição de pena aplicável ao caso.Sem qualquer outra circunstância a considerar, torno definitiva a pena fixa<strong>da</strong> de 10(dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão ao réu C.A.B.E. pela práticado crime tipificado no artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal.Da pena de multaA aplicação <strong>da</strong> pena de multa deve observar a proporcionali<strong>da</strong>de com a sanção privativaimposta definitivamente, compreendendo todos os fatores nela valorados (circunstânciasjudiciais, agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição), inclusive o aumentopela continui<strong>da</strong>de, ou seja, a simetria a ser guar<strong>da</strong><strong>da</strong> não deve ser apenas em relação àpena-base, não se aplicando, to<strong>da</strong>via, a regra do artigo 72 do Código Penal (TRF4, QuartaSeção, Embargos Infringentes e de Nuli<strong>da</strong>de na Apelação Criminal nº 2002.71.13.003146-0/RS, D.E. de 04.06.2007, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado).Anote-se, por relevante, que no crime sub examine a pena privativa de liber<strong>da</strong>de deveser fixa<strong>da</strong> entre no mínimo 10 (dez) anos e no máximo 15 (quinze) anos. Já a pena de multadeve obedecer ao disposto no artigo 49 do Código Penal, e ser fixa<strong>da</strong> entre no mínimo 10(dez) e no máximo 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.Destarte, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação, fixo a pena de multa em 31 (trinta e um) dias--multa.Do valor do dia-multaQuanto ao valor do dia-multa, atendendo não só à situação econômica do réu (taxista,com ren<strong>da</strong> mensal de R$ 2.000,00 – AP: evento 80: TERMOAUD1), como também àenorme quanti<strong>da</strong>de de medicamentos apreendidos e ao exorbitante valor de avaliação (aproxima<strong>da</strong>menteR$ 425.000,00 – IPL: evento 22), fixo ca<strong>da</strong> dia-multa em um salário mínimovigente à época do fato (janeiro/2011), valor que deverá ser atualizado monetariamente atéo efetivo pagamento, de acordo com o artigo 49, § 2º, do Código Penal.Do regime inicial de cumprimento de penaO cumprimento <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de imposta ao réu iniciar-se-á no regimefechado, conforme dispõe o § 1º, do artigo 2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.072/1990 (com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Lei nº 11.464/2007).Da substituição <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>deA pena privativa de liber<strong>da</strong>de imposta ao réu é superior a 4 (quatro) anos, o que impedesua substituição por penas restritivas de direitos, nos termos do inciso I, do artigo 44, doCódigo Penal.Da mesma forma, diante <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de pena privativa de liber<strong>da</strong>de imposta (dezanos, três meses e vinte e dois dias), inviável a suspensão condicional <strong>da</strong> pena (artigo 77do Código Penal).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 181


Do direito de apelar em liber<strong>da</strong>deNos termos do parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal, incluídopela Lei nº 11.719/2008, ao proferir sentença condenatória, o juiz decidirá, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>mente,sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outramedi<strong>da</strong> cautelar. No mesmo sentido, o artigo 2º, § 3º, <strong>da</strong> Lei nº 8.072/1990 (re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Lei nº 11.464/2007).Nos termos do inciso XLIII do artigo 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, a lei considerarácrimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática <strong>da</strong> tortura, o tráfico ilícitode entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, poreles respondendo os man<strong>da</strong>ntes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.Interpretando referi<strong>da</strong> norma, a Primeira Turma do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> vemdecidindo que a proibição de liber<strong>da</strong>de provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados,decorre <strong>da</strong> própria inafiançabili<strong>da</strong>de imposta pela Constituição <strong>da</strong> República àlegislação ordinária (Constituição <strong>da</strong> República, art. 5º, inc. XLIII) (HC 99.333/SP, Rel.Carmem Lúcia, DJe 01.07.2010).Por outro lado, o réu respondeu ao processo preso preventivamente, tendo o <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, inclusive, confirmado o decreto de prisão preventiva (autoseletrônicos nº 5003782-92.2011.404.0000/PR). O réu foi condenado à pena privativa deliber<strong>da</strong>de de 10 (dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, em regimeinicial fechado.A situação fática, que ensejou a decretação <strong>da</strong> prisão preventiva, não se alterou, desdeentão. Em situações desse jaez, a Primeira Turma do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem entendidonão constituir constrangimento ilegal a negativa do direito de apelar em liber<strong>da</strong>de(HC 101817/ES, Rel. Dias Toffoli, Dje 21.03.2011).Assim, nego ao réu o direito de apelar em liber<strong>da</strong>de.”Em que pesem as razões do ilustre julgador singular quanto à reprimen<strong>da</strong>que deve ser imposta na eventual condenação pela prática delitivado art. 273, § 1º-B, cumpre tecer algumas considerações.Com efeito. No tocante à importação de remédios em desacordo comos regulamentos <strong>da</strong> vigilância sanitária (Anvisa) a conduta constitui, emtese, o crime previsto no art. 273, 1º-B, incisos I e V, do CP, que assimdispõe:“Art. 273 – Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticosou medicinais: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.§ 1º – Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe a ven<strong>da</strong>, tem em depósitopara vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado,corrompido, adulterado ou alterado. (...)§ 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º emrelação a produtos em qualquer <strong>da</strong>s seguintes condições:182R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;V – de procedência ignora<strong>da</strong>.”Tais comportamentos revelam ofensa à saúde pública, na medi<strong>da</strong> emque expõem a coletivi<strong>da</strong>de à ação de substâncias de conteúdo e origemdesconhecidos, sem autorização/liberação <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária.Cabe registrar que os verbos nucleares de tais dispositivos muito seassemelham àqueles existentes no caput e na alínea c do art. 334 doCP. Contudo, protegem bens jurídicos distintos. Ou seja: o primeiro, asaúde; e o segundo, a administração pública, sendo o primeiro especialem relação ao segundo.A par disso, importa registrar que o apenamento previsto para o delitodo artigo 273 do CP é muito mais grave, em função do alto grau depericulosi<strong>da</strong>de que tais práticas acarretam para a população.Quando se trata de internação irregular de pequena quanti<strong>da</strong>de demedicamentos, esta Corte tem entendido ser possível a desclassificação<strong>da</strong> conduta para aquela conti<strong>da</strong> na primeira figura do artigo 334 do mesmoCodex Repressivo (contrabando). Nesse sentido, trago à colação osseguintes julgados:“PENAL E PROCESSO PENAL. IMPORTAÇÃO CLANDESTINA DE MEDICA-MENTOS EM GRANDE QUANTIDADE. COM DESTINAÇÃO COMERCIAL. INCI-DÊNCIA DO ART. 273, § 1º-B, INC. I DO CP. 1. Na importação de pequenas quanti<strong>da</strong>desde medicamentos, sem especial potencial lesivo à saúde pública, incide a norma geral depunição à importação de produto proibido, o contrabando, do art. 334 do CP. 2. Na espécie,tratando-se de grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentos, deve incidir a regra do artigo 273 doCódigo Penal, cuja alta pena comina<strong>da</strong> – de dez a quinze anos de reclusão e multa – decorre,justamente, <strong>da</strong> especial proteção à saúde pública como ente coletivo, atingi<strong>da</strong> pelo riscojure et de jure <strong>da</strong> falsificação ou ven<strong>da</strong> de remédios sem controle em grande quanti<strong>da</strong>de –com alto gravame social.” (Sétima Turma, RSE nº 0000334-79.2010.404.7002/PR, Rel. p/Acórdão Des. Néfi Cordeiro, publicado no D.E. em 29.10.2010)“PENAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE FIM COMER-CIAL. ART. 334 DO CP. INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLI-CABILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. 1. A importação de pequena quanti<strong>da</strong>dede medicamento para uso pessoal, por não caracterizar especial potencial lesivo à saúdepública, enquadra-se no delito previsto pelo art. 334, caput, primeira figura, do CódigoPenal, e não no do art. 273, §§ 1° e 1°-B, do Estatuto Repressor, que se destina à capitulaçãode importação de fármacos para ven<strong>da</strong> e comercialização. 2. omissis.” (OitavaTurma, RSE nº 0000665-32.2008.404.7002/PR, Rel. p/acórdão Des. Paulo Afonso BrumVaz, public. no D.E. em 28.09.2011)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 183


Da mesma forma, se a internalização de remédios no país for modera<strong>da</strong>e para uso próprio (conforme o caso), poderá aplicar-se o princípio<strong>da</strong> insignificância. Confira-se:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO.MEDICAMENTOS. PEQUENA QUANTIDADE. RECAPITULAÇÃO DO DELITO.CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONDU-TA ATÍPICA. PIS E COFINS. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 2º, III, LEI Nº 10.865/04. 1. Aconduta em apreço melhor se amol<strong>da</strong> ao delito do art. 334 do Código Penal, em detrimento<strong>da</strong>quele previsto no art. 273, § 1º, e § 1º-B, inciso I, do mesmo diploma, tendo em vistaa pequena quanti<strong>da</strong>de de medicamentos apreendidos com o acusado. 2. Nessa hipótese,conforme entendimento sedimentado desta Corte, admite-se a incidência do princípio <strong>da</strong>insignificância ante a não-diferenciação entre as figuras do art. 334 do Código Penal.”(TRF4, Sétima Turma, RSE nº 0001336-97.2009.404.7106/RS, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aquiHirose, public. no D.E em 10.09.2010)“PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTO CONTROLADOPARA USO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. Naimportação de pequena quanti<strong>da</strong>de de medicamento de uso controlado, incide a normageral de punição à importação de produto proibido (contrabando), prevista no art. 334 doCódigo Penal, admitindo-se a aplicação do princípio <strong>da</strong> insignificância quando comprovadoque o medicamento se destinava ao uso próprio do agente, em face <strong>da</strong> ausência depotencial lesivo à saúde pública.” (TRF4, Sétima Turma, RSE 00013022520094047106,Márcio Antônio Rocha, public. em 18.11.2010)Na hipótese dos autos, foram apreendi<strong>da</strong>s com os acusados aproxima<strong>da</strong>mente121.000 (cento e vinte e uma mil) uni<strong>da</strong>des de diversosmedicamentos e 30.400 (trinta mil e quatrocentas) de anabolizantes. Isso,por si só, impede que a conduta seja considera<strong>da</strong> insignificante e obstaa desclassificação para o delito de contrabando. A propósito, veja-seprecedente desta Sétima Turma:“PENAL. ARTIGO 273, § 1º C/C 273, § 1º-B, I E V, TODOS DO CP. DENÚNCIA.LIMITE DO CASO PENAL. NULIDADE AFASTADA. MATERIALIDADE E AUTO-RIA COMPROVADAS. DOLO. GRANDE QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS.RAZOABILIDADE DA PENA COMINADA. DOSIMETRIA. 1. Dando-se oferta denova denúncia, após rejeita<strong>da</strong> a primeira, que assim perdeu qualquer valor jurídico, surgea causa penal já com a imputação fática e típica nos moldes ao final acolhidos pelo juiz<strong>da</strong> causa, sem <strong>da</strong>r-se hipótese de mutatio ou mesmo de emen<strong>da</strong>tio libelli – nenhuma amu<strong>da</strong>nça nos limites do caso penal, nenhum o cerceamento à defesa. 2. Merece maiorcredibili<strong>da</strong>de a inicial versão do réu, de escondimento do medicamento de importaçãoirregular e do intento comercial, porque consentânea com a grande quanti<strong>da</strong>de do produto(177 comprimidos de Pramil) portado por acusado de pouca i<strong>da</strong>de (21 anos), escondido184R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


sob as vestes. 3. Suficientemente comprova<strong>da</strong> a dolosa importação de medicamento semo necessário registro e fiscalização pelo órgão de vigilância sanitária competente, aliás,de procedência ignora<strong>da</strong>, é manti<strong>da</strong> a condenação no art. 273, § 1º-B, I e V, do CódigoPenal. 4. A grande quanti<strong>da</strong>de de medicamento destinado ao comércio revela risco à saúdepública, a admitir a incidência <strong>da</strong> gravosa pena do mencionado tipo penal, que não chega aser desproporcional – e assim inconstitucional, pelo prisma <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de – ante o riscocoletivo tutelado à saúde. (...)” (TRF4, Sétima Turma, ACR 00018669520094047108, Rel.Néfi Cordeiro, publicado em 04.03.2011)Vale destacar que, por ocasião do julgamento dos Embargos Infringentese de Nuli<strong>da</strong>de nº 2006.70.02.001187-1/PR, a Quarta Seção destaCorte firmou o entendimento de ser possível aplicar a sanção previstano artigo 33 <strong>da</strong> Lei 11.343/2006 porquanto a pena de 10 a 15 anos dereclusão e multa do delito inscrito no artigo 273 do Código Penal mostra--se desproporcional, levando-se em conta o caso concreto. O julgadorestou assim ementado:“PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADUL-TERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOSOU MEDICINAIS. FORMA EQUIPARADA. ART. 273, § 1º-B, I, V E VI, DO CP. INTRO-DUÇÃO EM TERRITÓRIO NACIONAL DE COMPRIMIDOS DE CYTOTEC. PENA.OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PARÂMETRO.DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. 1. Quem introduz clandestinamenteem solo nacional produto de origem estrangeira destinado a fins terapêuticos oumedicinais, sem registro, de procedência ignora<strong>da</strong> e adquirido de estabelecimento semlicença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, pratica o delito capitulado no art.273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do CP. 2. A pena do delito previsto no art. 273 do CP – coma re<strong>da</strong>ção que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 – (reclusão, de 10 (dez) e15 (quinze) anos, e multa) deve, por excessivamente severa, ficar reserva<strong>da</strong> para punirapenas aquelas condutas que exponham a socie<strong>da</strong>de e a economia popular a ‘enormes<strong>da</strong>nos’ (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumamtamanha gravi<strong>da</strong>de, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego <strong>da</strong> analogia emfavor do réu, recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis queautorizem a aplicação de uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de.‘A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena ou de qualquermodo beneficia o acusado não pode encontrar barreira para a sua eficácia no princípio<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra ofun<strong>da</strong>mento que o sustenta’ (Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa, in Direito Penal, Parte Geral. Riode Janeiro: Impetus, 2003. p. 04). Hipótese em que ao réu, denunciado por introduzir, noterritório nacional, 200 comprimidos de Cytotec, medicamento desprovido de registro ede licença do órgão de Vigilância Sanitária competente (art. 273, § 1º-B, incisos I, V, eVI, do CP), foi aplica<strong>da</strong> a pena de 03 anos de reclusão (vigente ao tempo dos fatos emR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 185


apuração), adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qualtem como bem jurídico tutelado também a saúde pública.” (TRF4, Rel. Des. Paulo AfonsoBrum Vaz, publicado no D.E em 30.06.2008)Na oportuni<strong>da</strong>de, o eminente Des. Paulo Afonso, proferindo seu voto,deixou consignado o seguinte:“Sempre me preocupei com a condenação do réu, entendendo que ela deve ser na medi<strong>da</strong>certa de sua culpabili<strong>da</strong>de e imposta de forma necessária e suficiente à reprovação <strong>da</strong>infração penal perpetra<strong>da</strong>, servindo como exemplo negativo para a comuni<strong>da</strong>de e, dessaforma, contribuindo com o fortalecimento <strong>da</strong> consciência jurídica à medi<strong>da</strong> que procurasatisfazer o sentimento de justiça do mundo circun<strong>da</strong>nte. Eis o mais relevante papel <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de jurisdicional: <strong>da</strong>r ao caso concreto o justo julgamento. O rigor punitivo nãopode, de forma alguma, traduzir um conceito de lógica científica, mas sim um puro critériode política criminal. A partir dessa perspectiva é que, penso, deve se <strong>da</strong>r aplicaçãoconcreta aos princípios informadores do Direito Penal, para o qual a Constituição não serveapenas de fun<strong>da</strong>mento, mas também de limite. E, entre tantos princípios fun<strong>da</strong>mentadoresou limitadores, existe um de transcendental importância: o <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de (ou <strong>da</strong>razoabili<strong>da</strong>de, ou, ain<strong>da</strong>, como denominado pelos alemães, <strong>da</strong> proibição de excesso), queexige a infligência de uma pena proporcional ao delito. Tem ele, sobretudo, a finali<strong>da</strong>dede evitar limitações excessivas aos direitos individuais, criminalização basea<strong>da</strong> em lesõesbagatelares ou de condutas sem a existência de lesão aos bens jurídicos, penas que desrespeitama integri<strong>da</strong>de física e moral et cetera.O princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de configura uma especial garantia aos ci<strong>da</strong>dãos, prescrevendoum contrabalanceamento entre a tutela penal e as restrições à liber<strong>da</strong>de individual. Apesarde não previsto expressamente na Carta Magna, dela deriva, do artigo 1º, III, como formade garantir a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, e também do objetivo <strong>da</strong> República de buscar aconstrução de uma socie<strong>da</strong>de justa (artigo 2º, I). É mediante a sua aplicação que se obtémêxito na tarefa de ajustarem-se as funções retributiva e preventiva <strong>da</strong> resposta penal. Efetivamente,é com fun<strong>da</strong>mento nesse princípio que se obterá o equilíbrio <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s queinvadem a liber<strong>da</strong>de individual, ou seja, uma intervenção pondera<strong>da</strong>, um balanceamentoentre o desvalor <strong>da</strong> ação pratica<strong>da</strong> e a sanção infligi<strong>da</strong> ao agente. O apenamento deve ser tidocomo um meio razoável para um fim legítimo, de forma que não se fixem penas demasia<strong>da</strong>mentebaixas ou altas no oferecimento <strong>da</strong> resposta estatal ao fato incriminado. Essa ideiade proporcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pena já era, inclusive, idea<strong>da</strong> por Cesare Beccaria em sua obra DosDelitos e <strong>da</strong>s Penas, de forma que um dos maiores freios dos delitos não é a cruel<strong>da</strong>de <strong>da</strong>spenas, mas sim a sua infalibili<strong>da</strong>de, ou seja, a certeza de um castigo, ain<strong>da</strong> que moderado.Não entendo, to<strong>da</strong>via, razoável à severi<strong>da</strong>de do ilícito em comento a subsunção do fatoà singela sanção comina<strong>da</strong> aos crimes de contrabando/descaminho, conforme propugnadopelo voto minoritário.O objeto jurídico dos crimes contra a saúde pública é, no dizer de Fernando Capez,‘a proteção <strong>da</strong>s condições saudáveis de subsistência de to<strong>da</strong> a coletivi<strong>da</strong>de’. ‘Todos têm,186R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


individualmente’, assinala o autor,‘direito ao ar, à água, etc., obviamente saudáveis; sempre que esse direito for individualmenteviolado, teremos um crime de perigo ou de <strong>da</strong>no individual. Dessa forma, se eu colocoveneno no copo d’água de meu inimigo e sucede seu óbito, minha conduta será enquadra<strong>da</strong>no crime de homicídio. Tal não ocorre se minha ação criminosa atingir uma coletivi<strong>da</strong>de, porexemplo, o envenenamento de reservatório de água potável. Essa conduta, <strong>da</strong>do o perigo de<strong>da</strong>no a um número indeterminado de pessoas, deverá ser enquadra<strong>da</strong> no crime do art. 270.Nesse sentido é a lição de Carrara, em seu Programa, §§ 3.170 e 3.171:‘O vaso d´água destinado a um só, o ar do meu aposento, o alimento que para mim sóé preparado serão objetos de um direito que me é exclusivo. Mas, se tem em conta o ar quecircun<strong>da</strong> uma coletivi<strong>da</strong>de de pessoas, a água que a todos é destina<strong>da</strong> para desalteração <strong>da</strong>sede, os víveres expostos à ven<strong>da</strong> em público, de modo que possam vir a ser alimento deindeterminado número de consorciados, é manifesto que, em tais condições, o ar, a água eos víveres tornam-se objeto de um direito social, atinente a ca<strong>da</strong> um dos consorciados, bemcomo a to<strong>da</strong> a coletivi<strong>da</strong>de...’’ (Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 203-4)Diante dessa constatação, tenho que razão assiste ao voto vencedor, que tomou a penareclusiva mínima do delito de tráfico de entorpecentes imposta pela Lei nº 6.368/76 (vigenteao tempo dos fatos em apuração) como parâmetro para a realização <strong>da</strong> dosimetria nessecaso específico.É que, assim como os delitos contra a saúde pública, o tráfico ilícito de substânciasentorpecentes também tem, como bem jurídico, a saúde pública. O tráfico, do mesmo modo,não fica descaracterizado pela pequena quanti<strong>da</strong>de de droga vendi<strong>da</strong>. Quem vende pequenaquanti<strong>da</strong>de de droga está expondo a risco a saúde pública <strong>da</strong> mesma forma que aquele quea comercializa em larga escala. Ambos os delitos têm ain<strong>da</strong> em comum a circunstância deserem crimes de perigo abstrato.Aliás, como adverte o eminente Desembargador <strong>Federal</strong> Fábio Bittencourt <strong>da</strong> Rosa, aodiscorrer sobre a utilização <strong>da</strong> analogia em Direito Penal,‘a criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena ou de qualquer modo beneficiao acusado não pode encontrar barreira para sua eficácia no princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de,porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fun<strong>da</strong>mento queo sustenta.’ (Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 04)”In casu, a conduta do réu enquadra-se perfeitamente no delito previstono art. 273, § 1º-B, I e V, do Código Penal, que tem como objetivotutelar a saúde pública, criminalizando práticas que acarretam “enormes<strong>da</strong>nos à socie<strong>da</strong>de e à economia popular”, nos termos <strong>da</strong> exposição demotivos <strong>da</strong> Lei 9.677/98.Como bem salientou o ilustre Des. Paulo Afonso Brum Vaz, no votocondutor <strong>da</strong> apelação criminal nº 2001.72.00.003683-2, “a Lei dos Remédios,ora posta sob exame, é mais um desses diplomas que padecemR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 187


de imperfeições evidentes, defeito que só se pode atribuir ao fenômenoque se poderia denominar, à falta de termo mais preciso, de legislaturade ocasião (...)”.Aliás, sobre o tema, importa observar que a votação, no Congresso,<strong>da</strong> norma em comento foi precedi<strong>da</strong> de exalta<strong>da</strong>s manifestações contraa falsificação de medicamentos por empresas clandestinas, conduzindoo Legislador a visíveis excessos.De igual forma, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça examinando a quaestiono Recurso Especial nº 915442-SC, assim se manifestou:“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE ADMISSI-BILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126/STJ. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃOSIMULTÂNEA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRARIEDADE AOS ARTS.1º, 53, 59, II, E 273, § 1º e 1º-B, I e VI, DO CP. NÃO OCORRÊNCIA. MITIGAÇÃO DOPRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273 DO CP. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DARAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL ADESIVO.OFENSA AO ART. 44 DO CP. OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃODA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. RECUR-SO ESPECIAL DO PARQUET A QUE SE NEGA PROVIMENTO E APELO ADESIVOA QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA SUBSTITUIR A PENA DA RECORRENTE,ALTERANDO-SE, DE OFÍCIO, O REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PARAO ABERTO. 1. ‘É inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assentaem fun<strong>da</strong>mentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só,para mantê-lo, e a parte venci<strong>da</strong> não manifesta recurso extraordinário’. Inteligência doenunciado 126 <strong>da</strong> Súmula desta Corte. 2. A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista paraos delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional,cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico <strong>da</strong> norma. 3.Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado asaúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráficode drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinadoa fins terapêuticos ou medicinais. 4. O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, por diversasvezes, já assentou a possibili<strong>da</strong>de de início do cumprimento <strong>da</strong> pena em regime aberto, bemcomo de substituição <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de por restritiva de direitos, àqueles quetenham praticado crime de tráfico ilícito de entorpecentes ou outro crime hediondo antes<strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong>s Leis 11.343/06 e 11.464/07. 5. Recurso Especial do MinistérioPúblico não conhecido, <strong>da</strong>ndo-se provimento ao Apelo adesivo de V.M.S., para determinarao Juízo <strong>da</strong> Vara <strong>da</strong>s Execuções a substituição <strong>da</strong> pena privativa de liber<strong>da</strong>de por restritivade direitos, concedendo-se, de ofício, o regime aberto para cumprimento <strong>da</strong> pena.” (STJ,Sexta Turma, REsp 915442/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, public. noDJe em 01.02.2011)188R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


No ponto, vejam-se as percucientes palavras exara<strong>da</strong>s no voto condutorpela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, verbis:“(...) O acórdão recorrido assentou, no entanto, mostrar-se desproporcional o preceitosecundário aplicado ao delito previsto no artigo 273 do Código Penal, o qual teve sua penaaltera<strong>da</strong>, pela Lei 9.677/98, para o patamar de 10 a 15 anos de reclusão, sendo tambéminserido na lista do artigo 1º <strong>da</strong> Lei 8.072/90, considerando-se, portanto, crime hediondo.Afirmou-se que, ‘no que tange à pena prevista, percebe-se, claramente, incompatibili<strong>da</strong>decom as demais penas preceitua<strong>da</strong>s para outros delitos considerados mais graves ou tão gravesquanto o em discussão, que também possuem a natureza de hediondos ou a estes equiparados.Ao crime de tráfico ilícito, por exemplo, considerado muito grave e de grande repulsa pelasocie<strong>da</strong>de, em razão <strong>da</strong>s consequências que acarreta, é prevista uma pena mínima de 3 (três)anos de reclusão, e ao de tortura, de 2 (dois) anos de reclusão. Desta feita, inconcebívelaplicar-se a mesma pena àqueles que falsificam, adulteram e corrompem medicamentosem grandes quanti<strong>da</strong>des aos que vendem ou expõem à ven<strong>da</strong> produto que não observa asnormas administrativas de controle e procedência. É bem ver<strong>da</strong>de que o produto aqui emexame destinava-se à ven<strong>da</strong> com a finali<strong>da</strong>de de causar aborto. To<strong>da</strong>via, as penas previstaspara os delitos de aborto (1 a 3 anos de reclusão – art. 124 do CP) e de aborto provocadopor terceiro (3 a 10 anos de reclusão – art. 125 do CP) não atingem tão elevado quantum’.Considerou-se, dessa forma, que não foi observado o princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de paraestipulação <strong>da</strong>s penas em abstrato.Dessarte, valeu-se o <strong>Tribunal</strong> a quo de analogia in bonam partem para substituir a penado artigo 273 do Código Penal pelo preceito secundário previsto para os crimes de tráfico dedrogas, haja vista a evidente desproporcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pena mínima comina<strong>da</strong> ao tipo penal.Salientou-se que, assim como os delitos contra a saúde pública, o tráfico de entorpecentestambém tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, e ambos são crimes de perigoabstrato. Assim, ‘nem se estaria negando a gravi<strong>da</strong>de do delito, nem se estaria impondoao réu pena flagrantemente desproporcional à conduta pratica<strong>da</strong>’.(...) Com efeito, a Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos noartigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto,ao Judiciário promover o ajuste principiológico <strong>da</strong> norma. Ao ensejo, confiram-se osensinamentos de eminentes doutrinadores sobre o tema:‘É de todos conheci<strong>da</strong> a inflação legislativa que o Direito Penal tem experimentadodesde o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, não só com um significativo recrudescimento <strong>da</strong>s sançõespenais, mas também com a mitigação de garantias processuais. Foi nesse contexto quese aprovou a chama<strong>da</strong> Lei dos Remédios (Lei nº 9.677, de 2.7.98), que, além de ampliaros tipos penais, aumentou sobremaneira as penas dos crimes previstos no Capítulo III doTítulo VIII do CP. Em alguns casos, o aumento <strong>da</strong> pena foi tão absurdo a ponto mesmo detornar-se inconstitucional, por violação <strong>da</strong> garantia do devido processo legal (CR, art. 5º,LIV) em seu aspecto substantivo (substantive due process of law), que pressupõe o corretoprocesso de elaboração legislativa e que as leis sejam proporcionais e razoáveis (são osdenominados princípios <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de). (...). É o caso deste art.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 189


273, cuja antiga pena de dois a seis anos de reclusão passou para a inimaginável pena de deza quinze anos de reclusão’. (DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTOJUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fabio M. de Almei<strong>da</strong>. Código Penal Comentado. 7. ed.atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 692-693)‘O grande ponto <strong>da</strong> modificação trazi<strong>da</strong> pela Lei 9.677/98 foi a elevação abrupta eexcessiva <strong>da</strong> pena de um crime de perigo abstrato, que passou a ser superior à de gravescrimes de <strong>da</strong>no, como é o caso do homicídio simples’. ‘Se exagero houve, foi na fixação <strong>da</strong>pena eleva<strong>da</strong>, que varia de dez a quinze anos. Nesse ponto, sem dúvi<strong>da</strong>, pode-se sustentar afalta de proporcionali<strong>da</strong>de entre a pena comina<strong>da</strong> e o possível resultado gerado pelo delito’(NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8. ed. rev. atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 968-970).‘Torna-se mais grave ain<strong>da</strong> a grandeza <strong>da</strong>s sanções comina<strong>da</strong>s diante <strong>da</strong>s alteraçõesintroduzi<strong>da</strong>s nos tipos penais, seja no caput do art. 273, que corresponderia ao caput doart. 272 <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção anterior do Código Penal acima analisado, seja nos parágrafos criados,1º-A e 1º-B, que parcialmente reproduzem os termos do antigo art. 273. Acrescentou-se,ain<strong>da</strong>, a esses parágrafos, incisos descritivos de condutas que se limitam a constituir meradesobediência a normas administrativas. (...). A afronta aos princípios <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de brotam ictu oculi, seja no que tange à ausência de relevância penal <strong>da</strong>snovas condutas descritas, seja na desproporção <strong>da</strong>s penas infligi<strong>da</strong>s em ponderação com o<strong>da</strong>no ou perigo de <strong>da</strong>no à saúde pública decorrente <strong>da</strong> conduta incrimina<strong>da</strong>. (...). Em suma,a gravi<strong>da</strong>de do fato para a saúde pública, a análise de suas consequências, se calamitosasou não à saúde, devem ser sopesa<strong>da</strong>s na esfera administrativa. São, entretanto, as mesmascondutas e consequências despoticamente despreza<strong>da</strong>s pelo legislador penal, que sanciona,com penas mais graves do que a do homicídio doloso, a ven<strong>da</strong> de remédio, saneanteou cosmético sem registro, independentemente de ter havido qualquer efeito negativo ouperigo à saúde pública. Com efeito, segundo a nova lei, constitui crime hediondo vendermedicamento cosmético ou saneante sem registro no órgão de vigilância sanitária, sendoindiferente saber se o produto comercializado sem registro é inócuo ou nocivo à saúde.Basta que não haja registro para configurar-se o crime punido com reclusão de 10 a 15anos. Assim, pode o medicamento até mesmo ser benéfico ou o cosmético ser eficaz: na<strong>da</strong>importa, pois a ausência do registro é elemento suficiente, segundo os incisos do § 1º-B,para se consumar o crime hediondo. Tamanha aberração legislativa é ver<strong>da</strong>deiramenteincontornável. Não há interpretação que possa ser feita para contornar a norma aos valorese princípios constitucionais. A interpretação congruente com a Constituição tem limites,pois deve-se neste esforço, para salvar a norma, analisar as possibili<strong>da</strong>des de ambos ostextos, o constitucional e o a ser, de acordo com os telos de ambos.’ (REALE JR., Miguel.A inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei dos remédios. RT, 763/415)Com efeito, há ver<strong>da</strong>deira e gritante desproporção entre a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta devender remédio sem registro e a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pena comina<strong>da</strong>. Assim, mostra-se imprescindívelque o judiciário dê uma aplicação razoável à norma em apreço, ajustando-a aosprincípios constitucionais. Conforme salientado por Alberto Silva Franco,190R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


‘a inconstitucionali<strong>da</strong>de assinala<strong>da</strong> pelos doutrinadores, principalmente deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> inobservânciaaos princípios <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> ofensivi<strong>da</strong>de, em que condutas diversasalcançando interesses cuja relevância foi linear e arbitrariamente concebi<strong>da</strong>, com reprimen<strong>da</strong>penal exagera<strong>da</strong> (entre 10 e 15 anos de reclusão), poderá ser obvia<strong>da</strong> com o recurso <strong>da</strong> interpretaçãoconforme à Constituição invocado por Reale Jr., ‘ao custo de ponderável esforçohermenêutico’ (...). Socorrendo-se o intérprete desse princípio, que ‘permite uma renúnciaao formalismo jurídico e às interpretações convencionais em nome <strong>da</strong> ideia de Justiça materiale <strong>da</strong> segurança jurídica, elementos tão necessários para um Estado democrático dedireito’, na lição do mestre Celso Ribeiro Bastos (...).’ (Código Penal e sua interpretação.8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1311)Destaque-se que a escolha do preceito secundário <strong>da</strong> Lei de Drogas não se mostradesproposita<strong>da</strong>. Com efeito, tendo sido a recorri<strong>da</strong> presa em flagrante com remédios semregistro no órgão competente, e sendo o delito do artigo 273 do Código Penal consideradocrime hediondo, tem-se por razoável a analogia realiza<strong>da</strong>, de modo a não tornar a pena nemtão severa nem tão bran<strong>da</strong>, mantendo-se, ademais, a hediondez do delito. Ademais, ambosos delitos têm como bem jurídico tutelado a saúde pública e são crimes de perigo abstrato.”De fato, analisando o apontado diploma normativo – nota<strong>da</strong>mente noque tange às sanções comina<strong>da</strong>s –, é possível perceber que o texto finalnão está em sintonia com o conjunto do sistema penal pátrio. Em facedisso, a aplicação simplista <strong>da</strong> lei sujeitaria o juiz a deixar de ponderaras consequências de seus atos no meio social. Na mesma direção, osseguintes arestos:“PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO273, § 1º-B, INCISO I, DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDA-DE. APLICAÇÃO DAS PENAS DO DELITO DO TRÁFICO DE DROGAS. 1. Recursoconhecido em parte, tendo em vista os limites <strong>da</strong> divergência ocorri<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> 7ªTurma. 2. Tendo em conta que as circunstâncias do crime não indicam que a importação‘clandestina’ de medicamentos se deu para fins de uso pessoal, a conduta perpetra<strong>da</strong> peloagente subsume-se no tipo legal previsto no artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal.3. Sendo o bem jurídico afetado pela conduta a saúde pública, inaplicável o princípio <strong>da</strong>insignificância, independentemente <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de do medicamento apreendido. 4. Embargosinfringentes desprovidos.” (TRF4, Quarta Seção, EINGFTES nº 2007.71.18.000539-9/RS,Rel. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus, public. no D.E. em 04.04.2011)“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERA-ÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OUMEDICINAIS. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I, III E VI, DO CP. IMPORTAÇÃO DE ME-DICAMENTO NÃO-REGISTRADO PELA ANVISA. PRODUTOS ANABOLIZANTES EREMÉDIOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DE DISFUNÇÃO ERÉTIL. MATERIA-LIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. CONFISSÃO. DESCABIMEN-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 191


TO DO BENEFÍCIO DO ART. 41, DA LEI 11.343/06. PERDIMENTO DO VEÍCULO.APLICAÇÃO DO ART. 91, II, A, DO CP. DOSIMETRIA DE PENA. VIOLAÇÃO AOSPRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃOSISTEMÁTICA E HISTÓRICA DA LEI 9.677/98. APLICAÇÃO DAS PENAS PREVIS-TAS NO ART. 33, DA LEI 11.343/06. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Amateriali<strong>da</strong>de foi plenamente comprova<strong>da</strong> pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02-04) epelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 14-15), o qual elencou as substâncias encontra<strong>da</strong>sno compartimento do tanque do veículo usado pelo réu. O Laudo de Exame de ProdutoFarmacêutico (fls. 118-126) atestou que os produtos apreendidos não são registrados naAnvisa e parte deles é de origem ignora<strong>da</strong>, sendo sua importação proibi<strong>da</strong>. 2. A autoria éincontroversa, não apenas pela prisão em flagrante, mas também pela confissão do acusado.3. A alegação de destinação do material para uso próprio não é crível, <strong>da</strong><strong>da</strong> a quanti<strong>da</strong>de e adiversi<strong>da</strong>de de produtos anabolizantes e medicamentos destinados ao tratamento de disfunçãoerétil. 4. A configuração do tipo penal do art. 273, § 1º-B, do CP, independentemente <strong>da</strong>demonstração de risco efetivo dos medicamentos ou de que tenham sido estes adulterados,corrompidos ou falsificados. A criação dessa figura típica pela Lei 9.677/98 veio justamentepara reprimir penalmente a conduta de perigo abstrato de importar produto terapêutico oumedicinal em desconformi<strong>da</strong>de com o controle <strong>da</strong> vigilância sanitária. 5. Sendo lícita a possedo veículo utilizado no transporte <strong>da</strong>s substâncias apreendi<strong>da</strong>s, não cabe a decretação deperdimento do bem, pela regra do art. 91, II, a, do CP. 6. Inviável a concessão do benefíciodo art. 41, <strong>da</strong> Lei 11.343/06, ao caso em tela. Ain<strong>da</strong> que se coubesse a aplicação analógicado dispositivo relativo ao tráfico de drogas, o acusado não realizou qualquer <strong>da</strong>s formas decolaboração contempla<strong>da</strong>s naquele artigo. 6. Em face dos princípios <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, é nítido o rigor excessivo empregado pelo legislador na fixação <strong>da</strong> penamínima aplicável aos delitos do art. 273, § 1º e § 1º-B, do CP. A interpretação sistemática <strong>da</strong>legislação penal conduz à adoção <strong>da</strong> pena mínima aplicável ao crime de tráfico de drogas(art. 33, <strong>da</strong> Lei 11.343/06) como parâmetro na dosimetria <strong>da</strong> pena a ser comina<strong>da</strong> parao delito em tela. 7. Manutenção <strong>da</strong> pena em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão,para cumprimento inicial em regime fechado, e 580 (quinhentos e oitenta) dias-multa. 6.Apelação parcialmente provi<strong>da</strong>.” (TRF3, Segun<strong>da</strong> Turma, ACR 201061060027363, JuizCotrim Guimarães, public. no DJF3 em 16.12.2010, p. 118)Portanto, mostra-se razoável aplicar analogicamente a reprimen<strong>da</strong>comina<strong>da</strong> ao delito de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006), visto queambos se destinam a tutelar a saúde pública, à míngua de outro critériolegal específico.Assim, adoto como parâmetro a pena (05 a 15 anos e multa de 500 a1500 uni<strong>da</strong>des diárias) do delito de tráfico ilícito de drogas (art. 33 <strong>da</strong>Lei n° 11.343/2006) vigente à época dos fatos.Passo, portanto, a adequar a reprimen<strong>da</strong> imposta ao acusado.Na primeira fase <strong>da</strong> dosimetria, na<strong>da</strong> há que se modificar no decisum,192R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


porquanto o douto magistrado singular considerou desfavorável apenasa diretriz consequências do crime, a qual deve ser manti<strong>da</strong> no mesmopatamar. Desse modo, diminuo a pena-base para 05 (cinco) anos, 3 (três)meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão.Na segun<strong>da</strong> etapa, não se verifica na espécie a ocorrência de agravantesou atenuantes.No terceiro estágio, aplica-se a majorante do art. 40, inc. I, <strong>da</strong> Lei11.343/2006, uma vez que ressai dos autos que os medicamentos foramadquiridos no Paraguai e trazidos para o Brasil. Sendo essa circunstâncianormal nesses casos, atribuo o quantum de 1/6 (um sexto). Assim, asanção totaliza 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 20 (vinte) dias de reclusão.Por fim, cabível a causa de diminuição <strong>da</strong> reprimen<strong>da</strong> prevista no art.33, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 11.343/06 que assim dispõe:“(...) Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzi<strong>da</strong>sde um sexto a dois terços, ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a conversão em penas restritivas de direitos, desde queo agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às ativi<strong>da</strong>des criminosas nemintegre organização criminosa.”É cediço que, atendidos tais requisitos, faz jus o acusado a tal minorante.Na hipótese, como bem observado pelo julgador singular, C.A.B.E.não possui antecedentes, nem há notícia de que se dedique às ativi<strong>da</strong>desdelituosas ou integre organização com fins criminais.Tendo em conta a gra<strong>da</strong>ção mínima (um sexto) e a máxima (doisterços) deve ser utilizado o critério previsto no artigo 42 <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>sDrogas, segundo a qual “o juiz, na fixação <strong>da</strong>s penas, considerará, compreponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a naturezae a quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> substância ou do produto, a personali<strong>da</strong>de e a condutasocial do agente”.In casu, em face <strong>da</strong> grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentos (avaliadosem R$ 424.603,58) impõe-se seja diminuí<strong>da</strong> a reprimen<strong>da</strong> na fração de1/6 (um sexto).Ausentes outras causas modificadoras, fica a privativa de liber<strong>da</strong>deredimensiona<strong>da</strong> para 05 (cinco) anos e 01 (um) mês e 17 (dezessete) diasde reclusão, a ser cumpri<strong>da</strong> no regime semiaberto, nos termos do artigo33, § 2º, b, do Estatuto Repressivo.De modo a guar<strong>da</strong>r proporcionali<strong>da</strong>de com a prisional, fixo a penade multa em 515 (quinhentos e quinze) uni<strong>da</strong>des diárias à razão de 1/30R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 193


do salário mínimo.Conforme entendimento do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no HC 97256/RS, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 01.09.2010, mostra-se possível asubstituição <strong>da</strong> privativa de liber<strong>da</strong>de por restritivas de direitos.To<strong>da</strong>via, em face de ser a reprimen<strong>da</strong> superior a 04 anos (art. 44, I doCP), revela-se descabi<strong>da</strong> tal substituição.Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r parcial provimento ao recurso tão sópara reduzir a pena, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha: Peço vênia ao Exmo.Relator para divergir em parte.Trata-se de ação penal em que é imputa<strong>da</strong> ao réu a prática do crimeprevisto no artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal.O réu foi preso em flagrante por ter importado grande quanti<strong>da</strong>dede medicamentos e anabolizantes falsificados, sem registro nos órgãoscompetentes e/ou de procedência ignora<strong>da</strong>. A mercadoria foi avalia<strong>da</strong>em R$ 424.603,58.Conforme os laudos periciais, são aproxima<strong>da</strong>mente 121.000 (centoe vinte e uma mil) uni<strong>da</strong>des de medicamentos (comprimidos e ampolas),tais como Cialis, Cytotec, Pramil e Lipostabil, e 30.400 (trinta mil e quatrocentas)uni<strong>da</strong>des de anabolizantes (ampolas, frascos e comprimidos),tais como Oxandroland, Testosterone, Durateston, Hemogenin, provenientesdo Paraguai, mas de procedência ignora<strong>da</strong>, a maioria falsifica<strong>da</strong>,e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.Transcrevo, no ponto, excerto <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> sentença, <strong>da</strong> lavrado MM. Juiz <strong>Federal</strong> Dr. Cleber Sanfelici Otero:“II.I.– Da Materiali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> autoria e do doloA materiali<strong>da</strong>de do crime restou demonstra<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong>s seguintes provas, produzi<strong>da</strong>stanto no inquérito policial nº 5000389-05.2011.404.7003 (IPL) quanto nos presentes autosde ação penal (AP):(a) Auto de prisão em flagrante lavrado em 14.02.2011 (IPL: evento 1, P FLAGRAN-TE1, doc. 01-08);(b) Auto de apresentação e apreensão lavrado em 14.02.2011 (IPL: evento 1, P FLA-GRANTE1, doc. 09-10);(c) Auto de apreensão lavrado em 18.02.2011 (IPL: evento 35);(d) Ficha de contagem de mercadorias (IPL: evento 1, P FLAGRANTE1, doc. 11-12);194R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


(e) Boletim de Ocorrências Policiais nº 957275 (IPL: evento 1, P FLAGRANTE1, doc.13-14);(f) Auto de infração e apreensão de mercadoria nº 0910500-05214/11, lavrado pelaDelegacia <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> em Maringá (IPL: evento 22);(g) Laudo de perícia criminal federal (química forense) nº 549/2011-SETEC/SR/DPF/PR (IPL: evento 41; AP: evento 87);(h) Laudo de perícia criminal federal (química forense) nº 444/2011-SETEC/SR/DPF/PR (AP: evento 100);(i) Laudo de perícia criminal federal (química forense) nº 693/2011-INC/DITEC/DPF(AP: evento 111).Referi<strong>da</strong>s provas evidenciaram a internação irregular em território nacional de aproxima<strong>da</strong>mente121.000 (cento e vinte e uma mil) uni<strong>da</strong>des de medicamentos (comprimidos eampolas), tais como Cialis, Cytotec, Pramil e Lipostabil, e 30.400 (trinta mil e quatrocentas)uni<strong>da</strong>des de anabolizantes (ampolas, frascos e comprimidos), tais como Oxandroland,Testosterone, Durateston, Hemogenin, avaliados em US$ 254.558,50 (duzentos e cinquentae quatro mil quinhentos e cinquenta e oito dólares americanos e cinquenta centavos),transporta<strong>da</strong>s no veículo Mercedez Benz, modelo C-230, placa <strong>da</strong> República do Paraguaide número BBB048, provenientes do Paraguai, mas de procedência ignora<strong>da</strong>, a maioriafalsifica<strong>da</strong>, e to<strong>da</strong>s sem registro exigível no órgão competente (Anvisa – Agência Nacionalde Vigilância Sanitária).Os peritos do Setor Técnico-Científico <strong>da</strong> Polícia <strong>Federal</strong> atestaram:‘Laudo nº 549/2011-SETEC/SR/DPF/PR (AP: evento 87, LAU1)(a) em relação ao medicamento Cytotec:[...] Portanto, o produto encaminhado a exame remete à procedência incerta e origemestrangeira. [...] Os produtos questionados não atendem aos requisitos exigidos na legislaçãobrasileira para sua comercialização, razão pela qual não possui valor de mercado.[...] De acordo com a mesma pesquisa na página <strong>da</strong> Anvisa, existe registro do medicamentodenominado Cytotec, para a empresa Pharmacia Brasil Lt<strong>da</strong>., com vencimento em03/2005, divergente <strong>da</strong> empresa cita<strong>da</strong> (CONTINENTAL PHARMA INC – PFIZER) noproduto questionado. [...] A Resolução-RE nº 1232, de 30.07.2003, <strong>da</strong> Anvisa, determina,como medi<strong>da</strong> de interesse sanitário, a apreensão do produto CYTOTEC – Misoprostol, <strong>da</strong>empresa ‘Continental Pharma’, estabeleci<strong>da</strong> na Itália, por ser fabricado e comercializadosem registro e a empresa não possuir Autorização de Funcionamento na referi<strong>da</strong> Agência;(b) em relação ao medicamento Lipostabil:[...] Portanto, o produto encaminhado a exame remete à procedência incerta e origemestrangeira. [...] Os produtos questionados não atendem aos requisitos exigidos na legislaçãobrasileira para sua comercialização, razão pela qual não possui valor de mercado.[...] De acordo com pesquisa na página <strong>da</strong> Anvisa na Internet, em 23.03.2011, não háregistro de fabricante autorizado no Brasil para o medicamento denominado Lipostabil.[...] A Resolução-RE nº 2473 <strong>da</strong> Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de16.08.2007, determinou a suspensão <strong>da</strong> fabricação, <strong>da</strong> distribuição, do comércio e do uso,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 195


em todo território nacional, do produto LIPOSTABIL (FOSFATIDILCOLINA), por estarsem registro perante aquela Agência;Laudo nº 444/2011-SETEC/SR/DPF/PR (AP: evento 100, LAU2)(c) em relação aos medicamentos Atenix 15, Pramil Forte, Pramil, Potentciem, Cialis,Procops 50 e Álcool Benzílico:Alínea Produto Substância descrita nas embalagens Substância encontra<strong>da</strong> nas análisesa ATENIX 15 Sibutramina Sibutraminab PRAMIL FORTE Sildenafila Sildenafilac PRAMIL Sildenafila Sildenafilad POTENTCIEM Sildenafila Sildenafilae CIALIS Ta<strong>da</strong>lafila Sildenafilaf PROCOPS 50 Sildenafila Sildenafilag ÁLCOOL BENZÍLICO Álcool benzílico não detectado[...] Portanto, os produtos questionados descritos nas alíneas a, b, c, d e f <strong>da</strong> seção II sãode origem estrangeira e os produtos descritos nas alíneas e e g <strong>da</strong> seção II são de origemnacional.[...]Os medicamentos descritos nas alíneas a, b, c, d e f <strong>da</strong> seção II não atendem aos requisitosexigidos na legislação brasileira para sua comercialização, razão pela qual nãopossuem valor de mercado.O medicamento Cialis, descrito na alínea e <strong>da</strong> seção II, é falso, conforme mostrado naseção IV, logo não pode ser exposto à ven<strong>da</strong>, razão pela qual não possui valor de mercado.Por meio <strong>da</strong> base de <strong>da</strong>dos disponível no Sistema de Criminalística (do Departamento dePolícia <strong>Federal</strong>) em que se analisaram materiais homônimos, constatou-se que as ampolasdescritas na alínea g <strong>da</strong> seção II são diluentes que acompanham o medicamento nacionalHormotrop, e não é vendido separa<strong>da</strong>mente.[...]De acordo com pesquisa na página <strong>da</strong> Anvisa na Internet, em 10.03.2011, não há registrode fabricante autorizado no Brasil para os medicamentos denominados Atenix, Potentciem,Procops, Pramil Forte e Pramil (tendo o princípio ativo Sildenafila).Segundo pesquisa realiza<strong>da</strong> no sítio eletrônico <strong>da</strong> Anvisa, em 10.03.2011, existe registropara o medicamento com o nome comercial Cialis, fabricado pela empresa ELI LILLY DOBRASIL LTDA., to<strong>da</strong>via, conforme detalhado na seção IV, o produto examinado é falso.[...]De acordo com a lei nº 6.360/76, de 23.09.76, nenhum produto farmacêutico, inclusiveos importados, poderá ser industrializado, exposto à ven<strong>da</strong> ou entregue a consumo sem oregistro.Laudo nº 693/2011-INC/DITEC/DPF (AP: evento 101)(d) em relação aos medicamentos Jack3d, Dyma-burn, M-Drol, Estigor, Estimil, Anavar,Stanozoland Depot (30ml), Stanozoland Depot (15ml), Winstrol V, Testogar, Oxandroland,Testosterone, Stanazol, Equipoise, Ciclo 6, Decaland Depot, Deca Drobol, Nandrolone196R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Decanoate, Hormotrop, Testex Elmu, Durateston, Deca Durabolin, Primobolan, WinstrolDepot, Methandrostenolone, Oxitoland e Hemogein:Produto Substâncias declara<strong>da</strong>s na embalagem Substâncias encontra<strong>da</strong>sI.1 – Jack3d Diversos Cafeína, creatinaI.2 – Dyma-Burn Diversos Cafeína, sclareolídeo, piperinaI.3 – M-Drol 2a, 17a dimetil etiocolan 3-ona, 17b-ol (metasterona) Metasterona**I.4 – Estigor Fempropionato de nandrolona Fempropionato de nandrolonaI.5 – Estimil Proprionato de nandrolona Proprionato de nandrolonaI.6 – Anavar Oxandrolona Proprionato de nandrolonaI.7 – Stanozoland Depot (30ml) Estanozolol EstanozololI.8 – Stanozoland Depot (15ml) Estanozolol EstanozololI.9 – Winstrol V Estanozolol EstanozololI.10 – Testogar Propionato de testosteronaI.11 – Oxandroland Oxandrolona OxandrolonaI.12 – Testosterone Testosterona TestosteronaI.13 – Stanazol Estanozolol EstanozololI.14 – Equipoise Undecilenato de boldenonaI.15 – Ciclo 6 Enantato de testosterona Femproprionato de nandrolonaI.16 – Decaland Depot Decanoato de nandrolona Decanoato de nandrolonaI.17 – Deca Drobol Fempropionato e decanoato de testosterona Fempropionato denandrolonaI.18 – Nandrolone Decanoate Decanoato de nandrolonaI.19 – Hormotrop Somatropina SomatropinaI.20 – Testex Elmu Cipionato de testosterona Lote R82: Propionato de testosterona LoteS28: Benzoato de benzilaI.21 – Durateston Proprionato, isocaproato, decanoato e fempropionato de testosteronaBenzoato de benzilaI.22 – Deca Durabolin Decanoato de nandrolona Benzoato de benzilaI.23 – Primobolan Enantato de metenolona* Propionato de testosteronaI.24 – Winstrol Depot Estanozolol EstanozololI.25 – Methandrostenolone Metandrostenolona Propionato de testosteronaI.26 – Oxitoland Oximetolona OximetolonaI.27 – Hemogein – Propionato de testosteronaAo 02 – Os produtos descritos em I.6, I.10, I.14, I.15, I.17, I.18, I.20 a I.23, I.25 e I.27 setratam de falsificações, uma vez que ou não contêm substâncias ativas ou as suas formulaçõesestão em desacordo com o descrito em suas embalagens/registros. O produto descrito emI.19 – Hormotrop –, apesar de conter a substância ativa descrita em sua embalagem, se tratatambém de falsificação. A Resolução RES 5142/2010, <strong>da</strong> Anvisa, determinou a apreensão einutilização do lote CA 00140 do medicamento Hormotrop 12 UI, por se tratar de falsificação.Dessa forma, por serem falsificações, são todos de origem indetermina<strong>da</strong>.Quanto aos outros produtos, as indicações de origem constantes nos rótulos e/ou obti<strong>da</strong>sR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 197


por meio <strong>da</strong> internet são:– Itens I.1, I.2, I.3 e I.9: fabricados nos Estados Unidos <strong>da</strong> América.– Itens I.4 e I.5: fabricados na Argentina.– Itens I.7, I.8, I.11, I.16 e I.26: fabricados no Paraguai.– Itens I.12 e I.13: fabricados na Austrália.– Itens I.24: fabricado na Espanha.Ao 03 – Os produtos descritos em I.6, I.10, I.14, I.15, I.17 a I.23, I.25 e I.27 se tratamde falsificações, portanto não têm valor comercial.Quanto aos outros produtos questionados, como nenhum deles se encontra devi<strong>da</strong>menteregistrado na Anvisa, são todos de comercialização proibi<strong>da</strong> no Brasil, e também não têmvalor comercial.[...]Ao 05 – Dentre todos os produtos questionados, possuem registro na Anvisa apenasHormotrop, Durateston e Deca Durabolin. Entretanto, conforme explicado anteriormente,os produtos descritos em I.19, I.21 e I.22 se tratam de falsificações dos medicamentosHormotrop, Durateston e Deca Durabolin, respectivamente.[...]Ao 07 – Uma vez que os produtos não têm registro na Anvisa (exceto Hormotrop,Durateston e Deca Durabolin, que são registrados e regularmente vendidos no Brasil), elesnão podem ser importados com finali<strong>da</strong>de comercial. A sua importação só poderia ser feitapor pessoa física, para uso próprio e individual, em quanti<strong>da</strong>de e frequência compatíveiscom a duração e finali<strong>da</strong>de do tratamento, e mediante apresentação de receituário médico,atendendo ao disposto na RDC nº 81/2008, <strong>da</strong> Anvisa.’”O juízo a quo condenou o réu pelo cometimento do crime previstono art. 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal, à pena de 10 anos,3 meses e 22 dias de reclusão, em regime inicial fechado. Agravou apena base pelas consequências, considerando a grande quanti<strong>da</strong>de demedicamentos.O réu apela alegando que “não ficou prova<strong>da</strong> a autoria, a materiali<strong>da</strong>dee o dolo” e que “não agiu com dolo, mas com culpa”. Alternativamente,pede a aplicação <strong>da</strong> pena do crime de tráfico de entorpecentes nomínimo legal de 05 (cinco) anos de reclusão, com a minoração conti<strong>da</strong>no parágrafo 4º do artigo 33 <strong>da</strong> Lei 11.343/06, e a substituição <strong>da</strong> penaprivativa de liber<strong>da</strong>de por restritivas de direitos.Inicialmente, acompanho o Exmo. Relator quanto à manutenção <strong>da</strong>condenação, porquanto comprova<strong>da</strong>s a materiali<strong>da</strong>de e a autoria delitivas,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> sentença, transcrita no voto do Exmo.Relator, <strong>da</strong> qual me permito transcrever o seguinte excerto:198R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“Quanto à autoria, não há dúvi<strong>da</strong>s de que ela recai sobre o acusado C.A.B.E., até porquefoi preso em flagrante ao conduzir o veículo Mercedez Benz C-230, placa <strong>da</strong> República doParaguai de número BBB048, completamente carregado de medicamentos e anabolizantes, amaioria falsificados, e todos sem registro na Anvisa, provenientes do Paraguai, assim comonão pairam incertezas acerca de sua participação consciente e voluntária no cometimentodo crime descrito na denúncia.(...)O veículo Mercedez Benz, modelo C-230, placa paraguaia BBB048, conduzido pelo réu,encontrava-se com o porta-malas, o banco traseiro e os espaços entre os bancos dianteiros etraseiros lotados de caixas de papelão lacra<strong>da</strong>s e enrola<strong>da</strong>s com sacos plásticos na cor preta,consoante esclareceu a testemunha arrola<strong>da</strong> pela acusação, o Policial Rodoviário <strong>Federal</strong>Elizalbert Menezes dos Santos, perante a autori<strong>da</strong>de policial federal e em juízo, o que foiconfirmado pelo réu em seu interrogatório.(...)Ademais, o réu, por ocasião de sua prisão em flagrante, confirmou à autori<strong>da</strong>de policialfederal que sabia que a mercadoria era remédio, pois seu tio teria lhe comunicado quandoentrou no carro, ain<strong>da</strong> no Paraguai. Entretanto, em razão <strong>da</strong> imensa quanti<strong>da</strong>de não levoua sério a informação passa<strong>da</strong> por seu tio.Em juízo, entretanto, tentou justificar essa afirmação sob o argumento de que, na ver<strong>da</strong>de,mencionou ‘remédio’ como sendo a erva-mate conheci<strong>da</strong> como ‘tererê’, visto que,no Paraguai, costuma-se tomar ‘tererê’ em conjunto com ervas popularmente chama<strong>da</strong>s de‘remédios’, tratando-se de simples ‘confusão’.Difícil acreditar em referi<strong>da</strong> justificativa. Por quê? Primeiramente, pela quanti<strong>da</strong>de de‘remédios’. Segundo, não se precisaria comprar erva-mate no Paraguai já que, no Brasil,ela é encontra<strong>da</strong>. Terceiro, o réu é brasileiro e reside no Brasil, onde não há essa ‘confusão’entre os termos; é mergulhador profissional, o que exige curso específico de formação; e temnível de ensino superior incompleto. Ademais, configuraria demasia<strong>da</strong> ingenui<strong>da</strong>de acreditarque essa enorme quanti<strong>da</strong>de de mercadorias envoltas em sacos plásticos pretos – as quais,repita-se, lotavam um veículo de grande porte – consistiria em ervas medicinais. Tanto issoé certo que o réu não levou a sério a informação. Caracterizaria, no entanto, demasia<strong>da</strong> einaceitável ingenui<strong>da</strong>de e descaso não desconfiar e não querer saber no que consistiriamtais mercadorias. O transporte, inclusive, poderia ser de maconha, cocaína, etc. No mínimo,resta evidenciado o dolo eventual.”Quanto à pena aplica<strong>da</strong>, o Exmo. Relator dá parcial provimento aorecurso, para excluir a pena comina<strong>da</strong> no tipo legal violado pelo réu eaplicar a pena do tráfico ilícito de entorpecentes, fixando a reprimen<strong>da</strong>em 5 anos, 3 meses e 22 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto.Entendo que deve ser afasta<strong>da</strong> a aplicação <strong>da</strong> pena do tráfico deentorpecentes. A junção <strong>da</strong> conduta descritiva de um tipo penal com apena imposta em tipo penal diverso, desprezando a pena comina<strong>da</strong> noR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 199


primeiro dispositivo, caracterizaria o fenômeno <strong>da</strong> tertius legis. Nãopode o Poder Judiciário interferir em matéria legislativa, mesmo queem benefício ao réu, ain<strong>da</strong> que a pena comina<strong>da</strong> ao delito praticado peloréu pareça desproporcional. Nesse sentido é o entendimento <strong>da</strong> Turma:“PENAL. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. ATIPIA. ARTIGO 273, § 1º-B, I,DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA PELASPENAS DO TRÁFICO. DESCABIMENTO. TERTIUS LEGIS. CIRCUNSTÂNCIAS ECONSEQUÊNCIAS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. MAJORAÇÃO DA PENA.1. A segurança jurídica <strong>da</strong> decisão espera<strong>da</strong> recomen<strong>da</strong> o prestigiamento dos precedentes,especialmente <strong>da</strong> Suprema Corte, a <strong>da</strong>r a solução definitiva em tema de tipici<strong>da</strong>de – na viado habeas corpus.2. Adoção pela Seção Criminal desta Corte, na linha de precedentes do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> (HC92438 e HC95089) de que o desinteresse fazendário na execução fiscaltorna certa a impossibili<strong>da</strong>de de incidência do mais gravoso e substitutivo direito penal.3. É o limite de dez mil reais, do art. 20 <strong>da</strong> Lei n.º 10.522/02, objetivamente indicador<strong>da</strong> insignificância para o crime de descaminho, ain<strong>da</strong> que reiterado (STF/HC 77003 e AI--QO 559904).4. Tratando-se de importação de grande quanti<strong>da</strong>de de medicamentos, sem registro noórgão competente e de procedência ignora<strong>da</strong>, deve incidir a regra do artigo 273 do CódigoPenal, em razão <strong>da</strong> especial proteção à saúde pública como ente coletivo, atingi<strong>da</strong> pelo riscojure et de jure <strong>da</strong> falsificação ou ven<strong>da</strong> de remédios sem controle em grande quanti<strong>da</strong>de –com alto gravame social.5. Comprova<strong>da</strong> a materiali<strong>da</strong>de e a autoria do delito previsto no art. 273, § 1º-B, inc. I,do CP, deve ser manti<strong>da</strong> a condenação.6. Incabível a aplicação <strong>da</strong>s penas previstas para o crime de tráfico de entorpecentes,pois não pode o Judiciário, a pretexto de interpretação de razoabili<strong>da</strong>de, criar a indevi<strong>da</strong>hipótese <strong>da</strong> tertius legis.7. Majoração <strong>da</strong> pena pela consideração negativa <strong>da</strong>s circunstâncias e consequências docrime.” (TRF4, Apelação Criminal nº 0000795-25.2008.404.7001, 7ª Turma, Des. <strong>Federal</strong>Néfi Cordeiro, por unanimi<strong>da</strong>de, D.E. 17.12.2010) (grifado)Tenho adotado o entendimento que, de um modo geral, na importaçãode pequenas quanti<strong>da</strong>des de medicamentos, ain<strong>da</strong> que de uso controlado,porém sem especial potencial lesivo à saúde pública, incide a normageral de punição à importação ilegal de produtos, prevendo as figurastípicas do art. 334 e parágrafos do Código Penal. A diferenciação entreas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de crime, em especial se contrabando e descaminho,conforme adiante melhor detalho, reside fun<strong>da</strong>mentalmente na destinaçãodo medicamento ao consumo próprio (descaminho) ou ao comércio(contrabando), à vista <strong>da</strong> vontade final do agente.200R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Admito, porém, que existem casos de efetiva aplicação do artigo 273do Código Penal, exatamente como formulado pelo legislador. Notoriamente,é o caso dos autos. Isso porque, não é cabível o enquadramento<strong>da</strong> conduta no contrabando quando se tratar de grande quanti<strong>da</strong>de demedicamentos importados ilegalmente, como é o caso dos autos, comevidente potencial lesivo e sério risco de graves <strong>da</strong>nos à saúde e à vi<strong>da</strong><strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, de um número indeterminado de pessoas.Em face disso, correta a sentença ao enquadrar o crime no tipo penaldescrito no art. 273, § 1º-B, I e V, do Código Penal, que assim dispõe:“Art. 273 – Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticosou medicinais:Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.§ 1º – Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à ven<strong>da</strong>, tem em depósitopara vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado,corrompido, adulterado ou alterado.§ 1º-A – Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, asmatérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso emdiagnóstico.§ 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º emrelação a produtos em qualquer <strong>da</strong>s seguintes condições:I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;II – em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;III – sem as características de identi<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de admiti<strong>da</strong>s para a sua comercialização;IV – com redução de seu valor terapêutico ou de sua ativi<strong>da</strong>de;V – de procedência ignora<strong>da</strong>;VI – adquiridos de estabelecimento sem licença <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária competente.”(grifado)Quanto à aplicação <strong>da</strong> pena, compete ao Juiz do processo, quandoprofere a decisão, definir a capitulação jurídica do fato descrito na denúncia.Enquadra<strong>da</strong> a conduta do réu em determinado tipo penal, deve oJuiz aplicar-lhe a respectiva pena comina<strong>da</strong>, dosando-a dentre os limitesmínimos e máximos previstos, de acordo com os critérios definidos emlei, em face <strong>da</strong> apreciação <strong>da</strong>s circunstâncias do caso concreto.A avaliação sobre ser ou não exacerba<strong>da</strong> a pena, não cabe ao PoderJudiciário, pois é o legislador que a define. Assim como os entorpecentestêm o seu apenamento justificado pelos malefícios que causam, a importaçãoirregular de medicamentos, sem licença, sem controle, pode produzirR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 201


efeito maléfico em prejuízo de pessoas que não querem consumir drogas.É inapropria<strong>da</strong>, no meu entender, a mesclagem dos tipos penais dotráfico de entorpecentes com o crime de ação múltipla referente a produtosde fins terapêuticos. O trato comum atenta contra objetivos específicos<strong>da</strong> política penal imposta pelo legislador, que fez distinções importantes,basea<strong>da</strong>s nas suas avaliações do contexto social.É cediço que, enquanto o traficante vende seu produto para um públicoconsumidor que, de alguma forma, está aceitando correr o risco decorrente<strong>da</strong> substância que consome, a importação irregular de medicamentosse dirige justamente a pessoas que querem, por meio <strong>da</strong> medicação,recuperar a saúde. Pessoas com to<strong>da</strong> sorte de doenças, que tomam essamedicação esperando obter a cura que, em princípio, poderiam alcançar,mas que não alcançam porque a medicação importa<strong>da</strong> irregularmenteé falsifica<strong>da</strong>, ou não tem registro no Brasil e não se presta para o tratamentonecessário.Então existe uma diferenciação razoável, pelo menos, para que olegislador tenha assim procedido ao fixar a pena. E essa avaliação é dolegislador.É pertinente, no ponto, a transcrição de excerto <strong>da</strong>s razões conti<strong>da</strong>s naJustificação que acompanhou a apresentação, ao Plenário <strong>da</strong> Câmara dosDeputados, do Projeto de Lei nº 4.207/1998, que tratava <strong>da</strong> qualificação,como hediondo, do crime de falsificação de substância alimentícia oumedicinal:“A incidência <strong>da</strong> ação de frau<strong>da</strong>dores inescrupulosos, ávidos de enriquecimento ilícito,ain<strong>da</strong> que à custa <strong>da</strong> disseminação de substâncias nocivas, e até <strong>da</strong>nosas, à saúde, hoje, vemocorrendo com frequência, explorando a boa fé pública, com a falsificação de medicamentos,em sua maioria, autousáveis pelo povo.A forma qualifica<strong>da</strong>, a exemplo do que ocorre com os demais delitos contra a saúdepública, prevê, no caso de morte, a aplicação <strong>da</strong> pena em dobro, se ficar comprova<strong>da</strong> aação dolosa do agente, e aumenta<strong>da</strong> em 1/3 <strong>da</strong> pena comina<strong>da</strong> ao homicídio culposo, seconfigura<strong>da</strong> a ação culposa do delinquente.Como se vê, tal como no crime de envenenamento de água potável ou de substânciaalimentícia ou medicinal, o delito de falsificação <strong>da</strong>s aludi<strong>da</strong>s substâncias também devemerecer o mesmo tratamento legal e a mesma dimensão na avaliação de sua gravi<strong>da</strong>de,uma vez que atenta, igualmente, contra a saúde pública e, no particular, contra a saúde doci<strong>da</strong>dão incauto e desavisado. Entendemos que delitos como esses causam enormes <strong>da</strong>nosà socie<strong>da</strong>de e também à economia popular, pois que atingem as classes menos favoreci-202R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


<strong>da</strong>s que buscam no preço mais barato e na alternativa de automedicação, sem prescriçãomédica, a solução paliativa de seus males físicos, devendo ser, portanto, também o delitode falsificação de medicamentos classificado como crime hediondo e seu agente sujeito àsrestrições e às insuscetibili<strong>da</strong>des alinha<strong>da</strong>s no art. 2º e seus parágrafos, <strong>da</strong> lei ora modifica<strong>da</strong>no presente Projeto de Lei.”Após o apensamento de outros Projetos de Lei e a apresentação deSubstitutivo, englobando-os, seguiram-se os debates parlamentares,durante a votação do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.207-A/98 (transformadona Lei 9.677/98, que alterou, dentre outros, o art. 273 do CódigoPenal). Merecem destaque os seguintes trechos dos referidos debates:“O SR. PRESIDENTE (Michel Temer) – Para encaminhar a votação, concedo a palavraao Deputado Enio Bacci, para falar a favor <strong>da</strong> matéria.O SR. ENIO BACCI (PDT-RS. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs.Deputados, apresentei esse projeto, definindo como crime hediondo a falsificação de medicamentos,diante do clamor <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, que não entendia como este País tratavacrime dessa gravi<strong>da</strong>de de forma tão bran<strong>da</strong>.Sr. Presidente, existe crime mais hediondo do que falsificar medicamentos e colocar emrisco a saúde de uma comuni<strong>da</strong>de?Mulheres, crianças e idosos buscam no medicamento a cura para o mal que lhes afligee acabam sendo prejudica<strong>da</strong>s por essa máfia, que enriquece à custa <strong>da</strong> saúde pública.Aprovado o requerimento de urgência para a votação do projeto na semana passa<strong>da</strong>,temos hoje a satisfação de ouvir o Relator, Deputado Marconi Perillo, ler substitutivo quevem ao encontro do projeto original. Definimos a falsificação de medicamentos, previstanos arts. 272 e 273 do Código Penal, como crime hediondo. Na prática, retiramos o direitoà fiança, à anistia, à liber<strong>da</strong>de provisória. E mais: estabelecemos a exigência de que, aopraticarem esse delito, os criminosos não sejam privilegiados pela lei e cumpram a penaem regime fechado.O substitutivo proposto pelo Governo é, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, bem mais rigoroso do quea proposta inicial. Além de definir como crime hediondo a falsificação de medicamentos,altera o quantum <strong>da</strong>s penas estabeleci<strong>da</strong>s. Entretanto, faremos pequena ressalva no que dizrespeito à pena prevista no art. 273, que anteriormente era de um a três anos e agora é dedez a quinze anos. Obviamente é preciso mais rigor para punir o delito de falsificação demedicamentos, mas achamos que no § 1º, no qual se incluem os medicamentos, as matérias--primas, os insumos farmacêuticos e os cosméticos, exagerou-se um pouco. A falsificaçãode cosméticos e saneantes usados em diagnósticos deve ser puni<strong>da</strong> com mais rigor, mas apena maior deve ser imposta para os falsificadores de medicamentos, que podem prejudicardiretamente a saúde pública.Não faz muito tempo, uma menina faleceu no Rio de Janeiro, embora tomasse antibióticona expectativa de curar a infecção que invadira seu corpo. Depois de vinte dias, a criançateve infecção generaliza<strong>da</strong> e não houve como lhe salvar a vi<strong>da</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 203


Quantas dezenas ou milhares de vi<strong>da</strong>s foram ceifa<strong>da</strong>s neste País? Há quantos anos apopulação está à mercê de medicamentos falsificados? Não existem estudos sobre isso,mas deixo no ar esta pergunta: quantas pessoas perderam a vi<strong>da</strong>? Quantos aposentados,idosos e crianças faleceram ou estiveram seriamente adoentados? Quem sabe essas vi<strong>da</strong>spoderiam ter sido salvas, se já tivéssemos criado legislação mais rigorosa, como a que estaCasa aprova hoje.Hoje o Parlamento dá resposta imediata à socie<strong>da</strong>de, que cobra medi<strong>da</strong>s urgentes. V.Ex. as , Srs. Deputados, independentemente de posição ideológica e partidária, estão de parabéns,porque respondem de pronto a uma exigência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.(...)O SR. BENEDITO DOMINGOS (PPB-DF. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente,Sras. e Srs. Deputados, apresentamos também o Projeto de Lei nº 4.207-A, de março de1998, para classificar como crime hediondo a falsificação e comercialização de produtosalimentícios e medicinais.Não podemos aceitar que pessoas sejam engana<strong>da</strong>s na compra de medicamentos paratratamento <strong>da</strong> saúde. Muitas pessoas se sacrificam para comprar medicamentos. Às vezeselas são engana<strong>da</strong>s, compram medicamentos falsos, sem nenhuma eficácia. Conforme aimprensa tem noticiado, tem havido até morte de crianças devido ao uso de medicamentosfalsificados.Ao cominar a esse tipo de crime a pena de apenas dois anos, com a possibili<strong>da</strong>de depagar fiança e responder ao processo em liber<strong>da</strong>de, houve uma anomalia no Código Penalbrasileiro. Por isso, a nossa proposta para que seja classifica<strong>da</strong> como crime hediondo afalsificação de medicamentos foi acata<strong>da</strong> pelo Relator desse projeto, Deputado MarconiPerillo. Esse crime contra a economia, contra a vi<strong>da</strong>, cujas consequências às pessoas queadquirem esses medicamentos são enormes, é o pior de todos. Aliás, com uma legislaçãobran<strong>da</strong> como a nossa, quase sem eficácia, pessoas têm enriquecido ilicitamente com amiséria e a morte de muitos.A imprensa tem noticiado que até mesmo os hospitais públicos têm adquirido medicamentosfalsificados, conforme, recentemente, aquele aplicado contra meningite, totalmentefalsificado, causando a morte de uma criança em poucos dias de tratamento.Esta Casa, em hora oportuna, irá aprovar este projeto de lei, para que pessoas que falsificame vendem medicamentos falsificados respon<strong>da</strong>m pelo crime que cometeram. Quemfalsifica medicamento e alimento para enriquecimento próprio deve ser colocado na prisão.(...)O SR. INOCÊNCIO OLIVEIRA (PFL-PE. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente,Sras. e Srs. Deputados, como todos já disseram, este projeto é <strong>da</strong> mais alta importância,sobretudo porque aumenta as penas contra atos de uma máfia que hoje está se especializandona falsificação de medicamentos e alimentos, com graves riscos à saúde humana.Em vez usar, por exemplo, um antibiótico para conter uma infecção, ao tomar umantibiótico falsificado, a infecção se dissemina, causando septicemia e morte, como bemdefiniu o ilustre Relator. (...)O SR. AÉCIO NEVES (PSDB-MG. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, não tenho204R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


dúvi<strong>da</strong> de que o Congresso Nacional, mais uma vez, cumpre o seu papel. A negociaçãoque resultou em uma posição praticamente unânime e favorável a este projeto mostra quea Câmara dos Deputados por meio de seus representantes se sintoniza de forma direta comas grandes questões de interesse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira.Estou certo de que, ao aprovarmos este projeto em regime de urgência urgentíssima,respondemos ao que talvez se alie ou se agregue aos crimes mais torpes, porque a falsificaçãode medicamentos certamente passa agora – e já deveria ser desta forma – a enquadrar-seno rol dos crimes hediondos. É um crime contra a humani<strong>da</strong>de e os criminosos não sebeneficiarão <strong>da</strong>s facili<strong>da</strong>des que a atual legislação penal confere a outros tipos de crimes.(...)O SR. PADRE ROQUE (PT-PR. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, fazendonossas as palavras dos autores do projeto, do autor do substitutivo e dos demais líderesque encaminharam, acredito que se trata de matéria <strong>da</strong> mais alta relevância, principalmentetendo em vista que esse tipo de crime até hoje foi amplamente cometido neste País, de talforma que o atual Ministro <strong>da</strong> Saúde vem recebendo ameaças de morte desde que tentouenfrentar a máfia dos medicamentos. Imaginem o que não aconteceria se alguém neste Paístentasse enfrentar a máfia dos alimentos.Portanto, nos alegramos com a elaboração deste projeto, queremos seja aprovado oquanto antes, para que seja plenamente executado.(...)O SR. AGNELO QUEIROZ (PCdoB-DF. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente,o PCdoB vota ‘sim’ porque entende que no Brasil têm ocorrido vários casos de pessoasenfermas, com problemas graves, que acabam ingerindo medicamentos falsificados. Essasituação é muito grave e merece inclusive a criação de um órgão de fiscalização, comoocorre nos Estados Unidos, para somente liberar drogas e alimentos quando estiveremadequados para uso. Infelizmente, isso ain<strong>da</strong> não existe no País, mas vamos fazer primeiroo inverso, ou seja, regulamentar a punição, para que o Executivo tenha mais cui<strong>da</strong>do coma saúde do nosso povo.Do ponto de vista do Parlamento, temos de tipificar esse crime, que pode matar e levarpessoas à morte, como crime hediondo.(...)O SR. DUILIO PISANESCHI (PTB-SP. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, oPTB também vota ‘sim’, pela importância deste projeto no momento em que vivemos, inclusivepelos desdobramentos que ultimamente houve com a falsificação de medicamentose ocorrência de mortes.”Evidente o amplo debate legislativo na votação <strong>da</strong> matéria, ressaltandoa gravi<strong>da</strong>de dos crimes em comento, o clamor <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e as nefastasconsequências sofri<strong>da</strong>s pelas vítimas.O que o Poder Judiciário decide, diante do caso concreto, se verificarque a conduta não tem a gravi<strong>da</strong>de ínsita ao tipo penal previsto no art.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 205


273 e parágrafos do Código Penal, é reenquadrar o fato para o crime dedescaminho ou de contrabando, aplicando a respectiva pena. A do descaminho,quando a medicação é aprova<strong>da</strong> para consumo em territórionacional e se destina especificamente à própria pessoa, que, buscandopreço mais baixo, adquire o medicamento no exterior. Nessa hipótese,a meta do agente é o ganho econômico na aquisição do medicamentode que necessita, não apresentando outra finali<strong>da</strong>de. A do contrabando,indistintamente, quando se trata de importação de medicação destina<strong>da</strong>ao comércio irregular. A ideia é que o Brasil não se transforme em grandesfarmácias a céu aberto, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s sem controle em camelódromos efeiras livres. Por isso é reprimido, por meio <strong>da</strong> figura do contrabando,o comércio de medicação trazi<strong>da</strong> por pessoas atuantes nesse comércioinformal, não sendo cabível, <strong>da</strong>do perigo natural a terceiros dessa ativi<strong>da</strong>de,a aplicação do princípio <strong>da</strong> insignificância, basea<strong>da</strong> no valor <strong>da</strong>mercadoria ou do tributo.Quanto à pena prevista no art. 273 do Código Penal, se existe umasituação em que ela deve ser aplica<strong>da</strong>, com razoável justificação, é ocaso em apreço, em que a quanti<strong>da</strong>de de medicamentos é enorme, inclusivepara doenças seríssimas, além de alguns fármacos ilegalmenteusados para fins diversos do que se destinam, como é o caso do Cytotec,indicado para tratamento de úlcera estomacal, mas frequentemente usadode forma irregular para a prática de aborto.Manti<strong>da</strong> a condenação e o enquadramento do crime no tipo previsto noart. 273, § 1º-B do Código Penal, deve ser aplica<strong>da</strong> a pena a ele comina<strong>da</strong>.Ao delito é comina<strong>da</strong> a pena de 10 a 15 anos de reclusão.A sentença fixou a pena <strong>da</strong> seguinte forma:“O réu agiu com grau de culpabili<strong>da</strong>de considerado normal para o tipo em exame; nãoregistra maus antecedentes criminais (IPL: eventos 14-15, 17-18, 23 e 27; AP: eventos 23,53 e 94); sua conduta social e personali<strong>da</strong>de não puderam ser aferi<strong>da</strong>s; as consequências dodelito justificam alteração na pena-base, em razão <strong>da</strong> enorme quanti<strong>da</strong>de de medicamentose anabolizantes apreendidos, a grande maioria falsificados, evidenciando o alto gravamesocial do crime; os motivos são próprios <strong>da</strong> espécie, o intuito de lucro; as circunstâncias,normais à espécie; não há falar em comportamento <strong>da</strong> vítima.Considerando-se a variação in abstrato do tipo (10 a 15 anos) e o termo médio <strong>da</strong> pena(12 anos e 6 seis meses), tenho por proporcional o aumento de 3 (três) meses e 22 (vinte edois) dias para ca<strong>da</strong> vetorial negativo. Logo, presente apenas uma circunstância (vetorial)negativa, fixo a pena-base em 10 (dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão.206R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.Não há causa especial ou geral de aumento ou de diminuição de pena aplicável ao caso.Sem qualquer outra circunstância a considerar, torno definitiva a pena fixa<strong>da</strong> de 10(dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão ao réu C.A.B.E. pela práticado crime tipificado no artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal.”Entendo que, no caso, deve ser excluído <strong>da</strong> pena-base o aumentodecorrente <strong>da</strong>s consequências do crime, pois o potencial lesivo à saúdepública é ínsito ao tipo penal, já está considerado na cominação <strong>da</strong> penaem abstrato, cujo mínimo é 10 anos de reclusão. O fato narrado na inicial,nota<strong>da</strong>mente na ausência de comprovação do início <strong>da</strong> comercialização,não apresenta particulari<strong>da</strong>des que justifiquem a exasperação <strong>da</strong> penaacima do mínimo legal.Dessa forma, fixo a pena-base em 10 anos de reclusão, a qual tornodefinitiva, na ausência de outras circunstâncias a considerar nas fasesseguintes do cálculo.Proporcionalmente à pena privativa de liber<strong>da</strong>de, reduzo a pena demulta para 10 dias multa, mantendo o valor unitário do dia-multa em 1salário mínimo, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> sentença, verbis:“Do valor do dia-multaQuanto ao valor do dia-multa, atendendo não só à situação econômica do réu (taxista,com ren<strong>da</strong> mensal de R$ 2.000,00 – AP: evento 80: TERMOAUD1), como também à enormequanti<strong>da</strong>de de medicamentos apreendidos e ao exorbitante valor de avaliação (aproxima<strong>da</strong>menteR$ 425.000,00 – IPL: evento 22), fixo ca<strong>da</strong> dia-multa em um salário mínimo vigenteà época do fato (janeiro/2011), valor que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivopagamento, de acordo com o artigo 49, § 2º, do Código Penal.”DispositivoAnte o exposto, voto por <strong>da</strong>r parcial provimento à apelação, parareduzir as penas.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 207


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5005783-27.2010.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando MoroRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum VazApelante: Ministério Público <strong>Federal</strong>Apelado: M.A.S.R.G.L.Advogados: Dr. Nereu Lima FilhoDra. Enil<strong>da</strong> Maria De SouzaDr. Nereu LimaEMENTAPenal. Recurso de apelação. Sistema Financeiro Nacional. Art. 21,parágrafo único, <strong>da</strong> Lei 7.492/86. Sonegação de informação por clientede instituição financeira que internaliza clandestinamente valores noterritório nacional. Atipici<strong>da</strong>de. Possibili<strong>da</strong>de de ocorrência de “caixadois” financeiro (art. 11 <strong>da</strong> Lei 7.492/86). Recurso ministerial improvido.1. A internalização clandestina de valores por empresário, com o auxíliode doleiro, em território nacional não consiste em conduta tipifica<strong>da</strong>pelo legislador criminal. Não caracteriza o crime do art. 22 <strong>da</strong> Lei nº7.492/86, porque o mesmo se consuma mediante a saí<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> oudivisa para o exterior, sendo ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a interpretação analógica em desfavordo réu. Tampouco perfectibiliza o ilícito capitulado no art. 21, parágrafoúnico, do mesmo diploma, uma vez pressupor este o descumprimento deum dever que, a to<strong>da</strong> evidência, não recai sobre o cliente <strong>da</strong>s instituiçõesfinanceiras, mas, sim, sobre o seu administrador, tratando-se de crimeclassificado jurisprudencialmente como próprio.2. Poderia, em tese, a “invasão de divisas” em solo brasileiro legitimar,acaso tivesse descrito a denúncia, a persecutio criminis in judicio pelosdelitos de sonegação fiscal – desde que eventualmente havi<strong>da</strong> a constituiçãodefinitiva do crédito tributário – e/ou de movimentação paralelade recursos (art. 11 <strong>da</strong> LCSFN).3. O delito de “caixa 2” definido no art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86 é comumpela simples razão de que seu tipo objetivo não atribui, nem exige,nenhuma quali<strong>da</strong>de peculiar ao seu sujeito ativo. Se as movimentaçõesparalelas forem realiza<strong>da</strong>s no âmbito interno de uma instituição finan-208R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ceira, é evidente que, na fixação <strong>da</strong> autoria, será considera<strong>da</strong> a regrado art. 25. Isso não torna o crime, no entanto, próprio. Quando a Lei nº7.492/86 assim desejou, o fez expressamente.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Colen<strong>da</strong> 8ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por maioria, vencido o Relator, negar provimento à apelação, nos termosdo relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 09 de agosto de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz, Relator para o acórdão.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando Moro: Cui<strong>da</strong>-se de apelaçãocriminal interposta pelo Ministério Público <strong>Federal</strong> – MPF contraa sentença que absolveu sumariamente M.A.S. e R.G.L. <strong>da</strong> acusação deprática do delito do artigo 21, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86.Segundo a denúncia, em síntese, R.G.L., responsável pela empresaUniflex Indústria e Comércio de Artefatos de Poliuretano Lt<strong>da</strong>., realizouexportação de mercadorias por US$ 48.664,80 para a empresa venezuelanaLechat C.A., cf. Invoice 019/06. Foi emiti<strong>da</strong>, porém, outra invoicede valor inferior, US$ 27.860,99, e o correspondente contrato de câmbio.Assim, apenas parte do preço recebido foi introduzido regularmente noBrasil por meio de contrato de câmbio. A diferença foi recebi<strong>da</strong> pelaUniflex por meio de depósito, no valor de R$ 51.060,00, efetuado em29.09.2006, com a intermediação de M.A.S., responsável pela empresaMapper Logística de Comércio Exterior, por “Carlos”, <strong>da</strong> empresa TourExport, “utiliza<strong>da</strong> pela organização criminosa desbarata<strong>da</strong> por ocasião<strong>da</strong> deflagração <strong>da</strong> Operação Ouro Verde”. O fato configuraria o crime doart. 21, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei nº 7.492/1986, por sonegação e falta deregistro no Bacen <strong>da</strong> operação de câmbio relativo à diferença.A denúncia foi recebi<strong>da</strong> em 10.05.2010. O MPF, em vista de processosem an<strong>da</strong>mentos contra os acusados, negou-se a oferecer suspensãocondicional do processo.Após a resposta dos acusados, sobreveio sentença de absolvição su-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 209


mária (evento 58 <strong>da</strong> ação penal 5005783-27.2010.404.7100), prolata<strong>da</strong>em 16.08.2010.Irresignado, o MPF sustenta, em suas razões de apelação (evento 71),que os dispositivos legais e regulamentares mencionados na denúnciasão muito claros em exigir a comunicação à autori<strong>da</strong>de monetária do paísacerca <strong>da</strong> realização <strong>da</strong> operação de câmbio como uma condição para queesta seja efetiva<strong>da</strong>, de maneira que não fica ao alvitre de quem pretendeefetuar tal transação informá-la ou não ao Banco Central. Argumentaain<strong>da</strong> que teria havido negativa de vigência do art. 21, parágrafo único,<strong>da</strong> Lei nº 7.492/1986.Com as contrarrazões (eventos 80 e 79), subiram os autos a esta Corte.A Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> opinou peloprovimento do recurso ministerial (evento 7).Os autos vieram conclusos para julgamento.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando Moro: A absolvição sumáriafoi proferi<strong>da</strong> pelo ilustre magistrado a quo nestes termos (evento 15):“Narrou a denúncia que, em 29.09.06, o acusado R.G.L., na condição de responsável pelaempresa UNIFLEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS DE POLIURETANOLTDA., juntamente com o réu M.A.S., este na condição de responsável pela empresa MA-PPER LOGÍSTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA., teriam sonegado informação quedeveriam prestar ao Banco Central do Brasil, ao receber R$ 51.060, referentes a exportaçãopromovi<strong>da</strong> pela UNIFLEX, sem que o contrato de câmbio correspondente fosse realizadoem instituição financeira autoriza<strong>da</strong>.A exportação, promovi<strong>da</strong> pela UNIFLEX LTDA., foi de 17.124 pares de sola de sapato,tendo como importadora a empresa venezuelana LECHAT C.A., sendo acertado como preçototal <strong>da</strong>s mercadorias, segundo o Invoice nº 019/06, de 12.07.06 (fl. 61 do IPL), a quantiade US$ 48.664,80 (quarenta e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro dólares e oitentacentavos). No entanto, em 12.09.06, foi emiti<strong>da</strong> a Invoice nº 18/06, em que consta comovalor total <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> exportação o montante de US$ 27.860,99 (vinte e sete mil, oitocentose sessenta dólares e noventa e nove centavos), valor esse também apresentado no Registrode Operações de Exportação no SISCOMEX em 27.09.06 (fl. 64), bem como formalizadono contrato de câmbio de exportação junto ao Banco do Brasil em Porto Alegre, no dia06.10.06 (fls. 65 e 126-8). O valor restante foi liqui<strong>da</strong>do por depósito promovido pela organizaçãocriminosa revela<strong>da</strong> na denomina<strong>da</strong> ‘Operação Ouro Verde’ (IPL 1615/2006, AP2007.71.00.001796-5), no montante de R$ 51.060.210R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Assim, admitidos os fatos tal qual narrados na denúncia, está comprova<strong>da</strong> a exportação,bem como o recebimento de parte de seu valor no Brasil, sem a correspondente coberturacambial. Entretanto, os fatos assim descritos não são típicos.O tipo penal em questão tem a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identi<strong>da</strong>de, para realização de operaçãode câmbio:Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informaçãoque devia prestar ou presta informação falsa.’Em primeiro lugar, não há prova <strong>da</strong> elementar operação de câmbio. Há prova do recebimentode valores no Brasil. Muito embora a importadora seja venezuelana, não é impossívelque tal empresa tivesse os valores depositados na empresa USAFLEX diretamente em reais.Indo além, não há prova <strong>da</strong> elementar de finali<strong>da</strong>de para realizar operação de câmbio.As instituições que trabalham com compra e ven<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> estrangeira estão obriga<strong>da</strong>s,por força do art. 65 <strong>da</strong> Lei 9.069/95, a identificar o cliente ou o beneficiário:‘Art. 65. O ingresso no País e a saí<strong>da</strong> do País de moe<strong>da</strong> nacional e estrangeira serãoprocessados exclusivamente por meio de transferência bancária, cabendo ao estabelecimentobancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário.’Também a legislação contra a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) determina que aspessoas jurídicas que têm como ativi<strong>da</strong>de a compra e a ven<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> estrangeira (art.9º, inciso II) exijam dos seus clientes informações, bem como mantenham registro <strong>da</strong>soperações, para atender ao disposto no art. 10, incisos I e II, <strong>da</strong> mesma lei e às normasexpedi<strong>da</strong>s pelo Banco Central que os regulamentam:‘Art. 10. As pessoas referi<strong>da</strong>s no art. 9º:I – identificarão seus clientes e manterão ca<strong>da</strong>stro atualizado, nos termos de instruçõesemana<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des competentes;II – manterão registro de to<strong>da</strong> transação em moe<strong>da</strong> nacional ou estrangeira, títulos evalores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertidoem dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autori<strong>da</strong>de competente e nos termos deinstruções por esta expedi<strong>da</strong>s;’Ao sonegar ou falsear informação exigi<strong>da</strong> pela instituição financeira, o cliente <strong>da</strong> operaçãode câmbio comete o crime previsto no art. 21, parágrafo único, supra.Entretanto, o que a denúncia narra é que a própria operação de câmbio deixou de serinforma<strong>da</strong> à autori<strong>da</strong>de competente, o Banco Central. De fato, o Bacen exige que, além demanter o registro <strong>da</strong> operação (art. 10, inciso II, <strong>da</strong> Lei 9.613/98), a instituição responsávelinforme eletronicamente sua realização, na forma do Regulamento do Mercado de Câmbioe Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo 3: Contrato de Câmbio,Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen.Consultando referi<strong>da</strong> norma, verifica-se que a prestação de informação sobre a operaçãosomente é exigível após sua conclusão.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 211


Assim, não se pode falar que a informação ao Banco Central foi sonega<strong>da</strong> ‘para realizara operação de câmbio’, na medi<strong>da</strong> em que a operação já estava concluí<strong>da</strong> quando deveriater sido informa<strong>da</strong>.Por fim, no caso concreto, os réus não eram destinatários do dever de informar descrito.Os denunciados não estavam obrigados a prestar qualquer informação ao Banco Central sobreas operações em questão. Como mencionado, deveria ele prestar corretamente à instituiçãofinanceira as informações que lhe fossem exigi<strong>da</strong>s. A prestação de informações ao BancoCentral é encargo <strong>da</strong>s ‘instituições financeiras e demais instituições autoriza<strong>da</strong>s a funcionarpelo Banco Central do Brasil, autoriza<strong>da</strong>s a operar no mercado de câmbio’ (Regulamentodo Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo3: Contrato de Câmbio, Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen, número 1).Ou seja, se alguém praticou o crime em questão, foram os responsáveis pela instituiçãofinanceira não autoriza<strong>da</strong>.Tampouco tinham os denunciados qualquer ingerência sobre a prestação ou não deinformações, visto que não tinham acesso ao sistema empregado para tanto.Ou seja, a conduta descrita na denúncia é atípica, devendo os réus serem absolvidossumariamente quanto à acusação de sonegar informação à autori<strong>da</strong>de competente, para ofim de realização de operação de câmbio (Lei 7492/86, art. 21, parágrafo único), com fulcrono art. 397, inc. III, do CPP.”Vários casos similares, oriundos <strong>da</strong> assim denomina<strong>da</strong> Operação OuroVerde, foram julgados por esta Corte.Em geral, as duas Turmas têm se posicionado pela atipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> condutaquando a operação envolve mero ingresso de recursos do exteriorvia mercado negro de câmbio. Assim:“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRONACIONAL. ARTIGO 21, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. SONEGAÇÃO DEINFORMAÇÃO PRATICADA POR CLIENTE DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUEINTERNALIZA CLANDESTINAMENTE VALORES NO TERRITÓRIO NACIONAL.ATIPICIDADE. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. 1. A internalização clandestinade valores superiores a dez mil reais (art. 65, § 1º, incisos I a III, <strong>da</strong> Lei nº 9.069/95) não foiexpressamente tipifica<strong>da</strong> pelo legislador criminal, havendo somente as sanções de naturezaadministrativa. 2. Essa reali<strong>da</strong>de, historicamente, não é aceita pelo MPF. Primeiramente, oParquet insistia em enquadrar tal conduta nas penas do crime de evasão de divisas, o quefoi duramente rechaçado pelos tribunais (v.g. STJ, REsp nº 898.956/RS, rel. Min. ArnaldoEsteves Lima, DJ de 10.02.2009). 3. Agora, o MPF tenta, a todo custo, recriminar o ingressode valores no território nacional no artigo 21, parágrafo único, <strong>da</strong> LCSFN. Ora, a condutaproscrita nesse tipo penal [sonegar informação que devia prestar] pressupõe o descumprimentode um dever que, a to<strong>da</strong> evidência, recai sobre o cliente <strong>da</strong>s instituições financeiras,conforme demonstra o Capítulo 6 <strong>da</strong> Circular nº 3.493, de 24.03.2010, do Bacen, queatualizou o RMCCI (Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais). 4. A212R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Colen<strong>da</strong> Quarta Seção deste <strong>Tribunal</strong> restringiu a incidência do delito do artigo 21, parágrafoúnico, <strong>da</strong> LCSFN aos agentes <strong>da</strong>s instituições financeiras (ENUL nº 2001.70.00.033106-0,Rel. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro, D.J.U. 23.08.2006). 5. Portanto, as operaçõesmarginais de mero ingresso de valores no país por parte dos clientes <strong>da</strong>s instituições financeirassão atípicas, remanescendo apenas a possibili<strong>da</strong>de de eventual prática de sonegaçãofiscal, que, como é cediço, pressupõe a constituição definitiva do crédito tributário, ou ain<strong>da</strong>a punição dos gestores <strong>da</strong> instituição financeira clandestina pelo delito do artigo 16 e pelocrime de lavagem de dinheiro por violação dos deveres de compliance, quando perpetradono âmbito de instituição financeira autoriza<strong>da</strong>. 6. Recurso ministerial improvido.” (ACR5008326-03.2010.404.7100, 7ª Turma do TRF4 – Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Brum Vaz – un.– j. 17.11.2010 – D.E. 22.11.2010)“PENAL. ARTIGO 21, PARÁFRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. SONEGAÇÃODE INFORMAÇÕES RELATIVAS A OPERAÇÕES DE CÂMBIO REALIZADAS ME-DIANTE SISTEMA BANCÁRIO CLANDESTINO. ATIPIA. 1. Exige o parágrafo únicodo art. 21 <strong>da</strong> Lei n° 7.492/86 a sonegação de informação para a ativi<strong>da</strong>de de câmbio, e não aprópria falta de comunicação dessa operação por serviço clandestino. 2. Manti<strong>da</strong> a rejeição<strong>da</strong> denúncia quanto ao crime, por atipia.” (ACR 5005950-44.2010.404.7100, 8ª Turma doTRF4 – Rel. Des. <strong>Federal</strong> Nefi Cordeiro – un. – 24.05.2011)Não obstante, examinando os precedentes, constata-se que tiverampresente a absoluta inexistência de qualquer contrato de câmbio oficiale que o numerário teria sido internalizado unicamente por meio do mercadode câmbio paralelo.Do primeiro precedente, destaque-se o seguinte trecho conclusivo dovoto condutor:“É forçoso reconhecer que as operações marginais de mero ingresso de valores nopaís por parte dos clientes <strong>da</strong>s instituições financeiras são atípicas, remanescendo apenasa possibili<strong>da</strong>de de eventual prática de sonegação fiscal, que, como é cediço, pressupõe aconstituição definitiva do crédito tributário, o que não é o caso, (...).”Do segundo precedente, destaque-se o seguinte trecho do parecer doMinistério Público adotado como razões do voto condutor:“Conquanto tenham sido realiza<strong>da</strong>s operações de câmbio utilizando-se de serviço bancárioclandestino, não resta satisfeito requisito essencial para configuração do que previstono artigo de lei referido, porquanto faz-se mister a realização de contrato de câmbio pela viaoficial para restar configurado o tipo penal do parágrafo único do art. 21 <strong>da</strong> Lei n° 7.492/86.”Nessa perspectiva, o caso presente merece ser distinguido dos demais,uma vez que, diferentemente dos referidos, houve a realização de contratode câmbio para internalização de parte dos valores pagos pela operaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 213


de exportação, com a ressalva de que os valores ali declarados eram falsos,inferiores ao real valor <strong>da</strong> operação, sendo apenas o remanescentetrazido ao Brasil por meio do mercado de câmbio negro.A denúncia e o próprio magistrado sentenciante fazem referência aocontrato de câmbio de exportação celebrado junto ao Banco do Brasilem Porto Alegre no dia 06.10.2006 por valor inferior ao preço real <strong>da</strong>operação de exportação.Então, não está totalmente correta a afirmação de que “o que a denúncianarra é que a própria operação de câmbio deixou de ser informa<strong>da</strong> àautori<strong>da</strong>de competente”.A denúncia, é certo, foca na internalização dos valores via mercado decâmbio negro, mas igualmente aponta a realização do contrato de câmbiooficial com valores inferiores ao preço real <strong>da</strong> mercadoria exporta<strong>da</strong>.Se houve celebração de contrato de câmbio oficial com valores falsos,não há como não reconhecer, em tese, o enquadramento na conduta dotipo penal do parágrafo único do art. 21 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/1986. Não setrata aqui, outrossim, de um descumprimento do dever de registro, quesó seria aplicável, na linha dos precedentes referidos, aos agentes bancários,mas de utilização de <strong>da</strong>dos falsos no contrato, só imputável aosresponsáveis pela operação, no caso os acusados.Se a conduta descrita na denúncia caracteriza, em tese, crime, nãodeve haver absolvição sumária, ain<strong>da</strong> que a questão jurídica seja controverti<strong>da</strong>.Nessa fase, de absolvição sumária, exige-se evidente atipici<strong>da</strong>de(art. 397, III, do CPP), devendo ser reserva<strong>da</strong> àqueles casos que nãotêm, manifestamente, condições de prosperar. Havendo controvérsia,não se deve encerrar prematuramente a ação penal, com o que se nega àAcusação a oportuni<strong>da</strong>de de demonstrar suas teses através <strong>da</strong> instruçãoe debates. Nesse sentido, destaque-se o seguinte precedente:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. PROVA INDICIÁRIA.LAVAGEM DE DINHEIRO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. A prova indiciária pode serinvoca<strong>da</strong> para caracterização do crime do art. 22, parágrafo único, parte final, <strong>da</strong> Lei nº7.492/1986. Se o valor evadido for, após a consumação de crime de evasão de divisas, objetode ocultação ou dissimulação quando de sua posterior internação no país, tem-se em tesea possibili<strong>da</strong>de de caracterização do crime de lavagem de dinheiro. A absolvição sumáriasó cabe em casos de presença manifesta de causas excludentes do crime ou de evidenteatipici<strong>da</strong>de. Havendo controvérsia sobre essas questões, não deve haver absolvição sumária,com o que se nega à Acusação a oportuni<strong>da</strong>de de demonstrar suas teses durante a instrução214R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


e os debates.” (ACR 2006.71.00.050282-6, 7ª Turma, Relator Des. <strong>Federal</strong> Márcio AntônioRocha, un., D.E. 18.04.2011)Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento à apelação do MinistérioPúblico para o fim de reformar a absolvição sumária para que a açãopenal retome a fase de instrução e debates.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz: A absolviçãosumária foi proferi<strong>da</strong> pelo magistrado a quo nestes termos (evento 58do feito originário):“Narrou a denúncia que, em 29.09.06, o acusado R.G.L., na condição de responsável pelaempresa UNIFLEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS DE POLIURETANOLTDA., juntamente com o réu M.A.S., este na condição de responsável pela empresa MA-PPER LOGÍSTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA., teriam sonegado informação quedeveriam prestar ao Banco Central do Brasil, ao receber R$ 51.060, referentes a exportaçãopromovi<strong>da</strong> pela UNIFLEX, sem que o contrato de câmbio correspondente fosse realizadoem instituição financeira autoriza<strong>da</strong>.A exportação, promovi<strong>da</strong> pela UNIFLEX LTDA., foi de 17.124 pares de sola de sapato,tendo como importadora a empresa venezuelana LECHAT C.A., sendo acertado comopreço total <strong>da</strong>s mercadorias, segundo o ‘Invoice’ nº 019/06, de 12.07.06 (fl. 61 do IPL),a quantia de US$ 48.664,80 (quarenta e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro dólares eoitenta centavos). No entanto, em 12.09.06, foi emiti<strong>da</strong> a ‘Invoice’ nº 18/06, em que constacomo valor total <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong> exportação o montante de US$ 27.860,99 (vinte e sete mil,oitocentos e sessenta dólares e noventa e nove centavos), valor esse também apresentadono Registro de Operações de Exportação no SISCOMEX em 27.09.06 (fl. 64), bem comoformalizado no contrato de câmbio de exportação junto ao Banco do Brasil em Porto Alegre,no dia 06.10.06 (fls. 65 e 126-8). O valor restante foi liqui<strong>da</strong>do por depósito promovido pelaorganização criminosa revela<strong>da</strong> na denomina<strong>da</strong> ‘Operação Ouro Verde’ (IPL 1615/2006,AP 2007.71.00.001796-5), no montante de R$ 51.060.Assim, admitidos os fatos tal qual narrados na denúncia, está comprova<strong>da</strong> a exportação,bem como o recebimento de parte de seu valor no Brasil, sem a correspondente coberturacambial. Entretanto, os fatos assim descritos não são típicos.O tipo penal em questão tem a seguinte re<strong>da</strong>ção:‘Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identi<strong>da</strong>de, para realização de operaçãode câmbio:Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informaçãoque devia prestar ou presta informação falsa.’Em primeiro lugar, não há prova <strong>da</strong> elementar operação de câmbio. Há prova do recebi-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 215


mento de valores no Brasil. Muito embora a importadora seja venezuelana, não é impossívelque tal empresa tivesse os valores depositados na empresa USAFLEX diretamente em reais.Indo além, não há prova <strong>da</strong> elementar de finali<strong>da</strong>de para realizar operação de câmbio.As instituições que trabalham com compra e ven<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> estrangeira estão obriga<strong>da</strong>s,por força do art. 65 <strong>da</strong> Lei 9.069/95, a identificar o cliente ou o beneficiário:‘Art. 65. O ingresso no País e a saí<strong>da</strong> do País de moe<strong>da</strong> nacional e estrangeira serãoprocessados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimentobancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário.’Também a legislação contra a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) determina que aspessoas jurídicas que têm como ativi<strong>da</strong>de a compra e a ven<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> estrangeira (art.9º, inciso II) exijam dos seus clientes informações, bem como mantenham registro <strong>da</strong>soperações, para atender ao disposto no art. 10, incisos I e II, <strong>da</strong> mesma lei e às normasexpedi<strong>da</strong>s pelo Banco Central que os regulamentam:‘Art. 10. As pessoas referi<strong>da</strong>s no art. 9º:I – identificarão seus clientes e manterão ca<strong>da</strong>stro atualizado, nos termos de instruçõesemana<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des competentes;II – manterão registro de to<strong>da</strong> transação em moe<strong>da</strong> nacional ou estrangeira, títulos evalores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertidoem dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autori<strong>da</strong>de competente e nos termos deinstruções por esta expedi<strong>da</strong>s;’Ao sonegar ou falsear informação exigi<strong>da</strong> pela instituição financeira, o cliente <strong>da</strong> operaçãode câmbio comete o crime previsto no art. 21, parágrafo único, supra.Entretanto, o que a denúncia narra é que a própria operação de câmbio deixou de serinforma<strong>da</strong> à autori<strong>da</strong>de competente, o Banco Central. De fato, o Bacen exige que, além demanter o registro <strong>da</strong> operação (art. 10, inciso II, <strong>da</strong> Lei 9.613/98), a instituição responsávelinforme eletronicamente sua realização, na forma do Regulamento do Mercado de Câmbioe Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo 3: Contrato de Câmbio,Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen.Consultando referi<strong>da</strong> norma, verifica-se que a prestação de informação sobre a operaçãosomente é exigível após sua conclusão.Assim, não se pode falar que a informação ao Banco Central foi sonega<strong>da</strong> ‘para realizara operação de câmbio’, na medi<strong>da</strong> em que a operação já estava concluí<strong>da</strong> quando deveriater sido informa<strong>da</strong>.Por fim, no caso concreto, os réus não eram destinatários do dever de informar descrito.Os denunciados não estavam obrigados a prestar qualquer informação ao Banco Central sobreas operações em questão. Como mencionado, deveria ele prestar corretamente à instituiçãofinanceira as informações que lhe fossem exigi<strong>da</strong>s. A prestação de informações ao BancoCentral é encargo <strong>da</strong>s ‘instituições financeiras e demais instituições autoriza<strong>da</strong>s a funcionarpelo Banco Central do Brasil, autoriza<strong>da</strong>s a operar no mercado de câmbio’ (Regulamentodo Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo3: Contrato de Câmbio, Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen, número 1).216R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Ou seja, se alguém praticou o crime em questão, foram os responsáveis pela instituiçãofinanceira não autoriza<strong>da</strong>.Tampouco tinham os denunciados qualquer ingerência sobre a prestação ou não deinformações, visto que não tinham acesso ao sistema empregado para tanto.Ou seja, a conduta descrita na denúncia é atípica, devendo os réus serem absolvidossumariamente quanto à acusação de sonegar informação à autori<strong>da</strong>de competente, para ofim de realização de operação de câmbio (Lei 7492/86, art. 21, parágrafo único), com fulcrono art. 397, inc. III, do CPP.DISPOSITIVOANTE O EXPOSTO, ABSOLVO SUMARIAMENTE os réus <strong>da</strong> acusação <strong>da</strong> práticado crime capitulado no art. 21, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei 7492/86, por flagrante atipici<strong>da</strong>de<strong>da</strong> conduta, com fun<strong>da</strong>mento no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal.”Não obstante os fun<strong>da</strong>mentos esposados pelo Parquet, não divisoreparos à sentença supratranscrita.Com efeito, a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacionalsomente recrimina a remessa de valores para fora do território nacionalsem comunicação ao governo, bem como a manutenção de numerário noexterior sem declaração à autori<strong>da</strong>de competente no artigo 22, parágrafoúnico, primeira e segun<strong>da</strong> parte, respectivamente.A internalização clandestina de valores superiores a dez mil reais (art.65, § 1º, incisos I a III, <strong>da</strong> Lei nº 9.069/95), contudo, não foi expressamentetipifica<strong>da</strong> pelo legislador criminal, havendo somente as sançõesde natureza administrativa. E essa reali<strong>da</strong>de, historicamente, não é aceitapelo MPF. Primeiramente, o Parquet insistia em enquadrar tal condutanas penas do crime de evasão de divisas, o que foi duramente rechaçadopelos tribunais, conforme demonstra a decisão terminativa que proferi,em 12.04.2010, no RSE nº 0008348-79.2006.404.7200:“[...] No vernáculo, o termo ‘evasão’ indica fuga, escapa<strong>da</strong> (Dic. Houaiss). Ao comentaro tipo penal que foi imputado à recorri<strong>da</strong> (art. 22, caput, <strong>da</strong> Lei 7.492/86), Tigre Maia ensina:‘o tipo objetivo incrimina a efetivação de operações de câmbio desautoriza<strong>da</strong>s, quandoefetua<strong>da</strong>s com o especial fim de agir de promover a evasão de divisas. Por evasão enten<strong>da</strong>--se a saí<strong>da</strong> clandestina do país e por divisa ‘qualquer valor comercial sobre o estrangeiroque permita a efetuação de pagamentos na forma <strong>da</strong> compensação’.’ (Dos Crimes contrao Sistema Financeiro Nacional. São Paulo: Malheiros, p. 133)Da análise do referido tipo penal, conclui-se que o caput contém um crime de intenção(elemento subjetivo do tipo) que só se perfectibiliza por via <strong>da</strong> conduta de efetuar a operaçãode câmbio não autoriza<strong>da</strong>, com o fim de promover evasão de divisas do país. Logo,resta afasta<strong>da</strong> a hipótese de crime omissivo. Idêntico raciocínio aplica-se ao primeiro delitoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 217


previsto no parágrafo único do artigo 22 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86. No julgamento proferido pelaEgrégia 7ª Turma deste <strong>Regional</strong>, em caso análogo a este (RCCR nº 2002.04.01.012440-5,julgado em 30.04.2003), o eminente Desembargador <strong>Federal</strong> Fábio Rosa assim se posicionou:‘A forma equipara<strong>da</strong> prevista no parágrafo único do referido artigo diz o seguinte: ‘incorrena mesma pena quem a qualquer título promove, sem autorização legal, a saí<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong>ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federalcompetente’. Essa forma de evasão importa a retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> divisa de dentro para fora do País.A descrição do tipo penal é clara nesse sentido. Promover a saí<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> ou divisa para oexterior. Ora, impedir que a moe<strong>da</strong> entre no território nacional não é conduta típica, poderiaser equipara<strong>da</strong>, mas isso por meio de um raciocínio de interpretação extensiva ou analógicado tipo penal, o que é ve<strong>da</strong>do em malam partem. (...) Como bem ressaltou o julgador, ‘ofato <strong>da</strong> não contratação de câmbio pode ensejar sanções de natureza administrativa, mas épenalmente atípico’. Poder-se-ia dizer que essa forma de atuar importa a mesma consequência,ou seja, a quebra <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de do Sistema Financeiro Nacional, porque se man<strong>da</strong>riqueza para fora do País, e o valor que deveria integrar o Sistema Financeiro não entra noPaís, portanto, prejudica sua integri<strong>da</strong>de. Na reali<strong>da</strong>de, esse prejuízo até pode acontecer,mas ele não foi previsto na descrição do art. 22 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86.’A propósito do tema, pacificou-se a jurisprudência <strong>da</strong>s turmas criminais desta Corte:‘PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS SEM PROVA DO INGRESSO DOS VALORESCORRESPONDENTES NO PAÍS. EVASÃO DE DIVISAS. ATIPICIDADE.1. A não comprovação de ingresso, no país, de valores que supostamente deveriam teringressado, em virtude de exportação de mercadorias efetivamente opera<strong>da</strong>, não constituiconduta omissiva típica. (...)’ (Oitava Turma, RCCR nº 2004.71.00.001579-7/RS, Rel. Des.<strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, DJU de 07.06.2006)‘PENAL. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA.REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ESTELIONATO QUALIFICADO. SAÍDA DE MER-CADORAIS PARA O EXTERIOR. NÃO INGRESSO DE MOEDA ESTRANGEIRA.EMPREGO DE MEIO FRAUDULENTO E OBTENÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDAINOCORRENTES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1. Não resta configurado o delitoprevisto no art. 171, § 3º, do Código Penal quando o agente, ao proceder à exportação demercadorias, não efetua a liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> operação de câmbio correspondente. 2. Ausenteo emprego de fraude ou ardil apto a induzir ou manter em erro a autori<strong>da</strong>de competente,bem como sem que tenha sido obti<strong>da</strong> qualquer vantagem indevi<strong>da</strong> em favor dos acusadosou de terceiros, não há como falar em crime de estelionato. 3. Possível vantagem indevi<strong>da</strong>auferi<strong>da</strong> do fato constituiria na supressão ou redução de tributos, o que <strong>da</strong>ria azo à incidência<strong>da</strong> Lei nº 8.137/90, caso havido lançamento definitivo do crédito fiscal objeto <strong>da</strong>sonegação, ato administrativo de que não se tem notícia nos presentes autos. 4. A condutado denunciado, apesar de ser <strong>da</strong>nosa à economia, é de tipici<strong>da</strong>de penal duvidosa, pois nãohá evasão de divisas, uma vez que apenas as mercadorias, e não os valores, deixaram o país.O que ocorre é a omissão no ingresso de divisas, conduta que não pode ser atingi<strong>da</strong> pela218R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


norma penal incriminadora. O fato até pode gerar sanção administrativa, mas, penalmente,é atípico. 5. Evidencia<strong>da</strong> a atipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta, correta a r. decisão que rejeitou a peçaacusatória, com base no art. 43, I, do CPP.’ (RSE nº 2008.71.00.004697-0, 7ª Turma, Rel.Des. <strong>Federal</strong> NÉFI CORDEIRO, unânime, D.E. 11.09.2008)De fato, se por evasão, nas palavras de Rodolfo Tigre Maia, deve-se entender ‘a saí<strong>da</strong>clandestina do país’ de moe<strong>da</strong> ou divisa para o exterior, não se pode ter por configurado odelito previsto no art. 22, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86 quando o agente, ao procederà exportação de mercadorias, não efetua a operação de câmbio correspondente. Os dólaresnão saíram, mas sim deixaram de entrar em território nacional. O professor Damásio de Jesusentende que a utilização <strong>da</strong> interpretação extensiva é perfeitamente aplicável em DireitoPenal (Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 35). Esse recurso hermenêutico, contudo,não pode ser levado a um limite tal que não mais se distinga <strong>da</strong> analogia em desfavor doréu. Nesse sentido, reporto-me à valiosa doutrina de Andrei Zenkner Schmidt e LucianoFeldens (O crime de evasão de divisas: a tutela penal do Sistema Financeiro Nacional naperspectiva <strong>da</strong> política cambial brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 226-7):‘(...) O primeiro diz com a constatação sobre se o não ingresso de moe<strong>da</strong> ou divisa éconduta que possa ser equipara<strong>da</strong> à sua saí<strong>da</strong>, hipótese que, acaso afirma<strong>da</strong>, solucionaria aquestão em favor <strong>da</strong> primeira parte do dispositivo legal estu<strong>da</strong>do. É dizer: ao não repatriara contraprestação financeira <strong>da</strong> mercadoria exporta<strong>da</strong>, o sujeito ativo (exportador) teriadeixado de fazer ingressar a correspondente moe<strong>da</strong> ou divisa, incidindo, pois, nos limites dotipo. Resta-nos negar a hipótese, porquanto não permiti<strong>da</strong> tamanha extensão <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>deem face do princípio <strong>da</strong> taxativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei penal, corolário lógico do princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de(art. 5º, inc. XXXIX, <strong>da</strong> Constituição), precisamente no ponto que assevera inexistircrime ‘sem lei anterior que o defina’. Parece claro que sob os postulados dogmáticos quesobrepairam o Direito Penal incriminador não se é de considerar como legalmente defini<strong>da</strong>uma conduta que apenas por equiparação pode ser tipicamente alcança<strong>da</strong>. Atente-se: e poruma equiparação que não é legal, a exemplo do que legitimamente ocorre no ambiente <strong>da</strong>própria Lei 7.492/86 (art. 1º, parágrafo único, e art. 25, § 1º), mas por uma equiparação queem na<strong>da</strong> se diferencia <strong>da</strong> analogia. Parece-nos inexistir qualquer dúvi<strong>da</strong> quanto à lesivi<strong>da</strong>de(à política cambial) <strong>da</strong> conduta sob exame, a qual, sob esse aspecto, em na<strong>da</strong> se diferencia<strong>da</strong>quela consubstancia<strong>da</strong> em uma evasão (saí<strong>da</strong>) de moe<strong>da</strong> ou divisas propriamente dita.Na<strong>da</strong> obstante, o problema reconduz-se aos limites <strong>da</strong> tipici<strong>da</strong>de formal: o tipo, para além<strong>da</strong> per<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> ou divisas, requer que esta conduta se tenha <strong>da</strong>do pela saí<strong>da</strong> do territórionacional ao exterior. Indubitavelmente, trata-se de uma proteção legal de única mãoe, portanto, imperfeita. Sucede que por tal imperfeição não responde o ci<strong>da</strong>dão. Ain<strong>da</strong>que inegável a lesivi<strong>da</strong>de decorrente de sua conduta, esta não se subsume formalmente àhipótese normativa.O segundo problema refere-se à possibili<strong>da</strong>de de atribuir-se à elementar divisa umsentido que nela se faça compreender a mercadoria destina<strong>da</strong> à exportação. Se respondi<strong>da</strong>afirmativamente, a questão estaria soluciona<strong>da</strong> nos limites <strong>da</strong> 1ª parte do parágrafo único,porquanto, ao promover a saí<strong>da</strong> de mercadorias, o exportador não estaria senão promovendoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 219


a saí<strong>da</strong> de divisas, complementando-se, pois, a exigi<strong>da</strong> relação subsuntiva. Trata-se, aqui, debuscar o significado técnico de um elemento normativo do tipo; esse o núcleo <strong>da</strong> questão.Como vimos, entretanto, uma tal equiparação não é de ser feita. Ain<strong>da</strong> que seja inegávela existência de prejuízo à política cambial brasileira, os limites do tipo insculpido na 1ªparte do parágrafo único não albergam essa hipótese. Uma tal incongruência, entretanto,não nos parece o bastante para fazer enquadrar as mercadorias exporta<strong>da</strong>s no conceito dedivisas, o qual, se não é unívoco, tampouco permite, nota<strong>da</strong>mente para efeitos penais, quese lhe agreguem sentidos substancialmente dissociados <strong>da</strong>queles decorrentes de suas linhasconceituais gerais. Em sede de Direito Penal, a interpretação acerca <strong>da</strong> restrição de direitosfun<strong>da</strong>mentais encontra-se alinhava<strong>da</strong> de forma sabi<strong>da</strong>mente mais rígi<strong>da</strong>. Demais de aloca<strong>da</strong>na lei, está assenta<strong>da</strong> em uma interpretação estrita <strong>da</strong> lei. (...)’Além disso, cabe salientar que essa sistemática irresignação ministerial também não vemsendo acolhi<strong>da</strong> pelos tribunais superiores, que mantiveram inúmeras decisões proferi<strong>da</strong>spela Oitava Turma deste <strong>Regional</strong> em favor <strong>da</strong> tese <strong>da</strong> atipici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta, consagra<strong>da</strong>na jurisprudência brasileira a partir do célebre precedente do ‘Passe do Bebeto’, relatadopelo eminente Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence perante a Primeira Turma do STF.Peço vênia para transcrever excerto <strong>da</strong> decisão monocrática do Egrégio STJ que muitobem enfrentou a quaestio juris:‘A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 897.830/RS, Rel.Min. FELIX FISCHER, DJ 10.03.08, seguindo a orientação jurisprudencial do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, firmou o entendimento segundo o qual ‘A exportação de mercadorias, sema correspondente operação de câmbio, não configura o crime do art. 22, parágrafo único,<strong>da</strong> Lei 7.492/86’. Na mesma oportuni<strong>da</strong>de, decidiu que, ‘No tocante à figura delinea<strong>da</strong> naparte final do parágrafo único do art. 22 <strong>da</strong> L. 7.492/86, é manifesto que não cabe subsumirà previsão típica de promover a ‘saí<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> ou divisa para o exterior’ a conduta dequem, pelo contrário, na<strong>da</strong> fez sair do País, mas, nele, deixou de internar moe<strong>da</strong> estrangeiraou o fez, mas de forma irregular’.Com relação ao tipo descrito no caput do art. 22 <strong>da</strong> Lei 7.492/86, manifestou-se a CorteSuprema no sentido de que ‘a incriminação só alcança quem ‘efetuar operação de câmbionão autoriza<strong>da</strong>’: nela não se compreende a ação de quem, pelo contrário, haja eventualmenteintroduzido no País moe<strong>da</strong> estrangeira recebi<strong>da</strong> no exterior sem efetuar a operação decâmbio devi<strong>da</strong> para convertê-la em moe<strong>da</strong> nacional’ (HC 88.087/RJ, 1ª Turma, Rel. Min.SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 15.12.06).Diante de tais razões, decidiu a Quinta Turma do STJ, no mencionado julgado, que aconduta ‘é atípica, visto que não houve saí<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> ou divisa para o exterior, mas apenasa exportação de mercadorias sem a correspondente operação de câmbio’.Por conseguinte, estando o acórdão recorrido em conformi<strong>da</strong>de com a orientação emana<strong>da</strong>do STJ, incide, à espécie, o óbice <strong>da</strong> Súmula 83, segundo a qual ‘Não se conhece dorecurso especial pela divergência, quando a orientação do <strong>Tribunal</strong> se firmou no mesmosentido <strong>da</strong> decisão recorri<strong>da</strong>’, aplicável, também, aos recursos interpostos pela alínea a dopermissivo constitucional.’ (REsp nº 898.956/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de220R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


10.02.2009)”Agora, o MPF tenta, a todo custo, recriminar o ingresso de valoresno território nacional no artigo 21, parágrafo único, <strong>da</strong> LCSFN. Ora, aconduta proscrita nesse tipo penal [sonegar informação que devia prestar]pressupõe o descumprimento de um dever que, a to<strong>da</strong> evidência,conforme muito bem assinalou o magistrado primevo, não recai sobre ocliente <strong>da</strong>s instituições financeiras.Nesse sentido, peço vênia para reproduzir excerto do Capítulo 6 <strong>da</strong>Circular nº 3.493, de 24.03.2010, do Bacen, que atualizou o RMCCI(Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais):“1. Os agentes autorizados a operar no mercado de câmbio devem desenvolver mecanismosque permitam evitar a prática de operações que configure artifício que objetiveburlar os instrumentos de identificação, de limitação de valores e de ca<strong>da</strong>stramento declientes, previstos na regulamentação.2. Cumpre aos agentes autorizados a operar no mercado de câmbio adotar, com relaçãoaos documentos que respal<strong>da</strong>m suas operações, todos os procedimentos necessários a evitarsua reutilização e consequente duplici<strong>da</strong>de de efeitos.3. A realização de operações no mercado de câmbio está sujeita à comprovação documental.3.A Sem prejuízo do dever de identificação dos clientes, nas operações de compra e deven<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> estrangeira até US$ 3.000,00 (três mil dólares dos Estados Unidos), ou doseu equivalente em outras moe<strong>da</strong>s, é dispensa<strong>da</strong> a apresentação de documentação referenteaos negócios jurídicos subjacentes.4. Ressalva<strong>da</strong>s as disposições específicas previstas na legislação em vigor, os documentosvinculados a operações no mercado de câmbio devem ser mantidos em arquivo do agenteautorizado a operar no mercado de câmbio, em meio físico ou eletrônico, pelo prazo decinco anos contados do término do exercício em que ocorra a contratação ou, se houver,a liqui<strong>da</strong>ção, o cancelamento ou a baixa, de forma que, no caso de arquivo eletrônico, oBanco Central do Brasil possa verificar de imediato e sem ônus:a) o arquivo original do documento e os arquivos <strong>da</strong>s assinaturas digitais <strong>da</strong>s partes dodocumento e dos respectivos certificados digitais no âmbito <strong>da</strong> ICP-Brasil, se a regulamentaçãoexigir a guar<strong>da</strong> do documento original; oub) o arquivo do documento, se a regulamentação não exigir a guar<strong>da</strong> do documentooriginal.5. (Revogado) Circular nº 3.398/2008.6. Os agentes autorizados a operar no mercado de câmbio devem certificar-se <strong>da</strong> qualificaçãode seus clientes, mediante a realização, entre outras providências julga<strong>da</strong>s pertinentes,<strong>da</strong> sua identificação, <strong>da</strong>s avaliações de desempenho, de procedimentos comerciaise de capaci<strong>da</strong>de financeira, devendo organizar e manter atualizados:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 221


a) ficha ca<strong>da</strong>stral, na forma e pelo prazo estabelecidos pela regulamentação sobre osprocedimentos a serem adotados na prevenção e combate às ativi<strong>da</strong>des relaciona<strong>da</strong>s comos crimes previstos na Lei nº 9.613, de 03.03.1998, também exigível para a ativi<strong>da</strong>de decorretagem de operação de câmbio; eb) documentos comprobatórios em meio físico ou eletrônico, observado que neste casoseja permiti<strong>da</strong> ao Banco Central do Brasil a verificação do arquivo de forma imediata e semônus. (NR)” (Disponível no sítio: Acesso em: 09 set. 2010, sem grifos no original)Note-se, ain<strong>da</strong>, que a própria denúncia afirma que tal dever foi atribuídoàs instituições financeiras oficiais pela revoga<strong>da</strong> Circular 2.231/92do Bacen, verbis:“[...] Ressalta-se ain<strong>da</strong>, o regulamento de câmbio, instituído pela Circular 2.231/92 doBanco Central, e suas alterações posteriores, sempre previu que as operações de câmbio,tanto compra como ven<strong>da</strong> de moe<strong>da</strong> estrangeira, devem ser registra<strong>da</strong>s pelos bancos autorizadose credenciados pelo Bacen para operar em câmbio, no Sistema de Informaçõesdo Banco Central – Sisbacen. [...]” (Grifei)Frise-se, por oportuno, na<strong>da</strong> obstante não seja este delito consideradopela doutrina como crime próprio, a Colen<strong>da</strong> Quarta Seção deste <strong>Tribunal</strong>restringiu a sua incidência aos agentes <strong>da</strong>s instituições financeiras:“[...] É certo que a infração descrita no caput do artigo 21 (atribuir-se, ou atribuir aterceiro, falsa identi<strong>da</strong>de, para a realização de operação de câmbio) pode ser pratica<strong>da</strong> porqualquer pessoa, não necessariamente aquelas arrola<strong>da</strong>s no dispositivo supra transcrito.To<strong>da</strong>via, em se tratando <strong>da</strong> conduta prevista no parágrafo único, in fine (incorre na mesmapena quem, para o mesmo fim – operação de câmbio –, presta informação falsa) cabe reconhecerque o tipo se destina precipuamente ao administrador <strong>da</strong> instituição financeira,ou agente a ele equiparado, que possui o dever legal de prestar as referi<strong>da</strong>s informações.[...]” (ENUL nº 2001.70.00.033106-0, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro, D.J.U.23.08.2006, destaquei)De outra ban<strong>da</strong>, embora o artigo 1º do Decreto 23.258/33 considereilegítimas as operações realiza<strong>da</strong>s fora <strong>da</strong>s instituições financeiras desautoriza<strong>da</strong>s,não atribui qualquer dever de informação ao cliente quese utiliza dessa espécie de serviço bancário clandestino:“Art. 1º São considera<strong>da</strong>s operações de câmbio ilegítimas as realiza<strong>da</strong>s entre bancos,pessoas naturais ou jurídicas, domicilia<strong>da</strong>s ou estabeleci<strong>da</strong>s no país, com quaisquer enti<strong>da</strong>desdo exterior, quando tais operações não transitem pelos bancos habilitados a operar emcâmbio, mediante prévia autorização <strong>da</strong> fiscalização bancária a cargo do Banco do Brasil.”222Desse modo, é forçoso reconhecer que as operações marginais deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


mero ingresso de valores no país por parte dos clientes <strong>da</strong>s instituiçõesfinanceiras são atípicas, remanescendo apenas a possibili<strong>da</strong>de de eventualprática de sonegação fiscal, que, como é cediço, pressupõe a constituiçãodefinitiva do crédito tributário, o que não é o caso, ou ain<strong>da</strong> a puniçãodos gestores <strong>da</strong> instituição financeira clandestina pelo delito do artigo 16e pelo crime de lavagem de dinheiro por violação dos deveres de compliance,quando perpetrado no âmbito de instituição financeira autoriza<strong>da</strong>.Ademais, conforme muito bem observou o ilustre Relator, a denúnciafoca na internalização dos valores por meio do câmbio negro.Confira-se, a propósito, o seguinte excerto <strong>da</strong> exordial acusatória(evento 01/DENUNCIA1):“[...] Percebe-se, conforme apontam as provas constantes dos autos, assim como osdepoimentos tomados na esfera policial (fls. 58-59 e 199-201), que, realiza<strong>da</strong> a exportaçãoe fechado o correspondente contrato de câmbio de adiantamento de pagamento, somentefoi internaliza<strong>da</strong> pelos meios oficiais parte do valor realmente devido quanto à mercadoria,ou seja, US$ 27.860,99 (vinte e sete mil, oitocentos e sessenta dólares estadunidenses enoventa e nove centavos), quando, em ver<strong>da</strong>de, os produtos exportados foram negociadospor US$ 48.664,80 (quarenta e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro dólares estadunidensese oitenta centavos), conforme ‘Invoice’ n° 019/06 de 12.07.2006 (fl.61).Assim, a fim de receber parte do pagamento relativo à mercadoria, resultante <strong>da</strong> diferençaentre os valores declarados no SISCOMEX, descontado frete e seguro (US$ 24.332,40),e o efetivamente negociado (US$ 48.664,80), em 29.09.2006, a empresa UNIFLEX IN-DÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS DE POLIURETANO LTDA. foi beneficiáriade depósito, no valor de R$ 51.060,00 (cinquenta e um mil e sessenta reais), efetuado pororganização criminosa volta<strong>da</strong> à prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, emsua conta corrente no Banco do Brasil (conta nº 5.406-6, agência 3414-2) (fl. 16-A). Talregistro está inclusive inserido na contabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> empresa (fl. 90).O referido depósito foi concretizado com a participação decisiva do denunciado M.A.S.,que, na condição de administrador <strong>da</strong> empresa MAPPER LOGÍSTICA DE COMÉRCIOEXTERIOR LTDA., a qual intermediou o contrato de câmbio devi<strong>da</strong>mente declarado,tratou de viabilizar o recebimento do restante do valor referente à exportação. Para tanto, odenunciado M.A.S. efetuou contato com ‘CARLOS’ <strong>da</strong> empresa TOUR EXPORT, utiliza<strong>da</strong>pela organização criminosa desbarata<strong>da</strong> por ocasião <strong>da</strong> deflagração <strong>da</strong> Operação OuroVerde, para possibilitar a entra<strong>da</strong> dos valores referentes à parte não declara<strong>da</strong> <strong>da</strong> operaçãode câmbio contrata<strong>da</strong>.[...]Portanto, na medi<strong>da</strong> em que os denunciados usaram canal ilícito, por meio de instituiçãofinanceira que operava sem autorização do Banco Central, o recebimento ora descritofoi efetuado em desconformi<strong>da</strong>de com a legislação pátria, por meio de um canal informalR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 223


que possibilitou o desconhecimento pelo órgão competente dos recursos movimentadospelos denunciados. A operação de câmbio efetua<strong>da</strong> foi realiza<strong>da</strong> mediante sonegação deinformação ao Banco Central do Brasil, uma vez que necessária seria a execução do devidocontrato de câmbio, com determinação precisa <strong>da</strong>s partes envolvi<strong>da</strong>s. [...] Dessa forma eassim agindo, os denunciados R.G.L. e M.A.S. praticaram a conduta descrita no art. 21,parágrafo único, <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86, pois sonegaram à autori<strong>da</strong>de competente informaçõesdevi<strong>da</strong>s necessárias à operação de câmbio.”Ora, se o órgão acusatório se limita a imputar o ingresso clandestinode valores, isto é, sem a devi<strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> Autori<strong>da</strong>de Monetária, éevidente que não está acusando diretamente a sonegação de informaçãocambial, mas, sim, o imaginário crime de “invasão de divisas”, fazendo,pois, tábula rasa do princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de penal.Caso a peça incoativa tivesse incriminado os réus pela movimentaçãoparalela de recursos, poder-se-ia enquadrar tal conduta no tipo penaldo artigo 11 <strong>da</strong> LCSFN, pois a informação omiti<strong>da</strong> do Sisbacen seriaposterior à realização <strong>da</strong> operação de câmbio:“Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabili<strong>da</strong>de exigi<strong>da</strong>pela legislação:Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, e multa.”Assim, considerando que, na prática, as operações cambiais clandestinasprescindem do registro junto ao sistema oficial do Banco Central paraocorrerem, restaria eventualmente delinea<strong>da</strong> a movimentação paralela devalores, provenientes <strong>da</strong>s operações de câmbio, à margem <strong>da</strong> contabili<strong>da</strong>deoficial. Nessa exata linha de conta, manifesta-se a jurisprudênciadeste Colegiado:“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRONACIONAL. ARTIGOS 11, 16 E 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. LAVA-GEM DE DINHEIRO. CASA DE CÂMBIO SITUADA NA FRONTEIRA. PRESCRIÇÃO.1. A sistemática realização de operações cambiais por casa de câmbio sem registrosno Sisbacen subsume-se ao tipo penal do artigo 11 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86, e não ao do artigo21, parágrafo único, <strong>da</strong> LCSFN, porquanto a informação omiti<strong>da</strong> do BANCO CENTRALé posterior à realização <strong>da</strong> transação realiza<strong>da</strong> à margem do sistema oficial. [...]” (ACRnº 2003.71.00.039514-0/RS e ACR Nº 2003.71.00.059415-0, 8ª Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong>Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 24.02.2010, D.E. 11.03.2010)É certo que doutrina considera o delito do artigo 11 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86próprio. Partem os que assim pensam <strong>da</strong> topografia do tipo. Estando ele224R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


inserido em uma lei especial volta<strong>da</strong> à proteção do Sistema Financeiroe ativi<strong>da</strong>des correlatas, seu sujeito ativo restringir-se-ia àquelas pessoasprevistas no art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86. Dentre os que assim raciocinam,encontramos o vaticínio de Manoel Pedro Pimentel (Crimes contra oSistema Financeiro Nacional: comentários à Lei 7.492/86, de 16.06.1986.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987), José Carlos Tortima (Crimescontra o Sistema Financeiro Nacional: uma contribuição ao estudo <strong>da</strong>Lei 7.492/86. 2. ed. Rio Janeiro: Lúmen Juris, 2002), Roberto Podval(Crimes contra o Sistema Financeiro. In FRANCO, Alberto Silva et al.Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 1, p. 819-902) e Áureo Natalde Paulo (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e o mercadode capitais. Curitiba: Juruá, 2006). Este último, inclusive, afirma que,“se fosse o objetivo do legislador ve<strong>da</strong>r to<strong>da</strong> e qualquer ativi<strong>da</strong>de decontabili<strong>da</strong>de paralela, o teria feito inserindo um dispositivo no CódigoPenal” (op. cit., p. 193).A possibili<strong>da</strong>de de um particular praticar esse ilícito, desse modo,limitar-se-ia à mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de coautoria ou participação em concurso como controlador e/ou o administrador de instituição financeira (e figurasequipara<strong>da</strong>s), na forma do previsto no art. 30 do Estatuto Repressivo(nesse sentido: MAIA, Rodolfo Tigre. Dos crimes contra o SistemaFinanceiro Nacional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 94).Concessa maxima venia, divirjo. A técnica utiliza<strong>da</strong> pelo legislador ordináriona edição <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86, deveras, causa uma certa dubie<strong>da</strong>de,porquanto, em alguns tipos penais, aponta, ain<strong>da</strong> que implicitamente, osujeito ativo, ao passo que, em outros, silencia completamente a respeito.O autor <strong>da</strong> conduta incrimina<strong>da</strong> é reconhecido, de imediato, por exemplo,nos arts. 4º (o gestor de instituição financeira), 5º e 17 (quaisquer <strong>da</strong>spessoas menciona<strong>da</strong>s no art. 25), 12 (o ex-administrador de instituiçãofinanceira), 13, parágrafo único, e 15 (o interventor, o liqui<strong>da</strong>nte e o síndico).Em relação a outras figuras penais previstas no diploma legal emcomento, contudo, o sujeito ativo é inferido a partir <strong>da</strong> descrição do tipo.Nessas hipóteses em que o agente do crime encontra-se “oculto”, nãobasta, para elucidá-lo, o exercício do simples raciocínio que, partindo <strong>da</strong>premissa de que tais condutas delituosas estão previstas em uma normaque tutela o Sistema Financeiro Nacional, conclui pela possibili<strong>da</strong>de deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 225


somente as pessoas elenca<strong>da</strong>s em seu art. 25 poderem incorrer em suasrespectivas penas. Refiro, exemplificativamente, algumas conjecturasem que essa ilação não se apresenta apropria<strong>da</strong>:art. 14 – uso de documento falso, por qualquer pessoa que seja credora,em liqui<strong>da</strong>ção extrajudicial de instituição financeira;art. 16 – exercício ilegal de instituição financeira (se o exercício élegal, ou seja, realizado por aqueles agentes do art. 25, e há irregulari<strong>da</strong>de,o crime será o do art. 4º): pune-se o particular que opera, semautorização, instituição financeira;art. 19 – obtenção (por qualquer pessoa) de financiamento mediantefraude;art. 20 – emprego irregular/desvio de recursos provenientes de financiamentoconcedido por instituição financeira;art. 21 – falsa identi<strong>da</strong>de para fins de operação de câmbio, eart. 22, caput (evasão de divisas por meio de operação de câmbio) eparágrafo único (evasão ilegal de divisas e manutenção de depósitos noexterior não declarados às autori<strong>da</strong>des nacionais competentes).Tais preceptivos, acrescidos do art. 11, fogem, a to<strong>da</strong> evidência, àsistemática <strong>da</strong> lei. Destinam-se, sobretudo (ou exclusivamente, em algunscasos), a terceiros, pessoas estranhas ao art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86. Nessaexata linha de conta, Rodolfo Tigre Maia (op. cit., p. 144) observa que“a própria lei contém dispositivos que são próprios de sujeitos ativos nãoindicados no dispositivo (v.g. arts. 14 e 23)”.Ora, é impossível negar que o administrador de uma empresa quemantém e movimenta recursos por meio de uma contabili<strong>da</strong>de paralela(“caixa 2”), propiciando-lhe principalmente a evasão de divisas (mastambém a sonegação fiscal e a especulação lesiva à ordem econômica),não gera instabili<strong>da</strong>de no sistema financeiro nacional, subsumindo-se àmoldura legal do art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 7.492/86.A propósito, em artigo intitulado “O Caixa 2”, o Desembargador<strong>Federal</strong> Fábio Rosa salienta, ao comentar a fattispecie do art. 11 <strong>da</strong> Leinº 7.492/86, que“o objeto <strong>da</strong> imputação é o fato de manter-se o dinheiro no cofre ou utilizá-lo como capitalde giro. Disso decorre que o universo financeiro do país reduz-se, diminuindo o acesso aocrédito, o que importa o decréscimo do desenvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des industriais e comerciais,comprometendo o progresso do país. A inteireza e o desenvolvimento normal <strong>da</strong>s226R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ativi<strong>da</strong>des financeiras mantêm um fluxo de riqueza, que pode ser manipulado por políticasestatais no sentido do crescimento em to<strong>da</strong>s as áreas objeto <strong>da</strong> administração. A redução<strong>da</strong> disponibili<strong>da</strong>de no sistema financeiro, por tal modo, dificulta e encarece o crédito e diminuio fluxo do desenvolvimento. Quanto menos dinheiro estiver disponível, mais difícilé o acesso aos financiamentos com juros baixos.” (in Revista do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>. PortoAlegre: <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 4. <strong>Região</strong>, 2004. n. 51, p. 16)Forçoso concluir, pois, que os crimes definidos na Lei nº 7.492/86ora se apresentam como próprios, ora como comuns. Dar a exegesepretendi<strong>da</strong> ao alcance <strong>da</strong> norma em apreço, restringindo-a de tamanhae violenta forma, representaria fazer letra morta de seu texto. Assim éque, valendo-me <strong>da</strong>s lições de Carlos Maximiliano, prefiro as tábuas <strong>da</strong>lei às “palavras dos profetas” (Hermenêutica e aplicação do Direito. Riode Janeiro: Forense, 1994. p. 181). Não há como sustentar, tão somenteporque emana<strong>da</strong> dos sábios, posição que, a mim, apresenta-se absolutamenteequivoca<strong>da</strong>.O crime do art. 11 é comum pela simples razão de que seu tipo objetivonão atribui, nem exige, nenhuma quali<strong>da</strong>de peculiar ao seu sujeitoativo. Se as movimentações paralelas forem realiza<strong>da</strong>s no âmbito internode uma instituição financeira, é evidente que, na fixação <strong>da</strong> autoria,será considera<strong>da</strong> a regra do art. 25. Isso não torna o crime, no entanto,próprio. Quando a Lei nº 7.492/86 assim desejou, o fez expressamente.Acrescento, ain<strong>da</strong>, não haver como falar que o “caixa 2” praticadopor pessoas alheias à administração de instituições financeiras estariaincriminado pelo art. 2º, V, <strong>da</strong> Lei nº 8.137/90. São crimes distintos. “Ocaixa dois <strong>da</strong> Lei 8.137/90”, adverte Fábio Rosa, “não é caracterizadopela existência de um volume de dinheiro disponível, sem declaração aoFisco, mas pela manutenção de um sistema contábil que viabiliza queisso ocorra”. De tal forma,“o caixa dois <strong>da</strong> sonegação e do crime financeiro expressam-se por um fato só, do que seconclui que se trata de concurso formal. To<strong>da</strong>via, a fraude fiscal materializa fato independente,resultando o concurso material. Assim, na hipótese figura<strong>da</strong>, há concurso material<strong>da</strong> sonegação fiscal com dois crimes de caixa dois que, por seu lado, materializam um concursoformal. Pode até acontecer que o agente vise apenas a consumar o caixa dois <strong>da</strong> Lei8.137/90, mas o fato de manter ou movimentar os recursos sigilosamente já tipifica o caixadois <strong>da</strong> Lei 7.492/86. Se não há dolo direto quanto a este delito, pelo menos haverá o doloeventual. Isso, entretanto, é incomum, porque a regra é a de que haja a fraude fiscal, comproveito econômico, mantendo-se a contabili<strong>da</strong>de paralela e a movimentação dos recursosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 227


com capital de giro ou investimentos. Ambos os crimes do caixa dois serão consumadoscom dolo direto.” (op. cit., p. 19, destacou-se)Com efeito, o lançamento de fatos geradores de tributos em um registrocontábil paralelo, além de enganar a vigilância fiscal (“caixa 2”do art. 2º, V, <strong>da</strong> Lei nº 8.137/90), pressupõe a posse e/ou movimentaçãodos recursos objeto <strong>da</strong> escrita lateral. Nessa situação,“não existe concurso aparente de lei entre as duas espécies delituosas do caixa dois. Tratando--se de fato único há tendência de confundir-se a hipótese. Observe-se que, no concursoformal de uma uni<strong>da</strong>de fática, decorre mais de um resultado tipificado. A diferença entre ochamado concurso impróprio, que é o conflito aparente de normas penais, se dimensionapela utilização de um princípio, por cuja aplicação restará a consequência de punir-se aconduta por um só dos crimes. Se o agente rouba, não é punível por furto e roubo, porqueeste é norma especial. Acaso inci<strong>da</strong> um dos princípios (subsidiarie<strong>da</strong>de, especiali<strong>da</strong>de ouconsunção), não será reconhecido o concurso formal. Inicialmente, o caixa dois <strong>da</strong> Lei nº7.492/86 pode existir sem que o antecedente seja sonegação fiscal. Basta que o valor vindo àsmãos do detentor tenha sua existência sonega<strong>da</strong> ao Banco Central do Brasil. O bem jurídicotutelado em tal delito é a integri<strong>da</strong>de do sistema financeiro nacional. Ao contrário, o caixadois <strong>da</strong> Lei 8.137/90 lesa diretamente a vigilância fiscal e indiretamente o erário. Trata-sede bens de vi<strong>da</strong> diversos. Logo, não havendo relação de subsidiarie<strong>da</strong>de entre ambos osdelitos, não sendo caso de norma penal especial ou de aplicação do princípio <strong>da</strong> consunção,que pressupõe tutela direta ou indireta <strong>da</strong> mesma espécie de bens, inexiste conflito aparentede leis. Resulta que haverá concurso formal entre as duas espécies de caixa dois.” (ROSA,Fábio. op. cit., p. 20)Concluo, pois, pela possibili<strong>da</strong>de de pessoa alheia à administração deinstituição financeira ser sujeito ativo do crime capitulado no art. 11 <strong>da</strong>Lei nº 7.492/86, bastando, para tanto, que o capital gire fora do sistemade controle do Banco Central.Assim, nos casos dessa natureza (empresário que se utiliza de doleiropara internalizar recursos à margem do SFN), é exigi<strong>da</strong> do Parquet umaatuação mais técnica, mediante franca utilização de provas contábeis, afim de demonstrar a indevi<strong>da</strong> utilização do mercado de câmbio informal,viabilizando, pois, a instauração <strong>da</strong> persecução criminal por um delitomuito mais gravoso do que o do artigo 21, parágrafo único, <strong>da</strong> LCSFN.Ante o exposto, com a devi<strong>da</strong> vênia do eminente Relator, voto pornegar provimento à apelação.228R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


HABEAS CORPUS Nº 5016351-28.2011.404.0000/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de CastroPaciente: S.C.Advogado: Dr. Cambises José MartinsImpetrado: Juízo Substituto VF e JEF de BrusqueMPF: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTAPenal e processual. Habeas corpus. Art. 112, inc. I, do CP. Prescrição<strong>da</strong> pretensão executória. Termo a quo. Trânsito em julgado para ambasas partes. Interpretação de acordo com o sistema constitucional vigente.1. Na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ (HC nº 163.261/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, public. no DJe de 25.04.2011), o artigo 112,inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordem constitucionalvigente, de modo a considerar o trânsito em julgado para ambas as partes– e não somente para a acusação – como termo inicial para a prescrição<strong>da</strong> pretensão executória.2. Em face de interpretação <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Suprema Corte ao princípio<strong>da</strong> presunção de inocência (Art. 5º, LVII – “ninguém será consideradoculpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), oEstado somente pode executar a pena após o trânsito em julgado <strong>da</strong> açãopenal, ou seja, após esgotados todos os recursos.3. Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito emjulgado apenas para a acusação como marco para a prescrição, quandoo Estado, em face <strong>da</strong> pendência de recurso interposto pela defesa, estáimpedido de executar a pena e, inobstante isso, continua fluindo o prazoprescricional.4. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de,sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte.5. Não é caso de declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, porquanto “nãose está negando vigência ao disposto no art. 112, I, do Código Penal,mas <strong>da</strong>ndo-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional”(TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Corte Especial, HC nº 0025643-59.2010.404.0000/SC, Rel. Des. Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, public. no D.E. em 14.07.2011).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 229


ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acimaindica<strong>da</strong>s, decide a Sétima Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, pormaioria, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficasque integram o presente julgado.Porto Alegre, 31 de janeiro de 2012.Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: Cui<strong>da</strong>-se dehabeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Cambises JoséMartins, em favor de S.C., contra decisão proferi<strong>da</strong> pelo MM. JuizSubstituto <strong>da</strong> Vara <strong>Federal</strong> de Brusque/SC que, nos autos <strong>da</strong> execuçãopenal nº 5000623-30.2011.404.7215/SC, indeferiu pedido de extinção<strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de, nos termos seguintes (ev. 25):“Trata-se de execução penal instaura<strong>da</strong> em face do apenado S.C., para cumprimento<strong>da</strong> pena de 8 meses de reclusão e multa no valor atualizado de R$ 44,89, em razão de condenaçãona Ação Penal nº 2008.72.15.000836-8, pela prática do delito capitulado no art.1º, I, <strong>da</strong> Lei 8.137/90, cuja pena restritiva de liber<strong>da</strong>de foi substituí<strong>da</strong> por duas restritivasde direitos (prestação pecuniária e prestação de serviços à comuni<strong>da</strong>de), consoante FichaIndividual do Réu – evento 1.Intimado para a audiência admonitória e para o pagamento <strong>da</strong> pena de multa e custasprocessuais, o apenado peticionou nos autos por meio de advogado constituído, requerendoo reconhecimento <strong>da</strong> prescrição e extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de do sentenciado (evento 18).Com vista dos autos, o Ministério Público <strong>Federal</strong> manifestou-se pelo indeferimento dopedido, alegando que ‘não transcorreu lapso suficiente para a incidência <strong>da</strong> prescrição, tendoem vista que entre a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> sentença condenatória (14.05.09) até a de intimação<strong>da</strong> defesa do acórdão recorrível (25.02.2011), traspassou-se menos de 02 (dois) anos’.É o breve relatório. Decido.Analisando o feito, verifico que o réu foi condenado, no Juízo de primeiro grau, à penade 2 (dois) anos de reclusão e 10 dias-multa, fixado o dia-multa em 1/30 do salário mínimovigente em abril de 2003. A sentença condenatória foi publica<strong>da</strong> em 14.05.2009.Pela defesa foi interposto recurso de apelação, cujo acórdão proferido pelo egrégio<strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> reduziu as penas aplica<strong>da</strong>s ao réu para 8 (oito)meses de reclusão e 4 (quatro dias-multa), restando definitivas, com trânsito em julgado,tanto para a acusação quanto para o réu na <strong>da</strong>ta de 07.04.2011.Considerando que o delito foi cometido antes <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei 12.234/2010, aplicávelao caso a re<strong>da</strong>ção anterior do art. 109, inciso VI, do Código Penal, o qual preconizava para230R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


essa quanti<strong>da</strong>de de pena o prazo prescricional de 2 anos.Dispõe o art. 110, do Código Penal, que a prescrição, depois de transitar em julgado asentença condenatória, regula-se pela pena aplica<strong>da</strong> e verifica-se nos prazos fixados no art.109, acima mencionado.Na hipótese, em face <strong>da</strong> pena em concreto aplica<strong>da</strong> (08 meses de reclusão), necessáriopara que seja declara<strong>da</strong> a prescrição <strong>da</strong> pena aplica<strong>da</strong>, o decurso de dois anos ou mais entrea <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> sentença condenatória, ocorri<strong>da</strong> em 14.05.2009, e a <strong>da</strong>ta do trânsitoem julgado do acórdão, em 07.04.2011.No entanto, o que se constata é que esse lapso consiste em um ano, dez meses e 23dias, insuficiente para declaração <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pena definitivamente aplica<strong>da</strong> de oitomeses de reclusão, nos termos do art. 109, VI, do Código Penal, com a re<strong>da</strong>ção anterior àLei 12.234/2010.Ante o exposto, indefiro o requerimento <strong>da</strong> defesa constante no evento nº 12.Designo o dia 10 de novembro de 2011, às 14h30min, para realização <strong>da</strong> audiênciaadmonitória.Deverá o réu comprovar o pagamento <strong>da</strong> pena de multa e custas processuais no prazode quinze dias, consoante guias que lhe foram entregues por ocasião <strong>da</strong> intimação para aaudiência anteriormente designa<strong>da</strong> (evento nº 11), sob pena de remessa <strong>da</strong>queles valoresà Procuradoria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Nacional para execução força<strong>da</strong>, de acordo com a previsão doart. 51 do Código Penal e art. 342, § 1º, do Provimento nº 2, de 01.06.2005, Corregedoria--Geral <strong>da</strong> Justiça.Cumpram-se as demais determinações constantes no despacho do evento nº 04.Intimem-se.Brusque, 30 de setembro de 2011.”Sustenta o Impetrante, em síntese, ser caso de extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de,porquanto já decorreu mais de 02 (dois) anos entre a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sentençacondenatória e o início do cumprimento <strong>da</strong> pena. Refere que, in casu, oAcórdão não pode ser considerado como marco interruptivo <strong>da</strong> prescrição,já que “não houve alteração substancial <strong>da</strong> sentença”.Diante disso, requereu a concessão liminar <strong>da</strong> ordem – suspendendo-sea audiência admonitória apraza<strong>da</strong> para o dia 10 de novembro de 2011 – esua posterior confirmação pela Turma para que seja declara<strong>da</strong> extinta apunibili<strong>da</strong>de do paciente.A tutela de urgência foi indeferi<strong>da</strong> (ev. 2).As informações foram dispensa<strong>da</strong>s. A Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Repúblicamanifestou-se pela denegação <strong>da</strong> ordem (ev. 7).É o relatório.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 231


VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro: A decisão queindeferiu a liminar foi lavra<strong>da</strong> nas seguintes letras (ev. 2):“A irresignação não merece trânsito.Com efeito, ao contrário do alegado na inicial, a prescrição após a sentença condenatórianão possui como marcos a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação do decisum e o início do cumprimento <strong>da</strong>pena, mas sim a sentença e o seu trânsito em julgado. É a chama<strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensãopunitiva intercorrente ou subsequente.Conforme leciona Andrei Zenkner Schmidt (in Da Prescrição Penal, ed. Livraria doAdvogado, p. 156-157), ‘o termo inicial <strong>da</strong> prescrição intercorrente é a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> última interrupção,ou seja, a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> sentença condenatória (DPSC). Se a condenaçãofor originária de 2º grau, o dies a quo será a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sessão de julgamento do recurso. (...).Já o termo final é a <strong>da</strong>ta do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença condenatória. Se o prazo prescricionalobtido transcorrer por inteiro antes <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> res judicata, extinta restará apunibili<strong>da</strong>de, devendo ser declara<strong>da</strong> na primeira oportuni<strong>da</strong>de de manifestação.’A propósito, veja-se o seguinte precedente:‘Penal e processual. Reclamação. Usurpação <strong>da</strong> competência desta Corte. Juízo deadmissibili<strong>da</strong>de. Declaração de prescrição. Ausência de jurisdição. Inocorrência. Requisitolegal objetivo. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo. Prescrição devi<strong>da</strong>mentereconheci<strong>da</strong>. Reclamação julga<strong>da</strong> improcedente. 1. A reclamação é instrumento processualde caráter específico e aplicação restrita. Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea f, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, presta-se para preservar a competência e garantir a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sdecisões dos Tribunais. 2. A análise <strong>da</strong> admissibili<strong>da</strong>de do recurso especial, realiza<strong>da</strong> pelo<strong>Tribunal</strong> de origem, restringe-se ao exame dos requisitos formais, não se podendo adentrarna matéria de fundo. 3. A prescrição <strong>da</strong> pretensão punitiva estatal, a qual enseja a extinção <strong>da</strong>punibili<strong>da</strong>de, deve ser reconheci<strong>da</strong>, nos termos do artigo 61, caput, do Código de ProcessoPenal, em qualquer fase do processo, de ofício. 4. A declaração <strong>da</strong> prescrição pelo <strong>Tribunal</strong>de origem, em sede de juízo de admissibili<strong>da</strong>de, não significa indevido incursionamentono conteúdo do recurso, mas, antes, caracteriza-se como devi<strong>da</strong> análise dos pressupostosdo recurso especial, por se tratar de fato impeditivo ou extintivo do direito estatal de punir.5. A prescrição restou devi<strong>da</strong>mente delinea<strong>da</strong>, na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de intercorrente, pois entre oúltimo marco interruptivo, publicação <strong>da</strong> sentença condenatória, e o trânsito em julgado,o qual não havia ocorrido, implementou-se o lapso do artigo 109 do Código Penal. 6. Reclamaçãojulga<strong>da</strong> improcedente.’ (STJ, 3ª Seção, Rcl 4515/SP, Rel. Min. Maria Thereza deAssis Moura, public. no Dje de 30.05.2011)Na hipótese dos autos, não houve o transcurso de mais de 02 (dois) anos entre a publicação<strong>da</strong> sentença condenatória (14.05.2009) e o trânsito em julgado do processo (07.04.2011).De outra parte, poderia, em tese, se cogitar <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória entreo trânsito em julgado para a acusação (20.05.2009 – <strong>da</strong>ta em que, conforme consulta àsfases <strong>da</strong> ação penal, restou certifica<strong>da</strong> a ausência de recurso do Ministério Público acerca232R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


<strong>da</strong> sentença) e o início do cumprimento <strong>da</strong> pena, que ain<strong>da</strong> não ocorreu.Entretanto, o e. STJ tem se manifestado no sentido de que o termo a quo <strong>da</strong> prescriçãoexecutória não é o trânsito em julgado para o MP, mas sim para ambas as partes (que, nocaso, como visto, se deu em 07.04.2011) consoante atesta a ementa do seguinte julgado:‘Habeas corpus. Art. 33, § 3º c/c art. 28, inciso III, <strong>da</strong> Lei n° 11.343/06. Pena restritivade direitos. Prescrição <strong>da</strong> pretensão executória. Marco interruptivo. Efetivo início documprimento <strong>da</strong> pena. Termo inicial. Trânsito em julgado para ambas as partes. Ausênciade informações necessárias ao deslinde <strong>da</strong> questão. Ordem parcialmente concedi<strong>da</strong>. 1.Na linha de precedentes desta Corte, considera-se como início do cumprimento <strong>da</strong> penade prestação de serviços à comuni<strong>da</strong>de o dia do efetivo comparecimento do apenado àinstituição assistencial designa<strong>da</strong> pelo Juízo <strong>da</strong>s Execuções para o cumprimento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de(Precedentes). 2. O simples comparecimento do paciente em cartório para retira<strong>da</strong>de ofício e ca<strong>da</strong>stramento em Programa de Prestação de Serviços à Comuni<strong>da</strong>de nãoconfigura início do cumprimento <strong>da</strong> condenação, não podendo ser considerado marco interruptivodo prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão executória (Precedentes). 3. O termo inicial<strong>da</strong> contagem do prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão executória é o trânsito em julgado paraambas as partes, porquanto somente nesse momento é que surge o título penal passívelde ser executado pelo Estado. Dessa forma, não há como se falar em início <strong>da</strong> prescriçãoa partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista a impossibili<strong>da</strong>de de se<strong>da</strong>r início à execução <strong>da</strong> pena, já que ain<strong>da</strong> não haveria uma condenação definitiva, emrespeito ao disposto no artigo 5º, inciso LVII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. 4. Na hipótesevertente, entretanto, não obstante o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias nãoesteja em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, observa-se que não hános autos informações seguras se o paciente já deu início ao efetivo cumprimento <strong>da</strong> pena,porquanto as notícias trazi<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> atestam tão somente a retira<strong>da</strong> doofício em cartório aos 19.06.2008, fato que, repita-se, não pode ser considerado como marcointerruptivo do mencionado lapso, motivo pelo qual não há como este So<strong>da</strong>lício procedera análise <strong>da</strong> ocorrência <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> causa extintiva de punibili<strong>da</strong>de no presente caso. 5. Orito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituí<strong>da</strong> do direito alegado, devendo a partedemonstrar, de maneira inequívoca, por meio de provas documentais que evidenciem apretensão aduzi<strong>da</strong>, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.6. Ordem parcialmente concedi<strong>da</strong> tão somente para determinar que o Juízo <strong>da</strong> Execuçãocompetente desconsidere o simples comparecimento do acusado em cartório para retira<strong>da</strong>de ofício como início do cumprimento <strong>da</strong> condenação e, procedendo a nova análise dosmarcos interruptivos previstos no art. 117 do Código Penal, verifique se já transcorreu olapso temporal exigido para o reconhecimento <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de do paciente pelaprescrição <strong>da</strong> pretensão executória.’ (Quinta Turma, HC nº 163.261/SP, Rel. Min. JorgeMussi, public. no DJe de 25.04.2011)Ex positis, indefiro a liminar.”Não há razões para alterar tal entendimento, já que efetivamentenão houve o transcurso de mais de 02 (dois) anos entre a publicação <strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 233


sentença condenatória (14.05.2009) e o trânsito em julgado do processo(07.04.2011) para que fosse reconheci<strong>da</strong> a prescrição intercorrente.De igual forma, na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ,o artigo 112, inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordemconstitucional vigente, de modo a considerar o trânsito em julgado paraambas as partes – e não somente para a acusação – como termo a quopara a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória.Com efeito, como é cediça, a prescrição está consubstancia<strong>da</strong> basicamentena inércia por parte do Estado que, ao deixar de agir quandopoderia, perde o direito de punir o ci<strong>da</strong>dão. Conforme lição de AndreiZenkner Schmidt (ob. cit., p. 18-19),“as pretensões punitiva e executória não são perpétuas. O Estado está sujeito a um prazodeterminado dentro do qual deverá mover a ação penal e, após, executar a pena, se condenatóriaa decisão. Mantendo-se inerte durante esse lapso, perderá o direito de punir oude executar, conforme o caso, a sanção penal. A prescrição é justamente a caduci<strong>da</strong>de dodireito do Estado, pelo decurso do tempo, em exercitar a pretensão punitiva ou a executória.”A par disso, no sistema constitucional em vigor, em face de interpretação<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Suprema Corte ao princípio <strong>da</strong> presunção de inocência(Art. 5º, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito emjulgado de sentença penal condenatória”), o Estado somente pode executara pena após o trânsito em julgado <strong>da</strong> ação penal, ou seja, apósesgotados todos os recursos.Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito em julgadoapenas para a acusação como marco para a prescrição, quando o Estado,em face <strong>da</strong> pendência de recurso interposto pela defesa, está impedido deexecutar a pena e, inobstante isso, continua fluindo o prazo prescricional.Consoante bem destacado por Guilherme de Souza Nucci (in Manual deDireito Penal, 7. ed., RT, p. 617),“o início <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória contra o Estado a partir do momento emque há o trânsito em julgado <strong>da</strong> decisão somente para a acusação é inconcebível, pois,ain<strong>da</strong> que se queira, não há viabili<strong>da</strong>de para a execução <strong>da</strong> pena, devendo-se aguar<strong>da</strong>r otrânsito em julgado para a defesa. Ora, se não houve desinteresse do Estado, nem inércia,para fazer o condenado cumprir pena, não deveria estar transcorrendo a prescrição <strong>da</strong>pretensão executória.”Entendimento contrário levaria à seguinte situação: o Estado não estáautorizado a agir e mesmo assim a prescrição continua ocorrendo. Ora,234R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


isso é um ver<strong>da</strong>deiro contrassenso, mormente em face <strong>da</strong> ampla possibili<strong>da</strong>dede recursos que a legislação processual pátria coloca à disposição <strong>da</strong>defesa. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de,sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte.O trânsito em julgado somente para a acusação poderia ser mantidocomo termo inicial <strong>da</strong> prescrição se houvesse possibili<strong>da</strong>de de execuçãoprovisória <strong>da</strong> pena, porquanto, nessa hipótese, o Estado não estariaimpedido de agir, a despeito <strong>da</strong> pendência de recurso defensivo. Nesseaspecto, aliás, observem-se as percucientes razões elenca<strong>da</strong>s pelo e. Juiz<strong>Federal</strong> Artur César de Souza no voto proferido nos autos do processo5002934-57.2011.404.7000/PR, verbis:“(...) Antes de mais na<strong>da</strong>, é necessário realizar uma análise sistemática <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong>prescrição com base na pena em concreto, desde que tenha a sentença condenatória transitadoem julgado apenas para a acusação, conforme regra prevista no § 1º do art. 110 do C.P.A re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> ao § 1º do art. 110 do C.P., após a reforma penal realiza<strong>da</strong> pela Lei n°7.209, de 11.07.1984, foi no sentido de que ‘A prescrição, depois <strong>da</strong> sentença condenatóriacom trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido o seu recurso, regula-sepela pena aplica<strong>da</strong>’.A reforma penal de 1984 deu-se sob a égide <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1969, maisprecisamente com base na Emen<strong>da</strong> Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969.A Constituição de 1969, por sua vez, no Capítulo IV – Dos Direitos e Garantias Individuais,não previa, em seu art. 153, nenhum princípio específico <strong>da</strong> presunção <strong>da</strong> inocência,no sentido de que qualquer pessoa somente poderia ser considera<strong>da</strong> culpa<strong>da</strong> após o trânsitoem julgado <strong>da</strong> decisão, conforme preconiza o art. 5º, inc. LVII <strong>da</strong> atual C.F., a saber: ‘ninguémserá considerado culpado até o trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença penal condenatória’.Assim, como a Constituição <strong>Federal</strong> de 1969 não previa expressamente o princípio <strong>da</strong>inocência com base na culpabili<strong>da</strong>de reconheci<strong>da</strong> apenas após o trânsito em julgado <strong>da</strong>sentença penal condenatória, legítima e plenamente eficaz seria a re<strong>da</strong>ção do art. 110, § 1ºdo C.P. que permitia o reconhecimento <strong>da</strong> prescrição, após o trânsito em julgado <strong>da</strong> sentençapara a acusação, com base na pena aplica<strong>da</strong> na sentença condenatória.E essa legitimi<strong>da</strong>de legislativa tinha sua razão de ser no fato de que a Constituição<strong>Federal</strong> de 1969 não impedia a execução provisória <strong>da</strong> decisão nas hipóteses em que orecurso interposto pela defesa contra a sentença condenatória não fosse recebido tambémno efeito suspensivo, como era o caso do Recurso Extraordinário.Por isso a jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, durante longos anos, orientou-seno sentido de que a interposição do recurso especial e/ou recurso extraordinário não impediria,em princípio, a prisão do condenado, tendo em vista que não possuem efeito suspensivo.Nesse contexto, à guisa de exemplo, arrolo os seguintes precedentes: HC 83.978/RS, rel.Min. Carlos Velloso, Segun<strong>da</strong> Turma, DJ 28.2004; HC 84.336/RS, rel. Min. Ellen Gracie,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 235


2ª Turma, DJ 01.10.2004; HC 80.174/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, Segun<strong>da</strong> Turma, DJ12.04.2002; RHC 79.972/SP, rel. Min. Nelson Jobim, Segun<strong>da</strong> Turma, DJ 22.02.2000 e HCn° 80.939/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 1º Turma, unânime, DJ 13.09.2002.Assim, se a pretensão executória <strong>da</strong> pena fixa<strong>da</strong> na sentença penal condenatória (emboraain<strong>da</strong> recorrível por parte <strong>da</strong> defesa) poderia ser realiza<strong>da</strong>, desde que o recurso não fosserecebido também no efeito suspensivo, como é o caso do recurso especial e do recursoextraordinário, o sistema do Código Penal (infraconstitucional) era perfeito ao estabelecerque a prescrição nessas hipóteses se <strong>da</strong>va pela pena aplica<strong>da</strong> (desde que transita<strong>da</strong> emjulgado a decisão para acusação).Sem dúvi<strong>da</strong>, podendo a acusação exercer sua pretensão executória (ain<strong>da</strong> que provisoriamente)conforme permissão <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Corte Constitucional brasileira e pela Constituição<strong>Federal</strong> de 1969, a prescrição deveria contar-se não mais com base na pena em abstratodo delito, mas com base na pena em concreto, pois a sentença penal condenatória, emboraain<strong>da</strong> sujeita a recurso <strong>da</strong> defesa, tinha plena eficácia no ordenamento jurídico brasileiropara efeito de execução provisória.Contudo, com a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988, o princípio <strong>da</strong> inocêncianão ficou mais sujeito a uma sentença penal condenatória (ain<strong>da</strong> pendente de recurso),mas, sim, a uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado para ambas as partes,conforme preconiza o art. 5º, inc. LVII, a saber: ‘ninguém será considerado culpado até otrânsito em julgado <strong>da</strong> sentença penal condenatória’.Assim, se a partir <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 ninguém mais poderia ser consideradoculpado antes do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença penal condenatória, nenhum efeito jurídicopoderia desencadear essa sentença, principalmente no que concerne à pena aplica<strong>da</strong>, antesde a pessoa ser considera<strong>da</strong> culpa<strong>da</strong>, o que somente ocorre com o trânsito em julgado <strong>da</strong>sentença penal condenatória.Note-se, ain<strong>da</strong>, que a Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 não distinguiu entre trânsito emjulgado para a acusação ou para a defesa. No caso do art. 5º, inc. LVII, a culpabili<strong>da</strong>deexige o trânsito em julgado tanto para a defesa quanto para a acusação.Dando-se conta dessa nova reali<strong>da</strong>de, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, por ocasião doH.C. n° 84.078/MG, de relatoria do Min. Eros Grau, realizou uma ver<strong>da</strong>deira evoluçãojurisprudencial, acabando por concluir pela inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> denomina<strong>da</strong> execuçãoprovisória/antecipa<strong>da</strong> <strong>da</strong> pena. (...)Conforme bem afirmou o Ministro Eros Grau em seu voto, é inadmissível a sua exclusãosocial sem que sejam considera<strong>da</strong>s, em quaisquer circunstâncias, as singulari<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong>infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transita<strong>da</strong> em julgado acondenação.Assim, por decisão do STF, a singulari<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> infração penal (e nesta encontra-se,evidentemente, a pena a ser aplica<strong>da</strong>) somente se pode apurar plenamente quando transita<strong>da</strong>em julgado a condenação para ambas as partes.Por isso, a partir do precedente do STF no HC n° 84078, antes do trânsito em julgado <strong>da</strong>sentença penal para ambas as partes, tudo aquilo que foi estabelecido na sentença penal nãotem qualquer eficácia jurídica, aliás, diante do princípio <strong>da</strong> inocência conforme estabelecido236R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


no texto constitucional, poder-se-ia até mesmo afirmar que não existe pena (nulla poenasine culpa), principalmente a pena aplica<strong>da</strong>, razão pela qual, enquanto não realiza<strong>da</strong> estacondição (trânsito em julgado para ambas as partes), o crime somente poderá ser consideradona sua abstração, inclusive no que concerne à pena aplica<strong>da</strong> na decisão. Ora, se a pena nãopode ser executa<strong>da</strong>, em razão do princípio <strong>da</strong> inocência, também não pode ser considera<strong>da</strong>para efeitos <strong>da</strong> contagem do prazo prescricional.Aliás, no Habeas Corpus n° 107.547, o Ministro Gilmar Mendes, ao tratar <strong>da</strong> questão<strong>da</strong> execução provisória <strong>da</strong> pena, assim se expressou:‘Parece evidente, outrossim, que uma execução antecipa<strong>da</strong> em matéria penal configurariagrave atentado contra a própria ideia de digni<strong>da</strong>de humana. Se se entender, comoenfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humananão permite que o ser humano se convole em objeto <strong>da</strong> ação estatal, não há como compatibilizarsemelhante ideia com a execução penal antecipa<strong>da</strong>. A propósito <strong>da</strong> aplicação<strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana em matéria penal, registre-se este fragmento <strong>da</strong> decisão proferi<strong>da</strong>pela Corte Constitucional alemã acerca <strong>da</strong> aplicação de pena perpétua: ‘No campo <strong>da</strong> lutacontra a delinquência, é onde se estabelecem os mais altos requisitos de justiça, o art 1º<strong>da</strong> Lei Fun<strong>da</strong>mental determina a concepção <strong>da</strong> essência <strong>da</strong> pena e <strong>da</strong> relação entre culpae expiação. O princípio ‘nula poena sine culpa’ é dotado de hierarquia de um princípioconstitucional (BverfGe 20, 323 (331)). To<strong>da</strong> pena deve estar em adequa<strong>da</strong> proporção coma gravi<strong>da</strong>de do fato punível e a culpa do delinquente (BverfGe 6, 389 (489) 9, 167 (169) 20,323 (331) 25, 285 s). O man<strong>da</strong>do de respeitar a digni<strong>da</strong>de humana significa especialmenteque se proíbam as penas cruéis, desumanas e degra<strong>da</strong>ntes (BverfGE 1, 332 (348); 6 389(439)). O delinquente não pode converter-se em simples objeto <strong>da</strong> luta contra o crime comviolação de seus direitos ao respeito e à proteção de seus valores sociais (BverfGE 28m389 (391)). Os pressupostos básicos <strong>da</strong> existência individual e social do ser humano devemser conservados (BverfGE 45, 187).’Como bem pondera o Ministro Gilmar Mendes com base na lei fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> Alemanha,o princípio ‘nula poena sine culpa’ é dotado de hierarquia de um princípio constitucional(BverfGe 20, 323 (331)).Portanto, enquanto não houver culpa (o que somente ocorre com o trânsito em julgado<strong>da</strong> decisão para acusação e para a defesa), não há pena, ou seja, sem a constatação efetiva<strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de a pena aplica<strong>da</strong> é nula. Digo mais, é inexistente.Evidentemente que essa nuli<strong>da</strong>de deve ser plena para todos os efeitos jurídicos, ou seja,se essa pena não pode ser executa<strong>da</strong> provisoriamente, por ser nula/inexistente, tambémnão pode servir de base para cálculo do prazo prescricional, pois, nula poena sine culpa.Também o Ministro Eros Grau, no HC n° 84.078, afirmou:‘Aliás, a na<strong>da</strong> se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que alguém viesse aser considerado culpado – e ser culpado equivale a suportar execução imediata <strong>da</strong> pena– anteriormente ao trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença penal condenatória. Quem lê o textoconstitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquerdecisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentençaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 237


penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição,qualquer conclusão adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5º. Apenas umdesafeto <strong>da</strong> Constituição – lembro-me aqui de uma expressão de GERALDO ATALIBA,exemplo de digni<strong>da</strong>de, jurista maior, maior, muito maior do que pequenos arremedos dejurista poderiam supor –, apenas um desafeto <strong>da</strong> Constituição admitiria que ela permiteseja alguém considerado culpado anteriormente ao trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença penalcondenatória. Apenas um desafeto <strong>da</strong> Constituição admitiria que alguém fique sujeito aexecução antecipa<strong>da</strong> <strong>da</strong> pena de que se trate. Apenas um desafeto <strong>da</strong> Constituição.’Evidentemente, se a parte não pode ser considera<strong>da</strong> culpa<strong>da</strong> antes do trânsito em julgado<strong>da</strong> decisão, pois prevalece no nosso ordenamento jurídico, inclusive a título de naturezaconstitucional, o princípio nula poena sine culpa, é certo que a pena fixa<strong>da</strong> na sentença antesdo trânsito em julgado <strong>da</strong> decisão para to<strong>da</strong>s as partes não pode ser aplica<strong>da</strong> para qualquertítulo, pois essa pena não existe, enquanto não houver o trânsito em julgado <strong>da</strong> decisãoe a perfectibilização <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de. Antes do trânsito em julgado, o crime não existe etudo deve ser avaliado no âmbito <strong>da</strong> abstração, inclusive a pena para efeito de prescrição.O que se deve propugnar é por uma interpretação conforme a Constituição do art. 110,§ 1º do C.P. ou, no mínimo, uma interpretação sistemática, pois a prescrição, enquanto nãotransita<strong>da</strong> em julgado para ambas as parte, deve ser considera<strong>da</strong> com base na pena existente,ou seja, na pena abstrata constante do delito.Se o STF fez nova leitura no que concerne à execução <strong>da</strong> pena provisória, tambémnós devemos fazer nova leitura do art. 110, § 1º para que a questão <strong>da</strong> prescrição possa seajustar à nova interpretação Constitucional <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo <strong>Tribunal</strong> Constitucional brasileiro.E não poderia ser diferente a interpretação que se pretende <strong>da</strong>r ao art. 110 do C.P.,principalmente após a decisão proferi<strong>da</strong> pelo STF no HC n° 84.078, uma vez que nãohavendo possibili<strong>da</strong>de de o Estado promover a antecipação executiva <strong>da</strong> pena (em facedo princípio nula poena sine culpa), ain<strong>da</strong> que provisória, isso também significa dizer queo Estado não tem pretensão à execução, e, não havendo pretensão, também não há comofalar em prescrição. (...)”A respeito do tema em debate, vejam-se ain<strong>da</strong> os seguintes precedentesdos demais Tribunais Regionais Federais:“Penal e Processual. Sentença. Execução provisória. Impossibili<strong>da</strong>de. Presunção denão culpabili<strong>da</strong>de. Trânsito em julgado. Ambas as partes. Prescrição. Pretensão executória.Extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>de. 1. O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> professa o entendimentosegundo o qual, em consonância com o princípio constitucional <strong>da</strong> não culpabili<strong>da</strong>de, éimpossível a execução provisória de sentença condenatória (HC 84078). 2. Descabe falarem prescrição <strong>da</strong> pretensão executória com base na interpretação literal do inciso I do art.112 do Código Penal, pois tal exegese não se coaduna com o texto <strong>da</strong> Constituição, sendomais apropria<strong>da</strong> a análise sistemática do dispositivo, exigindo-se, também, o trânsito emjulgado para o réu. 3. Omissis. 4. Recurso em sentido estrito não provido.” (TRF <strong>da</strong> 1ª<strong>Região</strong>, RSE nº 2002.41.00.002328-5, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Tourinho Neto, public. no e-DJFI238R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


de 17.06.2011, p. 95)“Penal e Processual Penal. Apropriação Indébita Previdenciária. Agravo em ExecuçãoPenal. Inocorrência <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória. Marco inicial <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong>pretensão executória. Trânsito em julgado para ambas as partes. Extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>deafasta<strong>da</strong>. Decisão agrava<strong>da</strong> reforma<strong>da</strong> para determinar o prosseguimento <strong>da</strong> execuçãopenal. Recurso do MPF provido. 1. Consta dos autos que o réu, ora agravado, por sentençaproferi<strong>da</strong> pela Juíza <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> 5ª Vara <strong>Federal</strong> de Santos, foi condenado como incurso nassanções previstas no artigo 168-A, c/c art. 71, ambos do Código Penal, sendo-lhe fixa<strong>da</strong> apena corporal definitiva de 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, emregime aberto, além <strong>da</strong> pena pecuniária de 14 (quatorze) dias-multa, com substituição <strong>da</strong> penaprivativa de liber<strong>da</strong>de por restritivas de direitos. 2. O réu interpôs recurso de apelação, tendoesta E. Corte <strong>Regional</strong> negado provimento ao recurso, mantendo a r. decisão monocrática deprimeiro grau. 3. Consta, ain<strong>da</strong>, que o v. acórdão transitou em julgado para ambas as partesem 01.08.2008 (fl. 29). 4. A magistra<strong>da</strong>, considerando que a lei penal é clara no sentidode que a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória tem início com o trânsito em julgado para aacusação, reconheceu a ocorrência <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória, julgando extintaa punibili<strong>da</strong>de do condenado, ora agravado (fls. 41-44 e verso). 5. A alegação do agravante(Ministério Público <strong>Federal</strong>) se resume à questão do não reconhecimento <strong>da</strong> prescrição,em face <strong>da</strong> pena aplica<strong>da</strong> ao ora agravado. E tal lapso prescricional <strong>da</strong> pretensão executórianão restou ultrapassado, uma vez que teve início somente quando do trânsito em julgadodo acórdão para a acusação e defesa, que se deu em 01.08.2008 (fl. 29). 6. É que somentea partir desse momento a pena comina<strong>da</strong> ao réu se tornou executável, em obediência aoprincípio constitucional <strong>da</strong> presunção de inocência. Antes desse marco temporal, enquantonão ultrapassados os julgamentos de todos os recursos interpostos pelas partes, não se pôdecogitar <strong>da</strong> execução <strong>da</strong> sanção penal, porque ain<strong>da</strong> não se podia ter como certa e definitivaa condenação do réu. A pretensão executória do Estado só passou a existir quando o títulocondenatório e a respectiva sanção penal passaram a existir e tal ocorreu com o trânsitoem julgado <strong>da</strong> decisão, o que a torna definitiva, imutável e executável. 7. Assim, porque aJustiça Pública ain<strong>da</strong> não podia pretender que se iniciasse a execução <strong>da</strong> sanção penalcomina<strong>da</strong> ao acusado, o que só passou a ser possível a partir de 01.08.2008, quando acondenação e a sanção penal restaram confirma<strong>da</strong>s por decisão transita<strong>da</strong> em julgado,não se pode concluir que houve a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória do Estado. 8. O E.Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça tem se posicionado neste sentido, ou seja, de que o termoinicial <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória é a <strong>da</strong>ta do trânsito em julgado <strong>da</strong> decisãopara ambas as partes, uma vez que não se pode <strong>da</strong>r início ao cumprimento <strong>da</strong> pena, isto é, àexecução, antes desse marco. Precedentes. 9. No caso, conclui-se que os fatos delituosos nãoforam atingidos pelo fenômeno <strong>da</strong> prescrição executória, subsistindo, em favor do Estado,o direito de punir e executar a pena comina<strong>da</strong> ao condenado. 10. Recurso do MPF providopara reformar a r. decisão agrava<strong>da</strong> de fls. 41-44, uma vez que não ocorreu a prescrição <strong>da</strong>pretensão executória estatal, determinando o regular prosseguimento <strong>da</strong> execução penal.”(TRF <strong>da</strong> 3ª <strong>Região</strong>, Quinta Turma, AGEXPE 00066285520104036104, Rel. Des. <strong>Federal</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 239


Ramza Tartuce, public. no DJ de 19.10.2011)“Penal. Habeas corpus. Suposta prescrição <strong>da</strong> pretensão executória. Decurso de tempopretensamente superior ao previsto no arts. 109, V, e 110 parágrafo 1º, ambos do CP.Aplicação do instituto em consonância com os princípios constitucionais de regência, emespecial o insulpido no art. 5º, LVII. Denegação <strong>da</strong> ordem. 1. O paciente foi condenado,pelo cometimento do crime de estelionato, às penas de 01 ano e 04 meses de reclusão, maismulta que findou estipula<strong>da</strong>, segundo se disse, em derredor de R$ 600,00 (seiscentos reais).2. A prescrição <strong>da</strong> prescrição executória no caso em comento (de 04 anos, considerando osditames do Art. 109, V, do CP) deve ser conta<strong>da</strong> a partir do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentençapara ambas as partes (tanto para o Ministério Público <strong>Federal</strong> como para o acusado). 3.Interpretação distinta (como a que pretende o impetrante, louvando-se <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do trânsitoem julgado apenas para o MPF) não se coadunaria com o princípio <strong>da</strong> presunção <strong>da</strong> inocência,desenhado no Art. 5º, LVII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. 4. Sabe-se, ao fim e ao cabo,que o cumprimento <strong>da</strong> pena só poderia ser iniciado após o trânsito em julgado <strong>da</strong> sentençacondenatória para os dois lados <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, e <strong>da</strong>í a total impertinência <strong>da</strong> tese alusiva àfluência do prazo prescricional executório antes do exaurimento total e absoluto <strong>da</strong> relaçãoprocessual. 5. Denegação <strong>da</strong> ordem. (TRF <strong>da</strong> 5ª <strong>Região</strong>, HC nº 00032265120114050000,Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Roberto de Oliveira Lima, public. no DJe de 04.04.2011, p. 63)Registre-se, por fim, que não é hipótese de declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>dedo artigo 112, inc. I, do CP, mas mera interpretação do referidodispositivo de acordo com a norma constitucional vigente, conforme,aliás, já decidido pela Corte Especial deste TRF nos autos do HC nº0025643-59.2010.404.0000/SC (Rel. Des. Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, public. noD.E. em 14.07.2011):“Penal. Habeas corpus. Marco inicial do prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão executória.Art. 112, inciso I, do Código Penal. Arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Não conhecimento.1. A solução ao pedido veiculado na impetração, qual seja, incursão sobre o marco inicialdo prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão executória (CP, art. 112, inciso I), exige análise sobrea recepção ou não <strong>da</strong> norma pela nova ordem constitucional, mormente levando em contaa ampliação do âmbito interpretativo <strong>da</strong> norma escrutina<strong>da</strong> para fins de adequação hermenêuticaaos novos preceitos constitucionais que regem o direito penal, principalmente os quedizem respeito aos princípios <strong>da</strong> presunção de inocência e isonomia processual. 2. A merainterpretação pelo Órgão Fracionário do <strong>Tribunal</strong> de legislação federal, à luz de princípiosconstitucionais, não caracteriza ofensa ao princípio <strong>da</strong> reserva do plenário. Isso porque interpretação<strong>da</strong><strong>da</strong> a dispositivo legal não se equipara à declaração de sua inconstitucionali<strong>da</strong>de.3. Também não se está tratando <strong>da</strong> hipótese de inconstitucionali<strong>da</strong>de superveniente. Tem-se,em tal caso, a aplicação <strong>da</strong> conheci<strong>da</strong> doutrina de Kelsen de que as normas infraconstitucionaisanteriores à Constituição, com esta incompatíveis, não são por ela recebi<strong>da</strong>s. Ouseja, ocorre sua natural derrogação frente à Constituição nova. 4. Nessa linha, a solução240R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


<strong>da</strong><strong>da</strong> à impetração não ofende o princípio <strong>da</strong> reserva do plenário de que trata o art. 97, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, uma vez que não se está negando vigência ao disposto no art. 112, I,do Código Penal, mas <strong>da</strong>ndo-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional,o que faz, portanto, que a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de não seja conheci<strong>da</strong>.”Ante o exposto, voto por denegar a ordem.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha: Peço vênia ao Exmo.Relator para divergir no que se refere à prescrição <strong>da</strong> pretensão executória.O marco prescricional em debate é fixado pelo artigo 110, § 1º, doCódigo Penal, que prevê a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória após otrânsito em julgado <strong>da</strong> condenação para a acusação:“§ 1º A prescrição, depois <strong>da</strong> sentença condenatória com trânsito em julgado para aacusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplica<strong>da</strong>, não podendo,em nenhuma hipótese, ter por termo inicial <strong>da</strong>ta anterior à <strong>da</strong> denúncia ou queixa.” (Re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.234, de 2010)Trata-se de disposição legal estabeleci<strong>da</strong> pelo legislador, que teve aoportuni<strong>da</strong>de de rever essa sistemática, mas optou por mantê-la, comadequações, quando <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010.Sendo opção legislativa váli<strong>da</strong>, e estabeleci<strong>da</strong> em favor do réu, somenteo Legislador poderá excluí-la, não se podendo efetuar interpretaçãoin malam partem perante o leito do Direito Penal.Isso tudo, malgrado a retórica, forte em silogismo lógico, indica nãoser razoável que o prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão executória comecea fluir antes mesmo de existir pretensão executória, já que é necessária acondenação definitiva para que o Estado possa <strong>da</strong>r início ao cumprimento<strong>da</strong> pena, em função do disposto no art. 5º, inciso LVII, <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>.Assinalo que a questão é controverti<strong>da</strong> na jurisprudência, sendo quea 5ª e a 6ª Turmas do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça têm entendimentosconflitantes acerca do tema:“HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-SÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBASAS PARTES. LAPSO PRESCRICIONAL NÃO TRANSCORRIDO ATÉ O PRESENTEMOMENTO. ORDEM DENEGADA.1. O termo inicial <strong>da</strong> contagem do prazo prescricional <strong>da</strong> pretensão executória é o trânsitoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 241


em julgado para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o títulopenal passível de ser executado pelo Estado. Desta forma, não há como se falar em início <strong>da</strong>prescrição a partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista a impossibili<strong>da</strong>dede se <strong>da</strong>r início à execução <strong>da</strong> pena, já que ain<strong>da</strong> não haveria uma condenação definitiva,em respeito ao disposto no artigo 5º, inciso LVII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.2. Na hipótese vertente, considerando-se que a pena aplica<strong>da</strong> ao paciente foi de 5 (cinco)anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória ocorre em 12(doze) anos, nos termos do art. 110, caput, c/c art. 109, inciso III, ambos do Código Penal.E, examinando as alíneas do art. 117 do Código Penal, constata-se que desde o trânsitoem julgado para ambas as partes – termo inicial para a contagem do prazo – até o presentemomento, não houve o transcurso do lapso prescricional de 12 (doze) anos, motivo peloqual, ao contrário do aventado na impetração, não se vislumbra que a pretensão executóriaestatal esteja fulmina<strong>da</strong> pelo instituto <strong>da</strong> prescrição a ensejar a extinção <strong>da</strong> punibili<strong>da</strong>dedo paciente.3. Ordem denega<strong>da</strong>.” (HC 127.062/RO, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma,julgado em 25.11.2010, DJe 14.02.2011)“HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-SÃO EXECUTÓRIA. IMPROCEDÊNCIA.1. No caso, condenado o paciente a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, oprazo prescricional é de 12 (doze) anos, a teor do art. 109, III, do Código Penal. Entre osmarcos interruptivos previstos em lei, não se vislumbra o transcurso do mencionado lapsotemporal. A contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença condenatória para a acusação(art. 112 do CP), isto é, 10.02.1995, a pretensão executória estaria extinta somente em09.02.2007. Ocorre que o paciente deu início ao cumprimento <strong>da</strong> pena em 02.12.2005, fatoque interrompeu a contagem do prazo (art. 117 do CP).2. Ordem denega<strong>da</strong>.” (HC 122.393/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma,julgado em 02.06.2011, DJe 15.06.2011)Conforme anteriormente mencionei, minha compreensão é no sentidode que, em tema de aplicação de penas, vigora o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>deestrita.Assim, se o legislador estabeleceu um critério mais favorável aosapenados, no que tange ao início <strong>da</strong> contagem do prazo <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong>pretensão executória do Estado, esse critério deve ser observado.Com efeito, se o legislador tem poderes para dizer se determina<strong>da</strong>conduta configura ou não um delito, se ele tem poderes para abolirdeterminados crimes, se ele tem poderes para estabelecer os prazosprescricionais, ele também tem poderes para estabelecer o termo inicialdesses prazos.242R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Anoto que, embora não enfrentando diretamente a questão, o Supremo<strong>Tribunal</strong> tem-se mantido fiel à exegese literal do artigo 112, I, do CódigoPenal, conforme demonstra a íntegra do voto prolatado pelo MinistroRicardo Lewandowski, no julgamento dos embargos de declaração interpostosdo julgado que apreciou os embargos de declaração no RE nº602.026-RS:“Preliminarmente, recebo os embargos de declaração como agravo regimental, uma vezque opostos de decisão monocrática.Eis o teor <strong>da</strong> decisão agrava<strong>da</strong>:‘Trata-se de embargos de declaração opostos contra decisão que negou seguimento arecurso extraordinário criminal ao fun<strong>da</strong>mento de que a recorrente não demonstrou, deforma fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>, a existência de repercussão geral dos temas constitucionais suscitados.A embargante sustenta que houve omissão na decisão impugna<strong>da</strong> quanto ao exame <strong>da</strong>alegação de ocorrência <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória do Estado.Tem razão <strong>da</strong> embargante, visto que, a despeito <strong>da</strong> petição avia<strong>da</strong> às fls. 480-483, adecisão embarga<strong>da</strong> deixou de analisar a referi<strong>da</strong> arguição.Passo à análise <strong>da</strong> aponta<strong>da</strong> omissão.Insubsistente a assertiva de que se consumou a prescrição.Isso porque a recorrente foi condena<strong>da</strong> à pena de dois anos de reclusão pela prática dodelito previsto no art. 297, § 3º, II, do Código Penal, por fatos praticados em 13.12.2004.Pois bem.Prescreve o art. 110 combinado com o art. 109, V do CP que a prescrição consuma-seem quatro anos se a pena aplica<strong>da</strong> não for superior a dois anos. Entre a <strong>da</strong>ta dos fatos e orecebimento <strong>da</strong> denúncia (16.03.2006) não transcorreu tal prazo, tampouco entre esta e apublicação <strong>da</strong> sentença condenatória (29.02.2008).De igual modo não se operou a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória, uma vez que, nostermos do art. 112, I, do CP, o prazo prescricional deve ser contado a partir do trânsito emjulgado <strong>da</strong> sentença condenatória para a acusação, que foi intima<strong>da</strong> do édito condenatórioem 03.03.2008.Isso posto, acolho os embargos de declaração para esclarecer que não se consumou aprescrição <strong>da</strong> pretensão executória, manti<strong>da</strong>, no mais, a decisão ataca<strong>da</strong> (fls. 356-357).’Bem examina<strong>da</strong> a questão, verifica-se que a decisão ora ataca<strong>da</strong> não merece reforma,uma vez que a recorrente não aduz novos argumentos capazes de afastar as razões nelaexpendi<strong>da</strong>s.Como consignado no decisum atacado, não se consumou a prescrição <strong>da</strong> pretensãopunitiva, tampouco se verificou a prescrição <strong>da</strong> pretensão executória, considera<strong>da</strong> a penaimposta (dois anos) e os marcos interruptivos <strong>da</strong> prescrição.Destaco, por fim, que as modificações promovi<strong>da</strong>s pela Lei 12.234/2010 ao CódigoPenal em na<strong>da</strong> alteram o entendimento assentado quanto à inocorrência <strong>da</strong> prescrição nocaso sob exame.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 243


Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.” (grifado)Com esses fun<strong>da</strong>mentos, entendo que deve ser reconheci<strong>da</strong> a prescrição<strong>da</strong> pretensão executória contra o paciente, pois transcorreram mais dedois anos desde a <strong>da</strong>ta do trânsito em julgado <strong>da</strong> sentença condenatóriapara a acusação, em 20.05.2009, consoante se verifica <strong>da</strong> informaçãoprocessual <strong>da</strong> ação penal nº 2008.72.15.000836-8: “20.05.2009 15:27Lavra<strong>da</strong> Certidão Não houve interposição de recurso pelo MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> acerca <strong>da</strong> sentença <strong>da</strong>s fls.67-v/76”, observando-se quea audiência admonitória foi designa<strong>da</strong> para 10.11.2011.Ante o exposto, voto por conceder a ordem, para declarar extinta apunibili<strong>da</strong>de em face <strong>da</strong> prescrição <strong>da</strong> pretensão executória.244R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


DIREITO PREVIDENCIÁRIO


APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 0001040-63.2009.404.7110/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso KipperApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> PFE-INSSApelado: Genesio dos Santos GomesAdvogado: Dr. Jorge Ferreira PortoRemetente: Juízo Substituto <strong>da</strong> 2ª VF de PelotasEMENTAPrevidenciário e Processual Civil. Concessão de benefício. Decadência.Pescador. Aposentadoria especial. Requisitos não implementados.Aposentadoria por tempo de serviço. Concessão.1. O prazo extintivo de todo e qualquer direito ou ação previsto noart. 103, caput, <strong>da</strong> Lei 8.213/91 (com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela MP 1.523-9,de 27.06.1997, converti<strong>da</strong> na Lei nº 9.528, de 10.12.1997, altera<strong>da</strong> pelaMedi<strong>da</strong> Provisória nº 1.663-15, de 22.10.1998, que por sua vez foi transforma<strong>da</strong>na Lei nº 9.711, de 20.11.1998), somente se aplica à revisão deato de concessão do benefício.2. Afasta<strong>da</strong> a preliminar de carência de ação por ausência de anteriorpedido na via administrativa, já que o acionado contestou o mérito <strong>da</strong>ação, patenteando resistência à pretensão vestibular.3. O Decreto nº 22.872/33, que criou o Instituto de Aposentadoriae Pensões dos Marítimos, assegurou aos pescadores empregados osR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 247


enefícios que previa, mediante o recolhimento, pelas empresas, decontribuições destina<strong>da</strong>s ao Instituto, o que foi mantido pelo Decreto--Lei nº 3.832/41, que também incluiu como segurados os pescadores quetrabalhassem por conta própria.4. O pescador empregado e aquele que exercia a pesca por contaprópria (autônomo) foram abrangidos pela Lei nº 3.807/60, sendo que,no caso do primeiro, a obrigação pela arreca<strong>da</strong>ção e pelo recolhimento<strong>da</strong>s contribuições era do empregador, e, no segundo caso, era do própriosegurado, que deveria, conforme a re<strong>da</strong>ção original do art. 79 <strong>da</strong> Lops,recolher diretamente à Instituição de Previdência a que estivesse vinculado.Não houve, na Consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis <strong>da</strong> Previdência Social – CLPS(Decreto nº 77.077, de 24.01.1976) e na nova Consoli<strong>da</strong>ção expedi<strong>da</strong>em 23.01.1984, consubstancia<strong>da</strong> no Decreto nº 89.312, que substituiuaquela <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 1976, alteração <strong>da</strong> sua situação. Com a edição <strong>da</strong> Leinº 8.213/91, a condição de segurado obrigatório do empregado e doautônomo (atual contribuinte individual) restou assegura<strong>da</strong> no incisos Ie V do artigo 11.5. O Decreto nº 71.498/72 incluiu, como beneficiários do Programa deAssistência ao Trabalhador Rural – Pró-Rural, os pescadores artesanais,situação esta que se mantém até os dias atuais, nos termos do art. 11,inciso VII, b, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzi<strong>da</strong>s pelaLei nº 11.718/2008.6. O art. 55, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, permite o cômputo do tempo deserviço exercido como pescador artesanal, exercido em qualquer época,desde que anterior à <strong>da</strong>ta de início de sua vigência, para fins de aposentadoriapor tempo de serviço ou contribuição, independentemente dorecolhimento <strong>da</strong>s contribuições a ele correspondentes, exceto para efeitode carência. Portanto, mesmo o tempo como pescador artesanal exercidoanteriormente ao Decreto nº 71.498/72 pode ser computado com o fimde obtenção de benefício previdenciário na vigência <strong>da</strong> atual LBPS.7. O Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, que atualmente regulamentaa Lei nº 8.213/91, dispõe, no artigo 62, § 2º, inc. I, a, que servecomo prova do tempo de serviço do pescador a caderneta de inscriçãopessoal visa<strong>da</strong> pela Capitania dos Portos ou pela Superintendência doDesenvolvimento <strong>da</strong> Pesca.8. Comprovado, pela caderneta de pescador, o tempo de serviço como248R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


pescador empregado, deve este ser computado como tempo de serviçourbano comum.9. Demonstrado, mediante início de prova material corrobora<strong>da</strong> portestemunhas, o labor como pescador artesanal, nos termos do § 3º do art.55 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, deve esse ser computado como tempo de serviço.10. O tempo de serviço como pescador artesanal não pode ser reconhecidocomo especial. Precedentes desta Corte.11. O tempo de serviço como pescador profissional empregado deveser computado como especial até 28.04.1995, em razão do enquadramentopor categoria profissional.12. Somando-se o tempo de serviço especial ora reconhecido, aparte-autora não implementa o mínimo de 25 anos para a outorga <strong>da</strong>aposentadoria especial, nos termos do art. 57 <strong>da</strong> LBPS.13. Hipótese em que, embora a parte-autora não implemente temposuficiente à outorga <strong>da</strong> aposentadoria especial, deve ser-lhe outorga<strong>da</strong> aaposentadoria por tempo de serviço, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do requerimentoadministrativo, uma vez que preenchia os requisitos legais para tanto.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 6ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, extinguir o feito, de ofício, sem exame do mérito,quanto ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço de 04.05.1983a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985,de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987a 20.01.1989, de 25.04.1990 a 30.11.1990, e de 04.10.1991 a 17.02.1992,por falta de interesse de agir, com base no artigo 267, VI, do CPC, <strong>da</strong>rparcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, e determinar ocumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício<strong>da</strong> parte-autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas queficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 23 de novembro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper: Genésio dos Santos Gomes,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 249


nascido em 17.10.1948, ajuizou, em 19.03.2009, ação previdenciáriacontra o INSS, pretendendo a concessão de aposentadoria especial, comefeitos retroativos ao dia 30.10.1998, quando preencheu as condiçõespara a concessão <strong>da</strong> inativação, com o pagamento <strong>da</strong>s parcelas venci<strong>da</strong>sdesde aquela <strong>da</strong>ta, excluí<strong>da</strong>s aquelas atingi<strong>da</strong>s pela prescrição quinquenal,mediante o reconhecimento do tempo de serviço como pescador.Narrou que, erroneamente, requereu, em 10.04.2008, o benefício deaposentadoria por i<strong>da</strong>de, quando o correto seria aposentadoria especial.Afirmou ter laborado como pescador empregado nos intervalos de28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984,de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989,de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995,de 23.11.1995 a 26.08.2005 e de 27.08.2005 a 09.05.2006, além de terexercido a ativi<strong>da</strong>de de pesca artesanal no interstício de 04.02.1974 a02.05.1983.Requereu o cálculo do salário de benefício pela média dos últimos 36salários de contribuição, apurados no período de novembro de 1995 aoutubro de 1998, cuja ren<strong>da</strong> mensal atual corresponde a R$ 525,41, emconformi<strong>da</strong>de com os dissídios <strong>da</strong> categoria a que pertence (pescadorprofissional).Postulou, ain<strong>da</strong>, a antecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela.O pedido de antecipação de tutela foi indeferido à fl. 100.Na contestação, a Autarquia alegou a decadência e a prescrição <strong>da</strong>sparcelas venci<strong>da</strong>s antes dos cinco anos que antecederam o ajuizamento<strong>da</strong> ação, além <strong>da</strong> falta de interesse processual, uma vez que o pedidoadministrativo foi de aposentadoria por i<strong>da</strong>de, e não aposentadoria especial.No mérito, rechaçou o pedido inicial.Na sentença (08.01.2010), o magistrado a quo afastou as preliminaressuscita<strong>da</strong>s, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos <strong>da</strong> tutela ejulgou parcialmente procedente o pedido para, reconhecendo o tempode serviço como pescador artesanal e a especiali<strong>da</strong>de dos interregnospleiteados na inicial, limitado o último intervalo à <strong>da</strong>ta de 30.10.1998,conceder a aposentadoria especial à parte-autora, cuja ren<strong>da</strong> mensal ini-250R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


cial deverá ser calcula<strong>da</strong> tomando-se por direito adquirido ao benefícioem tal <strong>da</strong>ta, porém o valor do salário de benefício somente será apuradopor ocasião <strong>da</strong> liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> sentença. Determinou o pagamento <strong>da</strong>sparcelas venci<strong>da</strong>s, a partir de 10.04.2008, <strong>da</strong>ta do requerimento administrativo,corrigi<strong>da</strong>s monetariamente pelo IGP-DI, desde o vencimentode ca<strong>da</strong> prestação, acresci<strong>da</strong>s de juros de mora de 12% ao ano, a contar<strong>da</strong> citação, incidindo, a partir de 30.06.2009, a Lei nº 11.960. Diante <strong>da</strong>sucumbência mínima <strong>da</strong> parte-autora, determinou o pagamento, peloINSS, de honorários advocatícios fixados em 10% do valor <strong>da</strong>s prestaçõesvenci<strong>da</strong>s até a sentença. Sem custas processuais.Em suas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária sustentou quenão houve pretensão resisti<strong>da</strong> em relação ao pedido de aposentadoriaespecial, uma vez que, na via administrativa, não foram analisados os requisitospara tal benefício. Sustentou que a parte-autora, quando requereuo benefício de aposentadoria por i<strong>da</strong>de, não preenchia a carência necessária.Argumentou que o enquadramento, como especial, <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de depescador somente é admitido até 28.04.1995, sendo imprescindível, paratanto, a comprovação do recolhimento <strong>da</strong>s contribuições previdenciáriasdurante o período, e a inscrição como segurado autônomo até 05.12.1972.Requereu a improcedência do pedido.Sem contrarrazões, e por força do reexame necessário, vieram osautos a esta Corte.Nesta instância, foi determina<strong>da</strong> a junta<strong>da</strong>, pelo INSS, do procedimentode aposentadoria por i<strong>da</strong>de do autor, dos extratos do CNIS e <strong>da</strong>contagem do tempo de serviço incontroverso.Cumpri<strong>da</strong> a determinação (fls. 166-234), vieram os autos conclusospara julgamento.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper:Questões iniciaisEm relação à remessa oficial, o Colendo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,por sua Corte Especial (EREsp 934.642/PR, Rel. Min. Ari Pargendler,julgado em 30.06.2009; EREsp 701.306/RS, Rel. Min. Fernando Gon-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 251


çalves, julgado em 07.04.2010), prestigiou a corrente jurisprudencialque sustenta ser inaplicável a exceção conti<strong>da</strong> no § 2º, primeira parte, doart. 475 do CPC aos recursos dirigidos contra sentenças (a) ilíqui<strong>da</strong>s, (b)relativas a relações litigiosas sem natureza econômica, (c) declaratóriase (d) constitutivas/desconstitutivas insuscetíveis de produzir condenaçãocerta ou de definir objeto litigioso de valor certo (v.g., REsp. 651.929/RS).Assim, em matéria previdenciária, as sentenças proferi<strong>da</strong>s contra oInstituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplograu obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior asessenta salários mínimos.Não sendo esse o caso dos autos, conheço <strong>da</strong> remessa oficial.Rejeito a preliminar de carência de ação, formula<strong>da</strong> pelo INSS aoargumento de que não houve precedente pedido administrativo de aposentadoriaespecial e, portanto, inexiste recusa a conferir interesse deagir à parte-autora. Isso porque, tendo havido contestação pelo mérito,a resistência está suficientemente patentea<strong>da</strong> nos autos, fazendo certa anecessi<strong>da</strong>de do provimento judicial para dirimir a lide posta.Correta a sentença ao afastar a incidência <strong>da</strong> prescrição quinquenal,tendo em vista que, se o feito foi ajuizado em 19.03.2009, e o benefíciorequerido administrativamente em 10.04.2008, inexistem parcelas anterioresao quinquênio que precede a propositura <strong>da</strong> ação.A preliminar de ocorrência de decadência ou de prescrição de fundodo direito suscita<strong>da</strong> pelo INSS, com base no art. 103, caput, <strong>da</strong> Lei nº8.213/91, não merece acolhi<strong>da</strong>, uma vez que o referido dispositivo prevêprazo extintivo de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiáriopara a revisão do ato de concessão do benefício. Não se tratando,in casu, de revisão do ato de concessão do benefício, não se há de falarem decadência ou prescrição de fundo de direito.Observo que o tempo de serviço do autor como pescador profissional,nos intervalos de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984,de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986 e de 16.10.1987a 20.01.1989, já foi reconhecido administrativamente, conforme demonstrao resumo de documentos para cálculo do tempo de contribuição<strong>da</strong>s fls. 166-171, que espelha o tempo considerado incontroverso peloINSS, uma vez que elaborado com base nos registros constantes doCa<strong>da</strong>stro Nacional de Informações Sociais – CNIS (fls. 173-174), após252R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


determinação desta Corte no despacho <strong>da</strong> fl. 162. Desse modo, não tem aparte-autora interesse de agir no que diz respeito ao seu reconhecimento.Sendo carente de ação no ponto, cabível, nesse limite, a extinção do feitosem resolução do mérito, nos termos que dispõe o art. 267, inc. VI, doCódigo de Processo Civil.Em relação ao intervalo de 25.04.1990 a 20.12.1990, verifico queo Instituto Previdenciário já reconheceu o tempo de 25.04.1990 a30.11.1990. Desse modo, o interesse de agir <strong>da</strong> parte-autora restringe-seao intervalo de 01.12.1990 a 20.12.1990, devendo o restante ser extintosem apreciação do mérito.Já quanto ao interstício de 04.10.1991 a 17.02.1992, observo que aAutarquia, com base no CNIS, computou o marco final como sendo odia 02.03.1992. Da mesma forma, quanto ao interregno de 27.09.1986a 02.10.1987, o período retratado no Ca<strong>da</strong>stro de Informações é maior,uma vez que o termo final foi fixado em 06.10.1987. Assim, tem-se que,além de o autor não ter interesse de agir em relação ao reconhecimentodos períodos requeridos – razão pela qual deve o feito ser extinto semresolução de mérito –, havendo divergência entre os <strong>da</strong>dos constantes doCNIS e aqueles lançados na Carteira de Pescador, onde estão lançadosvínculos menores do que aqueles constantes do Ca<strong>da</strong>stro, devem prevaleceras anotações constantes na referi<strong>da</strong> Carteira, uma vez que retratamcom fideli<strong>da</strong>de o efetivo período de trabalho do autor.Supera<strong>da</strong>s as questões, analiso o mérito do pedido.Análise legislativaA controvérsia cinge-se à possibili<strong>da</strong>de de concessão de aposentadoriaespecial ao deman<strong>da</strong>nte, na condição de pescador.O Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933, criou o Instituto deAposentadoria e Pensões dos Marítimos, destinado a conceder ao pessoal<strong>da</strong> marinha mercante nacional e de classes anexas os benefícios deaposentadoria e pensões na forma estatuí<strong>da</strong> naquele decreto (art. 1º),estando incluídos nas suas disposições não só os serviços de navegação<strong>da</strong> União, dos Estados e dos Municípios, mas também as indústrias <strong>da</strong>pesca e as embarcações de particulares (art. 2º). Tal decreto consideroucomo associado obrigatório do Instituto dos Marítimos, nos termos <strong>da</strong>alínea a do art. 3º, capitães, oficiais, marinheiros e demais pessoas queR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 253


trabalhem, mediante vencimento ou salário, a bordo de navios e embarcaçõesnacionais, cuja contribuição, nos termos do disposto no art. 11,deveria ser desconta<strong>da</strong> dos empregados pela empresa empregadora erecolhi<strong>da</strong>s ao referido Instituto (art. 18).O tempo de serviço a ser utilizado com o fim de obtenção <strong>da</strong> aposentadoriaprevista naquele decreto deveria ser comprovado mediante umacaderneta a ser forneci<strong>da</strong> aos empregados, a qual serviria de base paraa inscrição do empregado como associado do Instituto e contagem doseu tempo de serviço para aposentadoria, conforme disposto no art. 110e parágrafo único.O Decreto-Lei nº 627, de 18 de agosto de 1938, acrescentou outrosassociados obrigatórios àqueles já definidos no Decreto nº 22.872/33,sem excluir as categorias que já haviam sido arrola<strong>da</strong>s neste último.O Decreto-Lei nº 3.832, de 18 de novembro de 1941, modificou oDecreto nº 22.872/33 e definiu novamente as categorias de seguradosdo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, revogando asdisposições em contrário, como expressamente consignado no art. 16.Desse modo, a partir de então, ficou definido o que segue:“Art. 1º São associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos todosquantos, como empregados, prestem serviços às empresas de pesca ou de ativi<strong>da</strong>des destaderiva<strong>da</strong>s, bem como os pescadores legalmente habilitados para o exercício de sua indústriapor conta própria, cabendo-lhes os direitos e deveres que estabelece o Decreto nº 22.872,de 29 de junho de 1933, com as modificações do presente decreto-lei.Parágrafo único. Para os efeitos deste decreto-lei, são considerados empregadores asempresas de qualquer natureza, mesmo as simples parcerias, que mantenham pessoal a seuserviço, quando organiza<strong>da</strong>s para a exploração <strong>da</strong> pesca marítima ou interior e ativi<strong>da</strong>desdesta deriva<strong>da</strong>s, e, bem assim, os proprietários de embarcações emprega<strong>da</strong>s no mesmo fim.Art. 2º Compreendem-se na definição do artigo 1º, para os fins nele indicados:a) os pescadores que trabalhem mediante ordenado, salário, parte ou quinhão, a bordode navios ou quaisquer embarcações nacionais emprega<strong>da</strong>s na pesca marítima ou interiore que pertençam à classe <strong>da</strong>s que possuem rol de equipagem ou lista de tripulação;b) os demais empregados <strong>da</strong>s empresas de pesca e ativi<strong>da</strong>des desta deriva<strong>da</strong>s, quaisquerque sejam suas funções ou seus serviços, em escritórios, dependências ou instalações deproprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s mesmas;c) os pescadores que trabalhem por conta própria, de parceria ou mediante parte, quinhão,em embarcações não enquadra<strong>da</strong>s na classe indica<strong>da</strong> na alínea a.Art. 3º As contribuições dos empregados a que se referem as alíneas a e b do artigoanterior serão desconta<strong>da</strong>s em folha de pagamento e recolhi<strong>da</strong>s juntamente com as de seus254R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


empregadores, observado o processo vigente para o respectivo recolhimento.Art. 4º Gozarão dos benefícios reduzidos de 1/3 (um terço) dos benefícios normaisos pescadores classificados na alínea c do art. 2º, aos quais será facultado, para obterembenefícios integrais, contribuir em dobro, mediante folha de recolhimentos organiza<strong>da</strong>mensalmente pelas Inspetorias do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos nasrespectivas colônias.”Tal decreto-lei repetiu, no art. 11, a disposição que já constava doDecreto nº 22.872/33, no sentido de que a contagem de tempo de serviçodos pescadores será feita em face de sua caderneta-matrícula, forneci<strong>da</strong>pelas Capitanias dos Portos, não devendo ser computados, nos cálculosdo benefício a ser concedido, quaisquer elementos que estejam em discordânciacom os vistos anuais apostos na mesma caderneta.Em 27.10.1952 entrou em vigor a Lei nº 1.707, de 23 de outubro de1952, que tratou <strong>da</strong>s contribuições devi<strong>da</strong>s pelos pescadores dispostosna alínea c do Decreto-Lei nº 3.832/41, ou seja, dispôs apenas sobre ospescadores que exerciam a ativi<strong>da</strong>de por conta própria, como segue:“Art. 1º As contribuições dos pescadores a que se refere a alínea c, do artigo 2º, doDecreto-Lei nº 3.832, de 18 de novembro de 1941, e que ain<strong>da</strong> não estejam contribuindopara o IAPM só serão devi<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> vigência desta lei.Art. 2º Em relação aos pescadores de que trata o artigo anterior, também só a partir <strong>da</strong>vigência desta lei lhes será devido qualquer benefício pelo IAPM, observa<strong>da</strong>s as demaisexigências legais.Art. 3º Os pescadores <strong>da</strong> classe a que se refere o artigo 1º, já inscritos, são consideradosem pleno gozo dos benefícios do seguro social concedidos aos trabalhadores do mare classes anexas, nos termos do Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933, que criou oInstituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, cabendo-lhes regular o recolhimentode suas contribuições, acaso devi<strong>da</strong>s.Parágrafo único. São dispensa<strong>da</strong>s de quaisquer juros as contribuições do pescador porconta própria, cujo recolhimento esteja retar<strong>da</strong>do, resultando, ain<strong>da</strong>, o IAPM, a liqui<strong>da</strong>çãoparcela<strong>da</strong> do débito do segurado, em parcelas mínimas, no ato do pagamento <strong>da</strong> contribuiçãocorrente.”A Lei Orgânica <strong>da</strong> Previdência Social – Lops (Lei nº 3.807, de 26de agosto de 1960), que organizou a previdência social, em vigor desde05.09.1960, assegurou, no art. 162, aos atuais beneficiários, seguradose dependentes <strong>da</strong>s instituições de previdência social, à exceção dossegurados facultativos, todos os direitos outorgados pelas respectivaslegislações, salvo se mais vantajosos os benefícios nela previstos. DianteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 255


disso, poderia o segurado pescador perceber, se mais vantajoso, benefícioassegurado no decreto que criou o Instituto dos Marítimos, ou, caso contrário,utilizar-se <strong>da</strong> nova lei para a obtenção de benefício previdenciário.O Decreto-Lei nº 72, de 21 de novembro de 1966, unificou os Institutosde Aposentadorias e Pensões até então existentes, e criou o InstitutoNacional de Previdência Social – INPS. Portanto, até a vigência doreferido decreto-lei, o qual entrou em vigor 01.01.1967, o Instituto deAposentadoria e Pensões dos Marítimos continuou existindo.A partir do momento em que foi extinto o Instituto de Aposentadoriae Pensões dos Marítimos, o pescador empregado passou a ser regidounicamente pela Lei nº 3.807/60, que abrangia, na re<strong>da</strong>ção original doart. 2º, na condição de segurados, todos aqueles que exerciam empregoou ativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong> no território nacional, salvo as exceções expressamenteconsigna<strong>da</strong>s na referi<strong>da</strong> lei.A Lops excluiu do seu regime, conforme a re<strong>da</strong>ção original do art. 3º,os servidores civis e os militares sujeitos a regime próprio de previdênciae os trabalhadores rurais, e considerou, como segurados obrigatórios,dentre outros, além dos empregados, também os autônomos, a teor doart. 5º <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Lei Orgânica.Não há dúvi<strong>da</strong>, pois, de que o pescador empregado e aquele que exerciaa pesca por conta própria (autônomo) foram abrangidos pela Lei nº3.807/60, sendo que, no caso do primeiro, a obrigação pela arreca<strong>da</strong>çãoe pelo recolhimento <strong>da</strong>s contribuições era do empregador; e, no segundocaso, era do próprio segurado, que deveria, conforme a re<strong>da</strong>ção originaldo art. 79 <strong>da</strong> Lops, recolher diretamente à Instituição de Previdência aque estivesse vinculado.O Decreto nº 71.498, que passou a viger a partir de 06 de dezembrode 1972, incluiu como beneficiários do Programa de Assistência aoTrabalhador Rural – Pró-Rural, instituído pela Lei Complementar nº11, de 25.05.1971, os pescadores que sem vínculo empregatício, na condiçãode pequeno produtor, trabalhando individualmente ou em regimede economia familiar, façam <strong>da</strong> pesca sua profissão habitual ou meioprincipal de vi<strong>da</strong>.Determinou, também, que os pescadores autônomos que estivessemregularmente inscritos e que viessem recolhendo suas contribuições parao INPS poderiam conservar a sua condição de segurados deste Instituto,256R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


nos termos do art. 2º do referido decreto.Portanto, tem-se a seguinte situação: os pescadores empregados e osautônomos estavam abrangidos pela Lops, sendo considerados, portanto,segurados urbanos, e os pescadores artesanais passaram a pertencer, apartir <strong>da</strong> vigência do referido decreto, em 06.12.1972, à mesma categoriaque os trabalhadores rurais, tendo direito aos benefícios especificadosna Lei Complementar nº 11 de 1971.Quando referi<strong>da</strong> lei, já com as alterações introduzi<strong>da</strong>s pela Lei Complementarnº 16, de 30.10.1973, foi regulamenta<strong>da</strong>, em 12 de fevereiro de1974, pelo Decreto nº 73.617, houve previsão expressa no regulamentode que o pescador artesanal fosse considerado como trabalhador rural,situação esta que se mantém até os dias atuais, como se vê pelo art. 11,inciso VII, b, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzi<strong>da</strong>s pelaLei nº 11.718/2008.Com efeito, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ao tratar,na Parte II, <strong>da</strong> Previdência Social Rural, manteve o pescador artesanalcomo segurado do Pró-Rural, a teor do art. 275, e estabeleceu expressamente,no art. 280, que o pescador autônomo que já se encontravainscrito e contribuindo regularmente manteria a quali<strong>da</strong>de de segurado<strong>da</strong> previdência social urbana. Veja-se o teor dos referidos dispositivos:“Art. 275. São beneficiários <strong>da</strong> previdência social rural:I – na quali<strong>da</strong>de de trabalhador rural:a) quem presta serviços de natureza rural diretamente a empregador, em estabelecimentorural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou parte in natura e parte emdinheiro, ou por intermédio de empreiteiro ou organização que, embora não constituídos emempresa, utilizam mão de obra para produção e fornecimento de produto agrário in natura;b) o produtor, proprietário ou não, que, sem empregado, exerce ativi<strong>da</strong>de rural, individualmenteou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros <strong>da</strong>família indispensável a própria subsistência e exercido em condições de mútua dependênciae colaboração;c) quem, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar ou ain<strong>da</strong>sob a forma de parceria, faz <strong>da</strong> pesca sua profissão habitual ou meio principal de vi<strong>da</strong>,compreendendo:1. o trabalhador por conta própria, sem vínculo empregatício, na condição de pequenoprodutor, utilizando ou não embarcação própria ou de terceiro;2. o homem ou a mulher que, sem utilizar embarcação pesqueira, exerce ativi<strong>da</strong>de decaptura ou extração de elementos animais ou vegetais que tenham na água seu meio normalou mais frequente de vi<strong>da</strong>, na beira do mar, rio ou lagoa;R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 257


3. o produtor que utiliza embarcação de pesca, própria ou de terceiro, de até duas tonela<strong>da</strong>sbrutas;d) o garimpeiro autônomo, assim entendido o trabalhador que, em caráter individual epor conta própria, exerce as ativi<strong>da</strong>des de garimpagem, faiscação e cata, e está matriculadono órgão competente do Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>;II – omissis.”“Art. 280. Conserva a quali<strong>da</strong>de de segurado <strong>da</strong> previdência social urbana, desde quevenha contribuindo regularmente para ela:I – o pescador autônomo nela inscrito até 05 de dezembro de 1972;II – o garimpeiro autônomo nela inscrito até 12 de janeiro de 1975.”A Lei nº 7.356, de 30.08.1985, acrescentou o § 3º ao artigo 5º <strong>da</strong> Leinº 3.807/60, ressalvando o direito, aos pescadores artesanais, de adquirirema condição de segurados urbanos como trabalhadores autônomos,hipótese em que deveriam, a partir de então, verter contribuições aoextinto INPS, como segue:“§ 3º Os pescadores que sem vínculo empregatício, na condição de pequenos produtores,trabalhem individualmente ou em regime de economia familiar, fazendo <strong>da</strong> pesca sua profissãohabitual ou meio principal de vi<strong>da</strong> e estejam matriculados na repartição competente,poderão optar pela filiação ao regime desta Lei, na quali<strong>da</strong>de de trabalhadores autônomos.”Atualmente, o art. 55, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 permite o cômputodo tempo de serviço exercido como pescador artesanal, exercido emqualquer época, desde que anterior à <strong>da</strong>ta de início de sua vigência, parafins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, independentementedo recolhimento <strong>da</strong>s contribuições a ele correspondentes,exceto para efeito de carência. Diante disso, mesmo o tempo comopescador artesanal exercido anteriormente ao Decreto nº 71.498/72 podeser computado com o fim de obtenção de benefício previdenciário navigência <strong>da</strong> atual LBPS.Em relação ao pescador empregado e ao autônomo, os quais eramabrangidos pela previdência social urbana, não houve alteração <strong>da</strong>ssuas situações na Consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis <strong>da</strong> Previdência Social – CLPS(Decreto nº 77.077, de 24.01.1976) e na nova Consoli<strong>da</strong>ção expedi<strong>da</strong>em 23.01.1984, consubstancia<strong>da</strong> no Decreto nº 89.312, que substituiuaquela <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 1976, sendo que ambas as Consoli<strong>da</strong>ções abrangeramas disposições <strong>da</strong> Lops e sua legislação complementar. Com a edição<strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, a condição de segurado obrigatório do empregado258R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


e do autônomo (atual contribuinte individual) restaram assegura<strong>da</strong>s noincisos I e V do artigo 11.Já quanto à comprovação do tempo de serviço, o Decreto nº 3.048,de 06 de maio de 1999, que atualmente regulamenta a Lei nº 8.213/91,dispõe, no artigo 62, § 2º, inc. I, a, que, para os trabalhadores em geral,servem como prova do tempo de serviço o contrato individual de trabalho,a Carteira Profissional, a Carteira de Trabalho e Previdência Social,a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e acaderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria epensões, a caderneta de inscrição pessoal visa<strong>da</strong> pela Capitania dosPortos, pela Superintendência do Desenvolvimento <strong>da</strong> Pesca, peloDepartamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações <strong>da</strong>Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> do Brasil, possibilitando assim o cômputodo tempo de serviço do pescador empregado nos moldes que previa o járevogado Decreto nº 22.872/33, que criou o Instituto de Aposentadoriae Pensões dos Marítimos (grifei). Em relação ao pescador artesanal eao autônomo, a comprovação do tempo de serviço obedece ao dispostono art. 55, § 3º, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, sendo imprescindível, no caso desteúltimo, a comprovação do recolhimento <strong>da</strong>s respectivas contribuiçõesprevidenciárias.Do caso concretoFeita a resenha legislativa acerca <strong>da</strong> condição de segurado e <strong>da</strong> provado tempo de serviço do pescador, cabe analisar o caso concreto.Na hipótese dos autos, pleiteia o deman<strong>da</strong>nte o reconhecimento, comoespeciais, dos períodos em que laborou como pescador empregado, nosintervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986,de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990,de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 30.10.1998 (limite <strong>da</strong> sentença), alémdo tempo como pescador artesanal, no interstício de 04.02.1974 a02.05.1983.Consoante referido no início deste voto, é possível verificar que já fo-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 259


am reconhecidos, na via administrativa, como tempo de serviço comum,os interregnos de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984,de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 16.10.1987a 20.01.1989, de 25.04.1990 a 30.11.1990, de 04.10.1991 a 17.02.1992e de 27.09.1986 a 02.10.1987. Desse modo, os períodos de 28.05.1965a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974,de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 01.12.1990a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 28.04.1992 a 11.10.1995 ede 23.11.1995 a 30.10.1998, que pretende o autor ver reconhecidos comoespeciais, sequer foram considerados como tempo de serviço comum.Considerando que o reconhecimento, como tempo comum, dos períodosde ativi<strong>da</strong>de especial é subjacente ao pedido principal, é imprescindível,para a verificação <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des do autor, aanálise, primeiro, do tempo de serviço comum, que passo a fazer.Do tempo de serviço como pescador empregadoPara a comprovação do tempo de serviço como pescador empregado,a parte-autora trouxe aos autos uma Caderneta Matrícula para Pescador,emiti<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Marinha, em que consta que a inscrição pessoaldo autor na Delegacia <strong>da</strong> Capitania dos Portos do Estados do RioGrande do Sul ocorreu em 25.02.1965, a qual foi encerra<strong>da</strong> em 1986, euma Caderneta de Inscrição e Registro na categoria de pescador profissional– POP, também emiti<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Marinha – Diretoria dePortos e Costas, em 1987 (continuação <strong>da</strong> carteira anterior), em que estãoanotados os seguintes vínculos empregatícios (<strong>da</strong>tas de embarque e desembarquede todos os contratos anotados): de 28.05.1965 a 27.03.1967,de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983a 14.12.1983, de 14.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985,de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 26.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989,de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 26.08.2005,e de 26.08.2005 a 09.05.2006, constando vistos <strong>da</strong> Capitania dos Portosem todos os anos na primeira carteira, e, na segun<strong>da</strong> carteira, assinaturae carimbo do encarregado de pessoal em ca<strong>da</strong> desembarque do autor,além do visto <strong>da</strong> Capitania dos Portos no ano de 1995 (fls. 21-37).260R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


As cadernetas apresenta<strong>da</strong>s são suficientes para a comprovação dotempo de serviço ali anotado, uma vez que atendem ao disposto no artigo62, § 2º, inc. I, a, do Decreto nº 3.048/99.Entretanto, em relação ao último vínculo postulado pelo autor – de23.11.1995 a 30.10.1998 (limite do pedido inicial e <strong>da</strong> sentença) –,verifico não haver, na <strong>da</strong>ta de desembarque, quase dez anos após, em26.08.2005, o carimbo e a assinatura do encarregado de pessoal <strong>da</strong> Delegacia<strong>da</strong> Capitania dos Portos ou <strong>da</strong> Marinha Mercante, constando apenasuma assinatura no local destinado ao coman<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> embarcação, semidentificação. Consta o visto <strong>da</strong> Capitania dos Portos no ano de 1995 (fl.31), e, após, a transferência de jurisdição do autor, feita pela Capitaniados Portos em 25.05.2005 (fl. 29).Não obstante a ausência de visto <strong>da</strong> Capitania dos Portos no desembarque,tenho que esse documento constitui início de prova material, umavez que tal vínculo está em ordem cronológica com os demais, havendoanotação de outro contrato de trabalho após este. A anotação constante<strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Carteira foi corrobora<strong>da</strong> pelas testemunhas ouvi<strong>da</strong>s em juízo(depoimentos gravados em mídia anexa<strong>da</strong> à fl. 133), as quais confirmaramque o autor sempre laborou como pescador, tanto em alto mar como naLagoa dos Patos, ativi<strong>da</strong>de esta que exercia até pelo menos a ocasião emque foi realiza<strong>da</strong> a audiência, em 2009.Desse modo, é devido o reconhecimento do tempo de serviço doautor, como pescador, também no período de 23.11.1995 a 30.10.1998,nos termos do disposto no § 3º do art. 55 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91.Portanto, os intervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de16.11.1989 a 27.12.1989, de 01.12.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a16.09.1991, de 28.04.1992 a 11.10.1995, e de 23.11.1995 a 30.10.1998,devem ser reconhecidos como tempo de serviço urbano na condição depescador empregado.Do tempo de serviço como pescador artesanalPretende a parte-autora, também, o reconhecimento do tempo deserviço de 04.02.1974 a 02.05.1983, na condição de pescador artesanal.Para a comprovação do tempo de ativi<strong>da</strong>de rural com vista à obtençãode aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, faz-se necessárioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 261


início de prova material, corrobora<strong>da</strong> por testemunhas, não sendo admiti<strong>da</strong>,via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, <strong>da</strong>Lei nº 8.213/91; Súmula 149 do STJ).Como início de prova material, o autor trouxe aos autos a CadernetaMatrícula para Pescador, emiti<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Marinha em 1965,onde consta que o autor embarcou em parelha de pesca própria em04.02.1974 e desembarcou em 02.05.1983, com vistos <strong>da</strong> Capitania dosPortos em todos os anos (fls. 23 e 26-27), e “Rol Portuário” emitido pelaMarinha Mercante em favor do autor, <strong>da</strong>tado de 15.01.1974, na condiçãode proprietário de uma embarcação do tipo caíque, na zona pertencenteà Colônia de Pesca São Pedro Z3. Consta, no referido “Rol Portuário”,que o autor foi proprietário de uma embarcação do tipo caíque, comtonelagem de 800 kg, com propulsão a hélice, a qual foi vendi<strong>da</strong> (semconstar, contudo, a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> ven<strong>da</strong>), e, após, uma segun<strong>da</strong> embarcação domesmo tipo, com propulsão mecânica, havendo referência de embarquedo autor, um familiar e mais quatro pescadores em 1974, e outros doispescadores em 1980 e 1981, respectivamente, constando como formade contrato por parte (fls. 194-199).A documentação acosta<strong>da</strong> permite concluir que os pescadores trabalharamcom o autor na pesca em regime de parceria, uma vez que seencontram riscados os campos referentes a pagamento por mês ou pordia. Acresça-se a isso o fato de que a embarcação era de pequeno porte,evidenciando o trabalho na condição de pescador artesanal.As testemunhas ouvi<strong>da</strong>s em juízo (depoimentos gravados em mídiaanexa<strong>da</strong> à fl. 133) confirmaram que o autor, durante to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong> laborativa,trabalhou como pescador, autorizando assim o reconhecimentodo tempo de serviço em questão, na condição de pescador artesanal.Passo à análise <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de do tempo de serviço do autor.Do tempo de serviço especialO reconhecimento <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> é disciplinadopela lei em vigor à época em que efetivamente foi exerci<strong>da</strong>, passandoa integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que oampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como àcomprovação <strong>da</strong>s condições de trabalho na forma então exigi<strong>da</strong>, não se262R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restriçõesà admissão do tempo de serviço especial.Nesse sentido, aliás, é a orientação adota<strong>da</strong> pela Terceira Seçãodo Egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (AR nº 3320/PR, Rel. MinistraMaria Thereza de Assis Moura, DJe de 24.09.2008; EREsp nº345554/PB, Rel. Ministro José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, DJ de 08.03.2004;AGREsp nº 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp,DJU de 23.06.2003; e REsp nº 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. MinistroHamilton Carvalhido, DJU de 23.06.2003) e por esta Corte: (EINF nº2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle,D.E. de 18.11.2009; APELREEX nº 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper, D.E. de 30.03.2010;APELREEX nº 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des.<strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17.03.2010; APELREEX nº2007.71.00.033522-7/RS; Quinta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> FernandoQuadros <strong>da</strong> Silva, D.E. de 25.01.2010).Feita essa consideração e tendo em vista a diversi<strong>da</strong>de de diplomaslegais que se sucederam na disciplina <strong>da</strong> matéria, necessário inicialmentedefinir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual alegislação vigente quando <strong>da</strong> prestação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de pela parte-autora.Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema subjudice:a) no período de trabalho até 28.04.1995, quando vigente a Lei nº3.807/60 (Lei Orgânica <strong>da</strong> Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente,a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua re<strong>da</strong>ção original(arts. 57 e 58), possível o reconhecimento <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de do trabalhoquando houver a comprovação do exercício de ativi<strong>da</strong>de enquadrávelcomo especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especialou quando demonstra<strong>da</strong> a sujeição do segurado a agentes nocivos porqualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor(STJ, AgRg no REsp nº 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro JorgeMussi, DJe de 04.08.2008; e STJ, REsp nº 639066/RJ, Quinta Turma,Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07.11.2005), em que necessáriaa mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carrea<strong>da</strong>aos autos ou noticia<strong>da</strong> em formulário emitido pela empresa, a fim de severificar a nocivi<strong>da</strong>de ou não desses agentes;R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 263


) a partir de 29.04.1995, inclusive, foi definitivamente extinto oenquadramento por categoria profissional – à exceção <strong>da</strong>quelas a quese refere a Lei nº 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve serfeito até 13.10.1996, dia anterior à publicação <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº1.523, de 14.10.1996, que revogou expressamente a Lei em questão – demodo que, no interregno compreendido entre 29.04.1995 (ou 14.10.1996)e 05.03.1997, em que vigentes as alterações introduzi<strong>da</strong>s pela Lei nº9.032/95 no art. 57 <strong>da</strong> Lei de Benefícios, necessária a demonstraçãoefetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente,a agentes prejudiciais à saúde ou à integri<strong>da</strong>de física, por qualquermeio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação deformulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamentoem laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor,em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica,conforme visto acima;c) a partir de 06.03.1997, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor do Decreto nº2.172/97, que regulamentou as disposições introduzi<strong>da</strong>s no art. 58 <strong>da</strong> Leide Benefícios pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 1.523/96 (converti<strong>da</strong> na Lei nº9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo deserviço especial, a comprovação <strong>da</strong> efetiva sujeição do segurado a agentesagressivos por meio <strong>da</strong> apresentação de formulário-padrão, embasadoem laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.Importante salientar que, no âmbito desta Corte, na pendência de manifestaçãodo egrégio Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, colhe-se precedentes<strong>da</strong> Quinta e <strong>da</strong> Sexta Turmas, especializa<strong>da</strong>s em matéria previdenciária,no sentido de que não haveria “ve<strong>da</strong>ção à continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conversão detempo de serviço especial em comum, para fins de aposentadoria portempo de serviço, mesmo após 28.05.98, tendo restado sem eficácia aMedi<strong>da</strong> Provisória nº 1.663/98, quanto à revogação do § 5º do art. 57<strong>da</strong> Lei nº 8.213/91” [REO nº 2001.04.01.078891-1, Sexta Turma, Rel.para o Acórdão Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, DJ de 27.11.2002; ACsnº 2002.04.01.021606-3 e 2000.72.05.002459-6, Sexta Turma, Rel. Des.<strong>Federal</strong> Luiz Fernando Wowk Penteado, DJ de 21.08.2002 e 23.10.2002,respectivamente; ACs nº 2000.71.00.030435-2 e 1999.71.08.005154-6, Quinta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz, DJ de06.11.2002 e 14.05.2003, respectivamente].264R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Posteriormente, em face de o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça haver firmadocompreensão contrária, este <strong>Tribunal</strong> passou a sufragar o entendimento<strong>da</strong>quela Corte Superior, no sentido de que, a despeito de o § 5º do art.57 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 não ter sido expressamente revogado, a limitaçãotemporal constante do art. 28 <strong>da</strong> Lei nº 9.711/98 devia ser interpreta<strong>da</strong>no sentido <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conversão de tempo especial para comumno período posterior a 28.05.1998 [AgRg no Resp nº 756797/PR,Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 17.09.2007; REsp nº 497724/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 19.06.2006;REsp nº 603163/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJde 17.05.l004; AgRg no REsp nº 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Min.Gilson Dipp, DJ de 23.06.2003; REsp nº 410.660/RS, Sexta Turma, Rel.Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 10.03.2003, entre outros].Entretanto, revendo seu posicionamento, o STJ passou a entender queo § 5º do art. 57 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 está em plena vigência, possibilitandoa conversão de todo o tempo trabalhado em condições especiais, ain<strong>da</strong> queposteriormente a maio de 1998, em razão do direito adquirido à conversãodo tempo de serviço, de forma majora<strong>da</strong>, para fins de aposentadoriacomum [EREsp nº 1.067.972/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Og Fernandes,DJ de 15.03.2010; REsp nº 956.110/SP, Quinta Turma, Rel. Min.Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 22.10.2007; REsp nº 1.010.028/RN,Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 07.04.2008; AgRgREsp nº739.107/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 14.12.2009].A propósito, transcrevo as ementas de alguns desses julgados:“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA PORTEMPO DE SERVIÇO. LABOR PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVER-SÃO EM TEMPO COMUM APÓS 1988. POSSIBILIDADE.1. O § 5º do art. 57 <strong>da</strong> Lei 8.213/91 está em plena vigência, possibilitando a conversãode todo tempo trabalhado em condições especiais, ao trabalhador que tenha exercidoativi<strong>da</strong>des em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, em razão dodireito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de formamajora<strong>da</strong>, para fins de aposentadoria comum.2. Agravo regimental a que se dá parcial provimento.” (AgRg no REsp nº 739.107 – SP,Sexta Turma, Rel. Min. Og Fernandez, DJe de 14.12.2009)“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DESERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODOTRABALHADO.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 265


1. Com as modificações legislativas acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de conversão do tempoexercido em ativi<strong>da</strong>des insalubres, perigosas ou penosas, em ativi<strong>da</strong>de comum, infere-seque não há mais qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regrasaplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, inclusive após 28.05.1998. Precedentedesta 5ª Turma.2. Recurso especial desprovido.” (REsp nº 1.010.028/RN, Quinta Turma, Rel. Min.Laurita Vaz, DJ de 07.04.2008)“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMEN-TO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. APOSEN-TADORIA PROPORCIONAL. SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE.1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao TrabalhadorSegurado <strong>da</strong> Previdência Social, sendo, portanto, julgados sob tal orientação exegética.2. Omissis;3. Omissis;4. O Trabalhador que tenha exercido ativi<strong>da</strong>des em condições especiais, mesmo que posterioresa maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversãodo tempo de serviço, de forma majora<strong>da</strong>, para fins de aposentadoria comum.5. Recurso Especial improvido.” (REsp nº 956.110/SP, Quinta Turma, Rel. Min. NapoleãoNunes Maia Filho, DJ de 22.10.2007)Com o julgamento, em 23.03.2011, pela Terceira Seção do Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça, do recurso especial repetitivo nº 1151363, do qualfoi Relator o Ministro Jorge Mussi, a questão restou pacifica<strong>da</strong> nos seguintestermos:“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS1998. MP Nº 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DAREGRA DE CONVERSÃO.1. Permanece a possibili<strong>da</strong>de de conversão do tempo de serviço exercido em ativi<strong>da</strong>desespeciais para comum após 1998, pois a partir <strong>da</strong> última reedição <strong>da</strong> MP nº 1.663, parcialmenteconverti<strong>da</strong> na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto querevogava o referido § 5º do art. 57 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91.2. Precedentes do STF e do STJ.”Assim, considerando que o parágrafo 5º do art. 57 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei nº 9.711/98 eque, por disposição constitucional (art. 15 <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº20, de 15.12.1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 <strong>da</strong> Lei deBenefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, seja publica<strong>da</strong>, é possível a conversão de tempo266R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


de serviço especial em comum inclusive após 28.05.1998.Observo, ain<strong>da</strong>, quanto ao enquadramento <strong>da</strong>s categorias profissionais,que devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo – 2ªparte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até28.04.1995, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> extinção do reconhecimento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de especialpor presunção legal, ressalva<strong>da</strong>s as exceções acima menciona<strong>da</strong>s. Jápara o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados osDecretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo – 1ª parte), nº 72.771/73 (QuadroI do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.1997, e os Decretos nº2.172/97 (Anexo IV) e nº 3.048/99 a partir de 06.03.1997, ressalvado oagente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03.Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também averificação <strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de no caso concreto, por meio deperícia técnica, nos termos <strong>da</strong> Súmula nº 198 do extinto <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>de Recursos (STJ, AGRESP nº 228832/SC, Relator Ministro HamiltonCarvalhido, Sexta Turma, DJU de 30.06.2003).Na hipótese vertente, pretende o autor o reconhecimento, comoespecial, do período de 04.02.1974 a 02.05.1983, em que exerceu a ativi<strong>da</strong>dede pescador artesanal, além dos intervalos em que foi pescadorempregado.O tempo de serviço como pescador artesanal não pode ser consideradoespecial. O enquadramento por categoria profissional previsto noscódigos 2.2.3 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831 de 1964 (Pesca:pescadores) e 2.2.1 do Anexo II do Decreto nº 83.080 de 1979 (Pescadores),pressupõe o trabalho nesta ativi<strong>da</strong>de como pescador empregado,e não como segurado especial, cujo exercício <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de pesqueira nãoimpõe ao segurado o recolhimento de contribuições previdenciárias.Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte: AC nº2000.72.00.009051-2/SC e AC nº 2006.72.16.000102-7/SC, SextaTurma, ambos <strong>da</strong> Relatoria do Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira,publicados respectivamente no DE de 18.06.2007 e 25.08.2008; ACnº 2007.71.01.000425-6/RS, Turma Suplementar, Rel. Des. <strong>Federal</strong>Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE de 28.07.2008; REOAC nº2002.72.00.014631-9/SC, Sexta Turma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> SebastiãoOgê Muniz; AC nº 2001.72.00.007256-3, Turma Suplementar, Rel. Juiz<strong>Federal</strong> Eduardo Tonetto Picarelli; e AC nº 2007.71.01.001343-9, TurmaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 267


Suplementar, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luis Alberto d’Azevedo Aurvalle, DEde 23.02.2010.Já em relação aos intervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985,de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989,de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 30.10.1998,laborados pelo autor na condição de pescador empregado, devem estes serreconhecidos como especiais, em razão do enquadramento por categoriaprofissional nos códigos 2.2.3 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831de 1964 (Pesca: pescadores) e 2.2.1 do Anexo II do Decreto nº 83.080de 1979 (Pescadores), porém apenas até 28.04.1995, tendo em vistaque, a partir de então, foi definitivamente extinto o enquadramento porcategoria profissional, e não há, nos autos, laudo técnico a demonstrara sujeição do autor a agentes nocivos que autorizasse o reconhecimentodo tempo especial posterior a 28.04.1995.Portanto, devem ser computados como especiais os intervalos de28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984,de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989,de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 28.04.1995.ConclusãoA aposentadoria especial, prevista no art. 57 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, édevi<strong>da</strong> ao segurado que, além <strong>da</strong> carência, tiver trabalhado sujeito acondições especiais que prejudiquem a saúde ou a integri<strong>da</strong>de físicadurante 15, 20 ou 25 anos.Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversãode tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorgado benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na normareferi<strong>da</strong> (15, 20 ou 25 anos), sob condições nocivas.Somando-se os períodos de ativi<strong>da</strong>de ora reconhecidos como espe-268R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ciais, o autor não perfaz o mínimo de 25 anos de tempo de serviço especialpara a concessão <strong>da</strong> aposentadoria pleitea<strong>da</strong>, razão pela qual seria casode improcedência do pedido.Entretanto, em matéria previdenciária, devem ser mitiga<strong>da</strong>s algumasformali<strong>da</strong>des processuais, haja vista o caráter de direito social <strong>da</strong> previdênciae assistência sociais (Constituição <strong>Federal</strong>, art. 6º), intimamentevinculado à concretização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e ao respeito à digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>pessoa humana, fun<strong>da</strong>mentos do Estado Democrático de Direito (CF,art. 1º, inc. II e III), bem como à construção de uma socie<strong>da</strong>de livre,justa e solidária, à erradicação <strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong> marginalização e à redução<strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais, objetivos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>quele Estado(CF, art. 3º, inc. I e III), tudo a deman<strong>da</strong>r uma proteção social eficaz aossegurados e seus dependentes, e demais beneficiários, inclusive quandolitigam em juízo.A Autarquia Previdenciária, enquanto Estado sob a forma descentraliza<strong>da</strong>,possui o dever constitucional de tornar efetivas as prestaçõesprevidenciárias e assistenciais a todos os legítimos beneficiários, que setraduz, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, na obrigaçãode conceder o benefício previdenciário ou assistencial a que tem direitoo requerente ou deman<strong>da</strong>nte.Ressalte-se que à Autarquia Previdenciária continua competindo, mesmoem juízo, a efetivi<strong>da</strong>de dos direitos previdenciários e assistenciais. Acondição de parte não lhe retira o dever de prestação positiva consistentena concessão do benefício a que tem direito o segurado, dependente oubeneficiário.Dentro desse contexto – que se pode presumir pela relevância socialque envolve a matéria –, e considerando, ain<strong>da</strong>, o caráter instrumental doprocesso, com vistas à realização do direito material, deve-se compreendero pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefícioprevidenciário ou assistencial a que tem direito a parte-autora, independentementede indicação <strong>da</strong> espécie de benefício ou de especificaçãoequivoca<strong>da</strong> deste.À mesma conclusão chega-se a partir de uma interpretação extensivado art. 105 <strong>da</strong> Lei de Benefícios – o que, aliás, deve ser feito, tendo emvista, mais uma vez, a relevância <strong>da</strong> questão social e a íntima ligação entrea previdência e assistência sociais e a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana –, noR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 269


sentido de que não apenas a apresentação de documentação incompletanão constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, comotambém a formulação de pedido administrativo de qualquer espécie deprestação previdenciária não exime o INSS de examinar a possibili<strong>da</strong>dede concessão de benefício previdenciário diverso, ou mesmo de benefícioassistencial, sempre que mais vantajoso para o beneficiário, ain<strong>da</strong> que,para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários.Ora, se é assim no âmbito administrativo, não pode ser diferentena esfera judicial, eis que presentes os mesmos elementos asseguradoresde uma ativi<strong>da</strong>de estatal direciona<strong>da</strong> à concretização de direitos sociais.Considerando, pois, que o pedido, nas causas previdenciárias, é o deobtenção do benefício a que tem direito o autor <strong>da</strong> ação, inexiste, em casode concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta aoprincípio <strong>da</strong> congruência entre pedido e sentença, insculpido nos arts. 128e 460 do Código de Processo Civil. Nem poderia ser diferente, haja vistaque o fator subjacente à eventual violação <strong>da</strong>quele princípio – o elementosurpresa, que redun<strong>da</strong>ria em situação de injustifica<strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de entreas partes – não se encontra presente, pois se a autarquia previdenciáriapossui, a priori (isto é, inclusive antes <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> judicial), o dever deconcessão <strong>da</strong> prestação previdenciária ou assistencial a que tem direitoo segurado, dependente ou beneficiário, não se pode considerar surpreendi<strong>da</strong>por deferimento de benefício diferente do pleiteado.Por tais razões, não é extra petita, v. g., a decisão (a) que concede aposentadoriapor invalidez quando pleiteado auxílio-doença (STJ, QuintaTurma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 293659, DJ de 19.03.2001); (b)que defere auxílio-doença quando requeri<strong>da</strong> aposentadoria por invalidez(STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, REsp nº 255776, DJ de11.09.2000; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, REsp nº169567, DJ de 02.05.2000; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal,REsp nº 193220, DJ de 08.03.1999; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. JoséArnaldo <strong>da</strong> Fonseca, REsp nº 105003, DJ de 22.02.1999; STJ, SextaTurma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 177267, DJ de 21.09.1998;STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago, RESp nº 124771, DJ de27.04.1998); (c) que concede auxílio-acidente quando o pleito formuladoera o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (STJ, QuintaTurma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 267652, DJ de 28.04.2003;270R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp nº 385607,DJ de 19.12.2002; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, REspnº 226958, DJ de 05.03.2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. FernandoGonçalves, EDcl no REsp nº 197794, DJ de 21.08.2000); (d) que defereaposentadoria por invalidez quando pleiteado auxílio-acidente (STJ,Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Galotti, REsp nº 541695, DJ de 01.03.2004;STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 412676, DJ de19.12.2002); (e) que concede ren<strong>da</strong> mensal vitalícia quando formuladopedido de aposentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min.José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, EDcl no REsp nº 193218, DJ de 06.12.1999;STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, REsp nº 180461,DJ de 06.12.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº202931, DJ de 24.05.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal,REsp nº 193110, DJ de 01.03.1999); (f) que concede auxílio-doençaquando requeri<strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal vitalícia (STJ, Quinta Turma, Rel. Min.Edson Vidigal, REsp nº 177566, DJ de 20.09.1999); (g) que defere benefícioassistencial em vez de ren<strong>da</strong> mensal vitalícia (STJ, Sexta Turma,Rel. Min. Nilson Naves, AgRg no Ag nº 585216, DJ de 06.02.2006;STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, AgRg no Ag nº540835, DJ de 05.09.2005); (h) que concede aposentadoria por i<strong>da</strong>derural quando pleiteado benefício assistencial (STJ, Quinta Turma, Rel.Min. Félix Fischer, AgRg no REsp nº 801193, DJ de 15.05.2006); (i)que concede aposentadoria por i<strong>da</strong>de, com base em tempo de trabalhourbano, quando pleitea<strong>da</strong> aposentadoria por i<strong>da</strong>de rural (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,Quinta Turma, de minha relatoria, AC nº 2004.04.01.046095-5, DJU de05.04.2006; TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Quinta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Otávio RobertoPamplona, AC nº 2002.04.01.052292-7, DJU de 28.09.2005; TRF <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, Sexta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira, AC nº2004.70.00.015423-0, DJU de 28.06.2006; TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Sexta Turma,Rel. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira, AC nº 2002.71.03.000202-4, DJU de 31.08.2005; TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Quinta Turma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong>Ricardo Teixeira do Valle Pereira, AC nº 2002.70.01.000043-3, DJU de23.03.2005; TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Sexta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Néfi Cordeiro,AC nº 2001.70.04.000958-6, DJU de 25.06.2003); (j) que concedeaposentadoria por i<strong>da</strong>de quando requeri<strong>da</strong> aposentadoria por tempo deserviço/contribuição (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Terceira Seção, em que fui Rela-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 271


tor para o acórdão, EAC nº 2000.04.01.107110-2, DJU de 02.08.2006;TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Segun<strong>da</strong> Turma Suplementar, Rel. Des. <strong>Federal</strong> LuísAlberto d’Azevedo Aurvalle, AC nº 2002.70.05.003638-4, DJU de14.06.2006; TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Segun<strong>da</strong> Turma Suplementar, Rel. Juíza<strong>Federal</strong> Eloy Bernst Justo (convoca<strong>da</strong>), AC nº 2001.04.01.080922-7,DJU de 05.04.2006; TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Segun<strong>da</strong> Turma Suplementar, Rel.Juíza <strong>Federal</strong> Eloy Bernst Justo (convoca<strong>da</strong>), AC nº 2000.70.07.001152-9, DJU de 29.03.2006).Algumas <strong>da</strong>s decisões acima cita<strong>da</strong>s foram assim ementa<strong>da</strong>s:“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA. NULIDADE. EXTRAPETITA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA.Não há nuli<strong>da</strong>de por julgamento extra petita na sentença que, constatando o preenchimentodos requisitos legais para tanto, concede aposentadoria por invalidez ao seguradoque havia requerido o pagamento de auxílio-doença. Precedentes.Recurso não conhecido.” (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 293659,DJ de 19.03.2001)“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. PEDIDO DEAUXÍLIO-ACIDENTE. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. JUL-GAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE AS HIPÓTESES CONFRONTADAS.1. Não ocorre omissão quando o <strong>Tribunal</strong> de origem decide fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>mente to<strong>da</strong>sas questões postas ao seu crivo.2. Em face <strong>da</strong> relevância social <strong>da</strong> matéria, é lícito ao juiz, de ofício, adequar a hipótesefática ao dispositivo legal pertinente à concessão de benefício previdenciário devido emrazão de acidente de trabalho.3. A divergência jurisprudencial não restou configura<strong>da</strong> ante a falta de similitude fáticaentre o acórdão recorrido e o paradigma trazido a confronto.4. Recurso especial improvido.” (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp nº541695/DF, DJ de 01.03.2004)“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALI-DADE DE SEGURADA. INCAPACIDADE DEFINITIVA. RENDA MENSAL VITALÍ-CIA. CONCESSÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.Ain<strong>da</strong> que a pretensão deduzi<strong>da</strong> em juízo vincule-se à concessão <strong>da</strong> aposentadoria porinvalidez, é lícito ao <strong>Tribunal</strong> colegiado, em face <strong>da</strong> relevância <strong>da</strong> questão social que envolveo assunto, conceder o benefício <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal vitalícia, sem a ocorrência de julgamentoextra petita. Precedentes.A ren<strong>da</strong> mensal vitalícia é benefício assegurado, independentemente de contribuição,aos necessitados (inválidos e idosos) que comprovem não possuir meios de prover a própriamanutenção.272R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Recurso não conhecido.” (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo <strong>da</strong> Fonseca, REspnº 180461/SP, DJ de 06.12.1999)“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA PORTEMPO DE SERVIÇO. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS. OUTORGA DEAPOSENTADORIA POR IDADE URBANA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DEBENEFÍCIO DIVERSO DO POSTULADO.1. Da<strong>da</strong> a relevância <strong>da</strong> questão social que envolve a matéria e considerando, ain<strong>da</strong>, ocaráter instrumental do processo, com vistas à realização do direito material, deve-se compreendero pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefício previdenciárioou assistencial a que tem direito a parte-autora, independentemente de indicação <strong>da</strong> espéciede benefício ou de especificação equivoca<strong>da</strong> deste.2. Considerando que o pedido, nas causas previdenciárias, é o de obtenção do benefícioa que tem direito o autor <strong>da</strong> ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso domencionado na inicial, afronta ao princípio <strong>da</strong> congruência entre pedido e sentença, insculpidonos artigos 128 e 460 do CPC.3. Não preenchidos os requisitos legais para a concessão de aposentadoria por tempo deserviço, mas implementados os requisitos legais para a outorga <strong>da</strong> aposentadoria por i<strong>da</strong>deurbana, deve esta ser concedi<strong>da</strong>.” (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Terceira Seção, em que fui Relator parao acórdão, EAC nº 2000.04.01.107110-2, DJU de 02.08.2006)Desse modo, cabe verificar a possibili<strong>da</strong>de de concessão de aposentadoriapor tempo de serviço/contribuição.No caso concreto, somando-se o tempo de serviço incontroverso jácomputado pelo INSS na via administrativa, ao tempo de serviço urbanocomo pescador profissional, ao tempo de serviço como pescadorartesanal, e ao acréscimo decorrente <strong>da</strong> conversão de tempo especialem comum (planilhas em anexo que desde já determino a junta<strong>da</strong> aosautos), a parte-autora implementa, até 30.10.1998 (limite <strong>da</strong> sentença),tempo de serviço suficiente à outorga <strong>da</strong> aposentadoria por tempo deserviço integral.A carência também resta preenchi<strong>da</strong>, pois o deman<strong>da</strong>nte verteu, seminterrupção que acarretasse a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> condição de segurado, mais de150 contribuições até 1998, cumprindo, portanto, a exigência do art. 142<strong>da</strong> Lei de Benefícios.É devi<strong>da</strong>, pois, a aposentadoria por tempo de serviço integral, a contar<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do protocolo administrativo (10.04.2008), nos termos do art. 54c/c art. 49, II, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, cujo salário de benefício deverá serapurado com base na re<strong>da</strong>ção original do art. 29 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91.Com efeito, embora o requerimento administrativo protocolado emR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 273


10.04.2008 tenha sido de aposentadoria por i<strong>da</strong>de (fls. 176-234), é devi<strong>da</strong>a aposentadoria por tempo de serviço desde aquela <strong>da</strong>ta. Isso porque,<strong>da</strong>do (a) o caráter de direito social <strong>da</strong> previdência social, intimamentevinculado à concretização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e ao respeito <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>dehumana, a deman<strong>da</strong>r uma proteção social eficaz aos segurados; (b) odever constitucional, por parte <strong>da</strong> autarquia previdenciária (enquantoEstado sob a forma descentraliza<strong>da</strong>), de tornar efetivas as prestaçõesprevidenciárias aos beneficiários; e (c) a obrigação do INSS – seja emrazão dos princípios acima elencados, seja a partir de uma interpretaçãoextensiva do art. 105 <strong>da</strong> Lei de Benefícios (“A apresentação de documentaçãoincompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento dobenefício”) – de conceder aos segurados o melhor benefício a que têmdireito, tem o Instituto Previdenciário o dever de analisar, quando doprotocolo administrativo, a possibili<strong>da</strong>de de outorga de outra inativaçãoque não aquela expressamente requeri<strong>da</strong>, ou pelo menos orientar, sugerirou solicitar aos segurados os documentos necessários para tanto.Embora, na maior parte dos casos, a prova do não cumprimento dessedever seja por presunção, à míngua de prova em sentido contrário, tendoem vista o princípio <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, no caso em apreço, tal situação é diversa,uma vez que, quando do protocolo administrativo, a parte-autoranão teria direito à aposentadoria por i<strong>da</strong>de, seja de caráter rural, sejaurbano, uma vez que não havia completado, naquela <strong>da</strong>ta, o requisitoetário de 60 anos (o autor nasceu em 17.10.1948), de modo que deveriao INSS ter orientado o segurado acerca <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de, pelo menos,de ter requerido outro benefício.A inobservância desse dever, como demonstrado, é motivo suficientepara fazer incidir a concessão <strong>da</strong> aposentadoria por tempo de serviçoora deferi<strong>da</strong> desde a <strong>da</strong>ta do requerimento administrativo do benefíciopor i<strong>da</strong>de.A atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de ca<strong>da</strong>prestação, deve-se <strong>da</strong>r, no período de 05/1996 a 03/2006, pelo IGP-DI(art. 10 <strong>da</strong> Lei nº 9.711/98, c/c o art. 20, §§ 5º e 6º, <strong>da</strong> Lei nº 8.880/94), e,de 04/2006 a 06/2009, pelo INPC (art. 31 <strong>da</strong> Lei nº 10.741/03, c/c a Leinº 11.430/06, precedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou oart. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp. nº 1.103.122/PR). Nesses períodos,os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar <strong>da</strong>274R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


citação, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamenteaos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu carátereminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado najurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.A contar de 01.07.2009, <strong>da</strong>ta em que passou a viger a Lei n º 11.960, de29.06.2009, que alterou o art. 1º-F <strong>da</strong> Lei nº 9.494/97, para fins de atualizaçãomonetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivopagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados àcaderneta de poupança (EREsp 1207197/RS, Rel. Ministro Castro Meira,Corte Especial, julgado em 18.05.2011, DJe de 02.08.2011).Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor<strong>da</strong>s parcelas venci<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sentença, a teor <strong>da</strong>s Súmulas 111 doSTJ e 76 desta Corte.Tendo o feito tramitado perante a Justiça <strong>Federal</strong>, o INSS está isentodo pagamento <strong>da</strong>s custas judiciais, a teor do que preceitua o art. 4º <strong>da</strong>Lei nº 9.289/96.Considerando a eficácia man<strong>da</strong>mental dos provimentos fun<strong>da</strong>dos noart. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita,em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questãode Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des.<strong>Federal</strong> Celso Kipper, julgado em 09.08.2007), determino o cumprimentoimediato do acórdão no tocante à implantação do benefício <strong>da</strong> parte--autora (CPF 203.702.960-87), a ser efetiva<strong>da</strong> em 45 dias.Ante o exposto, voto por extinguir o feito, de ofício, sem exame domérito, quanto ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço de04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de16.10.1987 a 20.01.1989, de 25.04.1990 a 30.11.1990, e de 04.10.1991a 17.02.1992, por falta de interesse de agir, com base no artigo 267,VI, do CPC, <strong>da</strong>r parcial provimento à apelação do INSS e à remessaoficial, e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante àimplantação do benefício <strong>da</strong> parte-autora.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 275


APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 2006.70.00.007609-4/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rogerio FavretoApelante: Herculano Chaves CavalheiroAdvogado: Dr. Leonardo Ziccarelli RodriguesApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> PFE-INSSRemetente: Juízo <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> VF Previdenciária de CuritibaEMENTAPrevidenciário. Ativi<strong>da</strong>de rural. Regime de economia familiar. Ativismojudicial. Ponderação do princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de. Parciali<strong>da</strong>depositiva do juiz. Igual<strong>da</strong>de material e acesso à justiça. Ativi<strong>da</strong>de especial.Aposentadoria por tempo de serviço: deferimento.Trabalho rural como empregado temporário não desnatura o regime deeconomia familiar. Natureza similar e complementar de serviço agrícola.Estudo, no meio rural, em um turno, combinado com trabalho, comprovaativi<strong>da</strong>de agrícola pelas condições e pelo contexto social em quese insere.A decisão judicial deve contemplar as características e a reali<strong>da</strong>desocial, cultural e econômica para aproximar a Justiça <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de nabusca de efetivação dos direitos fun<strong>da</strong>mentais.Ativismo judicial pautado na ponderação dos princípios auxilia noequilíbrio processual <strong>da</strong>s partes e na melhor garantia do acesso à justiça.Valoração adequa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s provas pelo reconhecimento <strong>da</strong>s diferençasempíricas e do momento histórico de produção.Parciali<strong>da</strong>de positiva do juiz: ponderação <strong>da</strong> aplicação do princípio <strong>da</strong>imparciali<strong>da</strong>de para nivelar o procedimento judicial e conferir tratamentoigualitário entre as partes. Proporcionali<strong>da</strong>de e razoabili<strong>da</strong>de na aplicação<strong>da</strong> lei não geram colisão entre imparciali<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de.O processo moderno reclama o reconhecimento material <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>dereal. O princípio constitucional <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de remete ojulgador a considerar as diferenças sociais, culturais e econômicas <strong>da</strong>spartes processuais para garantir a imparciali<strong>da</strong>de do acesso à justiça, semvinculação à parte ou discriminação entre elas.276R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


A busca <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de deve nortear o intérprete e aplicador do direitopela ponderação do princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de.Comprovado o tempo de serviço rural em regime de economia familiar,mediante a produção de início de prova material, corrobora<strong>da</strong> porprova testemunhal idônea, bem como a especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>desexerci<strong>da</strong>s em determinados períodos, faz jus, a parte, sob tais condições,ao reconhecimento e à averbação dos respectivos tempos de serviço.Atendidos os requisitos legais exigíveis para a concessão de aposentadoriapor tempo de contribuição, quer pela regra vigente em 16.12.1998;quer pela regra de transição do art. 9º, § 1º, <strong>da</strong> EC nº 20/98; quer pelaregra atual do art. 201, § 7º, inc. I, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, deve serdeferido o pedido <strong>da</strong> parte-autora.Tutela específica determina<strong>da</strong> para conferir eficácia man<strong>da</strong>mental aosprovimentos fun<strong>da</strong>dos no art. 461 do CPC, sem a necessi<strong>da</strong>de de requerimentoexpresso <strong>da</strong> parte-autora. Precedente <strong>da</strong> 3ª Seção desta Corte.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 5ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à remessa oficial e <strong>da</strong>r provimentoà apelação <strong>da</strong> parte-autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasque ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 17 de janeiro de 2012.Des. <strong>Federal</strong> Rogerio Favreto, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rogerio Favreto: Trata-se de remessa oficiale apelação interposta contra sentença cujo dispositivo segue colacionado:“Pelo exposto, julgo o processo com resolução de mérito:a) na forma do art. 269, II, do CPC, em relação à conversão dos períodos especiais emcomum de 02.05.80 a 04.05.88 e de 17.08.88 a 27.03.91, pelo fator 1,4;b) na forma do art. 269, I, do CPC, para reconhecer o exercício de ativi<strong>da</strong>de rural noperíodo de 28.06.66 a 31.12.66;c) para condenar o INSS na obrigação de averbar os tempos de labor rural e especialreconhecidos para futura concessão de aposentadoria ao deman<strong>da</strong>nte.Ante a sucumbência recíproca, ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s partes arcará com o pagamento dos honoráriosde seu advogado.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 277


A sentença, porque declaratório o provimento, submete-se ao reexame necessário emrazão do valor atribuído à causa.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”A parte-autora, ora apelante, alega que deve ser incluído no períodode trabalho rural em regime de economia familiar o tempo laborado de01.01.1967 a 31.07.1968, a fim de ser concedi<strong>da</strong> a aposentadoria proporcionaldesde a DER.Não foram apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rogerio Favreto:Da comprovação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de especialAté 05.03.1997, por disposição expressa do art. 292 do Decreto nº611/92, a caracterização <strong>da</strong> insalubri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> periculosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>delaboral era feita com base no Decreto nº 53.831/64 e nos Anexos Ie II do Decreto nº 83.080/79, passando, posteriormente, a ser regula<strong>da</strong>pelo Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) e, de 07.05.1999 em diante, peloDecreto nº 3.048/99 (Anexo IV).A comprovação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de especial que, inicialmente, se <strong>da</strong>va medianteo simples enquadramento <strong>da</strong> categoria profissional foi se tornandomais complexa, pressupondo demonstração, por qualquer meio, de efetivaexposição do segurado a agentes nocivos (Lei nº 9.032, de 28.04.1995)e, a partir do advento do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66, § 2º),de formulário embasado em laudo ou perícia técnica.Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, contudo, a comprovação<strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de laboral pressupõe a existência de laudopericial atestando, nos termos <strong>da</strong> explanação acima, a exposição do seguradoa níveis de pressão sonora superiores a 80 decibéis, até 05.03.1997(item 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e item 1.1.6 do Anexoao Decreto nº 53.831/64), e a 85 decibéis a partir de então (aplicaçãoretroativa a 06.03.1997, por força de entendimento jurisprudencial, doitem 2.1.0 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> peloDecreto nº 4.882/2003). Ademais, em consonância com o entendimentofirmado pela Turma <strong>Regional</strong> de Uniformização de Jurisprudência <strong>da</strong> <strong>4ª</strong>278R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


<strong>Região</strong>, não sendo possível a aferição do ruído pela média pondera<strong>da</strong>,e “tratando-se de período anterior a Lei n. 9.032/95, quando prova técnicademonstrar que em parte <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> a exposição ao ruído se <strong>da</strong>vaacima dos níveis máximos, deverá ser reconheci<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de especial”(Iujef 0008655-57.2009.404.7255/SC, julgado em 20.05.2011, Maioria,Relatora para o Acórdão Juíza <strong>Federal</strong> Luísa Gamba); e “tratando-se deperíodo posterior à Lei n. 9.032/95, deve-se utilizar o critério dos picosde ruído (maior nível de ruído no ambiente durante a jorna<strong>da</strong> de trabalho)”(IUJEF 0006222-92.2009.404.7251/SC, julgado em 20.05.2011,Maioria, Relatora para o Acórdão Juíza <strong>Federal</strong> Luísa Gamba).De se levar em conta, ain<strong>da</strong>, quanto aos equipamentos de proteção,que já se pacificou o entendimento no sentido de que o tão só uso destes,sem comprovação de sua real efetivi<strong>da</strong>de, como no caso em exame, nãoé suficiente para descaracterizar a especiali<strong>da</strong>de de ativi<strong>da</strong>de. Sobre oassunto, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados EspeciaisFederais editou a Súmula nº 09, dispondo que “O uso de Equipamentode Proteção Individual (EPI), ain<strong>da</strong> que elimine a insalubri<strong>da</strong>de, no caso<strong>da</strong> exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especialprestado”.Adiante-se, também, que esta Turma, a exemplo <strong>da</strong> jurisprudênciaconsoli<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Colendo Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça no recente julgamentodo recurso especial com representativo de controvérsia REspnº 1.151.363/MG (Rel. Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, unânime, DJE05.04.2011), tem por aplicável os fatores de conversão estabelecidosno art. 70 do Decreto nº 3.048/99 ao trabalho especial desenvolvido emqualquer época (§ 2º do referido dispositivo legal) e admite a possibili<strong>da</strong>dede conversão de tempo especial em comum inclusive a partir de28.05.1998, na medi<strong>da</strong> em que a Lei nº 9.711, de 28.11.1998, deixou deconvali<strong>da</strong>r a revogação do § 5º do art. 57 <strong>da</strong> Lei n° 8.213/91, voltando,assim, a ter plena vigência no ordenamento jurídico, destinando-se, o art.28 <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Lei, a regular apenas transitoriamente a situação <strong>da</strong>quelesque já haviam adquirido o direito à conversão na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> MPnº 1.663/98. Por essas razões, descabe cogitar-se de violação ao dispostonos artigos 28 <strong>da</strong> Lei nº 9.711/98; 57, § 5º, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91; 2º, § 1º,<strong>da</strong> LICC; 5º, inc. II, 195, § 5º, e 201, caput, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, osquais, nesses termos, restam devi<strong>da</strong>mente prequestionados.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 279


Pois bem, a partir de minucioso estudo do conjunto probatório existentenos autos, tem-se como perfeitamente caracteriza<strong>da</strong>, nos termos <strong>da</strong>legislação aplicável, conforme fun<strong>da</strong>mentação supra, a especiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> pela parte-autora no período abaixo:Período: de 02.05.1980 a 04.05.1988.Empresa: Lorenzetti Porcelana Industrial Paraná S.A.Função: servente de produção até 01.08.1980; alimentador de classificação,de 01.08.1980 a 01.03.1988; mol<strong>da</strong>dor de baquelite, de 01.03.1988a 04.05.1988.Enquadramento: níveis de ruído superiores ao limite de 80 decibéisvigente até 05.03.1997 (item 1.1.6 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64 eitem 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79).Prova(s) – fl.(s): Formulários DSS-8030 e respectivos laudos-técnicos(fls. 28-40).Conclusão: Faz jus à conversão, na medi<strong>da</strong> em que comprova<strong>da</strong> aexposição, de modo habitual e permanente, ao agente nocivo ruído.Período: de 17.08.1988 a 27.03.1991.Empresa: Incepa Indústria Cerâmica Paraná S.A.Função: aju<strong>da</strong>nte de produção.Enquadramento: níveis de ruído superiores ao limite de 80 decibéisvigente até 05.03.1997 (item 1.1.6 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64 eitem 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79).Prova(s) – fl.(s): Formulário DSS-8030, embasado em laudo-técnico(fls. 41/43).Conclusão: Faz jus à conversão, na medi<strong>da</strong> em que comprova<strong>da</strong> aexposição, de modo habitual e permanente, ao agente nocivo ruído.Restando, pois, atendi<strong>da</strong>s as exigências previstas no § 1º do art. 58<strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.732/98, justifica-se aconversão em ativi<strong>da</strong>de comum mediante aplicação do fator multiplicadorcorrespondente, conforme disposto pelo art. 70 do Decreto nº 3.048/99.Da comprovação do tempo de ativi<strong>da</strong>de ruralImporta ter presente, em primeiro lugar, que o art. 55, § 2º, <strong>da</strong> Lei nº8.213/91 expressamente autoriza o cômputo do tempo de serviço ruralrealizado anteriormente ao advento <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> norma, independentementedo recolhimento <strong>da</strong>s contribuições (ADIn 1.664-0, STF, Rel. Min.280R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Octávio Gallotti, DJU de 19.12.1997; Ação Rescisória 1.382-SC, STJ,3ª Seção, Rel. Min. Félix Fischer, DJU de 04.06.2001; e enunciado <strong>da</strong>Súmula nº 24 <strong>da</strong> Turma Nacional de Uniformização dos Juizados EspeciaisFederais); e que a respectiva comprovação é objeto de disposiçãopelos arts. 55, § 3º, e 106 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 e pelos arts. 60, incs. I e X,e 62, § 2º, inc. II, alíneas a a l, do Decreto nº 3.048/99, admitindo-se, paratanto, documentos em nome de terceiros, membros do grupo parental(Súmula nº 73 desta Corte).De se registrar também que, por expressa previsão legal (art. 184,V, do Decreto nº 2.172/97; arts. 55, § 2º, e 96, IV, <strong>da</strong> Lei 8.213/91; art.195, § 6º, CF; e art. 127, V, do Decreto 3.048/1999), restou autorizado ocômputo do labor rural sem recolhimento <strong>da</strong>s respectivas contribuiçõesaté 31.10.1991. Ocorre que as“Leis 8.212 e 8.213/91 estabeleceram, respectivamente, o regime de custeio e o de benefícios<strong>da</strong> Previdência Social, tendo estipulado, outrossim, a quota de participação do seguradoespecial na manutenção do sistema previdenciário, tratando-se o tributo em apreço de contribuiçãosocial, a sua incidência deve observar o ditame do art. 195, § 6º, <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong>. Dessarte, as exações em comento, a princípio, só poderiam ser exigi<strong>da</strong>s após noventadias <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> lei que as instituiu, de sorte que, tendo a normativa de regênciasido publica<strong>da</strong> em 25 de julho de 1991, a <strong>da</strong>ta de início <strong>da</strong> cobrança <strong>da</strong>s contribuiçõesprevidenciárias seria dia 22 de outubro <strong>da</strong>quele ano, à míngua <strong>da</strong> correspondente fonte decusteio de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, posicionamento, aliás,já assentado no art. 184, V, do Decreto 2.172/97 e no art. 127, V, do Decreto 3.048/1999,o qual expressamente refere que o tempo de contribuição do segurado trabalhador ruralanterior à competência de novembro de 1991 será computado. Assim, possível a extensão<strong>da</strong>quela <strong>da</strong>ta até 31.10.91.” (REOAC nº 2004.71.04.004981-2/RS – Rel. Des. <strong>Federal</strong> JoãoBatista Pinto Silveira)Note-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no períodoanterior à Lei nº 8.213/91, em regime de economia familiar e semo recolhimento <strong>da</strong>s contribuições, inclui, como segurado especial, todoo grupo familiar que comprova<strong>da</strong>mente trabalhe no campo, nos termosdo disposto no art. 11, inc. VII, <strong>da</strong> Lei de Benefícios. Nesse sentido,pacificou-se o entendimento na Corte Superior: REsp 506959/RS,Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 07.10.2003, DJ10.11.2003, p. 206; REsp 723.243/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, SextaTurma, julgado em 06.10.2005, DJ 21.11.2005, p. 322.Quanto à i<strong>da</strong>de mínima para exercício de ativi<strong>da</strong>de laborativa, a TurmaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 281


Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou oentendimento no sentido de que “A prestação de serviço rural por menorde 12 a 14 anos, até o advento <strong>da</strong> Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devi<strong>da</strong>mentecomprova<strong>da</strong>, pode ser reconheci<strong>da</strong> para fins previdenciários”(Súmula nº 05, DJ 25.09.2003, p. 493). Assim, e considerando tambémos precedentes <strong>da</strong> Corte Superior, prevalece o entendimento de que “asnormas que proíbem o trabalho do menor foram cria<strong>da</strong>s para protegê-loe não para prejudicá-lo”. Logo, ain<strong>da</strong> que a ativi<strong>da</strong>de laboral examina<strong>da</strong>seja exerci<strong>da</strong> por menor de 14 anos de i<strong>da</strong>de, esse tempo deve ser computadopara fins previdenciários. Nesse sentido, e reafirmando o teor <strong>da</strong>Súmula nº 149 do próprio Colegiado, quanto à imprescindibili<strong>da</strong>de deinício de prova material do labor rural, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiçarecentemente decidiu o REsp nº 1.133.863/RN representativo de controvérsia(Rel. Ministro Celso Limongi, Desembargador Convocado doTJ/SP, Terceira Seção, julgado em 13.12.2010, DJe 15.04.2011).Da prova do labor rural no caso concretoProcedendo, então, ao reexame do conjunto probatório constantedos autos, especialmente os docs. de fls. 16-20/180 (certidões do Departamentode Polícia Civil do Estado do Paraná, do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong>Eleitoral e <strong>da</strong> Prefeitura Municipal de Palmeira <strong>da</strong>ndo conta de que opai do autor havia se qualificado como lavrado bem como o autor teriacursado a Escola Isola<strong>da</strong> de Faxinal dos Mineiros nos anos de 1963 a1965; cópia <strong>da</strong> ficha de entrevista rural do pai do autor; e comprovaçãode concessão de benefício de aposentadoria por invalidez rural ao paido autor) à vista dos fun<strong>da</strong>mentos antes considerados, tem-se que não épossível extrair-se conclusão outra senão a de que, no caso concreto, há,de fato, início suficiente de prova material, em atenção à previsão expressado art. 55, § 3º, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, corrobora<strong>da</strong> por prova testemunhalidônea produzi<strong>da</strong> em juízo (fl. 170), no sentido de que a parte-autora,efetivamente, exercera ativi<strong>da</strong>de laborativa rurícola em regime de economiafamiliar no período reconhecido na sentença, ou seja, 28.06.66a 31.12.66, a qual resta manti<strong>da</strong> por seus próprios argumentos de fato ede direito aos quais me reporto, acolhendo-os por inteiro.Quanto ao período de 01.01.1967 a 31.07.1968, a sentença afastou apretensão, basicamente porque,282R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“em depoimento, o próprio autor admitiu que, em 1967, iniciou labor como empregadoem uma empresa chama<strong>da</strong> Isfer, sem registro em carteira, trabalhando de segun<strong>da</strong>-feira asexta-feira. Informou que, quando <strong>da</strong>va, aju<strong>da</strong>va seu pai na roça <strong>da</strong> família, ou seja, eraum mero auxílio. Disse que estudou até 1967, porém a declaração do Departamento deEducação de fl. 17 comprova que o estudo foi até 1965.”Entretanto, do citado depoimento pessoal, se verificam informaçõesum pouco diversas <strong>da</strong>s sinala<strong>da</strong>s pela magistra<strong>da</strong> de 1º grau: i) omissãoquanto à natureza <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de também rural <strong>da</strong> empresa Isfer – “empresaplantadora de Faxinal”; ii) não afirma que seu labor era mero auxilio àfamília, pelo contrário, pois parou de estu<strong>da</strong>r para trabalhar o dia inteiroe, além disso, aju<strong>da</strong>va seus pais na lavoura, ou seja, após o expedientede diarista, continuava o labor no regime familiar; iii) que, durante operíodo que estudou – indiferente ter encerrado em 1965 ou 1967 (primeirainformação <strong>da</strong> certidão de fl. 17 e segundo o relatado pela parte)–, um turno mantinha de trabalho na agricultura; iv) que somente em1968 passou a trabalhar de carteira assina<strong>da</strong>.Dessas informações e do restante do contexto em que se insere asituação do autor, pode-se até verificar algumas imprecisões nas provasdocumental e testemunhal produzi<strong>da</strong>s, mas merecem o relevo pela distânciano tempo (mais de 40 anos) e pela pouca instrução <strong>da</strong> parte e dosdemais depoentes. Em suma, a falta de objetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s informaçõescolhi<strong>da</strong>s na instrução aponta<strong>da</strong> pela magistra<strong>da</strong> a quo deve receber adevi<strong>da</strong> ponderação e contextualização.É a típica situação que exige um posicionamento do julgador maisaproximado <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social e cultural em que se inserem os fatos ea vi<strong>da</strong> do jurisdicionado, associa<strong>da</strong> a uma aplicação interdisciplinar <strong>da</strong>snormas, em especial quando se trata <strong>da</strong> concessão de direitos sociais.Assim, em uma ponderação e adequa<strong>da</strong> valoração <strong>da</strong>s provas, emparticular pelo seu contexto histórico e pela ordem cronológica dosfatos, restam incontroversas a natureza e a tradição rurícolas <strong>da</strong> famíliado autor, bem como o regime de economia familiar – em grande parte járeconhecidos na sentença. Vejamos: i) a família do autor, bem como seusantecessores, nasceu e foi cria<strong>da</strong> na roça, exercendo sempre as ativi<strong>da</strong>desde lavoura; ii) o regime é de economia familiar, tanto que trabalhamcomo pequenos arren<strong>da</strong>tários; iii) os filhos (irmão do autor) tambémacompanharam os pais no labor rural, objetivando atender minimamenteR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 283


as condições de vi<strong>da</strong> pela produção de consumo e pela ren<strong>da</strong> coletiva;iv) o pai do autor foi aposentado por invalidez e desde 1976 passou areceber benefício de natureza rural; v) tanto o trabalho informal do autorna empresa Isfer como o seguinte emprego (formal) também foram nomeio rural, reforçando a característica e o labor rural.Sobre o trabalho não formalizado na empresa Isfer, além do aspectode ser do ramo agrícola (empresa plantadora), na pior <strong>da</strong>s hipóteses,verifica-se uma mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> situação de regime próprio de economiafamiliar para a condição de diarista. Mas tudo no plano rural e com provasde prestação de serviço agrícola, em que os rendimentos do trabalhoexterno – repita-se, ain<strong>da</strong> no meio rural – integravam os rendimentosdo grupo familiar.Ain<strong>da</strong>, afora o horário de empregado rural, o autor estendia seulabor na lavoura <strong>da</strong> família. Sou testemunho <strong>da</strong>s condições e <strong>da</strong> formade prestação do trabalho na lavoura, visto que desempenhei esse ofícioaté os 18 anos, em que é normal os filhos de agricultor estu<strong>da</strong>rem emum turno (manhã ou tarde) e, no outro, trabalhar na agricultura – issoquando conseguiam estu<strong>da</strong>r. Mais, o turno na roça não é limitado a oitohoras, mas de sol a sol, uma tarde pode significar muito mais que umdia regular do empregado urbano, variando de 7 a 9 horas. Além do que,após o “expediente” <strong>da</strong> lavoura, continuam as lides complementares dealimentação dos animais, de trabalho e consumo, bem como o preparoe a limpeza de ferramentas de trabalho para o dia seguinte.Outro aspecto que remete à tradição do meio rural, em especial nasfamílias de pequenas posses – como o caso do autor (arren<strong>da</strong>tários) –, éque os filhos acompanham o trabalho dos pais na roça pelo menos até amaiori<strong>da</strong>de, quando buscam o primeiro emprego “fora de casa”, normalmenteno meio urbano, mas mantendo vínculo com a família. Em outraspalavras, o trabalho externo é apenas mais um elemento fun<strong>da</strong>mental<strong>da</strong> ren<strong>da</strong> familiar, decorrente <strong>da</strong> efetiva necessi<strong>da</strong>de de sobrevivênciae sustento <strong>da</strong> família, diante <strong>da</strong> falta de terras para trabalho de todos osfilhos e, por consequência, de perspectiva de manutenção no meio rural.E o caso do autor é típico do final dos anos 60 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70,quando se acentuou o êxodo rural.As considerações e o contexto <strong>da</strong> lide em apreço remetem à necessi<strong>da</strong>dede o julgador demonstrar um certo ativismo judicial para <strong>da</strong>r trata-284R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


mento desigual para aqueles que são contingencialmente desiguais. É apostura mais proativa em busca <strong>da</strong> conformação <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de material,ao invés de acomo<strong>da</strong>r-se no tradicional princípio clássico <strong>da</strong> neutrali<strong>da</strong>dedo juiz.Defendo que diante <strong>da</strong> existência concreta de desigual<strong>da</strong>de fática,seja de ordem social, cultural ou econômica, entre as pessoas <strong>da</strong> relaçãojurídica processual, que pode afetar o acesso à Justiça, aqui entendidonão à jurisdição, mas na busca <strong>da</strong> efetivação do seu direito – como nocaso: um simples e humilde trabalhador rural, de baixa escolari<strong>da</strong>de,que pretende apenas o reconhecimento do seu direito de aposentadoria,mesmo que proporcional.A dispari<strong>da</strong>de entre as partes gera, aos menos favorecidos econômicaou socialmente, dificul<strong>da</strong>de de participar e atuar no processo de formamais efetiva, como no caso em tela, na fragili<strong>da</strong>de de melhor precisar asituação fática com provas documentais e testemunhais. Logo, correta aponderação <strong>da</strong> aplicação do princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de, a fim de melhornivelar o procedimento jurisdicional, pelo reconhecimento <strong>da</strong>s diferençasempíricas, tratando-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.É o que nos ensina o distinto Juiz <strong>Federal</strong> e Professor Artur César deSouza, na sua singular publicação A parciali<strong>da</strong>de positiva do juiz (RT,2008):“O processo moderno reclama o reconhecimento material <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de real, principalmentequando a questão diz respeito ao acesso à justiça. Disso decorre que não sepode pensar no direito processual penal ou civil apenas sob o ângulo <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de formal.(...)Por isso, a norma <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de não é um princípio absoluto.Para se sopesar a aplicação do princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, há que selançar mão <strong>da</strong> máxima <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, pois, entre a teoria dos princípios e a máxima<strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de existe evidente conexão.(...)A aplicação dos princípios constitucionais, que será maior quanto maior for a hierarquiados interesses tutelados, sempre há de ser analisa<strong>da</strong> segundo critérios de ponderação,representados pela proporcionali<strong>da</strong>de e razoabili<strong>da</strong>de, entendendo-se razoabili<strong>da</strong>de comobom senso, senso comum, equilíbrio, ponderação, ou simplesmente como quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quiloque atende à razão.” (fls. 63-4)O caso concreto requer ponderação na utilização <strong>da</strong>s provas, associa<strong>da</strong>ao bom senso na sua contextualização regional e no local <strong>da</strong> prestação doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 285


trabalho, em busca do equilíbrio e <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de pela desigual<strong>da</strong>desocial e econômica <strong>da</strong>s partes.E não se diga que se está desviando <strong>da</strong> função equilibra<strong>da</strong> do julgadore vinculando-se ao interesse de uma <strong>da</strong>s partes. O que se busca é a ponderaçãona aplicação de princípios, em que a “parciali<strong>da</strong>de positiva” nãogera colisão entre a imparciali<strong>da</strong>de e a igual<strong>da</strong>de. Novamente, recorro àcita<strong>da</strong> obra do nobre colega Artur César de Souza:“O princípio constitucional <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de permite uma dupla perspectiva, ou seja,se, por um lado, o princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de exige a atuação de um juiz sem qualquervinculação ou interesse pessoal em favor de uma <strong>da</strong>s partes, ou que possa realizar discriminaçãoentre elas; por outro lado, reconhece a necessi<strong>da</strong>de de o órgão jurisdicional levarem consideração as diferenças sociais, culturais e econômicas <strong>da</strong>queles que se encontramenvolvidos na relação jurídica processual, desde que essas diferenças possam de algumaforma afetar o contraditório e a ampla defesa, bem como o próprio interesse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>deno resguardo <strong>da</strong>s normas legais, a fim de que não ponha em risco a própria estabili<strong>da</strong>de doEstado de Direito Democrático.” (fls. 64-5 – grifei)No presente caso, as certidões, as declarações, os registros do Funrural,as anotações <strong>da</strong> CTPS e a prova testemunhal comprovam a condiçãode trabalhador rural em regime de economia familiar até julho de 1968,quando obteve o primeiro emprego formalizado.Assim, o período de janeiro de 1967 a julho de 1968, mesmo comparcial atuação de diarista sem formalização, mas sem descontinui<strong>da</strong>dedo labor rural e com manutenção no grupo e no regime de economiafamiliar, remete a uma aplicação proporcional e equilibra<strong>da</strong>, não só <strong>da</strong>sprovas, mas também do contexto social em que são gera<strong>da</strong>s, tudo a conferirrazoabili<strong>da</strong>de e bom senso no direito que está em jogo. No caso, acomprovação do trabalho rural em mais 17 meses para a aposentadoriaproporcional, mesmo que necessitando de apenas mais 9 meses.Nesse plano, convém ain<strong>da</strong> registrar que houve forte início de provamaterial, pelos documentos acostados, desde a comprovação <strong>da</strong> famíliaconstituí<strong>da</strong> por agricultores (fichas, registro do Funrural e declaraçãode fls. 18-20), o registro <strong>da</strong> profissão agrícola do autor (certidões de fls.16-7) e a prova de estudo inicial no meio rural (declaração de fl. 17).Tudo corroborado e complementado pela prova testemunhal, que confirmao histórico agrícola familiar do autor antes do primeiro vínculoprofissional urbano.286R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Além disso, mesmo eventual imprecisão pontual <strong>da</strong> prova testemunhalmerece a ponderação e a busca do equilíbrio processual pela contextualizaçãosocial e pela verificação, que se inserem em uma sequênciahistórica e natural dos fatos, demonstrando a continui<strong>da</strong>de do labor rural,apenas com a mutação do regime de economia familiar para a prestaçãode serviço como diarista, inclusive sem registro formal. Mais ain<strong>da</strong>, asinceri<strong>da</strong>de nas informações e a lógica temporal conferem valor probatóriopelo momento e pela forma que foram produzi<strong>da</strong>s, dentro <strong>da</strong> buscado tratamento desigual entre desiguais e <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de na aplicação<strong>da</strong>s normas e princípios fun<strong>da</strong>mentais.Por fim, cumpre ain<strong>da</strong> asseverar que a busca pela igual<strong>da</strong>de, em suavertente jurídica, não deve regular somente a ativi<strong>da</strong>de do legislador,mas também do intérprete e do aplicador do direito, na combinação como princípio <strong>da</strong> imparciali<strong>da</strong>de, uma vez que ambos vinculam to<strong>da</strong>s asfunções públicas, em especial, as ativi<strong>da</strong>des dos órgãos jurisdicionais.Esta postura do julgador mais proativo é reforça<strong>da</strong> diante <strong>da</strong> situaçãoconcreta que apresenta uma pessoa que trabalhou por mais de 30 anos– entre agricultura familiar e ativi<strong>da</strong>des urbanas, inclusive insalubres(mais de 10 anos) –, merecendo mais do que a proteção previdenciária,mas o direito à digni<strong>da</strong>de humana. É pelo benefício <strong>da</strong> aposentadoriaque o Estado deve amparar e <strong>da</strong>r sentido ao papel <strong>da</strong> Previdência, conferindocobertura social e o mínimo de condições materiais para viverdignamente e sentir-se minimamente ampara<strong>da</strong> e compensa<strong>da</strong> pela longadedicação ao trabalho.Assim sendo, deve ser reforma<strong>da</strong> a sentença para reconhecer operíodo de 01.01.1967 a 31.07.1968 como de labor rural em regimede economia familiar e, por consequência, conceder a aposentadoriaproporcional desde a DER, em conformi<strong>da</strong>de e pelos fun<strong>da</strong>mentos aseguir expostos.Dos requisitos para concessão <strong>da</strong> aposentadoria por tempo deserviço/contribuiçãoAté 16 de dezembro de 1998, quando do advento <strong>da</strong> EC nº 20/98, aaposentadoria por tempo de serviço disciplina<strong>da</strong> pelos arts. 52 e 53 <strong>da</strong>Lei nº 8.213/91 pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazode carência (previsto no art. 142 <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Lei para os inscritos até 24 deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 287


julho de 1991 e no art. 25, II, <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Lei para os inscritos posteriormenteà referi<strong>da</strong> <strong>da</strong>ta) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviçopara a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direitoà aposentadoria no valor de 70% do salário de benefício, acrescido de6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100%, o quese dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.Com as alterações introduzi<strong>da</strong>s pela EC nº 20/98, o benefício passoua se denominar aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinadopelo art. 201, § 7º, I, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. A nova regra, entretanto,muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve osmesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quaissejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições,e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de35 anos para homem.Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado aoregime geral de previdência social até a <strong>da</strong>ta de publicação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>,ain<strong>da</strong> se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anosde i<strong>da</strong>de, se homem, e de 48 anos de i<strong>da</strong>de, se mulher – e atendido aorequisito <strong>da</strong> carência –; II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo,à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b)um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por centodo tempo que, na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>, faltaria para atingir omínimo de tempo para a aposentadoria integral (art. 9º, § 1º, <strong>da</strong> EC nº20/98). O valor <strong>da</strong> aposentadoria proporcional será equivalente a 70%do valor <strong>da</strong> aposentadoria integral, acrescido de 5% por ano de contribuiçãoque supere a soma a que se referem os itens “a” e “b” supra, atéo limite de 100%.Após a edição <strong>da</strong> Lei nº 9.876/99, o período básico do cálculo (PBC)estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a médiaaritmética dos 80% maiores salários de contribuição, a qual será multiplica<strong>da</strong>pelo fator previdenciário, instituído pela referi<strong>da</strong> lei (cf. Leinº 8.213, de 1991, art. 29, I, e § 7º, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº 9.876, de1999), em substituição à regra anterior de apuração com base na médiados 36 maiores salários de contribuição num período básico de cálculodos últimos 48 meses (re<strong>da</strong>ção original do art. 29 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91).De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto nº 3.048/99 (§§288R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do requerimentodo benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmenteprevistas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando suaconcessão pela forma mais benéfica, desde a entra<strong>da</strong> do requerimento.Do direito à aposentadoria no caso concretoNo caso dos autos, com base nesses fun<strong>da</strong>mentos de fato e de direito,considerando o tempo de 24 anos, 05 meses e 27 dias admitido administrativamentepelo INSS (fls. 21-24), o tempo de serviço rural exercidoem regime de economia familiar (de 28.06.1966 a 31.07.1968) e o tempode serviço especial convertido em comum (de 02.05.1980 a 04.05.1988e de 17.08.1988 a 27.03.1991) reconhecidos judicialmente, os quais,somados, resultam 30 anos e 10 meses até a DER (06.11.1998), entendoque a parte-autora faz jus à aposentadoria proporcional por tempo deserviço com RMI de 70% do salário de benefício, sem incidência dofator previdenciário, a ser calcula<strong>da</strong> pelas regras vigentes até o advento<strong>da</strong> EC nº 20/98.Satisfeito, ademais, o requisito atinente à carência – na medi<strong>da</strong> emque, consoante a tabela prevista na regra do art. 142 <strong>da</strong> Lei de Benefícios(e c/c 102, § 1°, <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Lei) –, cumpri<strong>da</strong> a exigência mínima relativaao número de contribuições.A parte-autora, além <strong>da</strong> implementação do benefício de aposentadoriaem seu favor, terá direito às parcelas de proventos desde a 20.03.2001,uma vez que as anteriores restaram atingi<strong>da</strong>s pela prescrição quinquenal.Consectários legaisConforme precedentes <strong>da</strong> 3ª Seção desta Corte, tratando-se de benefícioprevidenciário, de natureza alimentar, os juros moratórios devemincidir de forma simples à taxa de 1% ao mês, desde a citação (Súmulanº 204 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça). Já a partir de julho de 2009, arespectiva taxa passa a ser a mesma aplicável às cadernetas de poupança(atualmente de 6% ao ano), por força do disposto no art. 1º-F <strong>da</strong> Lei nº9.494/97.Aliás, recentemente a Corte Especial do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,ao apreciar o tema relativo à natureza jurídica dos juros de mora e doprincípio tempus regit actum, decidiu, por maioria, que o disposto noR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 289


art. 1°-F <strong>da</strong> Lei nº 9.494/97, modificado pela Medi<strong>da</strong> Provisória 2.180-35/2001 e, posteriormente, pelo art. 5º <strong>da</strong> Lei nº 11.960/09, tem naturezaprocessual e, portanto, com aplicação aos processos em an<strong>da</strong>mento(EREsp nº 1.207.197/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. 18.05.2011, maioria,DJE 02.08.2011, e Recurso Especial Repetitivo nº 1.205.946/SP, STJ,Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, maioria, julgado em19.10.2011).Quanto à constitucionali<strong>da</strong>de do disposto no art. 1°-F <strong>da</strong> Lei nº9.494/97, modificado pela Medi<strong>da</strong> Provisória 2.180-35/2001 e, posteriormente,pelo art. 5º <strong>da</strong> Lei nº 11.960/09, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,por seu Plenário, já enfrentou o tema, declarando a constitucionali<strong>da</strong>dedo respectivo dispositivo (RE 453.740, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário,DJ 24.08.2007).Às parcelas venci<strong>da</strong>s, desde quando se tornaram devi<strong>da</strong>s, cabe, ain<strong>da</strong>,correção monetária inicialmente pelos índices oficiais e jurisprudencialmenteaceitos, quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86); BTN (02/89 a 02/91,Lei nº 7.777/89); INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91); IRSM (01/93 a02/94, Lei nº 8.542/92); URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94); IPC-r (07/94a 06/95, Lei nº 8.880/94); INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95); IGP--DI (05/96 a 03/2006, art. 10 <strong>da</strong> Lei nº 9.711/98 e art. 20, §§ 5º e 6º, <strong>da</strong>Lei nº 8.880/94); INPC (04/2006 a 06/2009, art. 31 <strong>da</strong> Lei nº 10.741/03e art. 41-A <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91); e, a partir de julho de 2009, de acordocom a “remuneração básica” <strong>da</strong>s cadernetas de poupança, por força doart. 1º-F <strong>da</strong> Lei nº 9.494/97.Honorários advocatícios devidos à taxa 10% sobre as prestações venci<strong>da</strong>saté o presente acórdão, nos termos <strong>da</strong> Súmula nº 111 do Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça.O INSS é isento do pagamento <strong>da</strong>s custas processuais quando deman<strong>da</strong>dono Foro <strong>Federal</strong> (art. 4º, I, <strong>da</strong> Lei nº 9.289/96).Tutela específicaHá que se ressaltar, ain<strong>da</strong>, a inviabili<strong>da</strong>de de se postergar os efeitos<strong>da</strong> tutela, considerando que se trata de matéria previdenciária, na qualse verifica o caráter alimentar do benefício postulado.Sob essa ótica, a Terceira Seção desta Corte firmou entendimento290R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


no sentido de que, nas causas similares a esta, deve-se determinar aimediata implementação do benefício previdenciário, valendo-se <strong>da</strong>tutela específica <strong>da</strong> obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC,independentemente de requerimento expresso por parte do segurado oubeneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão CelsoKipper, D.E. 01.10.2007).Em razão disso, em sendo procedente o pedido e não tendo sido opostosembargos de declaração com efeitos modificativos nem embargosinfringentes, o INSS deverá implementar o benefício concedido no prazode 45 dias, em consonância com os arts. 461 e 475-I, caput, do CPC.Em homenagem aos princípios <strong>da</strong> celeri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> economia processual,esclareço que a presente decisão não viola o previsto nos arts. 128 e475-O, I, do CPC e no art. 37 <strong>da</strong> CF, os quais são, desde logo, tidos porexpressamente prequestionados. Isso porque, de um lado, não se tratade antecipação ex officio de atos executórios do decisum, mas de efetivocumprimento de obrigação de fazer decorrente <strong>da</strong> própria naturezacondenatória e man<strong>da</strong>mental do provimento judicial. De outro, não sepode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>deadministrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciáriodetermina<strong>da</strong> por autori<strong>da</strong>de judicial competente.ConclusãoSentença parcialmente reforma<strong>da</strong> para se reconhecer o labor rural <strong>da</strong>parte-autora também no período de 01.01.1967 a 31.07.1968 e se concedera aposentadoria proporcional por tempo de serviço, com condenaçãodo réu ao pagamento dos ônus sucumbenciais.DispositivoAnte o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e <strong>da</strong>rprovimento à apelação <strong>da</strong> parte-autora.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 291


APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002233-33.2010.404.7000/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle PereiraApelante: José MarkoAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Maril<strong>da</strong> de Fátima Pires LucenaApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSEMENTAPrevidenciário. Aposentadoria por i<strong>da</strong>de. Requisitos legais. Comprovação.Lei nº 11.718/2008. Lei 8.213, art. 48, § 3º. Trabalho rurale trabalho urbano. Concessão de benefício a segurado que não estádesempenhando ativi<strong>da</strong>de rural no momento <strong>da</strong> implementação dosrequisitos. Possibili<strong>da</strong>de.1. É devi<strong>da</strong> a aposentadoria por i<strong>da</strong>de mediante conjugação de temporural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do dispostona Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou o § 3º ao art. 48 <strong>da</strong> Lei nº8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos paramulher e de 65 anos para homem.2. Ao § 3º do artigo 48 <strong>da</strong> LB não pode ser empresta<strong>da</strong> interpretaçãorestritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana,o fato de não estar desempenhando ativi<strong>da</strong>de rural por ocasião dorequerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão dobenefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passara contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural,ademais, poderia ser readquiri<strong>da</strong> com o desempenho de apenas um mêsnessa ativi<strong>da</strong>de. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador àslides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por i<strong>da</strong>de.3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o casoespecífico <strong>da</strong> aposentadoria por i<strong>da</strong>de aos 60 (sessenta) ou 65 (sessentae cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural parafins de carência, com a consideração de salários de contribuição pelovalor mínimo no que toca ao período rural.4. Não há, à luz dos princípios <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> uniformi<strong>da</strong>de e<strong>da</strong> equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais,bem assim do princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, como se negar a aplicação doartigo 48, § 3º, <strong>da</strong> Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu ativi<strong>da</strong>de292R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ural, mas, no momento do implemento do requisito etário (sessenta ousessenta e cinco anos), está desempenhando ativi<strong>da</strong>de urbana.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Colen<strong>da</strong> 5ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r parcial provimento à apelação <strong>da</strong> parte-autora, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 27 de setembro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira: JoséMarko ajuizou ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Socialem 24.03.2010, uma vez que pleiteou a concessão do benefício deaposentadoria por i<strong>da</strong>de urbana, com pedido administrativo formulado em16.03.2009, o qual restou negado pelo INSS em razão de que o períodorural não poderia ser computado para efeito de carência.Sustenta que entre 1977 e 1999, embora trabalhando na lavoura,contribuiu para a Previdência Social, tendo na sequência exercido ativi<strong>da</strong>deurbana entre 05.05.1999 e 16.03.2009. Refere que os mencionadostempos de serviço foram admitidos pelo INSS na órbita administrativa.Sentenciando, em 17.03.2011, o MM. Juízo a quo julgou improcedenteo pedido, ao argumento de que correta a fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> decisãoadministrativa que negou a concessão de aposentadoria por i<strong>da</strong>de aodeman<strong>da</strong>nte. Foi revogado o benefício <strong>da</strong> gratui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> justiça, vistoque o autor recolheu as custas iniciais, pelo que foi ele condenado aopagamento de honorários advocatícios ao INSS, fixados em 10% dovalor <strong>da</strong> causa atualizado.Irresigna<strong>da</strong>, a parte-autora interpôs recurso de apelação, sustentando,em suma, que efetuou recolhimentos a título de Funrural, mediante guias<strong>da</strong> Previdência Social e também por notas, o que autorizaria o cômputodos lapsos agrícolas para fins de carência. Alternativamente, requer aaplicação <strong>da</strong> parte <strong>da</strong> Lei nº 11.718/2008 que instituiu o § 3º do art. 48<strong>da</strong> LB, possibilitando a concessão de aposentadoria por i<strong>da</strong>de rural, comR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 293


o implemento <strong>da</strong> carência mediante o cômputo do tempo de serviçoprestado como trabalhador urbano.Com contrarrazões do INSS, vieram os autos a esta Corte para apreciação.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Tenhoque o recurso merece provimento.Em 23.06.2008, passou a vigorar a Lei nº 11.718, que, dentre outrasalterações, modificou o § 2º e instituiu o § 3º do art. 48 <strong>da</strong> Lei de Benefícios<strong>da</strong> Previdência Social, nos seguintes termos:“Art. 48. (omissis)§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovaro efetivo exercício de ativi<strong>da</strong>de rural, ain<strong>da</strong> que de forma descontínua, no período imediatamenteanterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses decontribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período aque se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não aten<strong>da</strong>m ao dispostono § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos decontribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65(sessenta e cinco) anos de i<strong>da</strong>de, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.”Como se vê, tal lei instituiu a possibili<strong>da</strong>de de outorga do benefíciode aposentadoria por i<strong>da</strong>de ao trabalhador rural, com o implemento <strong>da</strong>carência mediante o cômputo do tempo de serviço prestado em outrascategorias – como empregado urbano ou contribuinte individual, v.g. –desde que haja o implemento <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de mínima de 60 (sessenta) anos paramulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.Ao § 3º do artigo 48 <strong>da</strong> LB não pode ser empresta<strong>da</strong> interpretaçãorestritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana,o fato de não estar desempenhando ativi<strong>da</strong>de rural por ocasião dorequerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão dobenefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passara contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural,ademais, poderia ser readquiri<strong>da</strong> com o desempenho de apenas um mêsnessa ativi<strong>da</strong>de. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às294R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por i<strong>da</strong>de.O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, o aproveitamentodo tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários decontribuição pelo valor mínimo, no caso específico <strong>da</strong> aposentadoria pori<strong>da</strong>de aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem).A ver<strong>da</strong>de é que, em uma situação como essa, o segurado não deixoude trabalhar; apenas mudou de regime. Não pode ser prejudicado pelofato de ter passado a contribuir como trabalhador urbano. Tivesse continuadoa trabalhar como agricultor em regime de economia familiar,sem efetuar qualquer recolhimento de contribuições, poderia ter obtidoaposentadoria aos 55 (cinquenta e cinco) ou 60 (sessenta) anos de i<strong>da</strong>desem qualquer problema. Não há razão, assim, para que se negue o direitoao benefício, com requisito etário mais rigoroso, somente porque passoua recolher contribuições.Assim, na hipótese em apreço, sob pena de se relegar ao desamparoquem jamais deixou de exercer ativi<strong>da</strong>de laborativa, há de se adotarentendimento no sentido de reconhecer o direito à aplicação <strong>da</strong> regrado artigo 48, § 3º, <strong>da</strong> Lei 8.213/91 a todos os trabalhadores que tenhamdesempenhado de forma intercala<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>des urbanas e rurais.Calha registrar que sob o regime <strong>da</strong> Lei Complementar 11, de25.05.1971, havia norma de sentido assemelhado, que inclusive amparavade forma mais efetiva os trabalhadores rurais que migravam para a áreaurbana. Com efeito, assim estabelecia o artigo 14 <strong>da</strong> Lei Complementar11/71:“Art. 14. O ingresso do trabalhador rural e dos dependentes, abrangidos por esta Leicomplementar, no regime de qualquer enti<strong>da</strong>de de previdência social não lhes acarretará aper<strong>da</strong> do direito às prestações do programa de assistência, enquanto não decorrer o períodode carência a que se condicionar a concessão dos benefícios pelo novo regime.”O dispositivo acima, como se percebe, amparava o segurado ruralque migrava para a área urbana. Não tendo havido a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>dede segurado, era possível reconhecer o direito à obtenção do benefíciosegundo as regras previstas para o regime rural, enquanto não preenchidosos requisitos (inclusive carência) exigidos para obtenção de proteçãopelo regime urbano.Não há, à luz dos princípios <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> uniformi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 295


em assim do princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, como se negar a aplicação doartigo 48, § 3º, <strong>da</strong> Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu ativi<strong>da</strong>derural, mas, no momento do implemento do requisito etário (sessenta ousessenta e cinco anos), está desempenhando ativi<strong>da</strong>de urbana.Dito isso, vê-se que, no caso dos autos, o próprio INSS já reconheceuo desempenho de labor rurícola pelo deman<strong>da</strong>nte entre 1967 e 1998(evento 22 – processo administrativo 6 – e evento 37), mediante justificaçãoadministrativa em que colacionado início de prova documentalcorroborado por provas testemunhais, pelo que incontroverso nos autosdito tempo de serviço.Ademais, incontroverso que, durante o período de 05.05.1999 a16.03.2009, o autor exerceu ativi<strong>da</strong>de urbana na empresa New HubnerComponentes Automotivos Lt<strong>da</strong>., conforme Resumo de Documentospara Cálculo de tempo de Contribuição do INSS (evento 22 – processoadministrativo 6).Para efeitos de carência, deve a parte-autora comprovar o efetivoexercício de ativi<strong>da</strong>des rurais no período de 168 meses imediatamenteanteriores à <strong>da</strong>ta do requerimento administrativo, realizado em 2009, ou168 meses imediatamente anteriores ao implemento do requisito etário,ocorrido em 2004.Diante <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de concessão do benefício de aposentadoriapor i<strong>da</strong>de, com o implemento <strong>da</strong> carência mediante o cômputo do tempode serviço prestado em outras categorias como empregado urbano, desdeque haja o implemento <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de mínima de 65 anos para homem, tenhoque o deman<strong>da</strong>nte satisfaz tais requisitos. Contando o autor mais de 27anos (324 meses) de tempo de ativi<strong>da</strong>de entre vínculos urbanos e lidesrurícolas e preenchido, outrossim, o requisito etário – 65 anos, conformeo § 3° <strong>da</strong> Lei 11.718/08 –, faz ele jus à aposentadoria por i<strong>da</strong>de, desde a<strong>da</strong>ta do requerimento administrativo, efetivado em 16.03.2009.Dos consectáriosSegundo o entendimento <strong>da</strong>s Turmas previdenciárias do <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, estes são os critérios aplicáveis aosconsectários:a) correção monetária e juros de mora:A despeito de votos que vinha proferindo em sentido diverso, a 3ª296R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Seção desta Corte assentou o entendimento de que, até 30.06.2009, aatualização monetária, incidindo a contar do vencimento de ca<strong>da</strong> prestação,deve-se <strong>da</strong>r pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos,quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64), OTN (03/86 a01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86, de 03/86 a 01/89), BTN (02/89 a 02/91,Lei nº 7.777/89), INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91), IRSM (01/93 a02/94, Lei nº 8.542/92), URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94), IPC-r (07/94a 06/95, Lei nº 8.880/94), INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95), IGP-DI(05/96 a 03/2006, art. 10 <strong>da</strong> Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20,§§ 5º e 6º, <strong>da</strong> Lei nº 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme oart. 31 <strong>da</strong> Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, precedi<strong>da</strong><strong>da</strong> MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº8.213/91, e REsp. nº 1.103.122/PR). Nesses períodos, os juros de moradevem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar <strong>da</strong> citação, com baseno art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefíciospagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentementealimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudênciado STJ e na Súmula 75 desta Corte.A contar de 01.07.2009, <strong>da</strong>ta em que passou a viger a Lei nº 11.960,de 29.06.2009, publica<strong>da</strong> em 30.06.2009, que alterou o art. 1º-F <strong>da</strong> Lei nº9.494/97, para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência,uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneraçãobásica e juros aplicados à caderneta de poupança.b) honorários advocatícios: devem ser fixados em 10% sobre o valor<strong>da</strong> condenação, excluí<strong>da</strong>s as parcelas vincen<strong>da</strong>s, observando-se a Súmula76 desta Corte: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias,devem incidir somente sobre as parcelas venci<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sentençade procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.c) custas processuais: o INSS é isento do pagamento no Foro <strong>Federal</strong>(art. 4º, I, <strong>da</strong> Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul(art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 8.121/85, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 13.471/2010),isenção essa que não se aplica quando deman<strong>da</strong>do na Justiça Estadualdo Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ain<strong>da</strong>, que,no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, <strong>da</strong> Lei Complementarestadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 297


Da implantação do benefícioAssim decidiu a 3ª Seção deste <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> ao julgarem 09.08.07 a questão de ordem na apelação cível 2002.71.00.050349-7(Rel. p/ acórdão Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper):“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO.ART. 461 DO CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIAPREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTOIMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO.DESNECESSIDADE.1. Atento à necessi<strong>da</strong>de de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtençãodo resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito materialtivesse sido observado espontaneamente pelo ‘devedor’ por meio <strong>da</strong> realização <strong>da</strong> condutaimposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época <strong>da</strong> edição do Código deDefesa do Consumidor (Lei 8.078/90), instituído a tutela específica do direito do ‘credor’ deexigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo,inseriu no ordenamento processual positivo, por meio <strong>da</strong> alteração no art. 461 do Código deProcesso Civil opera<strong>da</strong> pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveresde fazer ou não fazer decorrentes <strong>da</strong>s relações do direito material que não as de consumo.2. A adoção <strong>da</strong> tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio parasuprir, em parte, a morosi<strong>da</strong>de judicial, na proporção em que busca <strong>da</strong>r ao ci<strong>da</strong>dão aquiloe somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato <strong>da</strong> norma,conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma consequência do queaquela que seria obti<strong>da</strong> pelo adimplemento voluntário.3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra,compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento <strong>da</strong>sparcelas atrasa<strong>da</strong>s. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro,portanto), a sentença é condenatória man<strong>da</strong>mental e será efetiva mediante as ativi<strong>da</strong>des decumprimento <strong>da</strong> sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessi<strong>da</strong>de deum processo executivo autônomo (sine intervallo).4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na partereferente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente man<strong>da</strong>mental<strong>da</strong> decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter porreferência o sistema processual do Código, não a Lei do Man<strong>da</strong>do de Segurança, uma vezque a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebi<strong>da</strong> em seuefeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivopelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege <strong>da</strong> apelação, em casos tais,traz por consequência a impossibili<strong>da</strong>de, de regra, do cumprimento imediato <strong>da</strong> sentença.5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concedeo benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário,enseja o cumprimento imediato <strong>da</strong> determinação de implantar o benefício, ante298R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


a ausência, via de regra, de efeito suspensivo <strong>da</strong>queles recursos, de acordo com o art. 542,§ 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão,requisito imprescindível apenas para a execução <strong>da</strong> obrigação de pagar (os valores retroativamentedevidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição depequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.6. O cumprimento imediato <strong>da</strong> tutela específica, diversamente do que ocorre no tocanteà antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expressopor parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu sejacondenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficáciaman<strong>da</strong>mental dos provimentos fun<strong>da</strong>dos no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação <strong>da</strong>implantação imediata do benefício conti<strong>da</strong> no acórdão consubstancia, tal como no man<strong>da</strong>dode segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica(ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial <strong>da</strong> ação.7. Questão de ordem solvi<strong>da</strong> para que, no tocante à obrigação de implantar (para ofuturo) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdãosujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito emjulgado e de pedido específico <strong>da</strong> parte-autora.”No caso dos autos, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se aimplantação.A bem <strong>da</strong> celeri<strong>da</strong>de processual, já que o INSS vem opondo embargosde declaração em todos os feitos nos quais determina<strong>da</strong> a implantaçãoimediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violaçãodos arts. 128 e 475-O, I, do CPC e 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988,abordo desde logo a matéria.Não se cogita de ofensa aos artigos 128 e 475-O, I, do CPC, porquea hipótese, nos termos do precedente <strong>da</strong> 3ª Seção, não é de antecipação,de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre <strong>da</strong>natureza <strong>da</strong> tutela judicial deferi<strong>da</strong>, como, a propósito, está expresso naementa <strong>da</strong> Questão de Ordem acima transcrita.A invocação do artigo 37 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, por outro lado, édesproposita<strong>da</strong>. Sequer remotamente pode-se falar em ofensa ao princípio<strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de na concessão de benefício previdenciário por autori<strong>da</strong>dejudicial competente.Dessa forma, em vista <strong>da</strong> procedência do pedido e do que estabelecemos artigos 461 e 475-I, caput, bem como dos fun<strong>da</strong>mentos expostos naquestão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, e inexistindo embargosinfringentes, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, conformeos parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicialR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 299


<strong>da</strong> autarquia que for intimado deste acórdão <strong>da</strong>r ciência à autori<strong>da</strong>deadministrativa competente e tomar as demais providências necessáriasao cumprimento <strong>da</strong> tutela específica.DispositivoDiante do exposto, voto no sentido de <strong>da</strong>r parcial provimento à apelação<strong>da</strong> autora, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação retro.APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIONº 5002825-34.2011.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo AurvalleApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSApelado: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTAPrevidenciário. Ação civil pública. Ministério Público <strong>Federal</strong>.Legitimi<strong>da</strong>de ativa. Interesse de agir. Adequação <strong>da</strong> utilização de açãocivil pública. Pensão por morte. Termo inicial. Prazo. Absolutamenteincapazes. Art. 74, I e II, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 frente aos arts. 198, incisoI, do Código Civil c/c 79 e 103, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei de Benefícios.1. A jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é firme no sentidode que os direitos individuais homogêneos, considerados como espéciedos direitos coletivos, à medi<strong>da</strong> que se revestirem de relevância social,poderão ser defendidos pelo Ministério Público por ação coletiva.2. Deve ser reconheci<strong>da</strong> a legitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público emações atinentes a direitos previdenciários porquanto, nessa área, deve serprestigia<strong>da</strong> a interposição de ações civis públicas e/ou coletivas quandoa discussão for eminentemente de direito, na medi<strong>da</strong> em que desafogam300R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


o excessivo número de ações individuais, sendo de inestimável valor aoJudiciário, mormente levando-se em consideração a ca<strong>da</strong> vez mais pungentee necessária preocupação com a celeri<strong>da</strong>de e a eficácia judiciais.3. Caracterizado o interesse de agir pelo fato de não se poder equipararos “inválidos incapazes assim declarados pela perícia médica do INSS”,referidos no art. 264 <strong>da</strong> Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007,com os absolutamente incapazes do art. 3º, incs. II e III, do Código Civil.Esses últimos abrangem categoria muito mais ampla, não contempla<strong>da</strong> ematos infralegais <strong>da</strong> autarquia-ré. Incontroverso, pois, afirmar que parte <strong>da</strong>pretensão deduzi<strong>da</strong> na inicial já teria sido satisfeita administrativamente,persistindo, porém, a necessi<strong>da</strong>de de intervenção do Poder Judiciário.4. O Ministério Público <strong>Federal</strong> tem legitimi<strong>da</strong>de para a propositura deação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos, quandopresente relevante interesse social, como na presente ação previdenciária.5. Se os absolutamente incapazes, por não possuírem o necessáriodiscernimento para os atos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> civil, não podem ser prejudicadospor eventual demora de seus representantes para a prática desses atos, éimperioso que tal raciocínio se aplique a to<strong>da</strong>s as hipóteses envolvendointeresses patrimoniais e relações jurídicas desses sujeitos de direito.6. O termo inicial do benefício previdenciário de pensão por morte,tratando-se de dependente absolutamente incapaz, deve ser fixado na<strong>da</strong>ta do falecimento do segurado, não obstante os termos do inciso II doartigo 74 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/9, instituído pela Lei nº 9.528/97, o qual nãose aplica igualmente aos óbitos anteriores à alteração legislativa.7. Consoante entendimento predominante nesta Corte, o absolutamenteincapaz não pode ser prejudicado pela inércia de seu representantelegal, até porque contra ele não corre prescrição, a teor do art. 198, incisoI, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103, parágrafo único, <strong>da</strong> Lei deBenefícios.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 6ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 301


Porto Alegre, 13 de julho de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata-sede ação civil pública proposta pelo Ministério Público <strong>Federal</strong>, objetivando,em âmbito nacional, a determinação para que o INSS considereimpedi<strong>da</strong> ou suspensa a fluência do prazo estipulado no art. 74, I e II,<strong>da</strong> Lei 8.213/91 na hipótese de esta prejudicar pessoa absolutamenteincapaz nos termos do art. 3º, I, II e III, do Código Civil, alterando, emconsequência, a Instrução Normativa INSS/PRES 20, de 10 de outubrode 2007, para que dela conste a determinação supra, com fixação demulta diária no valor de R$10.000,00 para o caso de descumprimento.A questão em debate diz respeito aos benefícios de pensão por morterequeridos por incapazes nos termos do art. 3º do Código Civil, argumentandoque, pela atual prática administrativa, são feridos os direitos dosabsolutamente incapazes, que deveriam ter seu benefício previdenciáriodeferido a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do óbito do instituidor, com o pagamento <strong>da</strong>sparcelas venci<strong>da</strong>s desde então, e não <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do requerimento administrativo.Fun<strong>da</strong>mentou o pedido na natureza prescricional do lapso temporaldo art. 74, I e II, <strong>da</strong> Lei 8.213/91 e, consequentemente, no direito queassiste aos absolutamente incapazes à suspensão ou ao impedimento dosprazos prescricionais em seu desfavor.Em contestação, o INSS, preliminarmente, alegou falecer ao MPFinteresse de agir, por estar sua pretensão abriga<strong>da</strong> pela IN 20/2007, e, nomérito, defendeu não ser prescricional o prazo fixado no art. 74 <strong>da</strong> Lei deBenefícios, versando sobre a <strong>da</strong>ta de início de um benefício previdenciário,a qual se constitui em termo para a aplicação de critérios objetivosà sua concessão. Disse, ain<strong>da</strong>, não haver direito à pensão por morte e aparcelas venci<strong>da</strong>s no período anterior ao requerimento administrativo eque os absolutamente incapazes também devem exercer seus direitos,a tempo e modo, por meio de seus representantes legais, propugnando,assim, pelo acolhimento <strong>da</strong> preliminar ou pela improcedência <strong>da</strong> ação.O MM. Juízo a quo houve por bem afastar a preliminar de carência deação e julgá-la totalmente procedente, com exclusão apenas <strong>da</strong> fixação302R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


de multa diária “por não vislumbrar qualquer interesse imediato do réuem descumprir os termos <strong>da</strong> decisão”.Em sua apelação, o INSS alegou haver ilegitimi<strong>da</strong>de ativa para a causapor tratar ela <strong>da</strong> defesa de direitos individuais patrimoniais disponíveis,falecendo igualmente o MPF de legitimi<strong>da</strong>de para defender direitos individuaishomogêneos em geral e, em especial, sem relação de consumo.Aduziu, ain<strong>da</strong>, ser a ação civil pública via inadequa<strong>da</strong> para a defesa dedireitos individuais homogêneos sem relação de consumo, além de repisaras teses <strong>da</strong> falta de interesse de agir e <strong>da</strong> natureza não prescricional doprazo estipulado no art. 74 <strong>da</strong> Lei de Benefícios.Recebi<strong>da</strong> a apelação em ambos os efeitos, dessa decisão agravou oMPF, pleiteando a concessão apenas do efeito devolutivo.A decisão foi manti<strong>da</strong>, tendo em vista que“o longo lapso temporal decorrido entre a alteração legislativa impugna<strong>da</strong> pelo MPF (art.74, I e II, <strong>da</strong> Lei 8.213/91, com a re<strong>da</strong>ção determina<strong>da</strong> pela Lei 9.528/97) e a propositura<strong>da</strong> presente deman<strong>da</strong> (mais de dez anos) indica não haver risco concreto de <strong>da</strong>no irreparávelou de difícil reparação caso o comando sentencial venha a produzir efeitos após seutrânsito em julgado.”Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle:Da tempestivi<strong>da</strong>deIntimado o Apelante em 24.06.2010, protocolou sua apelação em13.07.2010, dentro, pois, do prazo legal.Das questões preliminaresI Ilegitimi<strong>da</strong>de ativaO INSS alega ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público <strong>Federal</strong> parapropor ação civil pública pugnando pela defesa de direitos individuaisdisponíveis, qualquer direito individual homogêneo ou, ain<strong>da</strong>, direitoindividual homogêneo sem relação de consumo.Entretanto, conforme bem gizado pelo Apelado, “a presente açãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 303


tem por objeto a tutela de um direito coletivo stricto sensu, tendo emvista que se trata de um direito titularizado por um grupo (dependentesde segurados do RGPS considerados incapazes, nos termos do art. 3ºdo Código Civil) que mantém uma relação jurídica base com o sujeitopassivo <strong>da</strong> obrigação (Previdência Social)”, sendo, “portanto, legítimaa iniciativa do MP, visto que ampara<strong>da</strong> pelo art. 129, III, <strong>da</strong> CF”.Mesmo que de direito coletivo não se tratasse, este <strong>Tribunal</strong>, a despeito<strong>da</strong> existência de precedentes em sentido contrário, inclusive do EgrégioSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, vem reconhecendo a legitimi<strong>da</strong>de ativa doMinistério Público <strong>Federal</strong> para propor ação civil pública na defesa dosdireitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz doentendimento atualizado do STF.Decorre do disposto nos artigos 127, caput, e 129, inc. III, <strong>da</strong> CF alegitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público para defesa dos interesses sociais eindividuais, e em matéria previdenciária o interesse social é inquestionável.Tanto isso é ver<strong>da</strong>de que a Previdência Social é objeto, na CartaMagna, de Seção específica (III) integrante de Capítulo que dispõe sobrea Seguri<strong>da</strong>de Social (II) em Título (VIII) destinado à Ordem Social.Segundo tem entendido o STF ao apreciar os artigos 127, caput, e129, inc. III, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, é possível ao Ministério Público<strong>Federal</strong> promover, via ação coletiva, a defesa dos direitos individuaishomogêneos, desde que o seu objeto se revista <strong>da</strong> necessária relevânciasocial, cabendo referir os seguintes precedentes:“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIOPÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a re<strong>da</strong>ção doart. 117 <strong>da</strong> Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. CF,artigos 127 e 129, III.II. Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interessesou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis.Nesses casos, a ação civil pública presta-se à defesa dos mesmos, legitimado o MinistérioPúblico para a causa (CF, art. 127, caput, e art. 129, III).(...)” (STF, RE 195.056/PR, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30.05.2003, p. 30)“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DOMINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESADOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADESESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LASEM JUÍZO.304R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


1. A Constituição <strong>Federal</strong> confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente,essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa <strong>da</strong> ordem jurídica,do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).2. Por isso mesmo, detém o Ministério Público capaci<strong>da</strong>de postulatória, não só para aabertura do inquérito civil, <strong>da</strong> ação penal pública e <strong>da</strong> ação civil pública para a proteção dopatrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos ecoletivos (CF, art. 129, I e III).3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoasuni<strong>da</strong>s pelas mesmas circunstâncias de fato; e coletivos, aqueles pertencentes a grupos,categorias ou classes de pessoas determináveis, liga<strong>da</strong>s entre si ou com a parte contráriapor uma relação jurídica base.3.1. A indetermini<strong>da</strong>de é a característica fun<strong>da</strong>mental dos interesses difusos; e a determini<strong>da</strong>de,a <strong>da</strong>queles interesses que envolvem os coletivos.4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81,III, <strong>da</strong> Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitoscoletivos.4.1. Quer se afirme interesses coletivos, quer particularmente interesses homogêneos,stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamentedizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que,conquanto digam respeito às pessoas isola<strong>da</strong>mente, não se classificam como direitos individuaispara o fim de ser ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepçãofinalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.5. As chama<strong>da</strong>s mensali<strong>da</strong>des escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugna<strong>da</strong>spor via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois,ain<strong>da</strong> que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interessescoletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual, como dispõe o artigo 129, incisoIII, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. 5.1. Cui<strong>da</strong>ndo-se de tema ligado à educação, ampara<strong>da</strong> constitucionalmentecomo dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o MinistérioPúblico investido <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de postulatória, patente a legitimi<strong>da</strong>de ad causam, quandoo bem que se busca resguar<strong>da</strong>r se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmentode extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomen<strong>da</strong>-se o abrigoestatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afasta<strong>da</strong> a alega<strong>da</strong> ilegitimi<strong>da</strong>dedo Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletivi<strong>da</strong>de, determinara remessa dos autos ao <strong>Tribunal</strong> de origem, para prosseguir no julgamento <strong>da</strong> ação.” (STF,RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Maurício Corrêa, DJU 29.06.2001, p. 55)No último precedente transcrito, o STF reconheceu a legitimi<strong>da</strong>deativa do Ministério Público para defesa de interesses homogêneos deorigem comum no campo <strong>da</strong> educação, em relação à qual a atuação estatalnem sempre se dá de forma direta. Certamente levou em consideração, aodecidir dessa maneira, que, a exemplo <strong>da</strong> previdência social, a educaçãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 305


também está contempla<strong>da</strong> no Título VIII <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, que,como salientado anteriormente, trata <strong>da</strong> Ordem Social. É de se afirmar,assim, que com muito mais razão deve ser reconheci<strong>da</strong> a legitimi<strong>da</strong>deativa do Ministério Público em matéria previdenciária, até porque aatuação do Estado se dá, como regra, de forma direta.No mesmo sentido <strong>da</strong> jurisprudência do STF é o entendimento destaCorte:“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO E RE-GIMENTAL. TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DOMINISTÉRIO PÚBLICO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994.RISCO DE DANO. AUSÊNCIA.Considerando que o tema referente à titulari<strong>da</strong>de ativa <strong>da</strong> ação maneja<strong>da</strong> em primeirograu tem assento constitucional (arts. 127, caput, e 129, III) e que a última palavra pertenceao não menos egrégio STF, e tendo este, em hipótese análoga (igualmente versava sobrecausa em que discutido um direito social, como são os benefícios mantidos pela PrevidênciaSocial – art. 6º <strong>da</strong> CF), recentemente decidido que a Lei Complementar nº 75/93 conferiu aoMPT legitimi<strong>da</strong>de ativa, no campo <strong>da</strong> defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbitotrabalhista (STF, RE 213.015, 2ª Turma, Rel. Min. Néri <strong>da</strong> Silveira, DJU 24.05.2002), não hácomo afastar a plausibili<strong>da</strong>de dessa última em relação ao MPF – igualmente um dos ramosdo Ministério Público <strong>da</strong> União – em sede previdenciária. Inteligência, ademais, do dispostonos artigos 1º, 2º e 74, I, <strong>da</strong> Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).” (AI nº 2004.04.01.001232-6/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus, u., DJU de 09.06.2004)“APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. LEGITI-MIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGO 74 DA LEI Nº 8.213/91 COM AREDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.528/91. PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. DATADO REQUERIMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.1. A atual posição do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> é no sentido de que os direitos individuaishomogêneos, considerados como espécie dos direitos coletivos, à medi<strong>da</strong> que serevestirem de relevância social, poderão ser defendidos pelo Ministério Público por açãocoletiva. (...)” (AC nº 2000.04.01.097994-3/PR, TRF4, 6ª Turma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> JoséPaulo Baltazar Júnior, u., DJU de 13.04.2005)“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIANACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROSCOMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.1. Possui legitimi<strong>da</strong>de ativa o Ministério Público <strong>Federal</strong> em se tratando de ação civilpública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuaishomogêneos.” (AC nº. 2000.71.00.009347-0/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> JoãoBatista Pinto Silveira, u., DJU de 10.08.2005)306R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO OBJETIVODE AFERIÇÃO DE MISERABILIDADE DO GRUPO FAMILIAR (RENDA PER CAPITADE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO) NÃO É A ÚNICA FORMA DE DEMONSTRAR ESSACONJUNTURA. MENOR QUE DEVE SER SUBMETIDA A CUIDADOS ESPECIAIS.CONDIÇÕES DE VIDA PRECÁRIAS. INCAPACIDADE.1. A União carece de legitimi<strong>da</strong>de passiva nas ações em que se discute o direito aobenefício assistencial.2. O Ministério Público <strong>Federal</strong> está legitimado a propor ação civil pública em defesade direitos individuais homogêneos dos idosos e portadoras de deficiência incapacitante,desprovidos de condições de manter o seu próprio sustento ou de tê-lo mantido por suasfamílias, porquanto evidenciado relevante interesse social na defesa de tais direitos.3. Se é ver<strong>da</strong>de que a constitucionali<strong>da</strong>de do critério objetivo previsto no art. 20, § 3º,<strong>da</strong> Lei 8.742/93 para demonstração <strong>da</strong> condição de miserabili<strong>da</strong>de, para fins de concessãode benefício assistencial, já foi declara<strong>da</strong> pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> na ADI nº 1.232-1/DF, a existência dessa possibili<strong>da</strong>de de comprovação trazi<strong>da</strong> no referido dispositivo nãoelide outras maneiras de se certificar a conjuntura pessoal idônea a garantir o recebimentodo amparo pleiteado.(...)” (TRF4, AC 2002.71.04.000395-5, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira,DJ 19.04.2006)Deve ser salientado, ain<strong>da</strong>, que mesmo no âmbito do STJ admitiu-sea legitimi<strong>da</strong>de ativa do Ministério Público em matéria previdenciária,consoante se depreende <strong>da</strong> seguinte ementa do ano de 2006:“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DOBENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.1 – A teor do disposto no art. 127 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, ‘O Ministério Público éinstituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa<strong>da</strong> ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis’. In casu, ocorre reivindicação de pessoa em prol de tratamento igualitárioquanto a direitos fun<strong>da</strong>mentais, o que induz à legitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público, paraintervir no processo, como o fez.2 – No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez admiti<strong>da</strong>a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não possui vício alguma ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos interpostos, em ver<strong>da</strong>de,sutilmente se aprestam a rediscutir questões aprecia<strong>da</strong>s no v. acórdão; não cabendo, to<strong>da</strong>via,redecidir, nessa trilha, quando é <strong>da</strong> índole do recurso apenas reexprimir, no dizer peculiarde PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência consagra, arre<strong>da</strong>ndo, sistematicamente,embargos declaratórios, com feição, mesmo dissimula<strong>da</strong>, de infringentes.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 307


3 – A pensão por morte é: ‘o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentesdo segurado falecido – a chama<strong>da</strong> família previdenciária – no exercício de sua ativi<strong>da</strong>deou não (nesse caso, desde que manti<strong>da</strong> a quali<strong>da</strong>de de segurado), ou, ain<strong>da</strong>, quando ele jáse encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciáriacontinua<strong>da</strong>, de caráter substitutivo, destinado a suprir ou, pelo menos, a minimizar a falta<strong>da</strong>queles que proviam as necessi<strong>da</strong>des econômicas dos dependentes’ (BALTAZAR JUNIOR,José Paulo; ROCHA, Daniel Machado <strong>da</strong>. Comentários à lei de benefícios <strong>da</strong> previdênciasocial. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2004. p.251).4 – Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, § 3º, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, convém mencionar que a ofensa a artigo <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> nãopode ser analisa<strong>da</strong> por este So<strong>da</strong>lício, na medi<strong>da</strong> em que tal mister é atribuição exclusivado Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende,obrigatoriamente, o desate <strong>da</strong> lide, uma vez que não diz respeito ao âmbito previdenciário,inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Em face dessa visualização, a aplicação do direito àespécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, § 3º, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>, levando a que, em segui<strong>da</strong>, se possa aplicar o direito ao caso em análise.5 – Diante do § 3º do art. 16 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeufoi, em ver<strong>da</strong>de, ali gizar o conceito de enti<strong>da</strong>de familiar, a partir do modelo <strong>da</strong> uniãoestável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, <strong>da</strong> relação homoafetiva.6 – Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessi<strong>da</strong>desbásicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, háque interpretar os respectivos preceitos partindo <strong>da</strong> própria Carta Política de 1988, que assimestabeleceu, em comando específico: ‘Art. 201 – Os planos de previdência social, mediantecontribuição, atenderão, nos termos <strong>da</strong> lei, a: [...] V – pensão por morte de segurado, homemou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º’.7 – Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos,com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-semera lacuna, que deverá ser preenchi<strong>da</strong> a partir de outras fontes do direito.8 – Outrossim, o próprio INSS, tratando <strong>da</strong> matéria, regulou, por meio <strong>da</strong> InstruçãoNormativa nº 25, de 07.06.2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício aocompanheiro ou à companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedi<strong>da</strong>pela juíza Simone Barbisan Fortes, <strong>da</strong> Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre,ao deferir medi<strong>da</strong> liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficáciaerga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situaçõesidênticas, merecedoras do mesmo tratamento.9 – Recurso Especial não provido.” (REsp 395904. Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.Sexta Turma. DJ 06.02.2006)Ain<strong>da</strong> que o precedente referido diga respeito a ação individual, seao Ministério Público se reconheceu legitimi<strong>da</strong>de para tutelar direito deuma pessoa, com muito mais razão se deve admitir sua legitimi<strong>da</strong>de para308R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


atuar em favor <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de.Mais recentemente o STF teve oportuni<strong>da</strong>de de se manifestar em hipóteseanáloga à dos autos e assentou a legitimi<strong>da</strong>de do Ministério Públicopara ajuizar ação civil pública com o objetivo de assegurar, aos segurados<strong>da</strong> previdência social, a obtenção de certidão de tempo de serviço.“DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SEGURADOS DA PREVIDÊNCIASOCIAL. CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO. RECUSA DA AUTAR-QUIA PREVIDENCIÁRIA. DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DECERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS. PRERROGATIVAS JURÍDICAS DEÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE RELEVANTEINTERESSE SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINIS-TÉRIO PÚBLICO. A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART. 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSODE AGRAVO IMPROVIDO.– O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destina<strong>da</strong>a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determina<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de (como a dossegurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitosou o esclarecimento de situações.– A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostoslegitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados,como o man<strong>da</strong>do de segurança ou a própria ação civil pública.– O Ministério Público tem legitimi<strong>da</strong>de ativa para a defesa, em juízo, dos direitose interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social,como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartiçõespúblicas. Doutrina. Precedentes.” (RE-AgR 472489/RS. Relator Min. Celso de Mello. 2ªTurma. DJU em 29.08.2008)Neste <strong>Tribunal</strong>, outro não vem sendo o entendimento:“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITI-MIDADE. 1. Os argumentos contrários à legitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público para a propositurade ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos concentram-sena disponibili<strong>da</strong>de destes e na falta de previsão legal expressa, com exceção do Código deDefesa do Consumidor, cuja aplicabili<strong>da</strong>de ficaria restrita as relações por ele regula<strong>da</strong>s.Alega-se que atribuir ao Ministério Público a defesa desses interesses, caracterizados, emtese, pela sua disponibili<strong>da</strong>de, seria desprestigiar a função institucional do parquet, e osdispositivos que assim o fazem seriam inconstitucionais. 2. To<strong>da</strong>via, tais argumentos não sesustentam perante uma análise mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> do tema. A exigência de previsão expressana Constituição <strong>Federal</strong> se revela completamente desprovi<strong>da</strong> de razoabili<strong>da</strong>de, pois, à épocade sua promulgação – em que pesem as grandes inovações introduzi<strong>da</strong>s pela Lei nº 7.347/85–, ain<strong>da</strong> não se cogitava do conceito de interesses individuais homogêneos no ordenamentoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 309


jurídico brasileiro. A Constituição, entretanto, atribui ao Ministério Público a defesa dosinteresses difusos e coletivos e outros, desde que compatíveis com sua finali<strong>da</strong>de (art. 129,III e IX). 3. Uma interpretação teleológica <strong>da</strong> Carta Magna evidencia a legitimi<strong>da</strong>de doparquet, uma vez que o legislador constituinte não pretendeu restringir sua atuação. Pelocontrário, em face <strong>da</strong> grande importância de sua atuação na garantia do Estado de Direito,o constituinte deixou claro a relevância do Órgão Ministerial e a possibili<strong>da</strong>de de extensãode sua ativi<strong>da</strong>de a outros casos que escapassem à sua previsão naquele momento. 4.Deve ser reconheci<strong>da</strong> a legitimi<strong>da</strong>de do Ministério Público em ações atinentes a direitosprevidenciários, uma vez que previsões legais de interposição de ações civis públicas e/ou coletivas devem ser prestigia<strong>da</strong>s nessa área quando a discussão for eminentemente dedireito, na medi<strong>da</strong> em que desafogam o excessivo número de ações individuais, sendo deinestimável valor ao Judiciário, mormente levando-se em consideração a ca<strong>da</strong> vez mais pungentee necessária preocupação com a celeri<strong>da</strong>de e a eficácia judiciais. 5. Inviável, to<strong>da</strong>via,a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, porquanto o feito não teve o necessário contraditório,razão pela qual se impõe a anulação <strong>da</strong> sentença e o retorno dos autos à origem para queseja devi<strong>da</strong>mente processa<strong>da</strong> e julga<strong>da</strong> a presente ação civil pública.” (TRF4, ApelaçãoCível nº 2003.72.09.001580-7, 6ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira, pormaioria, D.E. 05.11.2009)Portanto, não prospera a alegação de ilegitimi<strong>da</strong>de ativa do MinistérioPúblico <strong>Federal</strong> para propor a presente ação civil pública, fazendo-oem obediência ao seu dever funcional de proteção dos interesses sociaisrelevantes, em especial em favor dos incapazes.II Falta de interesse de agirO INSS alegou a ausência de interesse processual do MPF por nãohaver prova <strong>da</strong> resistência à pretensão. Porém, tal alegação não procede,conforme bem salientado pelo Magistrado a quo:“De fato, não se pode equiparar os ‘inválidos incapazes assim declarados pela períciamédica do INSS’, referidos no art. 264 <strong>da</strong> Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007, comos absolutamente incapazes do art. 3º, incs. II e III, do Código Civil. Abrangem, esses últimos,categoria muito mais ampla, não contempla<strong>da</strong> em atos infralegais <strong>da</strong> autarquia-ré. Assim,é incontroverso afirmar que parte <strong>da</strong> pretensão deduzi<strong>da</strong> na inicial já teria sido satisfeitaadministrativamente, persistindo a necessi<strong>da</strong>de de intervenção do Poder Judiciário” (fl. 73).III Inadequação <strong>da</strong> via eleitaAin<strong>da</strong> no trato preliminar, o INSS verberou não ser a ação civil públicaremédio hábil à defesa de direitos individuais homogêneos em geral e,em especial, se inexistir relação de consumo.Admitindo-se, apenas por apego à argumentação, que a presente ação310R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


tratasse de direitos individuais homogêneos, a possibili<strong>da</strong>de de sua defesamediante a ação civil pública já foi trata<strong>da</strong> no item I supra, quandodo reconhecimento <strong>da</strong> legitimação ativa para a causa por parte do MPF,razão pela qual rejeito a preliminar, com a agregação de jurisprudênciarecente deste <strong>Regional</strong>:“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINIS-TÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. Consoante precedentesjurisprudenciais do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, a quem cabe o mister constitucional deuniformizar a interpretação <strong>da</strong> legislação federal, o Ministério Público detém legitimi<strong>da</strong>depara propositura de ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos,quando presente relevante interesse social, o que ocorre no caso, em que são apontadosvícios no procedimento de ingresso nos cursos de pós-graduação stricto sensu, a violar odireito fun<strong>da</strong>mental à educação.” (AC 2008.71.07.003152-9. Data <strong>da</strong> Decisão: 19.04.2011.Órgão Julgador: Terceira Turma, Relatora: Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria.Do méritoAs razões meritórias repisaram os argumentos já expendidos emcontestação e que foram rechaçados, com proprie<strong>da</strong>de, pelo Juiz Sentenciante,Dr. Gustavo Pedroso Severo, razão pela qual as adoto comofun<strong>da</strong>mento para decidir:“No mérito, tenho que razão assiste à parte-autora.Com efeito, abstraí<strong>da</strong> qualquer discussão acerca <strong>da</strong> natureza do prazo previsto no art. 74,incs. I e II, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 (se prescricional ou não), é regra corrente de hermenêuticaa máxima de que, ‘Onde existe a mesma razão fun<strong>da</strong>mental, prevalece a mesma regra deDireito’ (1). Assim, se os absolutamente incapazes, por não possuírem o necessário discernimentopara os atos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> civil, não podem ser prejudicados por eventual demora de seusrepresentantes para a prática desses atos, é imperioso que tal raciocínio se aplique a to<strong>da</strong>s ashipóteses envolvendo interesses patrimoniais e relações jurídicas desses sujeitos de direito.Estabeleci<strong>da</strong> tal premissa, fica difícil aceitar que os menores de 16 anos, os enfermosou deficientes mentais e os que não possam exprimir sua vontade (art. 3º, incs. I a III, doCódigo Civil) estejam ao abrigo <strong>da</strong> ressalva prevista no parágrafo único do art. 103 <strong>da</strong> Leinº 8.213/91, não se sujeitando ao prazo fatal de 5 anos para ‘haver prestações venci<strong>da</strong>s ouquaisquer restituições ou diferenças devi<strong>da</strong>s pela Previdência Social’, e, ao mesmo tempo,disponham de apenas 30 dias, a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do óbito do segurado instituidor, para requereradministrativamente o benefício de pensão por morte sem qualquer risco de per<strong>da</strong> de valoresa esse título (art. 74, incs. I e II, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91). Trata-se de flagrante antinomia do sistema,patrocina<strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 1.596-14/97 (posteriormente converti<strong>da</strong> na Leinº 9.528/97), que alterou a re<strong>da</strong>ção original do art. 74 <strong>da</strong> Lei de Benefícios <strong>da</strong> PrevidênciaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 311


Social. Sua solução passa por uma hermenêutica construtiva, que priorize os interesses doincapaz, seja em razão de sua hipossuficiência, seja em razão <strong>da</strong>s circunstâncias envolvi<strong>da</strong>sna concessão do benefício de pensão por morte, quando, mais que uma fonte de sustento,o dependente perde um ente querido de seu círculo familiar.Nesse sentido sinaliza a doutrina:‘Na perspectiva <strong>da</strong> DIB, o dependente incapaz não pode ser prejudicado se não foi aceitaa solicitação pessoal, em sede administrativa, em face de sua incapaci<strong>da</strong>de mesma decorrentede menori<strong>da</strong>de ou de necessi<strong>da</strong>des especiais, ou por meio de representante enquanto este nãoprovidenciasse o termo de tutela/curatela, hipótese em que a <strong>da</strong>ta inicial – DIB <strong>da</strong> pensãodeverá ser fixa<strong>da</strong> sempre na <strong>da</strong>ta do óbito – DO, ain<strong>da</strong> que requeri<strong>da</strong> depois de 30 dias.’(LUCHI DEMO, Roberto Luis; SOMARIVA, Maria Salute. Pensão por morte previdenciária:aspectos materiais e processuais, atuali<strong>da</strong>des, sucessão legislativa e jurisprudênciadominante. Disponível em .Nesse sentido também sinaliza a jurisprudência:‘PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE MENOR. DATA DEINÍCIO DE BENEFÍCIO. 1. O termo inicial do benefício previdenciário de pensão por morte,tratando-se de dependente absolutamente incapaz, deve ser fixado na <strong>da</strong>ta do falecimento dosegurado, não obstante os termos do inciso II do artigo 74 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91, instituído pelaLei nº 9.528/97, o qual não se aplica igualmente aos óbitos anteriores à alteração legislativa.2. Consoante entendimento predominante nesta Corte, o absolutamente incapaz não podeser prejudicado pela inércia de seu representante legal, até porque contra ele não corre prescrição,a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103 parágrafo único<strong>da</strong> Lei de Benefícios.’ (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, Turma Suplementar, AC nº 2009.70.99.002878-6,D.E. 23.11.09, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira, unânime)Ressalte-se que razão não assiste ao INSS quando sustenta que ‘não há existência deparcelas prescritas, mas a inexistência absoluta <strong>da</strong>s próprias parcelas, e mesmo do benefício,no período anterior ao requerimento’ (fl. 43). Com efeito, não se pode confundir aaquisição do direito ao benefício <strong>da</strong> previdência social com o exercício de tal direito. Estese dá mediante o requerimento administrativo ao INSS. Aquela, com o cumprimento detodos os pressupostos relacionados na legislação, necessários ao deferimento do benefício.Logo, comprova<strong>da</strong> a quali<strong>da</strong>de de segurado do de cujus à <strong>da</strong>ta de seu óbito e a quali<strong>da</strong>dede dependente do candi<strong>da</strong>to à tutela previdenciária nessa ocasião, a pensão é devi<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong>que requeri<strong>da</strong> posteriormente. Tanto é assim que, caso o protocolo do benefício ocorra até30 dias após o falecimento do segurado instituidor, seus proventos retroagirão àquela <strong>da</strong>ta,não ficando limitados à <strong>da</strong>ta de entra<strong>da</strong> do requerimento administrativo, nos estritos termosdo art. 74, inc. I, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91. Isso, por si só, demonstra a existência de parcelasatrasa<strong>da</strong>s e do próprio benefício no intervalo que precede seu protocolo administrativo.Por outro lado, se é recomendável que os direitos dos absolutamente incapazes sejamexercidos no tempo e no modo oportunos por meio de seus representantes legais (fl. 43,in fine), não se pode punir os representados por eventuais omissões a que, em face de suaprópria falta de discernimento, não deram causa. No ponto, denota-se que a autarquia pre-312R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


tende transferir ao incapaz os ônus decorrentes <strong>da</strong> incúria de seu representante, situaçãoque o ordenamento jurídico, reitera<strong>da</strong>mente, busca repelir, conforme se deduz nos arts. 79e 103, parágrafo único, in fine, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91.Finalmente, não favorece a defesa <strong>da</strong> autarquia o disposto no art. 76 <strong>da</strong> LBPS: ‘A concessão<strong>da</strong> pensão por morte não será protela<strong>da</strong> pela falta de habilitação de outro possíveldependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ouinclusão de dependente só produzirá efeito a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> inscrição ou habilitação’.De fato, tal norma, pelas razões acima lança<strong>da</strong>s, é restrita aos dependentes capazes, nãose aplicando aos destinatários <strong>da</strong> presente ação civil pública’ (evento 11).”DispositivoAnte o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessaoficial.APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020447-63.2010.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto SilveiraApelante: Telmar Correa <strong>da</strong> SilvaAdvoga<strong>da</strong>: Dra. Isabel Cristina Trapp FerreiraApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSEMENTAPrevidenciário. Processual civil. Direito adquirido ao benefício antes<strong>da</strong> DER. Art. 58/ADCT. Aplicação pelo salário mínimo de referência.Correção do menor valor-teto pelo IPC. Tutela de evidência. Requisitos.1. O direito à aposentadoria coincide com o momento em que preenchidosos requisitos estabelecidos em lei para o seu gozo, logo, tendoo segurado cumprido as exigências legais para inativar-se antes <strong>da</strong> <strong>da</strong>taem que requereu a benesse, não se justifica impedi-lo do direito ao cálculodo benefício naquela <strong>da</strong>ta apenas por ter permanecido laborando,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 313


até porque se trata de opção que, na reali<strong>da</strong>de, redundou em proveito <strong>da</strong>própria Previdência.2. O segurado tem direito adquirido ao cálculo do benefício de acordocom as regras vigentes quando <strong>da</strong> reunião dos requisitos para aposentação,independentemente de prévio requerimento administrativo paratanto. Precedentes do STF e do STJ.3. Altera<strong>da</strong> a ren<strong>da</strong> inicial, impõe-se a revisão na forma do art. 58 doADCT.4. Na aplicação do art. 58 do ADCT, não se admite a utilização doSalário Mínimo de Referência (SMR). Precedentes do STJ e <strong>da</strong> SeçãoPrevidenciária desta Corte.5. A correção do menor valor-teto, a contar de março de 1986, passoua ser <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo IPC.6. A doutrina moderna, motiva<strong>da</strong> pela veloci<strong>da</strong>de do nosso tempo e docrescimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des, vem buscando a efetivi<strong>da</strong>de do processopor meio <strong>da</strong> adoção de tutelas jurídicas diferencia<strong>da</strong>s pelos sistemas deDireito Positivo. Atualmente, no direito brasileiro há duas espécies deantecipação de tutela. Uma concedi<strong>da</strong> contra perigo de perecimento dodireito, ou, nos termos <strong>da</strong> lei, de “<strong>da</strong>no irreparável ou de difícil reparação”ou de “ineficácia do provimento final”. A outra, denomina<strong>da</strong> detutela antecipa<strong>da</strong> de evidência ou tutela de evidência, cujos requisitosconstam do art. 273, II e § 6º, do CPC, é deferi<strong>da</strong> com base não no perigode perecimento do direito, mas na necessi<strong>da</strong>de de se redistribuir os ônusdo tempo do processo, no caso em que o direito do autor se mostra incontroversoou provável, e o réu, por sua vez, abusa de seu direito de defesa.7. A certeza de que o pleito preenche os requisitos para concessão<strong>da</strong> tutela de evidência só é possível após a análise acura<strong>da</strong> do que sejapedido incontroverso.8. Em seus significados literais comuns, incontroverso é adjetivo quedesigna o indiscutível, o incontestável, o indubitável e também o quenão é controverso, o que não desperta controvérsia, o incontrovertido. Aincontrovérsia ensejadora <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> antecipatória somente se configuracom a presença de um elemento essencial, a ausência de controvérsia deveconsiderar e envolver a posição do juiz, o terceiro figurante <strong>da</strong> relaçãoprocessual angulariza<strong>da</strong>. Portanto, além <strong>da</strong> ausência de controvérsia entreas partes, somente poderá ser tido como incontroverso o pedido que, na314R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


convicção do juiz, for verossímil. “Incontroverso”, em suma, não é o“indiscutido”, mas sim o “indiscutível”.9. A controvérsia que impede a antecipação não é apenas a que dizrespeito a questões de mérito. Mesmo em face de pedido que, em simesmo, é incontroverso e verossímil, a antecipação pressupõe ausênciade empecilhos de ordem processual para o seu atendimento. Assim, sefor alega<strong>da</strong> incompetência, ou litispendência, ou coisa julga<strong>da</strong>, ou faltade qualquer pressuposto processual ou condição <strong>da</strong> ação, enfim, se foralega<strong>da</strong> qualquer exceção ou defesa concernente à ação ou ao processo(arts. 301 e 304), estará configurado um pressuposto negativo para odeferimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> antecipatória, ain<strong>da</strong> que a respeito do pedido emsi não tenha havido contestação alguma.10. Em contraparti<strong>da</strong>, considerando o manifesto desiderato legislativo– de criar, com a satisfação antecipa<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que provisória, dos pedidosincontroversos, uma ação afirmativa em prol <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de do processo–, é indispensável que se retire dessa vontade <strong>da</strong> lei as consequênciaslógicas que dela naturalmente decorrem, entre as quais a de não admitira utilização de subterfúgios à concretização dos objetivos programados.Sob essa premissa, é apropriado concluir, quando se interpreta o § 6º,que a controvérsia apta a antecipação de tutela há de se revestir de ummínimo de serie<strong>da</strong>de e razoabili<strong>da</strong>de. Nesse enfoque, pode-se <strong>da</strong>r aoconceito de pedido incontroverso um sentido ampliado, mais afinado comuma interpretação teleológica <strong>da</strong> norma: será considerado incontroversoo pedido, mesmo contestado, quando os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> contestaçãosejam evidentemente descabidos ou improcedentes. Em outras palavras:quando não haja contestação séria.11. A ausência de serie<strong>da</strong>de ou razoabili<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong>via, há de ser medi<strong>da</strong>não apenas a partir <strong>da</strong> convicção pessoal do juiz, mas à luz de critériosobjetivos fornecidos pelo próprio sistema de processo.12. Em suma, pode-se afirmar que a antecipação <strong>da</strong> tutela de que tratao § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil tem como pressupostopedido (ou parcela dele) (a) não controvertido seriamente pelas partes,(b) verossímil e c) cujo atendimento não está subordinado a qualquerquestão prejudicial.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 315


ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 6ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r parcial provimento ao recurso <strong>da</strong> parte-autora,nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendoparte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 01 de junho de 2011.Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira: Trata-se deapelação interposta de sentença que reconheceu a decadência do direitoà revisão do ato de concessão do benefício do(a) autor(a), resolvendoo mérito, nos termos do art. 269, inc. IV, primeira figura, do Código deProcesso Civil (pedido principal de revisão de benefício de aposentadoriaoriginário, com reflexos em benefício de pensão por morte, combase em direito adquirido ao melhor benefício, desde o implemento dosrequisitos mínimos para sua fruição). A parte-autora foi condena<strong>da</strong> aopagamento de honorários advocatícios de sucumbência, correspondentesa 10% do valor atualizado <strong>da</strong> causa, com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC,suspensos, to<strong>da</strong>via, os efeitos dessa condenação em razão do benefício<strong>da</strong> justiça gratuita.Sem condenação em custas processuais (art. 4º, incs. I e II, <strong>da</strong> Lei nº9.289/96).Irresigna<strong>da</strong>, apela a parte-autora, inicialmente pedindo a antecipaçãode tutela parcial de seu direito, em face <strong>da</strong> evidência deste, para alterar aren<strong>da</strong> mensal atual do seu benefício. Também indica que houve reconhecimentode repercussão geral em recursos extraordinários sobre a questão<strong>da</strong> decadência (RE 626.489) e sobre a matéria de fundo desta ação (RE630.501). Quanto às questões de fundo, pede a reforma <strong>da</strong> sentença, devendoser afastado o reconhecimento <strong>da</strong> decadência do direito de revisãodo benefício <strong>da</strong> parte-autora, para que após seja julga<strong>da</strong> procedente aação, com a procedência total do pedido, além de reiterar seus pedidosiniciais (pedidos principais: 1 – declaração <strong>da</strong> aquisição do direito aobenefício no momento <strong>da</strong> implementação dos requisitos mínimos legais,316R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ou seja, o direito adquirido ao benefício mais vantajoso, com a retroaçãopara dezembro de 1987; 2 – que a correção do menor valor-teto, a contarde março de 1986, se dê pelo IPC; e 3 – que a aplicação do artigo 58 doADCT se dê pelo salário mínimo de referência). Por fim, prequestionaa matéria dos autos.Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira: Trata-se deação revisional de proventos de aposentadoria por tempo de serviço (NBaposentadoria por tempo de serviço 42/086.447.298-6 – DIB 16.10.1991– evento 6, PROCADM3 dos autos eletrônicos originários).DecadênciaO e. Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, intérprete maior <strong>da</strong> legislação federalno âmbito do Poder Judiciário, consolidou o entendimento de queo prazo de decadência do direito ou ação do segurado ou beneficiáriopara a revisão do ato de concessão do benefício, previsto no art. 103,caput, <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 – a partir <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 9.528,de 10.12.1997, altera<strong>da</strong> pelas Leis nº 9.711, de 20.11.1998, e 10.839, de05.02.2004, to<strong>da</strong>s precedi<strong>da</strong>s de uma ou mais medi<strong>da</strong>s provisórias sobrea questão –, somente é aplicável aos segurados que tiveram benefíciosconcedidos após a publicação <strong>da</strong> lei que o previu pela primeira vez,não podendo esta incidir sobre situações jurídicas já constituí<strong>da</strong>s sob avigência <strong>da</strong> legislação anterior, sem que tal interpretação acarrete qualquerofensa ao disposto no art. 6º <strong>da</strong> Lei de Introdução ao Código Civil(STJ, REsp nº 984.843/PR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, monocrática,DJ 25.09.2007; AI nº 942.628/SC, Rel. Ministro Nilson Naves,monocrática, DJ 25.09.2007; AI nº 941.224/RS, Rel. Ministro NapoleãoNunes Maia Filho, monocrática, DJ 25.09.2007; AI nº 942.569/RS, Rel.Ministra Maria Thereza de Assis Moura, monocrática, DJ 21.09.2007;AI nº 932.301/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, monocrática,DJ 21.09.2007; RE nº 240.493-SC, Rel. Ministra Maria Thereza deAssis Moura, Sexta Turma, DJ de 10.09.2007; AgRg no Ag nº 863.051/PR, Rel. Ministro Félix Fischer, Quinta Turma, DJ 06.08.2007; AgRgR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 317


no Resp nº 717.036/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ23.10.2006; REsp nº 429.818/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, QuintaTurma, DJ 11.11.2002; REsp nº 254.186/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp,Quinta Turma, DJ 27.08.2001). No mesmo sentido, também, a posiçãodeste <strong>Tribunal</strong> (TRF4, AC nº 2001.71.13.003091-8, Turma Suplementar,Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 17.08.2007;AC nº 2002.71.14.001349-1, Sexta Turma, Relator Des. <strong>Federal</strong> JoãoBatista Pinto Silveira, DE 03.08.2007; AC nº 2004.71.12.005619-5, Sexta Turma, Rel. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus, DE18.05.2007; AC nº 2001.72.08.000774-0, Turma Suplementar, Rel.Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 28.08.2007; ACnº 2007.72.99.003083-1, Quinta Turma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> FernandoQuadros <strong>da</strong> Silva, DE 13.08.2007; AC nº 2005.71.16.001600-0, SextaTurma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Sebastião Ogê Muniz, DE 03.08.2007; ACnº 2001.71.01.001058-8, Turma Suplementar, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> LoraciFlores de Lima, DE 17.07.2007; AC nº 2006.70.01.000959-4, QuintaTurma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Luiz Antonio Bonat, DE 21.06.2007; AGV nº2006.71.14.001215-7, Turma Suplementar, Rel. Juíza <strong>Federal</strong> LucianeAmaral Corrêa Münch, DE 18.05.2007).Dessa forma, tendo em vista que o benefício <strong>da</strong> parte-autora foi concedidoantes <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº 1.523-9, de 27.06.1997,posteriormente converti<strong>da</strong> na Lei nº 9.528/97, inexiste prazo decadencialpara que aquela pleiteie a revisão <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal inicial do benefício.Afasto a prejudicial de mérito de decadência do direito de revisão dobenefício <strong>da</strong> parte-autora portanto, esta reconheci<strong>da</strong> pelo magistrado aquo.Pode o <strong>Tribunal</strong>, supera<strong>da</strong> uma prejudicial de mérito e tratando-sede questão exclusivamente de direito e estando pronta para julgamento,passar ao exame do mérito propriamente dito, segundo o artigo 515, §§1º e 3º (em interpretação extensiva), do Código de Processo Civil e anteos princípios <strong>da</strong> celeri<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> economia processual.Logo, passo ao exame <strong>da</strong> prescrição e <strong>da</strong> questão de fundo.Prescrição quinquenalA prescrição quinquenal pode ser reconheci<strong>da</strong>, de ofício, uma vezque a ação foi ajuiza<strong>da</strong> após a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei nº 11.280, em318R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


18.05.06, que alterou o parágrafo quinto do artigo 219 do CPC.A nova re<strong>da</strong>ção do art. 103 <strong>da</strong> Lei 8213/91 contempla, em seu caput,hipótese de prazo decadencial no que respeita à revisão de ato concessórioe, no seu parágrafo único, caso de prazo prescricional quanto aorecebimento de créditos devidos aos segurados, sendo que a diferença detratamento <strong>da</strong> matéria encontra-se cristaliza<strong>da</strong>, atualmente, no enunciadonº 85 do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça.Assim, cui<strong>da</strong>ndo-se de hipótese diversa <strong>da</strong> descrita no caput, apenasas parcelas anteriores ao quinquênio que antecede à propositura <strong>da</strong> açãoé que são alcança<strong>da</strong>s pela prescrição.No caso, tendo o feito sido ajuizado em 16.09.2010 e o requerimentoadministrativo, sido efetivado em 16.10.1991, encontram-se prescritasas parcelas anteriores a 16.09.2005.Direito adquirido ao melhor benefícioControverte-se nos autos acerca do direito à declaração de existênciade direito adquirido à outorga de aposentadoria na forma mais favorávelaos interesses <strong>da</strong> parte-autora, em contraponto à que lhe foi deferi<strong>da</strong>por ocasião <strong>da</strong> DER, apura<strong>da</strong> em face <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta em que implementadosos requisitos para sua fruição, elegendo para tanto o mês de outubro de1982 e, consequentemente, <strong>da</strong> obrigação do INSS em revisar a ren<strong>da</strong>mensal inicial do benefício originário de aposentadoria por tempo deserviço (com reflexos na pensão por morte), mediante a substituição <strong>da</strong>RMI pela que seria devi<strong>da</strong> naquela ocasião, com efeitos financeiros apartir <strong>da</strong> DER.Do exame dos autos (carta de concessão no evento 6, PROCADM3,dos autos eletrônicos originários), verifica-se que o autor possuía, na <strong>da</strong>tado requerimento administrativo/DIB (16.10.1991), 40 anos, 9 meses e 3dias de tempo de serviço. Portanto, aferível de plano que, em dezembrode 1987 (12/1987), a parte autora detinha tempo de serviço suficiente paraconcessão do benefício, consoante os termos do art. 33 <strong>da</strong> CLPS-1984(e demais dispositivos pertinentes), legislação em vigor na <strong>da</strong>ta em quepretende seja recalculado o benefício.O art. 5º, XXXVI, <strong>da</strong> CF/88 dispõe, in verbis: “A lei não prejudicaráo direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julga<strong>da</strong>”. Com basenesse preceito constitucional, não vejo como se negar que, havendoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 319


satisfeito todos os requisitos para se aposentar, o direito do seguradode perceber os proventos na conformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> legislação <strong>da</strong> época jáse havia consubstanciado, sendo, portanto, imodificável por legislaçãoposterior mais desfavorável, muito menos pelo fato de ter o segurado,inadverti<strong>da</strong>mente, permanecido a contribuir para os cofres <strong>da</strong> Previdência.Quanto ao tema, ain<strong>da</strong> que sobre o enfoque <strong>da</strong> alteração legislativa, oque não é especificamente o motivo alegado pelo autor, merece destaquea lição de Cretella Júnior (Enciclopédia Saraiva, p. 134):“Quando, durante a vigência de determina<strong>da</strong> lei, alguém adquire um direito, este seincorpora ao patrimônio do titular mesmo que este não o exercite, de tal modo que o adventode lei nova não atinge o status conquistado, embora não exercido ou utilizado, como,p. ex., o agente público que, após trinta anos de serviço, adquire direito à aposentadoria,conforme a lei então vigente, e não atingido pela lei nova que fixe em trinta e cinco anos orequisito para a aposentadoria. O não exercício do direito, nesse caso, não implica a per<strong>da</strong>do direito, adquirido na vigência <strong>da</strong> lei anterior. Ao completar, na vigência <strong>da</strong> lei antiga,trinta anos de serviço público, o titular adquiriu o direito subjetivo público de requerer aaposentadoria, em qualquer época, independentemente de alteração introduzi<strong>da</strong> pela leinova, que não mais o atinge. Qualquer ameaça ou medi<strong>da</strong> concreta de cercear tal direitoencontraria a barreira constitucional do direito adquirido. O direito adquirido, em virtude<strong>da</strong> relação de função pública, denomina-se direito subjetivo público e é oponível ao Estadopro labore facto. Incorporado ao patrimônio do funcionário, pode ser exigido a qualquerépoca, a não ser que o texto expresso de lei lhe fixe o período de exercício. Do contrário,adquirido sob o império de uma lei, em razão do vinculum iuris, que liga ao Estado, é intocável,não obstante alteração introduzi<strong>da</strong> por lei, posterior, podendo ser oponível ao Estadoque, se o negar, fere direito subjetivo público, líquido e certo de seu titular, como, p. ex.,pelo decurso do tempo, fixado em lei, o funcionário adquire direito (à aposentadoria, àsférias, à licença-prêmio, ao estipêndio, aos adicionais) pro labore facto, ingressando-se emstatus intocável, imune a qualquer fato ou lei que tente vulnerá-lo, o que implicaria ofensaao direito adquirido, com implicações patrimoniais e/ou morais.”O STF há muito tem se manifestado acerca dessa questão. Uma de suasprimeiras decisões encontra-se na Súmula 359, que inicialmente traziacomo elemento fun<strong>da</strong>mental para a solidificação do direito a manifestaçãoexpressa <strong>da</strong> vontade do servidor, consubstancia<strong>da</strong> no requerimentode aposentadoria. Dispôs a Súmula 359, em sua re<strong>da</strong>ção primitiva, combase em jurisprudência forma<strong>da</strong> por acórdão de 1963, in verbis:“Ressalva<strong>da</strong> a revisão prevista em lei, os proventos <strong>da</strong> inativi<strong>da</strong>de regulam-se pelalei vigente ao tempo em que o militar, ou servidor civil, reuniu os requisitos necessários,inclusive a apresentação do requerimento, quando a inativi<strong>da</strong>de for voluntária.”320R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Contudo, observo que a cita<strong>da</strong> Súmula sofreu reformulação, sendo quehoje o requisito <strong>da</strong> manifestação <strong>da</strong> vontade ou o requerimento tornou-seirrelevante. No recurso de Man<strong>da</strong>do de Segurança 11.395, DJ 18.03.1965,Relator o Ministro Luiz Gallotti, assim se decidiu: “Se, na vigência <strong>da</strong>lei anterior, o funcionário havia preenchido todos os requisitos para aaposentadoria, não perde os direitos adquiridos pelo fato de não haversolicitado a concessão”.Continua o Colendo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no julgamento do REnº 82881, DJ 05.05.1976, Rel. Min. Eloy <strong>da</strong> Rocha, na ementa, firmandoo seguinte entendimento:“I – Servidor público estadual – caracterização de tempo de serviço público; direito adquirido– estabelecido, na lei, que determinado serviço se considera como tempo de serviçopúblico, para os efeitos nela previstos, do fato inteiramente realizado nasce o direito, que seincorpora imediatamente no patrimônio do servidor, a essa qualificação jurídica do tempode serviço consubstanciado direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar.”No Recurso Extraordinário 262.082-RS, DJ 10.04.2001, o Relator,Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, cita o voto condutor do Ministro LuizGallotti no leading case <strong>da</strong> revisão <strong>da</strong> Súmula 359, que diz, in verbis:“No citado RMS 9.813, o Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator) entendera que, seo impetrante requeresse a aposentadoria na vigência <strong>da</strong> lei anterior, teria direito adquirido;mas, quando requereu, essa lei já não vigorava e, assim, tinha apenas expectativa de direito.Aí é que, <strong>da</strong>ta venia, divirjo. Um direito já adquirido não se pode transmu<strong>da</strong>r emexpectativa de direito, só porque o titular preferiu continuar trabalhando e não requerera aposentadoria antes de revoga<strong>da</strong> a lei cuja vigência ocorrera a aquisição do direito.Expectativa de direito é algo que antecede à sua aquisição; não pode ser posterior a esta.Uma coisa é a aquisição do direito; outra, diversa, é o seu uso ou exercício. Não devemas duas ser confundi<strong>da</strong>s. E convém ao interesse público que não o sejam, porque, assim,quando piora<strong>da</strong>s pela lei as condições de aposentadoria, se permitirá que aqueles eventualmenteatingidos por ela, mas já então com os requisitos para se aposentarem de acordocom a lei anterior, em vez de o fazerem imediatamente, em massa, como costuma ocorrer,com grave ônus para os cofres públicos, continuem trabalhando, sem que o tesouro tenhaque pagar, em ca<strong>da</strong> caso, a dois; ao novo servidor em ativi<strong>da</strong>de e ao inativo.”No Recurso Extraordinário nº 258.570-RS, julgado em 05.03.2002,o Ministro Moreira Alves acor<strong>da</strong>:“EMENTA: Aposentadoria previdenciária. Direito adquirido – Súmula 359.– Esta Primeira Turma (assim, nos RREE 243.415, 266.927, 231.167 e 258.298) firmouo entendimento que assim é resumido na ementa do acórdão do primeiro desses recursos:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 321


‘Aposentadoria: proventos: direito adquirido aos proventos conforme à lei regente aotempo <strong>da</strong> reunião dos requisitos <strong>da</strong> inativi<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> quando só requeri<strong>da</strong> após a lei menosfavorável (súmula 359, revista): aplicabili<strong>da</strong>de a fortiori à aposentadoria previdenciária.’”Da mesma maneira entende o Ministro Carlos Velloso, no AGRG. REnº 270.476-RS, DJ 11.06.2002:“EMENTA: – CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PRO-VENTOS: DIREITO ADQUIRIDO.I – Proventos de aposentadoria: direito aos proventos na forma <strong>da</strong> lei vigente ao tempo<strong>da</strong> reunião dos requisitos de inativi<strong>da</strong>de, mesmo se requeri<strong>da</strong> após a lei menos favorável.Súmula 359-STF: desnecessi<strong>da</strong>de do requerimento. Aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aposentadoria previdenciária.Precedentes do STF.II – Agravo não provido.”No mesmo agravo, o Ministro Carlos Velloso ratificou sua decisãonos seguintes termos:“Este Colendo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, no julgamento do RE nº 266.927, Rel.: Min.ILMAR GALVÃO (DJ 10.11.00), firmou o entendimento de que:‘PREVIDENCIÁRIO. PROVENTOS DA APOSENTADORIA CALCULADOS COMBASE NA LEGISLAÇÃO VIGENTE AO TEMPO DA REUNIÃO DOS REQUISITOSQUE, TODAVIA, FORAM CUMPRIDOS SOB O REGIME DA LEI ANTERIOR, EMQUE O BENEFÍCIO TINHA POR BASE VINTE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO EMVEZ DE DEZ. ALEGA OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO.Hipótese a que também se revela aplicável – e até com maior razão, em face de decorrero direito de contribuições pagas ao longo de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> laboral – a Súmula 359, segundoa qual os proventos <strong>da</strong> inativi<strong>da</strong>de se regulam pela lei vigente ao tempo em que reunidosos requisitos necessários à obtenção do benefício, não servindo de óbice à pretensão dosegurado, obviamente, a circunstância de haver permanecido em ativi<strong>da</strong>de por mais algunsanos, nem o fato de a nova lei haver alterado o lapso de tempo de apuração dos saláriosde contribuição, se na<strong>da</strong> impede compreen<strong>da</strong> ele os vinte salários previstos na lei anterior.Recurso conhecido e provido.’”Ain<strong>da</strong> sobre o tema direito adquirido, transcrevo o pensamento doMM. Juízo a quo <strong>da</strong> 1ª Vara Previdenciária de Porto Alegre/RS, Dr. JoséPaulo Baltazar Junior, lembrado no relatório do RE retrotranscrito:“A isto se chama direito adquirido, uma situação de imutabili<strong>da</strong>de que garante o titularcontra posterior modificação legislativa. Para que se dê a situação por nós conheci<strong>da</strong> comodireito adquirido é necessário que o direito não tenha sido exercido. Se o direito foi gozadopor seu titular, há uma relação jurídica consuma<strong>da</strong>, que não gera questionamento. Agora,para a incidência <strong>da</strong> norma, é necessário que o fato que dá suporte à incidência <strong>da</strong> normatenha se completado, esteja presente em todos os seus elementos.322R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Em matéria previdenciária, o fenômeno ocorre quando o segurado atende a todos osrequisitos necessários para a obtenção de um determinado benefício, sejam eles carência,tempo de serviço, i<strong>da</strong>de mínima, etc. (...)”Esse entendimento, inclusive, já foi albergado pela Lei de Benefícioe seu respectivo regulamento, consoante se vê do teor do art. 122 <strong>da</strong>Lei 8.213-91 e dos arts. 32, § 9º, e 56, §§ 3º e 4º, do Decreto 3.048-99.“LEI Nº 8.213/91:Art. 122. Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condiçõeslegalmente previstas na <strong>da</strong>ta do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtençãodo benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trintaanos, se mulher, optou por permanecer em ativi<strong>da</strong>de. (Restabelecido com nova re<strong>da</strong>çãopela Lei nº 9.528, de 1997)”“DECRETO Nº 3.048/99:Art. 32. O salário de benefício consiste:(...)§ 9º No caso dos §§ 3º e 4º do art. 56, o valor inicial do benefício será calculadoconsiderando-se como período básico de cálculo os meses de contribuição imediatamenteanteriores ao mês em que o segurado completou o tempo de contribuição, trinta anos paraa mulher e trinta e cinco anos para o homem, observado o disposto no § 2º do art. 35 e alegislação de regência. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto nº 3.265, de 1999)(...)Art. 56. A aposentadoria por tempo de contribuição será devi<strong>da</strong> ao segurado após trintae cinco anos de contribuição, se homem, ou trinta anos, se mulher, observado o dispostono art. 199-A. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto nº 6.042, de 2007).(...)§ 3º Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmenteprevistas na <strong>da</strong>ta do cumprimento de todos os requisitos previstos no caput, aosegurado que optou por permanecer em ativi<strong>da</strong>de.§ 4º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, o valor inicial <strong>da</strong> aposentadoria, apuradoconforme o § 9º do art. 32, será comparado com o valor <strong>da</strong> aposentadoria calcula<strong>da</strong> naforma <strong>da</strong> regra geral deste Regulamento, mantendo-se o mais vantajoso, considerando-secomo <strong>da</strong>ta de inicio do benefício a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> do requerimento.”Frise-se que, embora o art. 122 <strong>da</strong> Lei 8.213-91 preveja sua incidênciaapenas sobre a aposentadoria integral, tenho que é perfeitamente possívela extensão dessa garantia também às aposentadoria proporcionais, tendoem vista o princípio <strong>da</strong> isonomia e o direito ao benefício mais vantajoso,conforme preconizado pelo próprio INSS no Enunciado nº 05, doConselho <strong>da</strong> Previdência Social: “A Previdência Social deve conceder oR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 323


melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá--lo nesse sentido”.No mesmo sentido, ain<strong>da</strong>, a Instrução Normativa nº 20, de 11.10.97,expedi<strong>da</strong> pelo INSS. Vejamos:“INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 20, DE 11.10.2007:Art. 69. O Período Básico de Cálculo – PBC é fixado, conforme o caso, de acordo com a:I – Data do Afastamento <strong>da</strong> Ativi<strong>da</strong>de – DAT;II – Data de Entra<strong>da</strong> do Requerimento – DER;III – Data <strong>da</strong> Publicação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20, de 1998 – DPE;IV – Data <strong>da</strong> Publicação <strong>da</strong> Lei nº 9.876, de 1999 – DPL;V – Data de Implementação <strong>da</strong>s Condições Necessárias à Concessão do Benefício –DICB.(...)Art. 93. Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condiçõeslegalmente previstas na <strong>da</strong>ta do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtençãodo benefício, ao segurado que, tendo completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, sehomem, ou 30 (trinta) anos, se mulher, optou por permanecer em ativi<strong>da</strong>de.Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo somente será aplicado à aposentadoriarequeri<strong>da</strong> ou com direito adquirido a partir de 28 de junho de 1997, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação<strong>da</strong> MP nº 1.523-9 e reedições, converti<strong>da</strong> na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997,observa<strong>da</strong>s as seguintes disposições:I – o valor <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal do benefício será calculado considerando-se como PBC osmeses de contribuição imediatamente anteriores ao mês em que o segurado completou otempo de contribuição, nos termos do caput deste artigo;II – a ren<strong>da</strong> mensal apura<strong>da</strong> deverá ser reajusta<strong>da</strong>, nos mesmos meses e índices oficiaisde reajustamento utilizados para os benefícios em manutenção, até a Data do Início doBenefício – DIB;III – na concessão serão informados a ren<strong>da</strong> mensal inicial apura<strong>da</strong>, conforme inciso I eos salários de contribuição referentes ao PBC anteriores à DAT ou à DER, para considerara ren<strong>da</strong> mais vantajosa;IV – para a situação prevista neste artigo, considera-se como DIB a DER ou a <strong>da</strong>ta dodesligamento do emprego, nos termos do art. 54 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/1991, não sendo devidonenhum pagamento relativamente ao período anterior a essa <strong>da</strong>ta.”Destaco, por fim, que não se está a falar em direito à retroação <strong>da</strong>DIB, mas sim de direito à forma de cálculo <strong>da</strong> RMI <strong>da</strong> aposentadoria,de forma mais vantajosa, em dezembro de 1987 (12/1987). Assiste razãonesse ponto à parte-autora.324R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Artigo 58 do ADCTEm decorrência <strong>da</strong> alteração <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal inicial, consoante fun<strong>da</strong>mentaçãoanterior, deverá ser aplicado sobre o benefício a revisão peloart. 58 do ADCT <strong>da</strong> CF-88.Utilização do salário mínimo de referência quando <strong>da</strong> aplicação doart. 58 do ADCTEntende o autor, entretanto, pelo que se infere, que a utilização, comodivisor, para fins de aplicação do disposto no art. 58 do ADCT, se dêpelo salário mínimo de referência (SMR), e não pelo piso nacional desalários (PNS).O referido dispositivo constitucional transitório estabeleceu que osbenefícios de prestação continua<strong>da</strong> teriam seus valores revistos pelonúmero de salários mínimos que tinham na <strong>da</strong>ta de sua concessão. Ora, oDecreto-Lei nº 2351/87, que criou o piso nacional de salários e o saláriomínimo regional, estabeleceu, em seu art. 4º, inciso II, que o SMR deveriaser entendido como substituto <strong>da</strong> expressão salário mínimo quando utiliza<strong>da</strong>na acepção de índice de atualização monetária ou base de cálculo,de obrigação legal ou contratual. Não tendo sido utiliza<strong>da</strong> a expressãosalário mínimo no art. 58 do ADCT com qualquer dessas acepções, restaevidente que seria imprópria a utilização do SMR como divisor.A Seção Previdenciária desta Corte pacificou a matéria no sentido<strong>da</strong> aplicação do PNS como divisor para fins do art. 58/ADCT durante avigência do DL nº 2.351/87:“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. ART. 58 DO ADCT. DIVISOR. PISO NACIONALDE SALÁRIOS. PNS. INCIDÊNCIA.1. Na revisão prevista no artigo 58 do ADCT, durante a vigência do Decreto-Lei nº2.351/87, deve ser utilizado como divisor o piso nacional de salários, afastando-se a aplicaçãodo salário mínimo de referência (Precedentes desta Corte).2. Embargos Infringentes improvidos.” (EI em AC nº 97.04.04556-5-SC, Rel. JuizNylson Paim de Abreu, julgado em 17.05.00)E não é outro o entendimento do STJ:“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO.ARTIGO 58 DO ADCT. DIVISOR APLICÁVEL. SALÁRIO MÍNIMO DE REFERÊNCIA.PISO NACIONAL DE SALÁRIOS.1. ‘O piso nacional de salários é o divisor a ser utilizado na aplicação do critério deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 325


equivalência em número de salários mínimos instituído pelo artigo 58 do ADCT. Precedentes’(AgRgAgRgREsp nº 254.230/SC, <strong>da</strong> minha Relatoria, in DJ 04.02.2002).2. Agravo regimental improvido.” (AGA nº 551980-RS, Sexta Turma, Rel. Min. HamiltonCarvalhido, DJ 28.06.2004)“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO.DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. PISO NACIONAL DE SALÁRIO. DIVISOR. ART.58 DO ADCT.1 – Acórdãos originários de uma mesma Turma julgadora não servem para demonstraro dissídio pretoriano que autoriza a interposição dos embargos de divergência.2 – A similitude fática <strong>da</strong>s hipóteses postas em confronto é requisito essencial para acomprovação <strong>da</strong> divergência jurisprudencial.3 – O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça firmou compreensão de que o piso nacional de saláriosé o divisor aplicável para fins de apuração <strong>da</strong> equivalência prevista no artigo 58 do ADCT.4 – Embargos não conhecidos.” (ERESP nº 195977-RS, Terceira Seção, Rel. Min. PauloGallotti, DJ 24.05.2004)Assim, nesse ponto, não assiste razão à parte-autora.Correção do menor valor-teto pelo IPCPermito-me tecer algumas observações pertinentes antes <strong>da</strong> conclusão.A partir <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei 6.205, de 28.04.75, foi extinto ocritério de reajustamento do menor e do maior valor-teto de acordo como salário mínimo (previsto no art. 5º <strong>da</strong> Lei 5.890, de 08.06.73), pois oparágrafo 3º do artigo 1º do referido diploma determinou a utilização docritério estabelecido nos artigos 1º e 2º <strong>da</strong> Lei 6.147, de 29.11.74 (fatorde reajustamento salarial).Por outro lado, posteriormente, determinou a Lei 6.708, de 30.10.79(art. 14), que a atualização dos limitadores deveria observar a variaçãodo INPC, tendo o artigo 21 do diploma legal em referência revogado aLei 6.147/74. O INSS, to<strong>da</strong>via, não observou, num primeiro momento,o novo comando normativo, razão pela qual deve ser reconhecido odireito ao reajuste do menor e do maior valor-teto pelo INPC por força<strong>da</strong> Lei 6.708/79.Nesse sentido, o seguinte julgado desta Corte:“PREVIDENCIÁRIO. ATUALIZAÇÃO DO MENOR VALOR TETO DO SALÁRIODE CONTRIBUIÇÃO. LEI Nº 6.708/79.A partir <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> Lei nº 6.708/79, a atualização do menor e do maior valor teto dosalário de benefício passou a obedecer à variação do INPC.” (AC 2001.04.01.007529-3, 6ªTurma, Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Álvaro Eduardo Junqueira, DJU 12.11.2003)326R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Na mesma linha, os precedentes do STJ a seguir transcritos:“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS CONCEDIDOS NA VIGÊNCIA DA LEI5.890/73. CÁLCULO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. MENOR VALOR-TETO. NÃOVINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO.1. A partir do advento <strong>da</strong> Lei 6.708/79, o cálculo do menor valor-teto para o salário debenefício ficou desvinculado do salário mínimo, passando a ser corrigido de acordo como INPC.2. Recurso conhecido e provido.” (REsp 199475/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro EdsonVidigal, DJ de 18.10.1999, p. 261)“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRA-ÇÃO DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. CÁLCULO DO MENOR VALOR--TETO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. UTILIZAÇÃO DO VALOR DE 10 VEZES OMAIOR SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE NO PAÍS COMO BASE DE CÁLCULO. IM-POSSIBILIDADE. ARTIGO 58 DO ADCT. DIVISOR APLICÁVEL. PISO NACIONALDE SALÁRIOS.1. (...).2. (...).3. Com a edição <strong>da</strong> Lei 6.205/75, posteriormente modifica<strong>da</strong> pela Lei 6.708/79, para ocálculo do menor valor-teto do salário de benefício, não mais se adotou o salário mínimocomo indexador, mas, sim, o fator de reajustamento salarial previsto nos artigos 1º e 2º <strong>da</strong>Lei nº 6.147/74 (parágrafo 3º do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 6.205/75) e, após, o INPC (parágrafo3º do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 6.708/79).4. (...).5. (...).” (REsp 540959/RS. Sexta Turma. Rel. Ministro Hamilton Carvalhido. DJ de15.12.2003, p. 431)Deve ser observado, outrossim, que os efeitos <strong>da</strong> indevi<strong>da</strong> atualizaçãodo menor e do maior valor-teto não se projetaram indefini<strong>da</strong>mente notempo. Num primeiro momento o INSS realmente ignorou o comandodo artigo 14 <strong>da</strong> Lei 6.708/79. To<strong>da</strong>via, foi edita<strong>da</strong> algum tempo depoisa Portaria do Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social nº 2.840, de30.04.82, a qual estabeleceu no seu item 4 o seguinte:“4. A partir de 1º de maio de 1982, tendo em vista o disposto no artigo 14 <strong>da</strong> Lei nº6.708, de 30 de outubro de 1979, o teto máximo do salário de benefício é de Cr$ 282.900,00(duzentos e oitenta e dois mil e novecentos cruzeiros).”A fixação do novo maior valor-teto pela Portaria 2.840/82 (e, consequentemente,do novo menor valor-teto, pois este correspondia à metade<strong>da</strong>quele) implicou a concessão de reajuste no percentual de 53,42%,quando a variação do INPC no semestre anterior foi de 39,10%. HáR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 327


azão para essa diferença. É que, como previsto no item 4 <strong>da</strong> Portariaora trata<strong>da</strong> (“tendo em vista o disposto no artigo 14 <strong>da</strong> Lei nº 6.708, de30 de outubro de 1979”), o INSS reparou seu equívoco, fixando o novomaior valor-teto com a consideração do INPC acumulado desde maio de1979. Com efeito, no período de abril de 1979 a abril de 1982, a variaçãoacumula<strong>da</strong> do INPC então divulgado foi a que a seguir se demonstra(conforme SCAFFARO, Ronaldo Hemb. Reajustes Salariais: Teoria– Prática – Legislação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p.17-20; PONT, Juarez Varallo. Política Salarial Comenta<strong>da</strong>. 3. ed. SãoPaulo: LTR, 1992. p. 31-32):“a) de 04/79 a 10/79: 26,60%;b) de 11/79 a 04/80: 37,70%;c) de 05/80 a 10/80: 35,90%;d) de 11/80 a 04/81: 46,20%;e) de 05/81 a 10/81: 40,90%;f) de 11/81 a 04/82: 39,10%;g) índice correspondente à variação acumula<strong>da</strong>: 6,78848 (1,266 x 1,377 x 1,359 x 1,462x 1,409 x 1,391 = 6,78848).”Aplicando-se o índice referente à variação acumula<strong>da</strong> desde abrilde 1979 (6,78848) sobre o valor vigente em maio do mesmo ano (Cr$41.674,00), este alcança Cr$ 282.903,11 (duzentos e oitenta e dois mil,novecentos e três cruzeiros e onze centavos) em maio de 1982. A diferençaverifica<strong>da</strong>, mínima em relação ao valor utilizado pelo INSS (Cr$282.900,00), é decorrente de diversi<strong>da</strong>de de critério de arredon<strong>da</strong>mento.Houve, pois, prejuízo já na fixação do maior valor-teto de novembro de1979, mas ele cessou em maio de 1982.Assim, a partir de maio de 1982, o menor e o maior valor-teto foramfixados em patamares que observavam o comando <strong>da</strong> Lei 6.708/79. Dese concluir, pois, que somente houve prejuízo no cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensalinicial para os benefícios deferidos até abril de 1982.Observo, por outro lado, que a atualização do menor e do maiorvalor-teto pelo INPC deve ser feita a partir de maio de 1979, até porqueesse direito foi reconhecido pelo INSS ao editar a Portaria 2.840/82, quereajustou os limitadores pelo INPC desde o referido mês.Ain<strong>da</strong> que haja direito ao reajuste dos limitadores pelo INPC desdemaio de 1979, é de se reafirmar que só ocorreu prejuízo para os benefí-328R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


cios deferidos até 04/82.Ocorre que, em muitas <strong>da</strong>s ações propostas, os segurados têm encontradodiferenças nos valores do menor e do maior valor-teto mesmo apartir de maio de 1982 porque utilizam a tabela compatibiliza<strong>da</strong> do ÍndiceNacional de Preços ao Consumidor Série Histórica. A atualização do menore do maior valor-teto, to<strong>da</strong>via, observou, e de fato deveria observar,os índices de atualização divulgados à época, os quais, a propósito, foramutilizados para o reajuste dos salários e dos benefícios previdenciários.Ora, referi<strong>da</strong> tabela resultou de revisão nos índices mensais do INPCem razão <strong>da</strong> alteração de critérios para a respectiva apuração. Houveapenas nova consoli<strong>da</strong>ção de índices, em razão de alteração do períodode coleta de <strong>da</strong>dos, sem que com isso tenha sido desconsiderado oefetivo fenômeno inflacionário ocorrido no passado e os efeitos observados,na ocasião, na política salarial. Assim, ain<strong>da</strong> que tenha havidorevisão <strong>da</strong> tabela do INPC pelo IBGE, isso não determina a necessi<strong>da</strong>dede revisão do que foi feito preteritamente, na atualização de salários ebenefícios previdenciários, com utilização dos índices históricos que àépoca foram corretamente apurados e divulgados segundo os critériosentão adotados; muito menos de revisão retroativa <strong>da</strong> tabela do menore do maior valor-teto.Com efeito, no início de 1986, em razão do advento do Decreto-Lei2.284, de 10.03.86 (Plano Cruzado), houve a instituição do IPC comoindexador <strong>da</strong> economia e a revisão <strong>da</strong> sistemática de cálculo do INPC porparte do IBGE. Assim, com fulcro no artigo 1º <strong>da</strong> Lei 6.708, de 30.10.79,nos artigos 5º e 40 do Decreto-Lei 2.284, de 10.03.86 (posteriormentetambém art. 5º do Decreto-Lei 2.290/86), no artigo 1º do Decreto 84.560,de 14.03.80, e no art. 4º <strong>da</strong> Portaria 64, de 13 de maio de 1986, do Ministrode Estado-Chefe <strong>da</strong> Secretaria de Planejamento <strong>da</strong> Presidência<strong>da</strong> República, o IBGE passou a fazer a coleta de <strong>da</strong>dos para apuraçãodo indexador entre os dias 1º e 30 de ca<strong>da</strong> mês de referência. Anteriormentea coleta era feita entre o dia 15 do mês anterior e o dia 15 do mêsde referência. Essa mu<strong>da</strong>nça, a propósito, é noticia<strong>da</strong> no próprio site doIBGE quando <strong>da</strong> divulgação <strong>da</strong>s tabelas referentes ao INPC e IPCA:“Esse conjunto de tabelas refere-se às séries compatibiliza<strong>da</strong>s de números índices doINPC e do IPCA.A compatibilização <strong>da</strong>s séries foi feita em função <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça de período de coleta,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 329


decorrente <strong>da</strong> transição cruzeiro/cruzado. Até fevereiro de 1986, o período de coleta dosíndices se <strong>da</strong>va entre o dia 15 do mês anterior e o dia 15 do mês de referência e a partir demarço a coleta de preços passou a ser realiza<strong>da</strong> entre os dias 1º e 30 de ca<strong>da</strong> mês.Dessa forma, tornou-se necessário compatibilizar as duas séries de números-índicesde modo a possibilitar o cálculo de variações acumula<strong>da</strong>s em períodos que compreendemmeses anteriores e posteriores a março de 1986.” (sem grifos no original) (ver tabelas quepodem ser encontrados em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaulttab.shtm#sub_download)Ora, não é pelo fato de, a partir de março de 1986, o período de coletater sido alterado que se pode afirmar que o INPC calculado até entãoera incorreto. Houve simples alteração de sistemática de apuração. E éevidente que, altera<strong>da</strong> a sistemática, tornou-se, como enfatizado peloIBGE, necessário compatibilizar as duas séries de números-índices demodo a possibilitar o cálculo de variações acumula<strong>da</strong>s em períodos quecompreendem meses anteriores e posteriores a março de 1986. Essa compatibilizaçãonão apagou, to<strong>da</strong>via, tudo o que foi feito até março de 1986.A se entender que a tabela compatibiliza<strong>da</strong> deve ser aplica<strong>da</strong> parareajustar menor e maior valor-teto antes de março de 1986, haverianecessi<strong>da</strong>de de revisar todos os reajustamentos de salários e benefíciosprevidenciários procedidos (com base nos artigos 1º e 2º <strong>da</strong> Lei 6.708/79)até março de 1986, o que jamais foi admitido pela jurisprudência. Issoevidencia que a aplicação <strong>da</strong> tabela compatibiliza<strong>da</strong> do INPC para reveratos praticados até março de 1986 implica, em rigor, indevi<strong>da</strong> retroação,de modo a solapar atos jurídicos perfeitos.Argumenta-se, a fim de sustentar a aplicação <strong>da</strong> tabela compatibiliza<strong>da</strong>na atualização de menor e maior valor-teto, que ela é utiliza<strong>da</strong> pelascontadorias para atualizar valores devidos em razão de sentença judicial.Ora, sua utilização para corrigir valores devidos (inclusive em processosjudiciais) é apropria<strong>da</strong>, uma vez que tanto a sistemática anterior como aposterior a março de 1986 são corretas (houve apenas alteração do períodode coleta, repisa-se), e na atualização se faz mera recomposição de umvalor, sem interferir com ato já praticado. A propósito, para encontrara expressão monetária atual de um valor anterior a março de 1986 combase no INPC, só se pode utilizar a série compatibiliza<strong>da</strong>, uma vez quea sistemática de apuração anterior cessou no início de 1986. A aplicaçãoa atos concretamente praticados anteriormente à alteração <strong>da</strong> sistemática330R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


de apuração do INPC, to<strong>da</strong>via, além de depender de pedido específico(ausente no caso em apreço, como já salientado), não poderia, de qualquersorte, ser acolhi<strong>da</strong>, pois sua aceitação implica flagrante aplicaçãoretroativa <strong>da</strong> tabela, o que não se mostra possível.Deve ser salientado, ain<strong>da</strong>, que, com o advento do Plano Cruzado,instituído pelo Decreto-Lei 2.284/86 (regulamentado também pelo Decreto-Lei2.290/86), além <strong>da</strong> alteração <strong>da</strong> sistemática de cálculo do INPCpor parte do IBGE, o indexador oficial <strong>da</strong> economia, como já adiantado,passou a ser o Índice de Preços ao Consumidor – IPC. Isso decorreu dodisposto nos artigos 5º, 6º, 10, 12, 20, 21 e 40 do Decreto-Lei 2.284/86e no artigo 5º do Decreto-Lei 2.290/86.Em rigor, pois, como indexador oficial <strong>da</strong> economia, o INPC restouextinto em março de 1986. E não foi por outra razão que no artigo 5º <strong>da</strong>Portaria nº 64, de 13.05.86, do Ministro de Estado Chefe <strong>da</strong> Secretariade Planejamento <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República, assim restou disposto:“Art. 5º. A série estatística do Índice Nacional de Preços ao Consumidor será encerra<strong>da</strong>no dia 28 de fevereiro de 1986, utilizando-se os mesmos procedimentos adotados no cálculo<strong>da</strong> estimativa a que se refere o § 2º do artigo 4º, de forma a assegurar exato encadeamentocom a séria do IPC.”Extinto como indexador oficial <strong>da</strong> economia o INPC em fevereiro de1986, parece claro que o IPC o substituiu como índice de atualização demenor e maior valor-teto a partir de março do mesmo ano, derrogadoque foi o artigo 14 <strong>da</strong> Lei 6.708/79 pelos dispositivos do Decreto-Lei2.284/86, e bem assim alterado o § 3º do artigo 1º <strong>da</strong> Lei nº 6.205, de29 de abril de 1975.Constata-se, portanto, que o INPC continuou a ser divulgado a partirde março de 1986 pelo IBGE apenas por opção <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> pessoa jurídica(até porque não havia impedimento a tanto). Menor e maior valor-teto,porém, passaram, a partir de março de 1986, a ser atualizados pelo IPC,também divulgado pelo IBGE, e de acordo com a nova sistemática decálculo (o IBGE passou a fazer a coleta de <strong>da</strong>dos para apuração doindexador entre os dias 1º e 30 de ca<strong>da</strong> mês de referência). A partir demarço de 1986, como se percebe, o uso <strong>da</strong> tabela compatibiliza<strong>da</strong> doINPC para atualizar menor e maior valor-teto mostra-se indevido porduas razões: não fosse a improprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> tabela para reveratos pretéritos (como já esclarecido), a partir de março de 1986 o INPCR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 331


sequer era o indexador adequado para reajustar os referidos limitadores(pois o indexador correto era o IPC).À luz do exposto, despreza<strong>da</strong>s eventuais divergências decorrentes dearredon<strong>da</strong>mento, devem ser considera<strong>da</strong>s as seguintes expressões para omaior valor-teto a partir de novembro de 1979 (lembrando que o menorvalor-teto corresponde à metade do maior valor-teto):“Maior valor-teto atualizado pelo INPC/IBGE desde maio/7911/79 – 52.759,2805/80 – 72.649,5311/80 – 98.730,7205/81 – 144.344,3111/81 – 203.381,1305/82 – 282.903,15 (Portaria 2.480/82)11/82 – 401.156,6705/83 – 591.706,09(...) – (...)(demais valores de acordo com a tabela oficial do INSS)”Por todo o exposto, vê-se que somente houve prejuízo no cálculo <strong>da</strong>ren<strong>da</strong> mensal inicial para os benefícios deferidos entre novembro de1979 e abril de 1982.Para que se estabeleça comparação com os valores corretos acimainformados, seguem aqueles considerados pelo INSS como maior valor--teto de novembro de 1979 a abril de 1982, evidenciando que a situaçãofoi corrigi<strong>da</strong> em maio de 1982:Maior valor-teto segundo a tabela do INSS11/79 – 51.929,0005/80 – 70.136,0011/80 – 93.706,0005/81 – 133.540,0011/81 – 184.390,0005/82 – 282.903,15 (Portaria 2.480/82)11/82 – 401.156,6705/83 – 591.706,09(...) – (...)Nos reajustes seguintes de menor e maior valor-teto, o INSS utilizouos índices oficiais do INPC/IPC divulgados à época.332R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Assim, sendo o índice requerido pela parte-autora o previsto na legislaçãopara a correção do menor valor-teto, tenho que esse pedido éprocedente, ante a alegação de não aplicação ou aplicação incorreta doINSS, não tendo sido contesta<strong>da</strong> tal alegação.Antecipação de tutelaPede o autor a antecipação de tutela parcial de seu direito, entendendoestar evidente este (tutela de evidência).A doutrina moderna, motiva<strong>da</strong> pela veloci<strong>da</strong>de do nosso tempo e docrescimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des, vem buscando a efetivi<strong>da</strong>de do processopor meio <strong>da</strong> adoção de tutelas jurídicas diferencia<strong>da</strong>s pelos sistemas deDireito Positivo.Consoante Nelson Nery Júnior, tutelas jurídicas diferencia<strong>da</strong>s “podemser concebi<strong>da</strong>s com a criação de instrumentos mais efetivos à solução<strong>da</strong> lide ou com mecanismos <strong>da</strong> agilização <strong>da</strong> prestação jurisdicional”.Podemos trazer como exemplo a ação coletiva para a defesa de direitosindividuais homogêneos, espécie de class action for <strong>da</strong>mages (art. 81 doCDC, parágrafo único, II, e 91 et. seq.), os juizados especiais cíveis ecriminais (Lei 9.099/95) e a tutela antecipatória, instituí<strong>da</strong> pelo Código deProcesso Civil, no seu art. 273, recentemente reestruturado pela reformacom a inclusão dos parágrafos 6º – concessão <strong>da</strong> tutela quando o pedidoou parte dele se mostrar incontroverso – e 7º, cujo objetivo é a inserção<strong>da</strong> fungibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s de urgência no sistema processual.Assim, atualmente, no direito brasileiro há duas espécies de antecipaçãode tutela. Uma concedi<strong>da</strong> contra perigo de perecimento do direito,ou, nos termos <strong>da</strong> lei, de “<strong>da</strong>no irreparável ou de difícil reparação” ou de“ineficácia do provimento final”. A outra, denomina<strong>da</strong> de tutela antecipa<strong>da</strong>de evidência ou tutela de evidência, cujos requisitos constam do art.273, II e § 6º, do CPC, é deferi<strong>da</strong> com base não no perigo de perecimentodo direito, mas na necessi<strong>da</strong>de de se redistribuir os ônus do tempo doprocesso, no caso em que o direito do autor se mostra incontroverso ouprovável, e o réu, por sua vez, abusa de seu direito de defesa.A certeza de que o pleito preenche os requisitos para concessão <strong>da</strong>tutela de evidência só é possível após a análise acura<strong>da</strong> do que seja pedidoincontroverso.Sobre esse ponto, cito a doutrina do eminente Ministro do SuperiorR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 333


<strong>Tribunal</strong> de Justiça Teori Albino Zavascki, extraí<strong>da</strong> <strong>da</strong> obra Antecipaçãode tutela. 5. ed. rev. e atual. Saraiva, 2007. Vejamos:“3. Conceito de pedido incontroversoA questão central para definir o alcance do dispositivo é esta: o que significa, para osfins previstos no § 6º do art. 273, ‘pedido incontroverso’?Em seus significados literais comuns, incontroverso é adjetivo que designa o indiscutível,o incontestável, o indubitável e também o que não é controverso, o que não desperta controvérsia,o incontrovertido. Nesse sentido poder-se-ia afirmar que pedido incontroverso seriaaquele a cujo respeito não se estabeleceu controvérsia entre as partes. Em outras palavras,para configurar incontrovérsia, bastaria que o deman<strong>da</strong>do não se opusesse ao pedido dodeman<strong>da</strong>nte. Pergunta-se, contudo: a mera ausência de oposição significará, por si só, queo pedido é incontroverso para os fins do § 6º? A resposta, certamente, deve ser negativa.Pode ocorrer, por exemplo, que o deman<strong>da</strong>do não conteste determinado pedido, o qual,contudo, na avaliação do juiz, é manifestamente descabido. Em caso tal, considerando quea sentença final será de improcedência, é lógico concluir que, embora se trate de pedido acujo respeito não há controvérsia entre as partes, a sua antecipação será inadmissível. Nãose pode esquecer, ademais, que a ausência de contestação pode decorrer de colusão, hipóteseem que o processo não poderá prosseguir, cumprindo ao juiz extingui-lo imediatamentesem julgar o mérito (CPC, art. 267, IV) e não antecipar a tutela. Nessa mesma linha deraciocínio, pode-se aventar hipótese de deman<strong>da</strong>s sobre direitos indisponíveis: a ausênciade controvérsia formal entre as partes sobre eles impõe que o juiz, mesmo para efeito deantecipação, examine adequa<strong>da</strong>mente a higidez do pedido do autor. O que se quer afirmar,com os exemplos, é que a incontrovérsia ensejadora <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> antecipatória somente seconfigura com a presença de um elemento essencial, a ausência de controvérsia deve considerare envolver a posição do juiz, o terceiro figurante <strong>da</strong> relação processual angulariza<strong>da</strong>.Portanto, além <strong>da</strong> ausência de controvérsia entre as partes, somente poderá ser tido comoincontroverso o pedido que, na convicção do juiz, for verossímil. ‘Incontroverso’, em suma,não é o ‘indiscutido’, mas sim o ‘indiscutível’.Por outro lado, a controvérsia que impede a antecipação não é apenas a que diz respeitoa questões de mérito. Mesmo em face de pedido que, em si mesmo, é incontroverso e verossímil,a antecipação pressupõe ausência de empecilhos de ordem processual para o seuatendimento. Assim, se for alega<strong>da</strong> incompetência, ou litispendência, ou coisa julga<strong>da</strong>, oufalta de qualquer pressuposto processual ou condição <strong>da</strong> ação, enfim, se for alega<strong>da</strong> qualquerexceção ou defesa concernente à ação ou ao processo (arts. 301 e 304), estará configuradoum pressuposto negativo para o deferimento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> antecipatória, ain<strong>da</strong> que a respeitodo pedido em si não tenha havido contestação alguma.Em contraparti<strong>da</strong>, considerando o manifesto desiderato legislativo – de criar, com asatisfação antecipa<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que provisória, dos pedidos incontroversos, uma ação afirmativaem prol <strong>da</strong> efetivi<strong>da</strong>de do processo –, é indispensável que se retire dessa vontade <strong>da</strong> lei asconsequências lógicas que dela naturalmente decorrem, entre as quais, a de não admitir autilização de subterfúgios à concretização dos objetivos programados. Sob essa premissa,334R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


é apropriado concluir, quando se interpreta o § 6º, que a controvérsia apta à antecipaçãode tutela há de se revestir de um mínimo de serie<strong>da</strong>de e razoabili<strong>da</strong>de. Nesse enfoque,pode-se <strong>da</strong>r ao conceito de pedido incontroverso um sentido ampliado, mais afinado comuma interpretação teleológica <strong>da</strong> norma: será considerado incontroverso o pedido, mesmocontestado, quando os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> contestação sejam evidentemente descabidos ouimprocedentes. Em outras palavras: quando não haja contestação séria.Essa ausência de serie<strong>da</strong>de ou razoabili<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong>via, há de ser medi<strong>da</strong> não apenas apartir <strong>da</strong> convicção pessoal do juiz, mas à luz de critérios objetivos fornecidos pelo própriosistema de processo. Por exemplo: não se poderá ter como controvertido um pedidocuja contestação esteja fun<strong>da</strong><strong>da</strong> exclusivamente na negação de um fato notório (CPC, art.334, IV); também não se pode ter por controvertido um pedido cuja contestação tenha porfun<strong>da</strong>mento exclusivo alegação (a) contrária a decisões de caráter vinculante, como sãoas proferi<strong>da</strong>s no âmbito do controle concentrado de constitucionali<strong>da</strong>de (Lei nº 9.968, de10.11.1999, art. 28, parágrafo único), ou (b) contrária à súmula ou jurisprudência firmedo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> ou do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, hoje tão prestigia<strong>da</strong>s emnosso sistema (CPC, arts. 475, § 3º, 518, § 1º, e 558).Em suma: pode-se afirmar que a antecipação <strong>da</strong> tutela de que trata o § 6º do art. 273 doCódigo de Processo Civil tem como pressuposto pedido (ou a parcela dele) (a) não controvertidoseriamente pelas partes, (b) verossímil e (c) cujo atendimento não está subordinadoa qualquer questão prejudicial.”Embora minha posição pessoal e <strong>da</strong> 6ª Turma deste <strong>Tribunal</strong> sobre otema principal desta ação revisional deem guari<strong>da</strong> à pretensão do autor,entendo que, na hipótese dos autos, não restou configurado que parcelado pedido <strong>da</strong> parte-autora é incontroverso, tendo o INSS contestado aação e seu pedido principal (sentido restrito do vocábulo incontroversocomo acima delineado), além de não haver entendimento pacificadosequer na 3ª Seção deste <strong>Tribunal</strong> (de competência previdenciária e deassistência social) e, tampouco, no STJ.Assim, não há como, reiterando, considerar o pedido revisional combase em direito adquirido ao melhor benefício feito nesta ação comoincontroverso.Dessarte, a situação em tela não se enquadra no inciso II e § 6º doart. 273 do CPC, razão por que não há como ser concedi<strong>da</strong> a tutela antecipa<strong>da</strong>pretendi<strong>da</strong>.Da correção monetária, dos juros de mora,dos honorários e <strong>da</strong>s custasAté 30.06.2009, a atualização monetária, incidindo a contar doR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 335


vencimento de ca<strong>da</strong> prestação, deve-se <strong>da</strong>r pelos índices oficiais e jurisprudencialmenteaceitos, quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº4.257/64), OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86), BTN (02/89a 02/91, Lei nº 7.777/89), INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91), IRSM(01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92), URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94), IPC-r(07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94), INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95),IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 <strong>da</strong> Lei nº 9.711/98, combinado com oart. 20, §§ 5º e 6º, <strong>da</strong> Lei nº 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conformeo art. 31 <strong>da</strong> Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06,precedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A àLei nº 8.213/91, e REsp. nº 1.103.122/PR). Nesses períodos, os juros demora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar <strong>da</strong> citação, combase no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aosbenefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentementealimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudênciado STJ e na Súmula 75 desta Corte.A contar de 01.07.2009, <strong>da</strong>ta em que passou a viger a Lei nº 11.960,de 29.06.2009, publica<strong>da</strong> em 30.06.2009, que alterou o art. 1.º-F <strong>da</strong> Leinº 9.494/97, para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência,uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais deremuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.Honorários advocatícios e custas processuaisAlterado o provimento <strong>da</strong> ação, sendo hipótese de sucumbênciarecíproca, os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 545,00(art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC), ficando compensados entre as partes, independentementede AJG.No que pertine às custas processuais, cumpre esclarecer que o INSSestá isento do seu pagamento, a teor do artigo 8º, parágrafo 1º, <strong>da</strong> Lei nº8.620/93 e do artigo 4º, inciso I, <strong>da</strong> Lei nº 9.289/96, porquanto deman<strong>da</strong>dona Justiça <strong>Federal</strong>, bem como está isento o autor (artigo 4º, incisoII, <strong>da</strong> Lei nº 9.289/96) em virtude <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> AJG.Ante o exposto, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação, voto por <strong>da</strong>r parcialprovimento ao recurso <strong>da</strong> parte-autora.336R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


DIREITO PROCESSUAL CIVIL


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0014656-27.2011.404.0000/RSRelator: O Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> João Pedro Gebran NetoAgravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Agrava<strong>da</strong>: Nelsa Maria de Souza FortunatoAdvogados: Drs. Glenio Luis Ohlweiler Ferreira e outrosEMENTAAgravo de instrumento. Reajuste de 28,86%. Reestruturação <strong>da</strong> carreira.Art. 741, parágrafo único, do CPC. Compensação. Possibili<strong>da</strong>de.1. A relativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, prevista no art. 741, parágrafoúnico, do Código de Processo Civil, somente se aplica às decisões cujotrânsito ocorreu após 23 de fevereiro de 2001, <strong>da</strong>ta em que entrou emvigor a Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2102-28.2. Tendo o título executivo transitado em julgado após a vigência doartigo 741, parágrafo único, do CPC, devem ser relativizados os efeitos<strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, para fins de descontar os valores já pagos por força<strong>da</strong>s leis nº 8.622/93 e nº 8.627/93 e autorizar a compensação do reajustede 28,86% com subsequente reestruturação <strong>da</strong> carreira, na esteira <strong>da</strong>Súmula nº 672 do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> e precedentes do Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 339


decide a Egrégia <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, porunanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento ao agravo de instrumento, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2012.Juiz <strong>Federal</strong> João Pedro Gebran Neto, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> João Pedro Gebran Neto: Trata-se deagravo de instrumento interposto pelo INSS em face de decisão,proferi<strong>da</strong> em embargos em execução de sentença, que indeferiu alimitação do reajuste à reestruturação <strong>da</strong> carreira, porquanto violariaa coisa julga<strong>da</strong>.A parte agravante requer a reforma <strong>da</strong> decisão, sustentando arelativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, pois contrária à interpretação doSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> nos termos do art. 741, parágrafo único,do CPC. Defende a limitação do reajuste à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> reestruturação<strong>da</strong> carreira dos exequentes, conforme determina a legislação quepromoveu a reestruturação <strong>da</strong> carreira previdenciária.O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso restouindeferido.Apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Juiz <strong>Federal</strong> João Pedro Gebran Neto:1. Quando <strong>da</strong> análise do pedido de atribuição de efeito suspensivo aorecurso, foi proferi<strong>da</strong> decisão nos seguintes termos:“(...)A jurisprudência do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça e desta Corte é no sentido de que areestruturação <strong>da</strong> carreira constitui termo final ao pagamento do reajuste de 28,86%, bemcomo de que a determinação de tal limitação, em sede de embargos à execução, não implicaofensa à coisa julga<strong>da</strong>.Nesse sentido:‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REAJUSTE DE 28,86%.340R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


LIMITAÇÃO TEMPORAL. POSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. INE-XISTÊNCIA. CARREIRA PREVIDENCIÁRIA. REESTRUTURAÇÃO PELA LEINº 10.355/2001. LIMITES DA COISA JULGADA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR.ALCANCE. MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICO-JURÍDICA APRESENTADANA INICIAL. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO DO SERVIDOR PÚBLICO AREGIME JURÍDICO.1. Inexiste ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o acórdão proferidopelo <strong>Tribunal</strong> de origem expressamente se manifesta sobre as questões aponta<strong>da</strong>s comoomiti<strong>da</strong>s pelo o Recorrente, como na hipótese em que examinou a tese dos Exequentes deexistência de coisa julga<strong>da</strong> capaz de elidir a limitação imposta ao pagamento do chamado‘reajuste de 28,86%’ pela reestruturação <strong>da</strong> carreira.2. Não ofende a coisa julga<strong>da</strong> a limitação do pagamento do reajuste de 28,86% à <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> edição <strong>da</strong> lei que reestrutura a carreira do servidor. Precedentes do STJ.3. O reajuste de vencimentos do servidor público, reconhecido judicialmente, está limitadoà <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> reestruturação <strong>da</strong> carreira, quando a nova tabela, desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> anterior, otenha absorvido, sob pena de ter-se uma parcela remuneratória eterniza<strong>da</strong>, que inviabilizariaa discricionarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Administração de promover as alterações na estrutura remuneratóriados servidores, ao argumento de ofensa à coisa julga<strong>da</strong>.4. A coisa julga<strong>da</strong>, consubstancia<strong>da</strong> no dispositivo e na fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> decisão judicialtransita<strong>da</strong> em julgado, está delimita<strong>da</strong> pelo pedido e pela causa de pedir apresentadosna petição inicial do processo de conhecimento; devendo a execução do título executivojudicial processar-se nos exatos limites objetivos <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>, de modo que a coisa julga<strong>da</strong>produzirá efeitos enquanto perdurar a situação fático-jurídica descrita na causa de pedir.Precedentes.5. Agravo regimental desprovido.’ (AgRg no REsp 1125250/RS, Rel. Ministra LAURITAVAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25.10.2011, DJe 07.11.2011)‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RE-AJUSTE DE 28,86%. OBRIGAÇÃO DE PAGAR. LIMITAÇÃO DADA PELA LEI Nº10.355/2001. REESTRUTURAÇÃO DAS CARREIRAS. CABIMENTO. NÃO OFENSAÀ COISA JULGADA.Aos servidores cujos cargos e carreiras foram objeto de reorganização ou reestruturação,as eventuais diferenças de 28,86% serão devi<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> em vigor destes novospatamares remuneratórios, quando deverão, então, ser proporcionalmente absorvi<strong>da</strong>s na novatabela. Precedentes STJ. A Lei nº 10.355/2001 efetivamente implantou novos patamaresremuneratórios absorvendo parte <strong>da</strong>s diferenças de reajuste pleitea<strong>da</strong>s. (TRF4, APELAÇÃOCÍVEL Nº 2006.71.00.034830-8, <strong>4ª</strong> Turma, Des. <strong>Federal</strong> VALDEMAR CAPELETTI, PORUNANIMIDADE, D.E. 22.09.2009)‘EXECUÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS. REAJUSTE DE28,86%. LIMITAÇÃO.O termo final do direito à percepção do resíduo relativo ao reajuste de 28,86% se dá como pagamento do percentual correto do reajuste, conforme fichas funcionais dos servidores,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 341


ou com a reestruturação <strong>da</strong> respectiva carreira. A determinação de tal limitação, em sedede embargos à execução, não implica ofensa à coisa julga<strong>da</strong>.’ (TRF4, EMBARGOS IN-FRINGENTES Nº 0034903-16.2004.404.7100, 2ª Seção, Juiz <strong>Federal</strong> JORGE ANTONIOMAURIQUE, POR MAIORIA, D.E. 16.08.2011)Ocorre que, no caso em tela, foram opostos embargos à execução, nos quais foi requeri<strong>da</strong>a limitação do reajuste de 28,86% a janeiro/2002, em razão <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> carreira previdenciária,ocorri<strong>da</strong> por força <strong>da</strong> Lei nº 10.335/01 (fl. 110), o que foi rejeitado (fls. 170/184).O INSS requer a limitação do reajuste à reestruturação <strong>da</strong> carreira opera<strong>da</strong> por meio<strong>da</strong> Lei nº 11.233/05.O requerimento não merece ser acolhido por duas razões.Primeiro, porque a referi<strong>da</strong> lei é anterior à <strong>da</strong>ta de oposição dos embargos à execução(maio/2007), de modo que a autarquia poderia – e deveria – ter suscitado a questão naquelaoportuni<strong>da</strong>de, e não somente neste momento.Segundo, porque a pretensão veicula<strong>da</strong> é <strong>da</strong> mesma natureza <strong>da</strong>quela enfrenta<strong>da</strong> nosembargos – limitação do reajuste à <strong>da</strong>ta em que reestrutura<strong>da</strong> a carreira do exequente –, demodo que a solução <strong>da</strong><strong>da</strong> no referido feito deve ser agora observa<strong>da</strong>, sob pena de violaçãoà coisa julga<strong>da</strong>.Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo ao recurso.(...).”Tenho que este entendimento não deve prevalecer.É que o artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil,aplicável ao caso concreto, estabeleceu a relativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>quando o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tiver decidido a matéria em mododiverso <strong>da</strong>quele fixado no título executivo.Dispõe o artigo legal, atualmente em vigor, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaMedi<strong>da</strong> Provisória nº 2.180-35, de 27.01.2001:“Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-setambém inexigível o título judicial fun<strong>da</strong>do em lei ou ato normativo declarado inconstitucionalpelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ou fun<strong>da</strong>do em aplicação ou interpretação <strong>da</strong> lei ouato normativo tido pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> como incompatíveis com a Constituição<strong>Federal</strong>.”Entendi, por ocasião do julgamento do AG nº 2009.04.00.025551-0,D.E. 03.02.2010, que referido preceito somente seria aplicável quandoo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> houvesse proferido decisão em controleconcentrado <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de, equivale dizer, decisão com eficáciaerga omnes.Esse entendimento merece ser revisto, para reconhecer que tambémtêm aptidão para produzir os efeitos referidos no parágrafo único aci-342R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ma transcrito as decisões do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> proferi<strong>da</strong>s emcontrole difuso.Filio-me, portanto, ao posicionamento exarado pelo e. Superior <strong>Tribunal</strong>de Justiça, como se colhe dos seguintes precedentes:“PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL.EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXEGESE.INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS FUNDADAS EM LEI OU ATOS NORMATI-VOS DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS POR TRIBUNAL LOCAL FRENTE ÀCONSTITUIÇÃO ESTADUAL.1. A Primeira Seção desta Corte Superior, sob a égide dos recursos repetitivos, art. 543-Cdo CPC e <strong>da</strong> Resolução STJ 08/2008, no REsp 1.189.619/PE, de relatoria do Min. CastroMeira, DJe 02.09.2010, firmou o posicionamento de que a norma do art. 741, parágrafoúnico, do CPC, deve ser interpreta<strong>da</strong> restritivamente, porque excepciona o princípio <strong>da</strong>imutabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, sendo necessário que a inconstitucionali<strong>da</strong>de tenha sidodeclara<strong>da</strong> em precedente do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, em controle concentrado ou difuso.2. É certo que compete ao <strong>Tribunal</strong> local o controle de constitucionali<strong>da</strong>de de leismunicipais em face <strong>da</strong> Constituição dos Estados (art. 125, § 2º, <strong>da</strong> CF). E que, in casu,constatar-se-ia a coisa julga<strong>da</strong> com vício de inconstitucionali<strong>da</strong>de local, cuja interpretação,simétrica e analógica, poderia levar à conclusão de que o título judicial seria inexigível.3. Acontece que, a despeito <strong>da</strong> perfeita simetria entre os controles constitucionais, <strong>da</strong>leitura do comando inserto no parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil,observa-se que optou o legislador em resguar<strong>da</strong>r a certeza e a segurança jurídica – queemanam <strong>da</strong> Lei Maior – ao título judicial fun<strong>da</strong>do em lei ou ato normativo municipal quefere a Constituição Estadual. Do que se infere que o princípio <strong>da</strong> imutabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> coisajulga<strong>da</strong>, historicamente erigido como coisa absoluta, tão somente poderia ser contrapostoà violação de ordem constitucional maior, pois também decorre <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.4. Assim é que na literali<strong>da</strong>de do art. 741 do CPC, parágrafo único, tão somente seria‘inexigível o título judicial fun<strong>da</strong>do em lei ou ato normativo declarados inconstitucionaispelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, ou fun<strong>da</strong>do em aplicação ou interpretação <strong>da</strong> lei ou atonormativo ti<strong>da</strong>s pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> como incompatíveis com a Constituição<strong>Federal</strong>’.5. Há de ser manti<strong>da</strong>, portanto, a extinção do processo, com resolução de mérito, naforma do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Recurso especial improvido.” (REsp201001918882, Humberto Martins, STJ – Segun<strong>da</strong> Turma, DJE DATA:14.02.2011)“PROCESSUAL CIVIL. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. FLEXIBILI-ZAÇÃO DA COISA JULGADA. APLICAÇÃO ÀS SENTENÇAS TRANSITADAS EMJULGADO APÓS A INOVAÇÃO LEGISLATIVA. CORTE ESPECIAL.1. A Corte Especial (EREsp 806.407/RS) fixou o entendimento de que o art. 741, parágrafoúnico, do CPC é inaplicável às sentenças transita<strong>da</strong>s em julgado antes <strong>da</strong> inovaçãolegislativa (MP 2.180-35/2001).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 343


2. No presente caso, o trânsito em julgado (15.05.2002) é posterior à inclusão do parágrafoúnico ao dispositivo processual, de modo que é inexigível o título judicial fun<strong>da</strong>doem lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> ou emaplicação ou interpretação ti<strong>da</strong>s por incompatíveis com a Constituição <strong>Federal</strong>.3. É incontroverso que o STF, ao julgar o RE 247.866/DF, declarou inconstitucionalo disposto no art. 14 <strong>da</strong> LC 76/1993 (exigência de depósito em dinheiro <strong>da</strong> indenizaçãoexpropriatória estabeleci<strong>da</strong> em sentença, relativa às benfeitorias).4. Recurso Especial não provido.” (REsp 201001531228, Herman Benjamin, STJ –Segun<strong>da</strong> Turma, DJE DATA: 04.02.2011)O leading case para este entendimento do e. Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça foi um acórdão, <strong>da</strong> lavra do Min. Teori Zavascki, que bem delimitoua incidência do referido parágrafo único, tanto do ponto de vistamaterial, quanto do ponto de vista temporal, in verbis:“PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NE-GATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS ÀEXECUÇÃO. EXEGESE E ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC.INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS.HONORÁRIOS. ART. 29-C DA LEI 8.036/90, COM REDAÇÃO DADA PELA MEDIDAPROVISÓRIA 2.164-40/01. AÇÕES AJUIZADAS APÓS 27.07.2001. APLICABILIDADE.1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, oacórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente ca<strong>da</strong> um dos argumentos trazidospelo vencido, adotou, entretanto, fun<strong>da</strong>mentação suficiente para decidir de modo integrala controvérsia posta.2. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entreos princípios <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> e <strong>da</strong> supremacia <strong>da</strong> Constituição, agregou ao sistema deprocesso um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais.Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fun<strong>da</strong><strong>da</strong>sem norma inconstitucional, assim considera<strong>da</strong>s as que (a) aplicaram norma inconstitucional(1ª parte do dispositivo); ou (b) aplicaram norma em situação ti<strong>da</strong> por inconstitucional;ou, ain<strong>da</strong>, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte dodispositivo).3. Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionali<strong>da</strong>de tenha sido reconheci<strong>da</strong>em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resoluçãodo Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de com redução de texto (1ªparte do dispositivo); ou (b) mediante declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de parcial semredução de texto; ou, ain<strong>da</strong>, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2ª parte).4. Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, to<strong>da</strong>s as demaishipóteses de sentenças inconstitucionais, ain<strong>da</strong> que tenham decidido em sentido diverso <strong>da</strong>orientação do STF, como, v.g., as que (a) deixaram de aplicar norma declara<strong>da</strong> constitucional(ain<strong>da</strong> que em controle concentrado); (b) aplicaram dispositivo <strong>da</strong> Constituição que o STF344R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


considerou sem autoaplicabili<strong>da</strong>de; (c) deixaram de aplicar dispositivo <strong>da</strong> Constituição queo STF considerou autoaplicável; (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerourevogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora.5. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças,ain<strong>da</strong> que eiva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de nele referi<strong>da</strong>, cujo trânsito em julgado tenhaocorrido em <strong>da</strong>ta anterior à <strong>da</strong> sua vigência.6. O dispositivo, to<strong>da</strong>via, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentençasexecutivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 644 do CPC.7. À luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafoúnico, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correçãomonetária <strong>da</strong>s contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7,Min. Moreira Alves, RTJ 174/916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses queindicou, a incidência <strong>da</strong> correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo(a Caixa Econômica <strong>Federal</strong>), o STF não declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de de qualquernorma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou semredução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual<strong>da</strong>s normas infraconstitucionais – a antiga ou a nova – deveria ser aplica<strong>da</strong> para calculara correção monetária <strong>da</strong>s contas do FGTS nos citados meses), e a deliberação toma<strong>da</strong> sefez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomea<strong>da</strong>mente a que trata <strong>da</strong>irretroativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI).8. Precedentes <strong>da</strong> 1ª Turma (REsp 720.953/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ªTurma, DJ de 22.08.2005; REsp 721.808/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma,DJ de 19.09.2005).9. O art. 29-C <strong>da</strong> Lei nº 8.036/90, introduzido pela MP n° 2.164-40/2001, é norma especialem relação aos arts. 20 e 21 do CPC, aplicando-se às ações ajuiza<strong>da</strong>s após 27.07.2001,inclusive nas causas que não têm natureza trabalhista, movi<strong>da</strong>s pelos titulares <strong>da</strong>s contasvincula<strong>da</strong>s contra o FGTS, administrado pela CEF.10. A Medi<strong>da</strong> Provisória 2.164-40/01 foi edita<strong>da</strong> em <strong>da</strong>ta anterior à <strong>da</strong> EC 32/2001,época em que o regime constitucional não fazia restrição ao uso desse instrumento normativopara disciplinar matéria processual.11. Recurso especial a que se dá parcial provimento.” (REsp 833769/SC, Rel. MinistroTeori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 29.06.2006, DJ 03.08.2006, p. 227)(grifei)2. Ao lado <strong>da</strong> limitação <strong>da</strong> declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de peloSupremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça também firmou,em sede de recurso repetitivo, que somente as sentenças que tiveramseu trânsito em julgado após a veiculação <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> provisória acimatranscrita é que serão aptas à relativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>.A Primeira Seção do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, no julgamento doREsp 1189619/PE, de relatoria do Ministro Castro Meira, publicado noR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 345


DJE de 10.02.2010, consolidou entendimento no sentido de que estãofora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentençascujo trânsito em julgado tenha ocorrido em <strong>da</strong>ta anterior à vigência dodispositivo. Transcrevo acórdão:“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRE-SENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº08/2008. FGTS. EXPURGOS. SENTENÇA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL.EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXEGESE.INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS.EXCLUSÃO DOS VALORES REFERENTES A CONTAS DE NÃO OPTANTES. ARES-TO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E MATÉRIA FÁTICA.SÚMULA 7/STJ.1. O art. 741, parágrafo único, do CPC atribuiu aos embargos à execução eficácia rescisóriade sentenças inconstitucionais. Por tratar-se de norma que excepciona o princípio<strong>da</strong> imutabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, deve ser interpreta<strong>da</strong> restritivamente, abarcando, tãosomente, as sentenças fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em norma inconstitucional, assim considera<strong>da</strong>s as que:(a) aplicaram norma declara<strong>da</strong> inconstitucional; (b) aplicaram norma em situação ti<strong>da</strong> porinconstitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional. 2. Emqualquer desses três casos, é necessário que a inconstitucionali<strong>da</strong>de tenha sido declara<strong>da</strong> emprecedente do STF, em controle concentrado ou difuso e independentemente de resolução doSenado, mediante: (a) declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de com ou sem redução de texto; ou(b) interpretação conforme a Constituição. 3. Por consequência, não estão abrangi<strong>da</strong>s peloart. 741, parágrafo único, do CPC as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ain<strong>da</strong>que tenham decidido em sentido diverso <strong>da</strong> orientação firma<strong>da</strong> no STF, tais como as que:(a) deixaram de aplicar norma declara<strong>da</strong> constitucional, ain<strong>da</strong> que em controle concentrado;(b) aplicaram dispositivo <strong>da</strong> Constituição que o STF considerou sem autoaplicabili<strong>da</strong>de;(c) deixaram de aplicar dispositivo <strong>da</strong> Constituição que o STF considerou autoaplicável; e(d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado. 4.Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças cujotrânsito em julgado tenha ocorrido em <strong>da</strong>ta anterior à vigência do dispositivo. 5. ‘À luzdessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, doCPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária<strong>da</strong>s contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min.Moreira Alves, RTJ 174:916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou,a incidência <strong>da</strong> correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a CaixaEconômica <strong>Federal</strong>), o STF não declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de de qualquer norma, nemmesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução detexto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual <strong>da</strong>s normasinfraconstitucionais – a antiga ou a nova – deveria ser aplica<strong>da</strong> para calcular a correçãomonetária <strong>da</strong>s contas do FGTS nos citados meses), e a deliberação toma<strong>da</strong> se fez com base346R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


na aplicação direta de normas constitucionais, nomea<strong>da</strong>mente a que trata <strong>da</strong> irretroativi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI)’ (REsp 720.953/SC, Rel. Min.Teori Zavascki, Primeira Turma, DJ de 22.08.05). 6. A alegação de que algumas contas doFGTS possuem natureza não optante, de modo que os saldos ali existentes pertencem aosempregadores e não aos empregados e, também, de que a opção deu-se de forma obrigatóriasomente com o advento <strong>da</strong> nova Constituição, sendo necessária a separação do saldo referenteà parte optante (após 05.10.88) do referente à parte não optante (antes de 05.10.88) paraa elaboração de cálculos devidos, foi decidi<strong>da</strong> pelo acórdão de origem com embasamentoconstitucional e também com fun<strong>da</strong>mento em matéria fática, o que atrai a incidência <strong>da</strong>Súmula 7/STJ. 7. Recurso especial conhecido em parte e não provido. Acórdão sujeito aoregime do art. 543-C do CPC e <strong>da</strong> Resolução STJ nº 08/2008.” (STJ, Primeira Seção, REsp1189619/PE, Rel. Ministro Castro Meira, publicado no DJe de 02.09.2010) (grifei)Equivale dizer, somente as decisões com trânsito em julgado após aedição <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2102-28, de 23 de fevereiro de 2001 – queoriginariamente introduziu no ordenamento jurídico a regra do art. 741,parágrafo único, do Código de Processo Civil, com re<strong>da</strong>ção definitiva<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2180-35, de 24 de agosto de 2001 –,estão passíveis de rescisão.Dessarte, o marco inicial para incidência <strong>da</strong> regra do art. 741, parágrafoúnico, do Código de Processo Civil, é 23 de fevereiro de 2001.No caso em exame, o processo em que se originou o título executivotransitou em julgado em 08.09.2005, consoante o contido na certidãonarrativa de fls. 31 dos autos originais (com cópia no apenso).Como o trânsito em julgado ocorreu após a edição <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> provisóriaacima transcrita, em cujo acórdão expressamente reconheceunão ser cabível a compensação do reajuste de 28,86% com os aumentosconcedidos por força <strong>da</strong> Lei nº 8.622 e 8.627/93, ao entendimento de quenão houve reestruturação de carreira, devem ser relativizados os efeitos<strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, nos termos do parágrafo único acima transcrito, ao artigo741, do Código de Processo Civil, para autorizar sua compensação.Aliás, esse entendimento está em sintonia com jurisprudência destaCorte e do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça e com Súmula do Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>:“Súmula 672 – O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas leis8622/93 e 8627/93, estende-se aos servidores civis do Poder Executivo, observa<strong>da</strong>s aseventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmosdiplomas legais.”R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 347


“ADMINISTRATIVO. SERVIDORES DO MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SO-CIAL. REAJUSTE DE VENCIMENTOS DE 28,86%, DECORRENTE DA LEI Nº 8.627/93.DECISÃO DEFERITÓRIA QUE TERIA SIDO OMISSA QUANTO AOS AUMENTOSDE VENCIMENTOS DIFERENCIADOS COM QUE O REFERIDO DIPLOMA LEGALCONTEMPLOU DIVERSAS CATEGORIAS FUNCIONAIS NELE ESPECIFICADAS.Diploma legal que, de efeito, beneficiou não apenas os servidores militares, por meio<strong>da</strong> adequação dos postos e <strong>da</strong>s graduações, mas também na<strong>da</strong> menos que vinte categoriasde servidores civis, contemplados com reposicionamentos (arts. 1º e 3º), entre as quaisaquelas a que pertence a maioria dos impetrantes.Circunstância que não se poderia deixar de ter em conta, para fim <strong>da</strong> indispensávelcompensação, sendo certo que a Lei nº 8.627/93 contém elementos concretos que permitemcalcular o percentual efetivamente devido a ca<strong>da</strong> servidor.Embargos acolhidos para o fim explicitado.” (EDROMS 22.307-7/DF)“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSOESPECIAL. TITULARES DE CARGOS DE MAGISTÉRIO SUPERIOR. REPOSICIO-NAMENTO. LEI Nº 8.627/93. REAJUSTE DE 28,86%. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVOREGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. É pacífico neste STJ o entendimento de que os titulares de cargo de magistério superiorna esfera federal foram beneficiados com reposicionamento remuneratório previstono art. 4º <strong>da</strong> Lei 8.627/93, em percentual superior ao concedido aos militares, não fazendojus, portanto, ao reajuste de 28,86%.2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AGRESP 200900150259, CelsoLimongi (Desembargador Convocado do TJ/SP) – Sexta Turma, DJE <strong>da</strong>ta: 06.12.2010)“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.SERVIDOR INTEGRANTE DA CARREIRA DE MAGISTÉRIO SUPERIOR. REAJUS-TE DE 28,86%. COMPENSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIFERENÇAS A RECEBER.AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Os servidores integrantes <strong>da</strong> carreira de Magistério Superior não têm direito aoreajuste de 28,86%, pois já foram beneficiados com aumento que ultrapassa o referidopercentual. Precedentes.2. Agravo Regimental desprovido.” (AGA 200701819017, Napoleão Nunes Maia Filho– Quinta Turma, DJE <strong>da</strong>ta: 25.10.2010)“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. MAGISTÉRIO FEDE-RAL. REAJUSTE DE 28,86%. LEI Nº 8.627/93. COMPENSAÇÃO.Os professores integrantes <strong>da</strong> carreira de magistério não têm direito aopagamento de diferenças referentes ao reajuste de 28,86%, decorrente <strong>da</strong>s Leis8.622/93 e 8.627/93, por já terem sido beneficiados pela mesma legislaçãocom aumento superior.” (AC 200672000146647, Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva,TRF4 – Terceira Turma, D.E. 28.04.2010)“EMBARGOS À EXECUÇÃO. MAGISTÉRIO SUPERIOR. VALORES PAGOS.348R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


CONTEMPLADO COM OS AUMENTOS POR FORÇA DO ART. 4º DA LEI Nº 8.627/93.NÃO OFENSA À COISA JULGADA.1. O art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 8.627/93 previu regra específica para os titulares de cargos demagistério superior, de modo que os professores universitários não fazem jus à extensãodo reajuste de 28,86%, determinado pelo Pretório Excelso, por já terem sido beneficiadosdiretamente pela Lei nº 8.627/93. Firme posição do Colendo STJ.2. Tal situação, ademais, não ofende à coisa julga<strong>da</strong>, ou mesmo ao princípio <strong>da</strong> eventuali<strong>da</strong>de,na medi<strong>da</strong> em que a decisão exequen<strong>da</strong> concedera o reajuste nos termos do julgamentoproferido no RMS 22.307-7/DF, em que expressamente tivera como fun<strong>da</strong>mentos adeterminação <strong>da</strong> compensação dos valores já recebidos a título de reposicionamento pelaLei nº 8.627/93 e o percentual de 28,86%.” (AC 200772000073806, Hermes Siedler <strong>da</strong>Conceição Júnior, TRF4 – Quarta Turma, D.E. 29.03.2010)“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. REA-JUSTE DE 28,86%. MAGISTÉRIO SUPERIOR. FUNÇÕES GRATIFICADAS. CARGOSDE DIREÇÃO.1. Os servidores <strong>da</strong> carreira de magistério superior federal não têm direito ao reajustede 28,86% decorrentes <strong>da</strong>s Leis n os 8.622/93 e 8.627/93 por já terem sido beneficiados comum aumento de vencimentos superior ao concedido aos demais servidores públicos civis eaos militares. Precedentes deste <strong>Tribunal</strong> e do STJ.2. O índice de 28,86% deve ser incluído nos cálculos sobre valores relativos ao exercíciode Função Gratifica<strong>da</strong> (FG); Função Comissiona<strong>da</strong> (FC) ou Cargo de Direção (CD),porquanto o título judicial contempla estas rubricas.3. Apelo parcialmente provido.” (AC 200672000146374, João Pedro Gebran Neto,TRF4 – Terceira Turma, D.E. 27.01.2010)Assim, no caso em exame, até mesmo os índices concedidos pelasLeis nº 8622 e 8627, ambas de 1993, poderiam ser objeto de compensação,porquanto o título executivo contrarie súmula do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> e tenha transitado em julgado em <strong>da</strong>ta posterior a inclusão doparágrafo único, ao artigo 741 do Código de Processo Civil.3. Sobre a reestruturação <strong>da</strong> carreira, como limitação aos efeitos dobenefício reconhecido judicialmente, sem que haja violação à coisajulga<strong>da</strong>, tem decidido este e. <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>:“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REAJUSTESERVIDOR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LEGITIMIDADE. SERVIDOR FALECIDOANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. 1. Os servidores têm direito a receber adiferença de reajuste no percentual de 3,17% sobre os seus vencimentos a partir do mês dejaneiro de 1995, entretanto limitados pela superveniente reestruturação <strong>da</strong> carreira à qualpertencem. 2. Quanto à alegação de ausência de capaci<strong>da</strong>de dos exequentes Emília CostaColombo, Ênio Adhmar Altenbernd e Edith T. Fortuna, tenho que merece prosperar a preliminarsuscita<strong>da</strong> pelo Incra. Em que pese seus nomes constarem no rol de substituídos,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 349


os mesmos já eram falecidos quando <strong>da</strong> propositura <strong>da</strong> Ação de Execução. Dessa forma,a presente execução deve ser extinta, pois inexiste pressuposto processual de constituiçãováli<strong>da</strong> e regular do processo, tendo em vista que os mesmos não mais possuíam capaci<strong>da</strong>depara ser parte, devendo a execução ser proposta pelos seus sucessores habilitados, em seupróprio nome. Por tal razão, devem ser excluídos referidos exeqüentes <strong>da</strong> inicial executiva.”(TRF4, AG 0014570-56.2011.404.0000, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria,D.E. 23.01.2012)“REAJUSTE SALARIAL. REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRA. Segundo orientaçãofirma<strong>da</strong> no âmbito do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, aos servidores cujos cargos e carreirasforam objeto de reorganização ou reestruturação, eventuais diferenças de reajustes salariais(28,86% ou 3,17%) são devi<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> efetiva implantação dos novos patamares remuneratórios,quando, então, devem ser proporcionalmente absorvi<strong>da</strong>s na nova tabela, o quenão afronta a coisa julga<strong>da</strong> forma<strong>da</strong> na relação de trato sucessivo que se estabelece entre osservidores e a Administração. Não há como falar em coisa julga<strong>da</strong> quando a reestruturação<strong>da</strong> carreira é fato novo em relação ao julgamento <strong>da</strong> ação. No caso presente, em face <strong>da</strong>reestruturação verifica<strong>da</strong> na carreira dos autores, que repassou percentuais superiores aosdevidos, a obrigação de fazer encontra-se extinta.” (TRF4, AG 0014533-29.2011.404.0000,Quarta Turma, Relator Vilson Darós, D.E. 25.01.2012)“EMBARGOS À EXECUÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%.LIMITAÇÃO. REESTRUTUÇÃO DE CARREIRA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO RELA-TIVA A OBRIGAÇÃO DE FAZER. SUCUMBÊNCIA. 1. Segundo entendimento do STJ,aos servidores cujos cargos e carreiras foram objeto de reorganização ou reestruturação,eventuais diferenças do reajuste de 28,86% são devi<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> efetiva implantação dosnovos patamares remuneratórios, quando, então, devem ser proporcionalmente absorvi<strong>da</strong>sna nova tabela, o que não afronta a coisa julga<strong>da</strong> forma<strong>da</strong> na relação de trato sucessivoque se estabelece entre os servidores e a Administração. 2. Tratando-se de servidor públicovinculado ao Ministério <strong>da</strong> Saúde, a reestruturação <strong>da</strong> carreira ocorreu por força <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong>Provisória nº 441/2008, posteriormente converti<strong>da</strong> na Lei nº 11.890/2008, de modoque as diferenças deveriam ficar limita<strong>da</strong>s ao mês de janeiro de 2009. 3. No caso, to<strong>da</strong>via,determina<strong>da</strong> a limitação <strong>da</strong> obrigação de pagar referente ao reajuste de 28,86% ao mês demaio/1994, nos autos dos embargos à execução nº 5004778-33.2011.404.7100, deve serextinta a execução <strong>da</strong> obrigação de fazer e, em consequência, os presentes embargos, prejudicadoo recurso de apelação. 4. Tendo em vista a reforma produzi<strong>da</strong> na sentença, devemser invertidos os ônus sucumbenciais.” (TRF4, AC 5025475-12.2010.404.7100, QuartaTurma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 17.06.2011)“CAUTELAR. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. RESÍDUO DE 3,17%. EXECUÇÃODE SENTENÇA. RESTRIÇÃO DO DIREITO À EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIANº 2.048-26/2000. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA. O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiçatem entendido que constitui termo final para o pagamento do resíduo de 3,17% (três vírguladezessete por cento) a reestruturação <strong>da</strong> carreira dos Técnicos-Administrativos <strong>da</strong>s Instituiçõesde Ensino Superior, determina<strong>da</strong> pela Medi<strong>da</strong> Provisória 2.150-39/01. Não ofende350R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


a coisa julga<strong>da</strong> a determinação <strong>da</strong> limitação temporal do reajuste de 3,17% em embargos àexecução.” (TRF4, MCI 0001629-74.2011.404.0000, Quarta Turma, Relator Jorge AntonioMaurique, D.E. 19.12.2011)No caso específico <strong>da</strong> carreira previdenciária, ela sofreu reestruturaçãopor intermédio de dois diplomas legais (Lei nº 10.355,de 26 de dezembro de 2001, e pela Lei nº 10.855, de 1º de abrilde 2004), sendo que ambas as reestruturações devem ser objeto delimitação à aplicação dos 28,86%.Portanto, a sistemática para aplicação do referido percentualdeve <strong>da</strong>r mediante o acréscimo <strong>da</strong> diferença entre os 28,86% eo índice eventualmente concedido à referi<strong>da</strong> carreira por força<strong>da</strong>s Leis 8622 e 8627/93. Havendo reestruturação de carreira, sea remuneração dela decorrente for superior ao valor devido aoservidor, haverá integral incorporação do índice, na<strong>da</strong> sendo devido.Se, a partir <strong>da</strong> reestruturação, o referido aumento não restarintegralmente absorvido, deverá o mesmo ser pago em forma deVPNI que poderá ser absorvido pelas eventuais reestruturações decarreiras superveniente.A autora, ora agrava<strong>da</strong>, passou a integrar a carreira previdenciária,conforme certidão de fls. 66, em fevereiro de 1995, sem quehouvesse sido beneficia<strong>da</strong> por progressão funcional decorrente <strong>da</strong>sleis de 1993. Assim, a partir de seu ingresso, fazia jus à integrali<strong>da</strong>dedo índice de 28,85%. Em julho de 1998 recebeu reajuste de11,07% e, com as reestruturações de carreira decorrentes <strong>da</strong>s Leis10.355/2001 e 10.855/2004, ain<strong>da</strong> restou-lhe um resíduo de 6,8%.Assim, entendo que merece trânsito a insurgência <strong>da</strong> parteagravante, no tocante à limitação do pagamento do percentual de28,86% às reestruturações de carreiras previdenciárias, na forma<strong>da</strong>s leis acima referi<strong>da</strong>s, devendo a contadoria apurar, a partir <strong>da</strong>sfichas financeiras <strong>da</strong> agrava<strong>da</strong>, os índices que foram efetivamentepagos à mesma e apurar eventual existência de resíduos a serempagos e/ou incorporados.4. Ante o exposto, voto por <strong>da</strong>r provimento ao agravo de instru-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 351


mento nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.É o voto.352R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


DIREITO TRIBUTÁRIO


APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003038-74.2010.404.7003/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaApelante: Gonçalves & Tortola S.A.Advogado: Dr. Silvio Luiz de CostaApela<strong>da</strong>: União – Fazen<strong>da</strong> NacionalMPF: Ministério Público <strong>Federal</strong>EMENTAE-Proc. Processual civil. Nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença. Não ocorrência.Tributário. PIS e Cofins. Regime não cumulativo. Aproveitamentoconcomitante de créditos normais decorrentes <strong>da</strong>s Leis n os 10.637/02e 10.833/03 e de créditos presumidos decorrentes <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04.Impossibili<strong>da</strong>de.1. Não há que se falar em julgamento extra petita e, em consequência,em nuli<strong>da</strong>de do decisum, uma vez que a sentença examinou a questãorelativa à possibili<strong>da</strong>de ou não de creditamento e aproveitamento cumulativode créditos normais e presumidos decorrentes <strong>da</strong> sistemática nãocumulativa <strong>da</strong>s contribuições PIS e Cofins.2. No regime não cumulativo <strong>da</strong>s contribuições PIS e Cofins, previstonas Leis n os 10.637/02 e 10.833/03, a regra geral é a de que somente <strong>da</strong>rãodireito a crédito, para fins de dedução <strong>da</strong> base de cálculo, as aquisiçõesde bens e serviços sujeitos à incidência <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s contribuições. Nãohavendo a incidência <strong>da</strong>s exações nas operações de aquisição, não háque se falar em direito ao crédito. Essa é a linha mestra do sistema <strong>da</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 355


não cumulativi<strong>da</strong>de (art. 3º, § 2º, inciso II).3. Em contraparti<strong>da</strong>, o legislador previu no art. 3º, §§ 10 e 11, <strong>da</strong> Leinº 10.637/02, acrescentado pelo art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 10.684/03, e no art.3º, § 6º, <strong>da</strong> Lei nº 10.833/03 o direito a um crédito presumido relativo àaquisição de alguns produtos que especifica, quando efetua<strong>da</strong> de pessoasfísicas residentes no país, não contribuintes do PIS e <strong>da</strong> Cofins.4. A Lei nº 10.925/04 ampliou as hipóteses de geração do créditopresumido, assegurando, em seu art. 8º, o direito ao benefício tambémem relação às aquisições de bens efetua<strong>da</strong>s de cooperado pessoa física(caput), bem como de (a) cerealistas que exerçam cumulativamente asativi<strong>da</strong>des de (secar), limpar, padronizar, armazenar e comercializar osprodutos in natura de origem vegetal; (b) pessoas jurídicas que exerçamcumulativamente as ativi<strong>da</strong>des de transporte, resfriamento e ven<strong>da</strong> agranel de leite in natura; e (c) pessoas jurídicas e cooperativas de produçãoagropecuária (§ 1º), prevendo, por outro lado, em seu art. 9º, que aincidência <strong>da</strong>s contribuições PIS e Cofins ficaria suspensa nas seguintessituações: (a) de ven<strong>da</strong> de produtos de que trata o inciso I do § 1º doart. 8º do referido diploma legal, quando efetua<strong>da</strong> por pessoas jurídicasreferi<strong>da</strong>s no mencionado inciso; (b) de ven<strong>da</strong> de leite in natura, quandoefetua<strong>da</strong> por pessoa jurídica menciona<strong>da</strong> no inciso II do § 1º do art. 8º; e(c) de ven<strong>da</strong> de insumos destinados à produção <strong>da</strong>s mercadorias referi<strong>da</strong>sno caput do art. 8º, quando efetua<strong>da</strong> por pessoa jurídica ou cooperativareferi<strong>da</strong>s no inciso III do § 1º do mencionado artigo.5. A Lei nº 10.925/04, ao mesmo tempo em que dispôs sobre o créditopresumido em relação a operações que seriam tributa<strong>da</strong>s pelo PISe pela Cofins, suspendeu, relativamente a essas mesmas operações, aincidência dessas exações, de modo que a suspensão <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong>scontribuições PIS e Cofins é condição necessária para a concessão docrédito nela previsto. Se assim não fosse, as aquisições efetua<strong>da</strong>s <strong>da</strong>spessoas jurídicas elenca<strong>da</strong>s no § 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 não precisariamter sido menciona<strong>da</strong>s, visto que o aproveitamento do crédito já estariaassegurado pelas Leis n os 10.637/02 e 10.833/03, aliás, mais benéficaspara o contribuinte.6. Admitir o aproveitamento simultâneo dos créditos normais de PISe de Cofins previstos nas Leis n os 10.637/02 e 10.833/03 com o créditopresumido previsto no art. 8º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 implicaria a356R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


concessão de benefício fiscal não previsto na legislação de regência, oque é ve<strong>da</strong>do ao Poder Judiciário.7. A não aplicação imediata do art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 – em função<strong>da</strong> IN SRF nº 660/06, cuja ilegali<strong>da</strong>de vem sendo reconheci<strong>da</strong> pela jurisprudênciadeste <strong>Tribunal</strong>, em face do disposto no art. 17, inciso III, doreferido diploma legal, que prevê que a aplicação <strong>da</strong> suspensão deveriaser imediata – só veio a beneficiar o apelante, que teve um crédito maiselevado, uma vez que o crédito presumido lhe renderia um valor menor.8. Recurso não provido.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à apelação, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 02 de agosto de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Trata-se deman<strong>da</strong>do de segurança impetrado pela via eletrônica por Gonçalves &Tortola S.A. contra ato do Delegado <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> do Brasil emMaringá – PR, objetivando, em síntese, a concessão <strong>da</strong> segurança para ofim de assegurar o direito líquido e certo <strong>da</strong> impetrante de apurar, registrarextemporaneamente em sua contabili<strong>da</strong>de e aproveitar, futuramente, naforma <strong>da</strong> lei (evento 1):“1) os créditos presumidos de PIS e de Cofins previstos no art. 8º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº10.925/2004, que deixou de apurar no período de 01.08.2004 a 03.04.2006, sobre as aquisiçõesnão sujeitas à suspensão do PIS e <strong>da</strong> Cofins prevista no art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/2004e, cumulativamente,2) os créditos normais de PIS e de Cofins previstos no art. 3º <strong>da</strong>s Leis nº 10.637/2002 enº 10.833/2003, nos termos e condições estabelecidos por essas normas, calculados sobre asaquisições referi<strong>da</strong>s no art. 8º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/2004, <strong>da</strong>s pessoas jurídicas referi<strong>da</strong>s pelo §1º desse dispositivo, quando não estiverem sujeitas à suspensão <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong>s contribuições,prevista no art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/2004, independentemente do aproveitamento doscréditos presumidos previstos no art. 8º dessa norma, relegando-se à esfera administrativaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 357


a verificação e a quantificação <strong>da</strong>s aquisições que dão direito ao respectivo crédito, bemcomo a sua forma de ressarcimento.”Presta<strong>da</strong>s as informações pela autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong> (evento 8) eouvido o Ministério Público <strong>Federal</strong> (evento 12), foi proferi<strong>da</strong> sentença(evento 14) declarando prescritos eventuais créditos <strong>da</strong> parte impetrantequanto ao período anterior a 31.08.2004 e, no mérito, denegando a segurançapleitea<strong>da</strong>. Sem condenação em honorários advocatícios, a teordo disposto no art. 25 <strong>da</strong> Lei nº 12.016/09. Custas pela parte impetrante.Irresigna<strong>da</strong>, apelou a impetrante (evento 24) alegando, preliminarmente,a nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentença, por ser extra petita, uma vez que desbordou doobjeto do litígio, piorando a sua situação. Requer seja anulado o decisum,a fim de que outro seja proferido. Caso não seja esse o entendimento, requera reforma <strong>da</strong> sentença, com fun<strong>da</strong>mento nos argumentos declinadosna inicial, com a consequente concessão <strong>da</strong> segurança.Apresenta<strong>da</strong>s as contrarrazões (evento 28), subiram os autos a estaCorte.Nesta instância, o Ministério Público <strong>Federal</strong> manifestou-se pelo nãoprovimento <strong>da</strong> apelação (evento 4).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona:Nuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sentençaInicialmente, afasto a alegação <strong>da</strong> apelante de julgamento extra petita,uma vez que a sentença examinou a questão relativa à possibili<strong>da</strong>de ounão de creditamento e aproveitamento cumulativo de créditos normais epresumidos decorrentes <strong>da</strong> sistemática não cumulativa <strong>da</strong>s contribuiçõesPIS e Cofins, não havendo falar em nuli<strong>da</strong>de do decisum.PrescriçãoComo bem referido pelo juiz a quo, versando a lide sobre a possibili<strong>da</strong>dede aproveitamento de créditos de PIS e de Cofins apurados noregime não cumulativo, e não sobre repetição do indébito, aplicável oprazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, in verbis:358R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


“Art. 1º As dívi<strong>da</strong>s passivas <strong>da</strong> União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo equalquer direito ou ação contra a Fazen<strong>da</strong> federal, estadual ou municipal, seja qual for a suanatureza, prescrevem em cinco anos contados <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do ato ou fato do qual se originarem.”Dessa forma, considerando que a medi<strong>da</strong> cautelar de protesto interruptivo<strong>da</strong> prescrição nº 2009.70.03.004471-0/PR foi protocola<strong>da</strong> em31.08.2009 (evento 1 – doc. 19), encontra-se fulmina<strong>da</strong> a pretensão <strong>da</strong>impetrante de discutir os créditos apurados anteriormente a 31.08.2004.A recorrente, no entanto, alega que os referidos créditos são apuradosmensalmente, de modo que não haveria como se desmembrar o mês paradeclarar a prescrição dos créditos anteriores a 31.08.2004, fazendo a contagemdo prazo prescricional de forma retroativa (cinco anos anterioresao ajuizamento <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> cautelar), devendo, pois, ser reconhecido oseu direito de discutir os créditos apurados a partir de 01.08.2004.A insurgência merece prosperar apenas em parte.Com efeito, partindo <strong>da</strong> premissa de que os créditos relativos a ca<strong>da</strong>mês são apurados no último dia do mês, é possível reconhecer que, seos créditos de agosto de 2004 foram apurados no último dia do mês, ouseja, 31.08.2004, para aproveitamento no mês de setembro de 2004, nãohá prescrição a ser declara<strong>da</strong>. To<strong>da</strong>via, inviável o reconhecimento dodireito <strong>da</strong> impetrante de discutir os créditos apurados no mês de julhode 2004 e aproveitados em agosto do mesmo ano, porquanto abarcadospelo lustro prescricional.MéritoPretende a impetrante o reconhecimento do direito de contabilizar eaproveitar os créditos (presumidos e normais) de PIS e Cofins previstosno art. 8º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 e art. 3º <strong>da</strong>s Leis nº 10.637/02 e10.833/03 (quanto às aquisições previstas no referido art. 8º, § 1º, <strong>da</strong>Lei nº 10.925/04), que deixou de apurar no período de 01.08.2004 a03.04.2006, sobre aquisições não sujeitas à suspensão desses tributosprevista no art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04.Transcrevo, por pertinentes, os principais dispositivos <strong>da</strong>s leis queregem a matéria objeto <strong>da</strong> discussão:“– Lei nº 10.637/02 (PIS não cumulativo):Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal,assim entendido o total <strong>da</strong>s receitas auferi<strong>da</strong>s pela pessoa jurídica, independentemente deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 359


sua denominação ou classificação contábil.(...)Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditoscalculados em relação a: (Vide Lei nº 11.727, de 2008) (Produção de efeitos) (VideMedi<strong>da</strong> Provisória nº 497, de 2010)I – bens adquiridos para reven<strong>da</strong>, exceto em relação às mercadorias e aos produtosreferidos: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.865, de 2004)(...)II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção oufabricação de bens ou produtos destinados à ven<strong>da</strong>, inclusive combustíveis e lubrificantes,exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º <strong>da</strong> Lei nº 10.485, de 3 de julho de2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ouentrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 <strong>da</strong> Tipi; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaLei nº 10.865, de 2004)(...)§ 2º Não <strong>da</strong>rá direito a crédito o valor: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.865, de 2004)I – de mão de obra paga a pessoa física; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)II – <strong>da</strong> aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento <strong>da</strong> contribuição,inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumoem produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.(Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)§ 3º O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:I – aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domicilia<strong>da</strong> no País;II – aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domicilia<strong>da</strong>no País;(...)”“– Lei nº 10.833/03 (Cofins não cumulativa):Art. 1º A Contribuição para o Financiamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social – Cofins, com aincidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendidoo total <strong>da</strong>s receitas auferi<strong>da</strong>s pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominaçãoou classificação contábil.(...)Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditoscalculados em relação a: (Vide Medi<strong>da</strong> Provisória nº 497, de 2010)I – bens adquiridos para reven<strong>da</strong>, exceto em relação às mercadorias e aos produtosreferidos: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.865, de 2004)a) nos incisos III e IV do § 3º do art. 1º desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de2004)(Vide Medi<strong>da</strong> Provisória nº 413, de 2008) (Vide Lei nº 11.727, de 2008)b) no § 1º do art. 2º desta Lei; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela lei nº 11.787, de 2008)II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou360R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


fabricação de bens ou produtos destinados à ven<strong>da</strong>, inclusive combustíveis e lubrificantes,exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º <strong>da</strong> Lei nº 10.485, de 3 de julho de2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ouentrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 <strong>da</strong> Tipi; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaLei nº 10.865, de 2004)(...)§ 2º Não <strong>da</strong>rá direito a crédito o valor: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 10.865, de 2004)I – de mão de obra paga a pessoa física; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)II – <strong>da</strong> aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento <strong>da</strong> contribuição,inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumoem produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.(Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)§ 3º O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:I – aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domicilia<strong>da</strong> no País;II – aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domicilia<strong>da</strong>no País;(...)§ 5º Sem prejuízo do aproveitamento dos créditos apurados na forma deste artigo, aspessoas jurídicas que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classifica<strong>da</strong>s noscapítulos 2 a 4, 8 a 12 e 23, e nos códigos 01.03, 01.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00,0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, 15.07 a 1514, 1515.2, 1516.20.00, 15.17,1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e2209.00.00, todos <strong>da</strong> Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, destinados à alimentaçãohumana ou animal, poderão deduzir <strong>da</strong> Cofins, devi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> período de apuração, créditopresumido, calculado sobre o valor dos bens e serviços referidos no inciso II do caput desteartigo, adquiridos, no mesmo período, de pessoas físicas residentes no País.§ 6º Relativamente ao crédito presumido referido no § 5º:I – seu montante será determinado mediante aplicação, sobre o valor <strong>da</strong>s menciona<strong>da</strong>saquisições, de alíquota correspondente a 80% (oitenta por cento) <strong>da</strong>quela constante docaput do art. 2º desta Lei;II – o valor <strong>da</strong>s aquisições não poderá ser superior ao que vier a ser fixado, por espéciede bem ou serviço, pela Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> – SRF, do Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>.(...)” (destaquei)Com efeito, <strong>da</strong> análise <strong>da</strong>s disposições legais que tratam <strong>da</strong> geraçãodos créditos, tanto do PIS quanto <strong>da</strong> Cofins não cumulativos, o que sedepreende, como regra geral, é que o crédito só ocorrerá, em princípio,relativamente às aquisições de bens e serviços que estão no âmbito deincidência dessas contribuições. Não havendo a incidência <strong>da</strong>s exaçõesnas operações de aquisição, a regra é que não há o direito ao crédito. Essaé a linha mestra do sistema <strong>da</strong> não cumulativi<strong>da</strong>de (art. 3º, § 2º, inciso II).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 361


To<strong>da</strong>via, no que pertine à Cofins, previu o legislador, no § 6º do art.3º <strong>da</strong> Lei nº 10.833/03, o benefício do crédito presumido relativo à aquisiçãode alguns produtos que especifica, quando efetua<strong>da</strong> por pessoasfísicas residentes no país. Ou seja, pela regra geral, essas aquisições nãogerariam créditos, pois fora <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong> Cofins, porém o legislador,por concessão, previu um crédito fictício, o chamado crédito presumido.E é exatamente chamado crédito presumido porque não há a incidência<strong>da</strong> Cofins nessas aquisições. A lei apenas presume.Norma idêntica não havia na lei que tratava do PIS não cumulativo.No entanto, visando <strong>da</strong>r o mesmo tratamento <strong>da</strong> Cofins, sobreveio a Leinº 10.684, de 30 de maio de 2003, que, em seu art. 25, criou o chamadocrédito presumido também para o PIS, acrescentando os §§ 10 e 11 aoart. 3º <strong>da</strong> Lei nº 10.637/02.Eis o teor do referido dispositivo, in verbis:“Art. 25. A Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, passa a vigorar acresci<strong>da</strong> doseguinte art. 5º A e com as seguintes alterações dos arts. 1º, 3º, 8º, 11 e 29:‘(...)§ 10. Sem prejuízo do aproveitamento dos créditos apurados na forma deste artigo, aspessoas jurídicas que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classifica<strong>da</strong>s noscapítulos 2 a 4, 8 a 12 e 23, e nos códigos 01.03, 01.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00,0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, 15.07 a 15.14, 1515.2, 1516.20.00, 15.17,1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e2209.00.00, todos <strong>da</strong> Nomenclatura Comum do Mercosul, destinados à alimentação humanaou animal poderão deduzir <strong>da</strong> contribuição para o PIS/Pasep, devi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> período deapuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens e serviços referidos no incisoII do caput deste artigo, adquiridos, no mesmo período, de pessoas físicas residentes no País.§ 11. Relativamente ao crédito presumido referido no § 10:I – seu montante será determinado mediante aplicação, sobre o valor <strong>da</strong>s menciona<strong>da</strong>saquisições, de alíquota correspondente a setenta por cento <strong>da</strong>quela constante do art. 2º;II – o valor <strong>da</strong>s aquisições não poderá ser superior ao que vier a ser fixado, por espéciede bem ou serviço, pela Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>.’” (NR)A lógica do sistema do PIS e <strong>da</strong> Cofins não cumulativos, portanto, é a<strong>da</strong> geração de créditos a partir de operações sujeitas à incidência dessestributos, e, excepcionalmente, a geração de créditos presumidos relativamentea operações não sujeitas às suas incidências. Em outras palavras,o crédito presumido só existirá em operações não tributa<strong>da</strong>s pelo PIS epela Cofins e estritamente nas hipóteses expressamente previstas na lei362R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


concessória do benefício.Não obstante, foi edita<strong>da</strong> a Lei nº 10.925/04, a qual, mantendo ocrédito presumido do PIS e <strong>da</strong> Cofins relativamente às aquisições dedeterminados produtos de pessoas físicas residentes no país, ampliou ashipóteses de geração de crédito presumido.Para melhor compreensão <strong>da</strong> querela, transcrevo, na sequência, ospreceptivos legais que regem a matéria no âmbito do referido diplomalegal, in verbis:“Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias deorigem animal ou vegetal, classifica<strong>da</strong>s nos Capítulos 2 a 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos01.03, 01.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10,07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 09.01, 1701.11.00,1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e2209.00.00, todos <strong>da</strong> NCM, destina<strong>da</strong>s à alimentação humana ou animal, poderão deduzir<strong>da</strong> contribuição para o PIS/Pasep e <strong>da</strong> Cofins, devi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> período de apuração,crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art.3º <strong>da</strong>s Leis n os 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003,adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. (re<strong>da</strong>ção original)Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias deorigem animal ou vegetal, classifica<strong>da</strong>s nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos dessecapítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00,0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01,18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos <strong>da</strong> NCM, destina<strong>da</strong>sà alimentação humana ou animal, poderão deduzir <strong>da</strong> Contribuição para o PIS/Pasep e <strong>da</strong>Cofins, devi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valordos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º <strong>da</strong>s Leis n os 10.637, de 30 de dezembrode 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidosde cooperado pessoa física. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.051, de 2004) (Vigência) (VideLei nº 12.058, de 2009) (Vide Lei nº 12.350, de 2010)§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições efetua<strong>da</strong>s de:I – cerealista que exerça cumulativamente as ativi<strong>da</strong>des de secar, limpar, padronizar,armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal, classificados nos códigos09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, 12.01 e 18.01, todos <strong>da</strong> NCM;I – cerealista que exerça cumulativamente as ativi<strong>da</strong>des de limpar, padronizar, armazenare comercializar os produtos in natura de origem vegetal, classificados nos códigos09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, 12.01 e 18.01, todos <strong>da</strong>NCM; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.196, de 2005)II – pessoa jurídica que exerça cumulativamente as ativi<strong>da</strong>des de transporte, resfriamentoe ven<strong>da</strong> a granel de leite in natura; eR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 363


III – pessoa jurídica e cooperativa que exerçam ativi<strong>da</strong>des agropecuárias.III – pessoa jurídica que exerça ativi<strong>da</strong>de agropecuária e cooperativa de produçãoagropecuária. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 2º O direito ao crédito presumido de que tratam o caput e o § 1º deste artigo só seaplica aos bens adquiridos ou recebidos, no mesmo período de apuração, de pessoa física oujurídica residente ou domicilia<strong>da</strong> no País, observado o disposto no § 4º do art. 3º <strong>da</strong>s Leisn os 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003.(...)§ 4º É ve<strong>da</strong>do às pessoas jurídicas de que tratam os incisos I a III do § 1º deste artigoo aproveitamento:I – do crédito presumido de que trata o caput deste artigo;II – de crédito em relação às receitas de ven<strong>da</strong>s efetua<strong>da</strong>s com suspensão às pessoasjurídicas de que trata o caput deste artigo.(...)Art. 9º A incidência <strong>da</strong> contribuição para o PIS/Pasep e <strong>da</strong> Cofins fica suspensa nahipótese de ven<strong>da</strong> dos produtos in natura de origem vegetal, classificados nas posições09.01, 10.01 a 10.08, 12.01 e 18.01, todos <strong>da</strong> NCM, efetua<strong>da</strong> pelos cerealistas que exerçamcumulativamente as ativi<strong>da</strong>des de secar, limpar, padronizar, armazenar e comercializar osreferidos produtos, por pessoa jurídica e por cooperativa que exerçam ativi<strong>da</strong>des agropecuárias,para pessoa jurídica tributa<strong>da</strong> com base no lucro real, nos termos e condiçõesestabeleci<strong>da</strong>s pela Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>. (re<strong>da</strong>ção original)Art. 9º A incidência <strong>da</strong> Contribuição para o PIS/Pasep e <strong>da</strong> Cofins fica suspensa nocaso de ven<strong>da</strong>: (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.051, de 2004) (Vide Lei nº 12.058, de 2009)(Vide Lei nº 12.350, de 2010)I – de produtos de que trata o inciso I do § 1º do art. 8º desta Lei, quando efetua<strong>da</strong> porpessoas jurídicas referi<strong>da</strong>s no mencionado inciso; (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)II – de leite in natura, quando efetua<strong>da</strong> por pessoa jurídica menciona<strong>da</strong> no inciso II do§ 1º do art. 8º desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)III – de insumos destinados à produção <strong>da</strong>s mercadorias referi<strong>da</strong>s no caput do art. 8ºdesta Lei, quando efetua<strong>da</strong> por pessoa jurídica ou cooperativa referi<strong>da</strong>s no inciso III do §1º do mencionado artigo. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 1º O disposto neste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)I – aplica-se somente na hipótese de ven<strong>da</strong>s efetua<strong>da</strong>s à pessoa jurídica tributa<strong>da</strong> combase no lucro real; e (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)II – não se aplica nas ven<strong>da</strong>s efetua<strong>da</strong>s pelas pessoas jurídicas de que tratam os §§ 6º e7º do art. 8º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 2º A suspensão de que trata este artigo aplicar-se-á nos termos e condições estabelecidospela Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> – SRF. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)”(destaquei)Consoante se pode depreender, o art. 8º, caput, <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04acrescentou às aquisições de bens de cooperado pessoa física o direito364R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ao benefício do crédito presumido do PIS e <strong>da</strong> Cofins, mantendo, porém,o que já existia, ou seja, em relação às aquisições de produtos de pessoasfísicas residentes no país.Previu, ain<strong>da</strong>, em seu § 1º, a geração de créditos presumidos nasaquisições efetua<strong>da</strong>s (a) de cerealistas que exerçam cumulativamente asativi<strong>da</strong>des de (secar), limpar, padronizar, armazenar e comercializar osprodutos in natura de origem vegetal; (b) de pessoas jurídicas que exerçamcumulativamente as ativi<strong>da</strong>des de transporte, resfriamento e ven<strong>da</strong>a granel de leite in natura; e (c) de pessoas jurídicas e cooperativas deprodução agropecuária.A referi<strong>da</strong> lei, porém, no seu art. 9º, previu, também, que a incidência<strong>da</strong>s contribuições ao PIS e ao Cofins ficaria suspensa nas seguintessituações: (a) de ven<strong>da</strong> de produtos de que trata o inciso I do § 1º doart. 8º do referido diploma legal, quando efetua<strong>da</strong> por pessoas jurídicasreferi<strong>da</strong>s no mencionado inciso; (b) de ven<strong>da</strong> de leite in natura, quandoefetua<strong>da</strong> por pessoa jurídica menciona<strong>da</strong> no inciso II do § 1º do art. 8º; e(c) de ven<strong>da</strong> de insumos destinados à produção <strong>da</strong>s mercadorias referi<strong>da</strong>sno caput do art. 8º, quando efetua<strong>da</strong> por pessoa jurídica ou cooperativareferi<strong>da</strong>s no inciso III do § 1º do mencionado artigo.Com efeito, ao mesmo tempo em que dispôs sobre o crédito presumidoem relação a operações que seriam tributa<strong>da</strong>s pelo PIS e pela Cofins,suspendeu, relativamente a essas mesmas operações, a incidência dessasexações. Portanto, o crédito presumido previsto nas operações a que serefere o § 1º do art. 8º <strong>da</strong> Lei 10.925/04 só foi instituído, por liberali<strong>da</strong>dedo legislador, porque houve, no mesmo momento, a suspensão <strong>da</strong>cobrança <strong>da</strong>s exações sobre as mesmas operações.Ocorre que dita suspensão foi regulamenta<strong>da</strong> pela Secretaria <strong>da</strong> Receita<strong>Federal</strong> por meio <strong>da</strong> IN SRF nº 636, publica<strong>da</strong> em 04.04.2006, aqual estabeleceu que os seus efeitos retroagiriam a 01.08.2004 (art. 5º).No entanto, tal ato normativo foi revogado pela IN SRF nº 660/06, quedispôs o seguinte:“Art. 11. Esta Instrução Normativa entra em vigor na <strong>da</strong>ta de sua publicação, produzindoefeitos:I – em relação à suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Contribuição para o PIS/Pasep e <strong>da</strong>Cofins de que trata o art. 2º, a partir de 4 de abril de 2006, <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> InstruçãoNormativa nº 636, de 24 de março de 2006, que regulamentou o art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 365


de 2004; e(...).” (destaquei)Diante de tal quadro, a ver<strong>da</strong>de é que, do ponto de vista prático, houvea incidência do PIS e <strong>da</strong> Cofins sobre as operações que, por força do art.9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04, estavam com a incidência suspensa.O que pretende a impetrante é que seja declarado o seu direito aoaproveitamento, no período de 01.08.2004 a 03.04.2006, dos créditosnormais decorrentes do regime não cumulativo <strong>da</strong>s contribuições aoPIS e à Cofins (art. 3º <strong>da</strong>s Leis n os 10.637/02 e 10.833/03), já admitidopela Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>, conforme informações presta<strong>da</strong>s pelaautori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong>, cumulativamente com o crédito presumido de quetrata o art. 8º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04, decorrente <strong>da</strong> aquisição de insumos<strong>da</strong>s pessoas jurídicas elenca<strong>da</strong>s em seu § 1º, porquanto entende que asuspensão <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong>s referi<strong>da</strong>s exações nas ven<strong>da</strong>s efetua<strong>da</strong>spor tais pessoas jurídicas não constitui condição para o deferimento dopretendido crédito presumido.No entanto, sem adentrar no exame <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de ou não do art. 11,inciso I, <strong>da</strong> IN SRF nº 660/06, frente ao disposto no art. 17, inciso III,<strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 – que dizia que os arts. 8º e 9º <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei produziriamefeitos a partir de 1º de agosto de 2004 –, tenho que não prosperao argumento <strong>da</strong> recorrente, porque é, sim, condição necessária ao gozodo benefício do crédito presumido a não incidência do PIS e <strong>da</strong> Cofins.Conforme já referido anteriormente, pela sistemática não cumulativaprevista nas Leis n os 10.637/02 e 10.833/03, somente <strong>da</strong>rão direito a crédito,para fins de dedução <strong>da</strong> base de cálculo <strong>da</strong>s contribuições PIS e Cofins,os insumos adquiridos de pessoas jurídicas sujeitas ao recolhimento <strong>da</strong>spróprias contribuições (art. 3º, § 2º, inciso II, e § 3º, inciso I). Portanto,se a existência <strong>da</strong> suspensão prevista no art. 9º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 nãofosse uma condição necessária para a concessão do crédito presumidode que trata o § 1º do art. 8º do referido diploma legal, as aquisiçõesefetua<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s pessoas jurídicas elenca<strong>da</strong>s no § 1º <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04não precisariam ter sido menciona<strong>da</strong>s, visto que o aproveitamento docrédito já estaria assegurado pelas Leis n os 10.637/02 e 10.833/03, aliás,mais benéficas para a impetrante.Admitir o aproveitamento simultâneo dos créditos normais previstosnas Leis n os 10.637/02 e 10.833/03 com o crédito presumido previsto366R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


no art. 8º, § 1º, <strong>da</strong> Lei nº 10.925/04 implicaria a concessão de benefíciofiscal não previsto na legislação de regência, o que é ve<strong>da</strong>do ao PoderJudiciário, como bem ressaltou a autori<strong>da</strong>de fiscal.É de ser dito, ademais, que a não aplicação imediata do art. 9º <strong>da</strong> Leinº 10.925/04 – em função <strong>da</strong> instrução normativa acima referi<strong>da</strong>, cujailegali<strong>da</strong>de vem sendo reconheci<strong>da</strong> pela jurisprudência, pois a aplicação<strong>da</strong> suspensão deveria ser imediata, nos termos do art. 17, inciso III, <strong>da</strong> leiem comento – só veio a beneficiar o apelante, que teve um crédito maiselevado, uma vez que o crédito presumido lhe renderia um valor menor.Nesse contexto, não há que se falar em ilegali<strong>da</strong>de dos arts. 7º, incisoI, e 10, ambos <strong>da</strong> IN SRF nº 660/06, in verbis:“Art. 7º Somente gera direito ao desconto de créditos presumidos na forma do art. 5ºos produtos agropecuários:I – adquiridos de pessoa jurídica domicilia<strong>da</strong> no País com o benefício <strong>da</strong> suspensão <strong>da</strong>exigibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s contribuições, na forma do art. 2º;(...) (re<strong>da</strong>ção original)Art. 7º Geram direito ao desconto de créditos presumidos na forma do art. 5º os produtosagropecuários:I – adquiridos de pessoa jurídica domicilia<strong>da</strong> no País, com suspensão <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s contribuições na forma do art. 2º;(...) (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Instrução Normativa RFB nº 977, de 14 de dezembro de 2009)Art. 10. A aquisição dos produtos agropecuários de que trata o art. 7º desta InstruçãoNormativa, por ser efetua<strong>da</strong> de pessoa física ou com suspensão, não gera direito ao descontode créditos calculados na forma do art. 3º <strong>da</strong> Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de2002, e do art. 3º <strong>da</strong> Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, conforme disposição doinciso II do § 2º do art. 3º Lei nº 10.637, de 2002, e do inciso II do § 2º do art. 3º <strong>da</strong> Leinº 10.833, de 2003.”ConclusãoDessarte, merece ser manti<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que por outros fun<strong>da</strong>mentos, asentença que julgou improcedente o pedido vertido na inicial.DispositivoAnte o exposto, voto por negar provimento à apelação.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 367


APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011822-49.2010.404.7000/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan PaciornikApelante: Cleonice do Rocio BielenAdvogado: Dr. Alessandro RavazzaniApela<strong>da</strong>: União – Fazen<strong>da</strong> NacionalEMENTATributário. Imposto de ren<strong>da</strong>. Isenção. Moléstia grave. Doençamais grave que as elenca<strong>da</strong>s na lei isentiva. Interpretação. Prescrição.Repetição do indébito. Correção monetária. Honorários advocatícios.1. A doença que acomete a autora é grave, exacerba<strong>da</strong> pela fibromialgiae pelo hipotireoidismo.2. Não resta qualquer sinal de dúvi<strong>da</strong>s quanto à gravi<strong>da</strong>de do quadroclínico de que padece a autora, sendo inegável a degeneração <strong>da</strong> regiãovertebral lombar e sacral, quadro esse extremamente piorado em razão<strong>da</strong> fibromialgia.3. O legislador, ao editar a Lei 7.713/88, procurou elencar as enfermi<strong>da</strong>desgraves e incuráveis que imprimissem ao seu portador, além decondição de saúde de extrema precarie<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> o viés do alto custocom o tratamento <strong>da</strong> mesma. Isso posto, parece-me óbvio que a intençãodo legislador ao editar tal norma foi claramente de desonerar aquelesque, em decorrência de problemas graves de saúde, possuem elevadosgastos em seu tratamento.4. Tendo em vista as particulari<strong>da</strong>des do caso concreto, minuciosamentedemonstra<strong>da</strong>s, faz-se imprescindível interpretar a lei de formamais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídicaconduzam ao único desfecho justo: aju<strong>da</strong>r na preservação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ena manutenção do tratamento extremamente necessário, sem com issoprejudicar o normal atendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des básicas <strong>da</strong> autora.5. Com efeito, resta plenamente configura<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> recorrentede ver atendi<strong>da</strong> a sua pretensão, legítima e constitucionalmentegaranti<strong>da</strong>, uma vez que assegurado o direito à saúde e, em última instância,à vi<strong>da</strong>.6. Assim sendo, faz jus a deman<strong>da</strong>nte à isenção do imposto de ren<strong>da</strong>quanto aos valores recebidos em decorrência de sua aposentadoria.368R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


7. Em face <strong>da</strong> posição consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,em se tratando de pagamentos efetuados após 09.06.2005, o prazo deprescrição conta-se <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do pagamento indevido; ao passo que, emse tratando de recolhimentos feitos antes de 09.06.2005, a prescriçãosegue a sistemática adota<strong>da</strong> antes <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> LC n° 118/2005, limita<strong>da</strong>,porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> leinova. Assim sendo, considerando que a deman<strong>da</strong>nte foi aposenta<strong>da</strong> porinvalidez em 14 de fevereiro de 2005, não há que se falar em prescrição.8. É infun<strong>da</strong>do o pleito de retificação <strong>da</strong> declaração de ajuste doimposto de ren<strong>da</strong>, visto que se procede à execução por liqui<strong>da</strong>ção desentença e à restituição mediante precatório ou requisição de pequenovalor, faculta<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de de escolha pela compensação, a critériodo contribuinte.9. Não compete ao contribuinte comprovar que o imposto foi efetivamenterecolhido pela fonte pagadora, visto que não se trata de provado fato constitutivo do seu direito.10. Caso se configure excesso de execução, decorrente <strong>da</strong> compensaçãoou restituição dos valores relativos ao título judicial, admite-se ainvocação de tal matéria em embargos à execução.11. Não se caracteriza a preclusão, pelo fato de não ter sido prova<strong>da</strong>a compensação ou a restituição no processo de conhecimento, porque asentença proferi<strong>da</strong> foi ilíqui<strong>da</strong>.12. Deve ser observa<strong>da</strong> a correção monetária dos valores descontadosna fonte, desde a <strong>da</strong>ta de ca<strong>da</strong> retenção.13. A correção monetária deve incidir sobre os valores pagos indevi<strong>da</strong>mentedesde a <strong>da</strong>ta do pagamento, sendo aplicável a Ufir (jan/92a dez/95), e, a partir de 01.01.96, deve ser computa<strong>da</strong> somente a taxaSelic, excluindo-se qualquer índice de correção monetária ou juros demora (art. 39, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 9.250/95).14. Em face <strong>da</strong> inversão <strong>da</strong> decisão, condena-se a União no reembolso<strong>da</strong>s custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios,arbitrados em 10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação, ex vi do art. 20, §§ 3ºe 4º do CPC.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 369


decide a Egrégia 1ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>r provimento à apelação, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presentejulgado.Porto Alegre, 03 de agosto de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik: Trata-se de açãoordinária que objetiva a declaração do direito à isenção de imposto deren<strong>da</strong>, nos termos do inciso XIV do artigo 6° <strong>da</strong> Lei n° 7.713/88, bemcomo a condenação <strong>da</strong> União à restituição dos valores indevi<strong>da</strong>menterecolhidos do tributo, desde a <strong>da</strong>ta em que constata<strong>da</strong> a enfermi<strong>da</strong>de,tudo devi<strong>da</strong>mente corrigido, observado o prazo prescricional.Regularmente processado o feito, o MM. Juízo singular julgou improcedenteo pedido, extinguindo o feito com julgamento do mérito,nos termos do art. 269, 1, do CPC, e condenando a autora nas custasprocessuais e ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados emRS 500,00, deferindo à autora os benefícios <strong>da</strong> assistência judiciáriagratuita, previstos na Lei n° 1.060/50. Valor <strong>da</strong> causa – R$ 25.000,00.Recorre a autora, sustentando que a ver<strong>da</strong>deira intenção do legisladoré de que as doenças igual e tamanhamente graves, incuráveis e avassaladoramentedeletérias também conferem ao seu portador a isençãopretendi<strong>da</strong>. Aduz que a enfermi<strong>da</strong>de ostenta<strong>da</strong> por ela é classifica<strong>da</strong>como ain<strong>da</strong> mais grave do que a patologia menciona<strong>da</strong> na lei, afirmandoque a sua condição de vi<strong>da</strong> é muito mais penosa até mesmo do que a deum paciente que ostente a hipótese ti<strong>da</strong> por prevista. Assevera que a suadoença é grave, incurável, irreversível e degenerativa e que não há, namedicina atual, qualquer recurso ou tratamento disponível que não induzaa aceleração de óbito. Salienta que, se a lei previu que os portadores deespondiloartrose serão beneficiados com a isenção de imposto, não semostra lícito cogitar que a lei na ver<strong>da</strong>de quis dizer espondilite. Defendeque preenche todos os critérios clínicos concernentes à concessão dobenefício pretendido.Com contrarrazões, subiram os autos.É o relatório.370R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik:Isenção de Imposto de Ren<strong>da</strong> em decorrência de doença graveA Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, assim preconiza:“Art. 6º – Ficam isentos do imposto de ren<strong>da</strong> os seguintes rendimentos percebidos porpessoas físicas:(...)XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motiva<strong>da</strong> por acidente em serviçoe os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienaçãomental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversívele incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados <strong>da</strong> doença de Paget (osteíte deformante),contaminação por radiação, síndrome <strong>da</strong> imunodeficiência adquiri<strong>da</strong>, com base emconclusão <strong>da</strong> medicina especializa<strong>da</strong>, mesmo que a doença tenha sido contraí<strong>da</strong> depois <strong>da</strong>aposentadoria ou reforma;”O caso em tela, <strong>da</strong><strong>da</strong>s as peculiari<strong>da</strong>des, merece uma minuciosaexplicação.Alega a deman<strong>da</strong>nte que, no exercício de suas funções, passou asentir fortíssimas dores na região lombar, de forma súbita, inespera<strong>da</strong> eagressiva, que acabaram por imprimir-lhe grave sofrimento e limitação<strong>da</strong>s mais comezinhas ativi<strong>da</strong>des do cotidiano.Aduz que a dor suporta<strong>da</strong>, além de intensa, ain<strong>da</strong> passou a irradiar-separa a região glútea, a região posterior <strong>da</strong> coxa, a perna e o pé esquerdo,passando a criar imensa dificul<strong>da</strong>de de locomoção.Sustenta que a dor acabou por afastá-la temporariamente do trabalhoe, posteriormente, ocasionou a aposentadoria por invalidez em 14 defevereiro de 2005.Salienta que é portadora de várias enfermi<strong>da</strong>des severas que lhe imputamquadro clínico delicado, irreversível e progressivo, até mesmopodendo gerar degeneração.Refere que, atualmente, não mais se locomove, possui severíssimaslimitações e encontra-se em estado progressivo de degeneração muscularcompleta.Finaliza alegando que a gravi<strong>da</strong>de do quadro clínico ostentado étamanho ou superior ao de to<strong>da</strong>s as patologias elenca<strong>da</strong>s no artigo 6°R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 371


<strong>da</strong> Lei 7.713/88, o que lhe submete a condições de vi<strong>da</strong> subumanas ede extrema gravi<strong>da</strong>de, sendo que o seu quadro clínico é extremamentegrave, progressivo, irreversível, incurável e lhe causa dor extenuante eirreal sofrimento.O deslinde <strong>da</strong> controvérsia paira em saber se a deman<strong>da</strong>nte faz jus àisenção pretendi<strong>da</strong>.Em razão <strong>da</strong>s diversas dúvi<strong>da</strong>s surgi<strong>da</strong>s no decorrer do processo, foirealiza<strong>da</strong> perícia médica, feita por médico perito indicado pelo juízosingular.Assim manifestou-se o primeiro laudo:“O prognóstico <strong>da</strong> doença em curso é indefinido e intimamente relacionado com as sequelasjá presentes e com o sucesso do tratamento instituído. O mais importante é melhorara quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> do Paciente.Quanto ao seu estado clínico atual, ao exame físico e à necessi<strong>da</strong>de de continuar tratamentopara controle de sua doença (...).A parte-autora é portadora de grave lesão discal com extrusão e compressão medular emL5-S1, comprova<strong>da</strong> inclusive por ressonância nuclear magnética. Apresenta-se com claudicaçãoà custa dos dois membros inferiores com sinal de Lasègue positivo bilateralmentee diminuição de ambos os reflexos patelar e do aquileu à direita.Não há lesão compatível com espondilartrite, mas sim lesão tipicamente degenerativaque a incapacita permanentemente para qualquer ativi<strong>da</strong>de física. Esse fato notoriamenteconduziu para a aposentadoria precoce. A lesão desta paciente diferencia-se <strong>da</strong> espondiliteanquilosante, pois, além de ela não apresentar outros níveis de lesão na coluna, tampoucoapresenta calcificação de ligamentos ou sacroiliíte bilateral.Entretanto, não é demais afirmar que a gravi<strong>da</strong>de com que se apresenta clinicamenteesse grau de lesão nesta enferma pode ser considera<strong>da</strong> tão deletéria quanto uma lesão típica<strong>da</strong> Espondilite Anquilosante. Não obstante ao quadro discal, ela também é portadora defibromialgia e de hipotireoidismo sob tratamento. Apresentou, no momento de meu exameclínico, 16 dos 18 pontos dolorosos típicos <strong>da</strong> fibromialgia. Tal quadro álgico provavelmentetem amplificado o processo doloroso lombar <strong>da</strong> paciente.Também pudemos constatar, por meio de uma densitometria <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 2002, emborarelate a Parte-Autora que esteja aguar<strong>da</strong>ndo nova densitometria para melhor definiçãodiagnóstica, que ela é portadora de grave osteopenia lombar e femoral. Sendo assim, ficaclaro clinicamente e, sobretudo, pelo quadro discal que a paciente pode ser considera<strong>da</strong>inváli<strong>da</strong> e incapaz para qualquer ativi<strong>da</strong>de que envolva movimentação de flexo-extensãode coluna lombar.Obs. Como se trata de doenças crônicas, é impossível prever o curso clínico, embora ahistória natural demonstre que pacientes não tratados invariavelmente evoluem com péssimoprognóstico. Portanto, infelizmente, não existe tempo de duração previsto para encerrar otratamento desse grupo de portadores.372R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Lesões Degenerativas Espondilodiscais/Artrose/Osteoartrite/Hérnias de Disco, comodoença degenerativa, é crônica, progressiva, multifatorial, complexa, tratável, atenuávele incurável.DE OUTRA BANDA: um médico perito não emite opinião e tampouco consideraçõespessoais, NÃO PODE HAVER ‘ACHISMOS’, e sim ‘LAUDO’ abalizado sempre emefetiva documentação comprobatória OU, QUANDO NA FALTA DESTA, numa criteriosaanálise do HPMA (Histórico Pregresso <strong>da</strong> Moléstia Atual). Para que esse Laudo pudesseter sustentação, tive a preciosa colaboração do Dr. Valderilio Feijó Azevedo – Professorde Reumatologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de <strong>Federal</strong> do Paraná –, Assistente Médico <strong>da</strong> parte-autoraque a acompanha já há muitos anos.”Persistindo dúvi<strong>da</strong>s, o laudo complementar assim dispôs:“Antes de tudo, vamos tentar definir o que as palavras envolvi<strong>da</strong>s significam para depoisesclarecer nosologicamente ambas as patologias (parece complicado, mas não é!!!)Espôndilo = Vértebra.Espondiloartrose = espondilose = degeneração <strong>da</strong>s vértebras.Espondiloartropatias = espondiloartrite = espondilite = inflamação <strong>da</strong>s vértebras.A nosologia (do grego nósos, doença + logros, tratado, razão explicativa) é a parte <strong>da</strong>medicina ou o ramo <strong>da</strong> patologia que trata <strong>da</strong>s enfermi<strong>da</strong>des em geral e as classifica doponto de vista aplicativo (isto é, de sua etiopatogenia), enquanto a nosografia as ordenadesde o aspecto meramente descritivo (graphos = descrição).A Espondilite Anquilosante (não existe espondiloartrose anquilosante – quesito b) é umadoença inflamatória crônica <strong>da</strong>s vértebras intimamente relaciona<strong>da</strong> com fatores genéticose ambientais. Sua etiopatogenia ain<strong>da</strong> não está bem estabeleci<strong>da</strong>, to<strong>da</strong>via, para este fim,podemos relacioná-la com a Artrite Reumatoide com componente axial (coluna vertebral)com característica autoimune; uma INFLAMAÇÃO onde os anticorpos do organismoreconhecem componentes genéticos próprios do indivíduo como antígenos.A Espondiloartrose de Coluna Vertebral é uma doença degenerativa crônica, comumcom o envelhecimento, e pode comprometer também o disco intervertebral, causando assimuma espondilodiscoartrose com ou sem hérnia de disco. A causa <strong>da</strong> Hérnia de Disco nessescasos é a própria artrose <strong>da</strong> coluna vertebral.Nosologicamente, uma coisa não tem na<strong>da</strong> que ver com a outra!!!O que se quis tornar evidente no Laudo: novamente, não é demais afirmar que a gravi<strong>da</strong>decom que se apresenta clinicamente esse grau de lesão nesta enferma pode ser considera<strong>da</strong>tão deletéria quanto uma lesão típica <strong>da</strong> espondilite anquilosante.Em outras palavras: tem doentes portadores <strong>da</strong> espondilite anquilosante que apresentamuma quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> muito superior e com menos gastos em medicamentos comparadosa alguns enfermos que padecem de espondiloartrose de Coluna Vertebral com Hérnia deDisco – caso específico <strong>da</strong> Parte-Autora!!!Ca<strong>da</strong> caso é um caso.RESPOSTAS AOS QUESITOS DO JUÍZO – fl. 181:A) SimR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 373


B) Vi<strong>da</strong> acima!!!Novamente: independentemente <strong>da</strong> falta de uniformização de Jurisprudência entre aDiretoria Jurídica do <strong>Tribunal</strong> de Contas do Estado do Paraná e o Ministério Público deContas também do nosso Estado em relação ao dispositivo ‘Art. 48 – parágrafo 1º – alémde observar o disposto nos Arts. 112, 113 e 186’ <strong>da</strong> norma Paranaense, caso a Autora fosseportadora de Espondilite Anquilosante, teria direito ao pedido pleiteado.De acordo com os Laudos acostados de fls. 64 (Dr. Marcos Souza) e de fls. 79 (Dr.Cláudio Trezub), no caso <strong>da</strong> doença, por sua natureza degenerativa e não inflamatória, nãocabe a isenção.Comentários: esse dispositivo – por exemplo – estabelece que terão aposentação comproventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional oudoença grave, contagiosa ou incurável, na forma <strong>da</strong> lei; no seu parágrafo 1º (Art. 48), consideraa Tuberculose Ativa e a Hanseníase, que há muito tempo têm cura, e até mesmo aAids, que na grande maioria dos casos é compensa<strong>da</strong>, proporcionando uma boa quali<strong>da</strong>dede vi<strong>da</strong>, entre outras que realmente são irreversíveis.Por isso a necessi<strong>da</strong>de de serem avalia<strong>da</strong>s por uma junta médica, e não na forma <strong>da</strong> lei,porque, novamente: ca<strong>da</strong> caso é um caso!!!!”Como forma de tentar aprofun<strong>da</strong>r a questão médica, trago algunsconceitos para melhor diferenciar as doenças cita<strong>da</strong>s no processo.Espondilite anquilosanteA espondilite anquilosante é uma doença inflamatória crônica queocorre nas articulações <strong>da</strong> coluna vertebral, do quadril e dos ombros,em pessoas com predisposição genética. Ela causa dificul<strong>da</strong>de em movimentaro corpo, podendo levar a um estado de invalidez.A espondilite anquilosante é diagnostica<strong>da</strong> em geral entre os 15 e os40 anos. O diagnóstico é feito a partir dos sintomas e de exames como oraio X. A avaliação de um geneticista pode também ser útil para o caso deindivíduos que possuem sacroileíte, visto que alguns estudiosos sugeremque o aparecimento <strong>da</strong> sacroileíte pode indicar o desenvolvimento <strong>da</strong>espondilite anquilosante num futuro próximo.O tratamento para a espondilite anquilosante é baseado em medicaçãocomo analgésicos e anti-inflamatórios. A cirurgia pode ser indica<strong>da</strong> emalguns casos. A fisioterapia é importante para aliviar a dor, corrigir apostura e melhorar a capaci<strong>da</strong>de de movimentação do corpo.Apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des que a doença pode trazer, os indivíduos podemviver com ela durante muitos anos e geralmente morrem por insuficiênciarespiratória devido à má expansão pulmonar na 3ª i<strong>da</strong>de.374R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


EspondiloartroseA espondiloartrose é uma doença degenerativa que causa uma sériede alterações na coluna, afetando ossos, ligamentos, disco intervertebrale nervos, provocando muita dor, e que muitas vezes é bastante incapacitante.Os exames que os médicos em geral pedem para fazer o diagnósticocorreto em casos de queixa de dores intensas na coluna ou nos membrospodem ser o raio X, a ressonância magnética ou a tomografia computadoriza<strong>da</strong>.Na espondiloartrose, o disco articular pode ficar deformado, causandohérnia de disco, e além disso os ligamentos <strong>da</strong> coluna ficam frouxos,gerando dores que geralmente se irradiam para os braços e as pernas.O tratamento pode ser feito por meio de cirurgia segui<strong>da</strong> de fisioterapia.O trabalho <strong>da</strong> fisioterapia é capaz de aliviar os sintomas <strong>da</strong> espondiloartrose,mas trata-se de uma doença progressiva e degenerativa.Espondiloartrose anquilosanteA espondiloartrose anquilosante é uma doença reumática que causainflamação na coluna vertebral e nas articulações sacroilíacas (no final<strong>da</strong> coluna com os ossos <strong>da</strong> bacia), podendo, às vezes, também atacar osolhos e as válvulas do coração. Os sintomas podem variar de simples doresnas costas, na grande maioria <strong>da</strong>s vezes nas nádegas, até uma doençagrave, que ataca a coluna, as juntas e outros locais do corpo, resultandoem grande incapaci<strong>da</strong>de devido a um “congelamento” <strong>da</strong>s vértebras <strong>da</strong>coluna que, com o decorrer do tempo, vai dificultar inclusive um simplespasso para caminhar.A doença faz parte de um grupo de doenças conheci<strong>da</strong>s como espondiloartropatias,em que estão incluídos a Síndrome de Reiter, algunscasos de Artrite Psoriásica e a Doença Inflamatória Intestinal (Chron,Retocolite Ulcerativa, etc.).A causa não é conheci<strong>da</strong>, mas tudo que se relaciona com as espondiloartropatiastem a ver com um padrão genético, devido à existência de ummarcador genético comum (HLA-B27), que está presente na maioria dosindivíduos afetados, tornando essas pessoas predispostas a ter a doença.Em alguns casos, a doença ocorre, nessas pessoas, depois de seremR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 375


acometi<strong>da</strong>s de uma infecção intestinal ou urinária.Afeta principalmente adolescentes e/ou adultos jovens, especialmentedo sexo masculino, com uma incidência 03 vezes maior que nas mulheres,que normalmente têm uma doença mais modera<strong>da</strong> em sua gravi<strong>da</strong>de.Afeta menos negros africanos e japoneses e é mais comum em algunsíndios norte-americanos.Um diagnóstico tardio é comum porque os sintomas são atribuídosfrequentemente às doenças comuns <strong>da</strong> coluna, tais como dores posturais,traumáticas ou psicossomáticas.Embora a maioria dos sintomas comece na coluna lombar, devidoao grande e frequente acometimento <strong>da</strong>s articulações sacroilíacas, essadoença também pode envolver o pescoço (coluna cervical) e/ou as costas(coluna torácica) <strong>da</strong> mesma forma.Além <strong>da</strong>s sacroilíacas, artrite também pode acontecer nas grandesarticulações periféricas (ombros e quadris), mas também pequenas juntaspodem se inflamar, como as dos pés e <strong>da</strong>s mãos. Alguns pacientestêm lesões oculares, às vezes, importantes, e, nos casos mais graves, éfun<strong>da</strong>mental uma avaliação cardiológica, devido a lesões valvulares.Diante <strong>da</strong> extensa explanação, passo a analisar o cabimento <strong>da</strong> isenção.A análise do laudo e do laudo complementar demonstra que, ain<strong>da</strong>que a autora padeça de espondiloartrose, não seria essa concessiva <strong>da</strong>isenção, conforme previsto no art. 6º, inc. XIV, <strong>da</strong> Lei 7.713/88.Porém, ao mesmo tempo, deixa bem claro, em ambos os laudos, quea doença que acomete a deman<strong>da</strong>nte é muito mais grave, deletéria esacrificante do que muitas <strong>da</strong>quelas elenca<strong>da</strong>s no artigo citado. A saber:“Entretanto, não é demais afirmar que a gravi<strong>da</strong>de com que se apresenta clinicamenteesse grau de lesão nesta enferma pode ser considera<strong>da</strong> tão deletéria quanto uma lesãotípica <strong>da</strong> Espondilite Anquilosante. Não obstante o quadro discal, ela também é portadora defibromialgia e de hipotireoidismo sob tratamento. Apresentou, no momento de meu exameclínico, 16 dos 18 pontos dolorosos típicos <strong>da</strong> fibromialgia. Tal quadro álgico provavelmentetem amplificado o processo doloroso lombar <strong>da</strong> paciente.”“Não é demais afirmar que a gravi<strong>da</strong>de com que se apresenta clinicamente esse graude lesão nesta enferma pode ser considera<strong>da</strong> tão deletéria quanto uma lesão típica <strong>da</strong>espondilite anquilosante.Em outras palavras: tem doentes portadores <strong>da</strong> espondilite anquilosante que apresentamuma quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> muito superior e com menos gastos em medicamentos comparadosa alguns enfermos que padecem de espondiloartrose de Coluna Vertebral com Hérnia de376R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


Disco – caso específico <strong>da</strong> Parte-Autora.”Cotejando os <strong>da</strong>dos coletados nesta deman<strong>da</strong>, parece claro que a doençaque acomete a autora é grave, sendo exacerba<strong>da</strong> pela fibromialgia,porque, durante o exame com o perito, demonstrava ter a paciente 16dos 18 pontos de dor possíveis de ocorrer com tal enfermi<strong>da</strong>de, doençaessa ain<strong>da</strong> piora<strong>da</strong> em face <strong>da</strong> existência de hipotireoidismo.Segundo o laudo médico, a enferma apresenta espondiloartrose, masnão na forma anquilosante. Contudo, pelo demonstrado nos autos, oquadro clínico <strong>da</strong> paciente tende a piorar, mesmo com o tratamento e asmedicações hoje existentes. Portanto, tenho que a espondiloartrose nãoé ain<strong>da</strong> anquilosante, mas apresenta grandes probabili<strong>da</strong>des de assimse tornar.Não podemos olvi<strong>da</strong>r que os tratamentos, os exames periódicos e amedicação a ser utiliza<strong>da</strong> comprometem o orçamento <strong>da</strong> autora, os quaisnão poderão ser abandonados, sob pena de penoso falecimento, uma vezque se trata de doença incurável.Dessa forma, não resta qualquer sinal de dúvi<strong>da</strong>s quanto à gravi<strong>da</strong>dedo quadro clínico de que padece a autora, sendo inegável a degeneração<strong>da</strong> região vertebral lombar e sacral, quadro esse extremamente pioradoem razão <strong>da</strong> fibromialgia.Nesse an<strong>da</strong>r, penso que o legislador, ao editar a Lei 7.713/88, bemcomo as demais sucessivas alterações legislativas, procurou elencar asenfermi<strong>da</strong>des graves e incuráveis que imprimissem ao seu portador, alémde condição de saúde de extrema precarie<strong>da</strong>de, ain<strong>da</strong> o viés do alto custocom o tratamento.Isso posto, parece-me óbvio que a intenção do legislador ao editartal norma foi claramente desonerar aqueles que, em decorrência de problemasgraves de saúde, possuem elevados gastos em seu tratamento.A mens legis <strong>da</strong> isenção é não sacrificar o contribuinte que padece demoléstia grave e que gasta demasia<strong>da</strong>mente com o tratamento, beneficiando-ocom a isenção de imposto de ren<strong>da</strong> na fonte.Em que pese a determinação imposta pelo artigo 111 do CTN, consistentena exigência de interpretação literal <strong>da</strong> legislação tributária queoutorgue isenção, tenho que essa regra não pode ser aplica<strong>da</strong> isola<strong>da</strong>mente,nem entendi<strong>da</strong> como obstáculo a uma interpretação teleológica.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 377


Filio-me ao magistério de Paulo de Barros Carvalho, nestes termos:“O desprestígio <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> interpretação literal, como critério isolado <strong>da</strong> exegese, éalgo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como métodointerpretativo do direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados,quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia jurídica, estariam credenciados aelaborar as substâncias <strong>da</strong>s ordens legisla<strong>da</strong>s, edificando as proporções do significado <strong>da</strong>lei. (...) O jurista, que na<strong>da</strong> mais é que um lógico, o semântico e o pragmático <strong>da</strong> linguagemdo direito, há de debruçar-se sobre os textos, quantas vezes obscuros, contraditórios,penetrados de erros e imperfeições terminológicas, para construir a essência dos institutos,surpreendendo, com nitidez, a função <strong>da</strong> regra, no implexo do quadro normativo. E, à luzdos princípios capitais, que no campo tributário se situam ao nível <strong>da</strong> Constituição, passaa receber a plenitude do comando expedido pelo legislador, livre de seus defeitos e apto aproduzir as consequências que lhe são peculiares.” (BARROS CARVALHO, Paulo. Cursode Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 104)Com efeito, não se pode, simplesmente, subsumir ao comando literal<strong>da</strong> lei o caso concreto sem aprofun<strong>da</strong>mento aos seus vieses semânticos.Conforme bem ressaltado pela ilustre Desa. <strong>Federal</strong> Tânia Escobar,“a lei, no momento em que passa a viger, se desagrega do legislador e se incorpora ao restantedo sistema. Portanto, a interpretação literal <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo órgão fazendário ao inciso XIV doart. 6º <strong>da</strong> Lei nº 7.713/88 não pode prevalecer. Necessário empreender uma interpretaçãoteleológica do referido dispositivo, de modo a atingir sua melhor aplicação para a socie<strong>da</strong>de.”Efetivamente, temos que ter em mente que problemas de saúde, poróbvio, sempre causam transtornos, gastos imprevisíveis, despesas commedicamentos, se não de maneira permanente, até a completa estabilização<strong>da</strong> condição física do adoentado.Tendo em vista as particulari<strong>da</strong>des do caso concreto, minuciosamentedemonstra<strong>da</strong>, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana,teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam aoúnico desfecho justo: aju<strong>da</strong>r na preservação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e na manutenção dotratamento extremamente necessário, sem com isso prejudicar o normalatendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des básicas <strong>da</strong> autora.Não se pode se apegar, de forma rígi<strong>da</strong>, à letra fria <strong>da</strong> lei, e sim considerá-lacom temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador,principalmente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magnagarantidores do direito à saúde, à vi<strong>da</strong> e à digni<strong>da</strong>de humana.Com efeito, resta plenamente configura<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> recorrentede ver atendi<strong>da</strong> a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garanti<strong>da</strong>,378R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


uma vez que assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vi<strong>da</strong>.Ademais, os valores de que a União seria priva<strong>da</strong> não afetam substancialmentea arreca<strong>da</strong>ção federal nem causam prejuízo significativoao erário público.Assim sendo, tenho que faz jus a deman<strong>da</strong>nte à isenção do imposto deren<strong>da</strong> quanto aos valores recebidos em decorrência de sua aposentadoria.Nesse passo, considerando-se cabível a isenção, impõe-se a análise<strong>da</strong> questão <strong>da</strong> prescrição.Prescrição/decadênciaDesde logo, consigno que não se aplica à hipótese a regra geral postano Decreto n° 20.910/32, que regula a prescrição para dívi<strong>da</strong>s passivas <strong>da</strong>União. Com efeito, a regra especial prevalece sobre a geral, incidindo asdisposições específicas do Código Tributário Nacional sobre prescriçãoe decadência.Pois bem, cui<strong>da</strong>-se de tributo sujeito a lançamento por homologação,no qual o contribuinte antecipa o pagamento, sem prévio exame<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de administrativa. Somente depois de feito o recolhimentoé que o Fisco constatará a sua regulari<strong>da</strong>de. Na linha do entendimento<strong>da</strong> jurisprudência pátria e antes do advento <strong>da</strong> Lei Complementar n°118/05, entendia-se que a extinção do crédito tributário dependia deposterior homologação do lançamento (art. 150, caput e § 1º, do CTN).Não havendo a homologação expressa, considerava-se definitivamenteextinto o crédito tributário no prazo de cinco anos a contar <strong>da</strong> ocorrênciado fato gerador, ocorrendo o que se denomina homologação tácita (art.150, § 4º, do CTN).Assim, o prazo de cinco anos para pleitear a restituição, contado <strong>da</strong>extinção do crédito tributário (art. 168, I, do CTN), começaria a fluir apartir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> homologação do lançamento. Diante <strong>da</strong> homologaçãotácita, dispunha o contribuinte do prazo de dez anos para postular a restituição,a partir do fato gerador, cinco dos quais relativos à homologaçãotácita, e os outros cinco, ao prazo decadencial propriamente dito. Nessesentido, há farta jurisprudência do Colendo STJ, expressa no REsp nº171.999/RS (Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 14.12.98), nos Embargosde Divergência no REsp nº 54.380-9/PE (Rel. Min. HumbertoGomes de Barros, DJU 07.08.95), no REsp nº 134.732/RS (Rel. Min.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 379


Hélio Mosimann, DJU 18.11.96) e no REsp nº 120.939/RS (Rel. Min.Peçanha Martins, DJU 20.10.97).No entanto, sobreveio a Lei Complementar nº 118/2005, que, em seuart. 3º, dispôs que,“Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 <strong>da</strong> Lei nº 5.172, de 25 de outubro de1996 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso detributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado deque trata o § 1º do art. 150 <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei.”Tal alteração legislativa, ao prever que a extinção do crédito tributárioocorre no momento do pagamento antecipado, e não no momento <strong>da</strong>homologação desse pagamento, implicou, em ver<strong>da</strong>de, a antecipação dotermo inicial <strong>da</strong> prescrição, o que ensejou o questionamento <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>dedo art. 4° <strong>da</strong> Lei Complementar n° 118/2005, que determinoufosse aplicado ao artigo 3º o disposto no art. 106, inciso I, do CódigoTributário Nacional, ou seja, a sua aplicação a fatos geradores pretéritos.Inicialmente, por força do artigo 151 do Regimento Interno desta Casa,segui a posição exara<strong>da</strong> na Corte Especial deste <strong>Regional</strong> no julgamento<strong>da</strong> Arguição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de nº 2004.72.05.003494-7, em sessãorealiza<strong>da</strong> em 16.11.2006, ocasião em que se declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art.106, I, <strong>da</strong> Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código TributárioNacional”, constante do art. 4º, segun<strong>da</strong> parte, <strong>da</strong> Lei Complementar nº118/2005. Nessa esteira, a Corte Especial entendeu pela aplicabili<strong>da</strong>de doprazo prescricional trazido pela LC nº 118/2005 às deman<strong>da</strong>s ajuiza<strong>da</strong>sapós sua entra<strong>da</strong> em vigor, em 09.06.2005.Ocorre, to<strong>da</strong>via, que o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça submeteu o RecursoEspecial n° 1002932/SP, que trata <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong>de do art. 3º <strong>da</strong>Lei Complementar n° 118/05, à sistemática dos recursos repetitivos,prevista no art. 543-C do CPC. Em 25.11.2009, a Primeira Seção do STJentendeu que o princípio <strong>da</strong> irretroativi<strong>da</strong>de impõe a aplicação <strong>da</strong> LC118/05 aos pagamentos indevidos efetuados após a sua vigência, e nãoàs ações ajuiza<strong>da</strong>s após a vigência do aludido diploma (09.06.2005). OSuperior <strong>Tribunal</strong> de Justiça arrematou a controvérsia, ao consignar que,em relação aos pagamentos efetuados a partir de 09.06.2005, o prazo derepetição do indébito é de cinco anos a contar do pagamento; ao passoque, em relação aos pagamentos efetuados antes de 09.06.2005, a pres-380R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


crição deve obedecer ao regime previsto no sistema anterior, limita<strong>da</strong>,no entanto, ao prazo máximo de cinco anos a contar <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong>lei nova, por razões de direito intertemporal. Eis a ementa do REsp n°1002932/SP:“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CON-TROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. TRIBUTÁRIO. AUXÍLIO CONDUÇÃO. IMPOS-TO DE RENDA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º DA LC118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DEINCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVADE PLENÁRIO.1. O princípio <strong>da</strong> irretroativi<strong>da</strong>de impõe a aplicação <strong>da</strong> LC 118, de 9 de fevereiro de2005, aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência, e não às ações propostasposteriormente ao referido diploma legal, visto que é norma referente à extinção <strong>da</strong> obrigação,e não ao aspecto processual <strong>da</strong> ação correspectiva.2. O advento <strong>da</strong> LC 118/05 e suas consequências sobre a prescrição, do ponto de vistaprático, implica dever a mesma ser conta<strong>da</strong> <strong>da</strong> seguinte forma: relativamente aos pagamentosefetuados a partir <strong>da</strong> sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a repetiçãodo indébito é de cinco a contar <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do pagamento; e, relativamente aos pagamentosanteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limita<strong>da</strong>, porém,ao prazo máximo de cinco anos a contar <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> lei nova.3. Isso porque a Corte Especial declarou a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> expressão ‘observado,quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, <strong>da</strong> Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966– Código Tributário Nacional’, constante do artigo 4º, segun<strong>da</strong> parte, <strong>da</strong> Lei Complementar118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em06.06.2007).4. Deveras, a norma inserta no artigo 3º <strong>da</strong> lei complementar em tela, indubitavelmente,cria direito novo, não configurando lei meramente interpretativa, cuja retroação é permiti<strong>da</strong>,consoante apregoa doutrina abaliza<strong>da</strong>:‘Denominam-se leis interpretativas as que têm por objeto determinar, em caso de dúvi<strong>da</strong>,o sentido <strong>da</strong>s leis existentes, sem introduzir disposições novas. {nota: A questão <strong>da</strong> caracterização<strong>da</strong> lei interpretativa tem sido objeto de não pequenas divergências na doutrina. Háa corrente que exige uma declaração expressa do próprio legislador (ou do órgão de queemana a norma interpretativa), afirmando ter a lei (ou a norma jurídica que não se apresentecomo lei) caráter interpretativo. Tal é o entendimento <strong>da</strong> AFFOLTER (Das intertemporaleRecht, v. 22, System des deutschen bürgerlichen Uebergangsrechts, 1903, p. 185), julgandonecessária uma Auslegungsklausel, ao qual GABBA, que cita, nesse sentido, decisão detribunal de Parma, (...). Compreensão também de VESCOVI (Intorno alla misura dello stipendiodovuto alle maestre insegnanti nelle scuole elementari maschili, in Giurisprudenzaitaliana, 1904, I, I, cols. 1191, 1204) e à qual adere DUGUIT, para quem nunca se deveR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 381


presumir ter a lei caráter interpretativo – ‘os tribunais não podem reconhecer esse carátera uma disposição legal, senão nos casos em que o legislador lho atribua expressamente’(Traité de droit constitutionnel, 3. ed., v. 2º, 1928, p. 280). Com o mesmo ponto de vista,o jurista pátrio PAULO DE LACERDA concede, entretanto, que seria exagero exigir quea declaração seja inseri<strong>da</strong> no corpo <strong>da</strong> própria lei, não vendo motivo para desprezá-la selança<strong>da</strong> no preâmbulo, ou feita noutra lei.Encara<strong>da</strong> a questão, do ponto de vista <strong>da</strong> lei interpretativa por determinação legal, outrain<strong>da</strong>gação que se apresenta é saber se, manifesta<strong>da</strong> a explícita declaração do legislador, <strong>da</strong>ndocaráter interpretativo à lei, esta se deve reputar, por isso, interpretativa, sem possibili<strong>da</strong>dede análise, por ver se reúne requisitos intrínsecos, autorizando uma tal consideração. (...)SAVIGNY coloca a questão nos seus precisos termos, ensinando: ‘trata-se unicamente desaber se o legislador fez ou quis fazer uma lei interpretativa, e não se na opinião do juiz essainterpretação está conforme com a ver<strong>da</strong>de’ (System des heutigen romischen Rechts, v. 8º,1849, p. 513). Mas não é possível <strong>da</strong>r coerência a coisas que são de si incoerentes, não seconsegue conciliar o que é inconciliável. E, desde que a chama<strong>da</strong> interpretação autêntica érealmente incompatível com o conceito, com os requisitos <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira interpretação (v.,supra, a nota 55 ao n° 67), não admira que se procure torcer as consequências inevitáveis,fatais de tese força<strong>da</strong>, evitando-se-lhes os perigos. Compreende-se, pois, que muitos autoresnão aceitem o rigor dos efeitos <strong>da</strong> imprópria interpretação. Há quem, como GABBA(Teoria delta retroattività delle leggi, 3. ed., v. 1º, 1891, p. 29), que invoca MAILHER DECHASSAT (Traité de la rétroactivité des lois, v. 1º, 1845, p. 131 e 154), sendo seguido porLANDUCCI (Trattato storico-teorico-pratico di diritto civile francese ed italiano, versioneampliata del Corso di diritto civile francese, secondo il metodo dello Zachariæ, di Aubry eRau, v. 1º e único, 1900, p. 675) e DEGNI (L’interpretazione della legge, 2. ed., 1909, p. 101),enten<strong>da</strong> que é de distinguir quando uma lei é declara<strong>da</strong> interpretativa, mas encerra, ao ladode artigos que apenas esclarecem, outros introduzido novi<strong>da</strong>de, ou modificando dispositivos<strong>da</strong> lei interpreta<strong>da</strong>. PAULO DE LACERDA (loc. cit.) reconhece ao juiz competência paraverificar se a lei é, na ver<strong>da</strong>de, interpretativa, mas somente quando ela própria afirme queo é. LANDUCCI (nota 7 à p. 674 do vol. cit.) é de prudência manifesta: ‘Se o legisladordeclarou interpretativa uma lei, deve-se, certo, negar tal caráter somente em casos extremos,quando seja absurdo ligá-la com a lei interpreta<strong>da</strong>, quando nem mesmo se possa considerara mais erra<strong>da</strong> interpretação imaginável. A lei interpretativa, pois, permanece tal, ain<strong>da</strong> queerrônea, mas, se de modo insuperável, que suplante a mais agu<strong>da</strong> conciliação, contrastarcom a lei interpreta<strong>da</strong>, desmente a própria declaração legislativa’. Ademais, a doutrina dotema é pacífica no sentido de que ‘Pouco importa que o legislador, para cobrir o atentadoao direito, que comete, dê à sua lei o caráter interpretativo. É um ato de hipocrisia, que nãopode cobrir uma violação flagrante do direito’ (Traité de droit constitutionnel, 3. ed., v. 2º,1928, p. 274-275).’ (Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, in A Lei de Introduçãoao Código Civil Brasileiro, v. I, 3. ed., p. 294-296)5. Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>em vigor <strong>da</strong> LC 118/05 (09.06.2005), o prazo prescricional para o contribuinte pleiteara restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação,382R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


continua observando a cognomina<strong>da</strong> tese dos cinco mais cinco, desde que, na <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> vigência<strong>da</strong> novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos <strong>da</strong> contagem do lapsotemporal (regra que se coaduna com o disposto no artigo 2.028 do Código Civil de 2002,segundo o qual ‘Serão os <strong>da</strong> lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se,na <strong>da</strong>ta de sua entra<strong>da</strong> em vigor, já houver transcorrido mais <strong>da</strong> metade do tempo estabelecidona lei revoga<strong>da</strong>’).6. Dessa sorte, ocorrido o pagamento antecipado do tributo após a vigência <strong>da</strong> aludi<strong>da</strong>norma jurídica, o dies a quo do prazo prescricional para a repetição/compensação é a <strong>da</strong>tado recolhimento indevido.7. In casu, insurge-se o recorrente contra a prescrição quinquenal determina<strong>da</strong> pelo<strong>Tribunal</strong> a quo, pleiteando a reforma <strong>da</strong> decisão para que seja determina<strong>da</strong> a prescriçãodecenal, sendo certo que não houve menção, nas instância ordinárias, acerca <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta emque se efetivaram os recolhimentos indevidos, mercê de a propositura <strong>da</strong> ação ter ocorridoem 27.11.2002, razão pela qual forçoso concluir que os recolhimentos indevidos ocorreramantes do advento <strong>da</strong> LC 118/2005, por isso que a tese aplicável é a que considera os 5 anosde decadência <strong>da</strong> homologação para a constituição do crédito tributário acrescidos de mais5 anos referentes à prescrição <strong>da</strong> ação.8. Impende salientar que, conquanto as instâncias ordinárias não tenham mencionadoexpressamente as <strong>da</strong>tas em que ocorreram os pagamentos indevidos, é certo que os mesmosforam efetuados sob a égide <strong>da</strong> LC 70/91, uma vez que a Lei 9.430/96, vigente a partir de31.03.1997, revogou a isenção concedi<strong>da</strong> pelo art. 6º, II, <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei complementar àssocie<strong>da</strong>des civis de prestação de serviços, tornando legítimo o pagamento <strong>da</strong> Cofins.9. Recurso especial provido, nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação expendi<strong>da</strong>.Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e <strong>da</strong> Resolução STJ 08/2008.”(REsp 1002932/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25.11.2009, DJe18.12.2009)Dessarte, em face <strong>da</strong> posição consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça, no âmbito <strong>da</strong> sistemática dos recursos repetitivos (ex vi do art.543-C do CPC), ajusto-me à posição do aludido Egrégio, a fim de consignarque, em se tratando de pagamentos efetuados após 09.06.2005, oprazo de prescrição conta-se <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do pagamento indevido; ao passoque, em se tratando de recolhimentos feitos antes de 09.06.2005, a prescriçãosegue a sistemática adota<strong>da</strong> antes <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> LC n° 118/2005,limita<strong>da</strong>, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar <strong>da</strong> vigência<strong>da</strong> lei nova.Assim sendo, considerando que a deman<strong>da</strong>nte foi aposenta<strong>da</strong> porinvalidez em 14 de fevereiro de 2005, não há que se falar em prescrição.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 383


Repetição do indébitoA mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de restituição dos valores indevi<strong>da</strong>mente recolhidostem assento no art. 165 do CTN, que assegura ao contribuinte o direitoà devolução total ou parcial do tributo.É infun<strong>da</strong>do o pleito de retificação <strong>da</strong> declaração de ajuste do impostode ren<strong>da</strong>, visto que se procede à execução por liqui<strong>da</strong>ção de sentença e àrestituição mediante precatório ou requisição de pequeno valor, faculta<strong>da</strong>a possibili<strong>da</strong>de de escolha pela compensação, a critério do contribuinte.Aliás, a declaração retificadora, se apresenta<strong>da</strong> à Receita <strong>Federal</strong>, provavelmentenão se prestaria para o fim colimado, porquanto os valorescorrigidos serão discrepantes dos informados pelo agente responsávelpor reter o imposto de ren<strong>da</strong>, ocasionando o retar<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> devoluçãonos meandros do processo administrativo fiscal.Considerando que, nesse momento processual, o provimento jurisdicionallimita-se a reconhecer o direito à restituição dos valores pagosindevi<strong>da</strong>mente ou a maior, é desnecessária a junta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s declaraçõesde ajuste anual do imposto de ren<strong>da</strong>, pois a sentença não quantificou osvalores correspondentes ao direito reconhecido. Evidentemente que essesdocumentos não consistem em prova do fato constitutivo do direito doautor, bastando a demonstração <strong>da</strong> incidência indevi<strong>da</strong> do tributo sobreas verbas indenizatórias. Não compete ao contribuinte comprovar queo imposto foi efetivamente recolhido pela fonte pagadora, até porquea Receita <strong>Federal</strong> tem acesso não só às declarações de rendimentos depessoas físicas, mas também às declarações de imposto retido na fontepresta<strong>da</strong>s pelas enti<strong>da</strong>des pagadoras.Da mesma forma, mostra-se inútil e irrelevante à Fazen<strong>da</strong> demonstrar,na fase de conhecimento, a eventual compensação ou restituição efetiva<strong>da</strong>na via administrativa, uma vez que a apuração do quantum debeatur aconteceráquando houver a execução do julgado. A prova de fato extintivo,modificativo ou impeditivo do direito declarado pela sentença deve serfeita após a liqui<strong>da</strong>ção, ocasião em que serão confrontados os cálculosapresentados pelo credor.Caso se configure excesso de execução, decorrente <strong>da</strong> compensação ourestituição dos valores relativos ao título judicial, admite-se a invocaçãode tal matéria pela União, com fulcro no art. 741, VI, do CPC, uma vez384R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


que se trata de questão típica de embargos à execução. Cabe à executa<strong>da</strong>,to<strong>da</strong>via, demonstrar pormenoriza<strong>da</strong>mente os erros ou o excesso constatadosna conta exequen<strong>da</strong>, visto que a Fazen<strong>da</strong>, a partir dos <strong>da</strong>dos obtidosnas declarações de rendimentos do contribuinte e de imposto retido nafonte, pode verificar o imposto retido na fonte e declarado, bem comosaber se tal valor já foi devolvido administrativamente.Não se caracteriza a preclusão, pelo fato de não ter sido prova<strong>da</strong> acompensação ou a restituição no processo de conhecimento, porque,como já explicitado, a sentença proferi<strong>da</strong> foi ilíqui<strong>da</strong>.Nesse sentido, colho os seguintes precedentes do STJ:“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. VERBASINDENIZATÓRIAS. FÉRIAS INDENIZADAS E LICENÇA-PRÊMIO. RESTITUIÇÃOVIA PRECATÓRIO. AJUSTE ANUAL DO TRIBUTO. DESNECESSIDADE DE COM-PROVAÇÃO PARA FINS DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRECEDENTES.1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento,por reconhecer a incidência do imposto de ren<strong>da</strong> sobre o 13º salário.2. O art. 333, I e II, do CPC dispõe que compete ao autor fazer prova constitutiva deseu direito e ao réu, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito doautor. In casu, os autores fizeram prova do fato constitutivo de seu direito – a comprovação<strong>da</strong> retenção indevi<strong>da</strong> de imposto de ren<strong>da</strong> sobre abono-assidui<strong>da</strong>de, férias e licença-prêmio,não goza<strong>da</strong>s em função <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de do serviço, os quais constituem verbas indenizatórias,conforme já está pacificado no seio desta Casa Julgadora (Súmulas acima cita<strong>da</strong>s).3. A junta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s declarações de ajuste, para fins de verificação de eventual compensação,não estabelece fato constitutivo do direito do autor, ao contrário, perfazem fato extintivodo seu direito, cuja comprovação é única e exclusivamente <strong>da</strong> parte ré (Fazen<strong>da</strong> Nacional).Ocorrendo a incidência, na fonte, de retenção indevi<strong>da</strong> do adicional de imposto de ren<strong>da</strong>,não há necessi<strong>da</strong>de de se comprovar que o responsável tributário recolheu a respectivaimportância aos cofres públicos.4. Não se pode afastar a pretensão <strong>da</strong> restituição via precatório, visto que o contribuintepoderá escolher a forma mais conveniente para pleitear a execução <strong>da</strong> decisão condenatória,por meio de compensação ou restituição via precatório. Precedentes desta Corte.5. ‘Tributário. Repetição de Indébito. Imposto de Ren<strong>da</strong> Retido na Fonte. Férias nãogoza<strong>da</strong>s. Natureza indenizatória. Não incidência. Desnecessi<strong>da</strong>de de comprovação pelocontribuinte de que não houve compensação dos valores indevi<strong>da</strong>mente retidos na declaraçãoanual de ajuste. Orientação sedimenta<strong>da</strong> em ambas as Turmas <strong>da</strong> 1ª Seção’ (REsp nº733104/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 09.05.2005).6. ‘Tratando-se de ação de repetição de indébito, a restituição deve ser feita pela regrageral, observado o art. 100 <strong>da</strong> CF/88, descabendo ao <strong>Tribunal</strong> modificar o pedido, determinandoa retificação <strong>da</strong> declaração anual de ajuste’ (REsp nº 801218/SC, 2ª Turma, Rel.Min. Eliana Calmon, DJ de 22.03.2006).R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 385


7. Agravo regimental provido, para <strong>da</strong>r parcial provimento ao recurso especial.” (AgRgno Ag 758453/PR, Relator(a) Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 03.08.2006, p.214)Consigno, por fim, que deve ser observa<strong>da</strong> a atualização monetária<strong>da</strong>s importâncias desconta<strong>da</strong>s na fonte a título de imposto de ren<strong>da</strong>,consoante os índices fixados neste julgado, desde a <strong>da</strong>ta de ca<strong>da</strong> retenção.Entendimento em sentido contrário acarretaria enriquecimento semcausa de uma <strong>da</strong>s partes em detrimento <strong>da</strong> outra, rechaçado pela Súmulanº 162 do STJ.Correção monetária e juros de moraA correção monetária deve incidir sobre os valores pagos de maneiraindevi<strong>da</strong> e objeto de compensação/restituição, a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do pagamento,não se aplicando, neste aspecto, a Lei nº 6.899/81. Isso porquea atualização monetária na<strong>da</strong> mais é que instrumento de manutençãodo valor <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> no tempo, na<strong>da</strong> acrescentando ao valor original docrédito. Entender o contrário implicaria enriquecimento sem causa deuma <strong>da</strong>s partes em detrimento <strong>da</strong> outra. Nesse sentido, o Colendo STJeditou a Súmula nº 162, que, embora se refira à repetição de indébitotributário, também é aplicável à compensação.É cabível a utilização, entre janeiro de 1992 e dezembro de 1995,<strong>da</strong> variação <strong>da</strong> Ufir, conforme a Lei nº 8.383/91 (TRF <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, AC95.04.46669-9/SC, Rel. Juiz Jardim de Camargo, 2ª Turma – DJU28.11.96).Em virtude <strong>da</strong> regra do artigo 39, § 4º, <strong>da</strong> Lei 9.250/95, a partir de 1ºde janeiro de 1996 deve ser computa<strong>da</strong> sobre o crédito do contribuinteapenas a taxa Selic, excluindo-se qualquer índice de correção monetáriaou juros de mora, pois a referi<strong>da</strong> taxa já os inclui. Por não se tratar <strong>da</strong>smatérias enumera<strong>da</strong>s no art. 146, III, <strong>da</strong> Constituição, reserva<strong>da</strong>s à leicomplementar, o art. 39, § 4º, <strong>da</strong> Lei nº 9.250/95 revogou o art. 167, parágrafoúnico, do CTN, passando a fluir somente a Selic sobre os valoresa serem restituídos ou compensados.Honorários advocatíciosEm face <strong>da</strong> inversão <strong>da</strong> decisão, condeno a União no reembolso <strong>da</strong>scustas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios, arbi-386R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


trados em 10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação, ex vi do art. 20, §§ 3º e 4º,do CPC.PrequestionamentoEm arremate, consigno que o enfrentamento <strong>da</strong>s questões suscita<strong>da</strong>sem grau recursal, assim como a análise <strong>da</strong> legislação aplicável, é suficientepara prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivosque as fun<strong>da</strong>mentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legaisensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foideclinado. Desse modo, evita-se a necessi<strong>da</strong>de de oposição de embargosde declaração tão somente para esse fim, o que evidenciaria finali<strong>da</strong>deprocrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538do CPC).Ante o exposto, voto no sentido de <strong>da</strong>r provimento à apelação.APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012825-93.2011.404.7100/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo PizzolattiApelantes: Berto Romeu LopesHorácio Peres GonçalvesJoão de OliveiraJosé Carlos Almei<strong>da</strong>José Luiz Vargas <strong>da</strong> SilvaLeondino Gertur LudwigLuiz Fernando Paz MachadoOrvandil Amaral de FreitasOtolbides de Leon FerreiraAdvogado: Dr. Rony Pilar CavalliApela<strong>da</strong>: União – Fazen<strong>da</strong> NacionalR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 387


EMENTAMembros <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s. Contribuição previdenciária. Servidorespúblicos. Categorias e contribuições distintas.Os membros <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s constituem categoria funcional totalmentedistinta <strong>da</strong> categoria dos servidores públicos, conforme enfatizao § 3º do art. 142 <strong>da</strong> Constituição, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 18, de 1998, e há muito e até hoje contribuem, em termos deseguro social, apenas para o custeio <strong>da</strong> pensão por morte, na forma <strong>da</strong>legislação própria, que foi recepciona<strong>da</strong> pela Constituição <strong>Federal</strong> de1988 e não foi modifica<strong>da</strong> por emen<strong>da</strong>s constitucionais posteriores, sendopor isso descabido conferir-lhes tratamento idêntico ao reconhecido aosservidores públicos.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, negar provimento à apelação, nos termos do relatório,votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante dopresente julgado.Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2012.Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti: Trata-se de apelaçãode Berto Romeu Lopes e outros, acima nomeados, contra sentença que,pronunciando a prescrição de parte <strong>da</strong> pretensão, julgou improcedenteação ordinária por eles ajuiza<strong>da</strong> contra a União, postulando a exclusão<strong>da</strong> incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos quepercebem como militares inativos, bem como a restituição dos valoresreferentes às contribuições previdenciárias recolhi<strong>da</strong>s desde 05.10.1988até a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 41/2003. Alternativamente,requereram que a contribuição previdenciária incidisse apenassobre os valores excedentes do teto do regime geral de previdência social,com a condenação <strong>da</strong> ré à restituição dos valores recolhidos a mais.Em suas razões recursais, os apelantes repisam os argumentos expos-388R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


tos na inicial, sustentando a não recepção <strong>da</strong> Lei nº 3.765, de 1960, e ainconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei nº 8.237, de 1991, e <strong>da</strong> MP 2.215-10/01, noque se refere à contribuição para a pensão dos militares inativos.Com contrarrazões <strong>da</strong> União, vieram os autos a este <strong>Tribunal</strong>.É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti: O que pretendem osapelantes, todos membros <strong>da</strong> reserva remunera<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s,é ver reconhecido que desde a promulgação <strong>da</strong> Constituição de 1988até a publicação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 41, de 2003, não era poreles devi<strong>da</strong> contribuição previdenciária e que a partir dessa Emen<strong>da</strong>Constitucional devem ter tratamento idêntico ao conferido aos servidorespúblicos aposentados, consistente em ficarem imunes à contribuiçãoprevidenciária até o montante do teto dos benefícios do Regime Geralde Previdência Social.Ocorre que os membros <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s (também denominadosmilitares pelo § 3º do art. 142 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>) sempre tiveramregime funcional e previdenciário específico, totalmente diverso <strong>da</strong>queledos servidores públicos (Constituição <strong>Federal</strong>, art. 42, re<strong>da</strong>ção original;art. 142, X, acrescentado pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 18, de 1998).Na ver<strong>da</strong>de, do ponto de vista do seguro social, os membros <strong>da</strong>s ForçasArma<strong>da</strong>s há déca<strong>da</strong>s contribuem apenas para o custeio <strong>da</strong> pensão pormorte, nos termos <strong>da</strong> Lei nº 3.765, de 1960. “No mais – passagem paraa reserva remunera<strong>da</strong>, reforma, licenças, equivalentes às ‘aposentadorias’e ‘auxílios’ –”, como bem observou Oliveira, “a outorga é direta enão contributiva, por parte do Tesouro Nacional” (OLIVEIRA, MoacyrVelloso Cardoso de. Previdência Social: doutrina e exposição <strong>da</strong> legislaçãovigente. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987. p. 419, n. 1.897).Há explicação para os membros <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s não contribuírempara o custeio <strong>da</strong> sua inativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> hoje: passam inicialmenteà reserva remunera<strong>da</strong>, ficando à disposição <strong>da</strong> pátria para seremeventualmente chamados à ativa, e, mais à frente, quando totalmenteincapacitados para o serviço militar, são reformados.Ora, como mesmo hoje os militares (membros <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s)não contribuem para o benefício maior, que é o <strong>da</strong> inativi<strong>da</strong>de remune-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 389


a<strong>da</strong>, com a manutenção dos ganhos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de – diferentemente dosservidores públicos, que a essa contribuição estão sujeitos, ficando imunesparcialmente após aposentados (até o montante que não ultrapassa oteto do Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social, no que se aproximam dostrabalhadores do Regime Geral de Previdência Social, os quais com aaposentadoria deixam de contribuir, mas em compensação não ganhamalém do teto) –, é certo que não se lhes pode estender o tratamento devidoaos servidores públicos ou aos demais trabalhadores.Em conclusão, a Constituição de 1988, ao ser promulga<strong>da</strong>, não alterou,com seu artigo 42 (re<strong>da</strong>ção original), o regime contributivo dos membros<strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, na forma <strong>da</strong> legislação então vigente (Lei nº 3.765,de 1960), limitado à pensão por morte, ficando os demais benefícios semcontribuição, por falta de previsão legal. A Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 41,de 2003, a seu turno, tampouco alterou esse regime, porque se restringiuaos servidores públicos (art. 4º).Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Após análise doprocesso, na<strong>da</strong> a acrescentar ao bem lançado voto do e. relator, o qualacompanho, na íntegra.Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.390R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012


ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE


ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 0004601-17.2011.404.0000/PRRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaInteressado: Inaldo Mares <strong>da</strong> CostaAdvogados: Drs. Luiz Leandro Gaspar Dias e outrosInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Procurador: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalSuscitante: 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Art. 649 do CPC. Art. 186 do CTN.Direito à saúde. Art. 6º, caput, <strong>da</strong> CF. Princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>deem sentido estrito. Não conhecimento.1. Incidente em que verifica<strong>da</strong> a colisão de duas normas-princípio: odireito à saúde em contraposição à indisponibili<strong>da</strong>de do crédito tributário.2. O conflito entre princípios constitucionais não se resolve, necessariamente,no âmbito <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de, mas, sim, pela aplicaçãodo princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, e, no caso, especialmente, pela proporcionali<strong>da</strong>deem sentido estrito.3. Haverá respeito à proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito quando omeio a ser empregado se mostrar como o mais vantajoso, no sentido <strong>da</strong>promoção de certos valores com o mínimo de respeito de outros, que aeles se contraponham, observando-se, ain<strong>da</strong>, que não haja violação do“mínimo” em que todos devem ser respeitados. Doutrina cita<strong>da</strong>.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 393


4. O conflito estabelecido entre o princípio do direito à saúde emcontraposição ao <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de do crédito público resolve-se mediantea aplicação do princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito,ou seja, pela ponderação <strong>da</strong>s normas envolvi<strong>da</strong>s, de modo que cabe à2ª Turma deste <strong>Tribunal</strong> fazer a devi<strong>da</strong> adequação de qual princípio oudireito fun<strong>da</strong>mental deva preponderar no caso concreto.5. Arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de não conheci<strong>da</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, não conhecer <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de,vencido o Des. Victor Laus, que conhecia em parte, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Inaldo Mares<strong>da</strong> Costa interpôs agravo de instrumento, com pedido de antecipaçãodos efeitos <strong>da</strong> tutela recursal, em face de decisão singular que indeferiua liberação dos valores constritos, via BacenJud, in verbis (fl. 102):“O executado foi intimado para comprovar que o valor bloqueado (BacenJud) destina--se ao pagamento <strong>da</strong>s despesas com o tratamento <strong>da</strong> sua saúde (fl. 74). Juntou ofício (fl.81) do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos do Estado do Paranáconcedendo-lhe o prazo de trinta dias para regularizar o débito no valor de R$13.400,00, sobpena de cancelamento de seu plano de assistência médica. Em que pesem os argumentos doexecutado, o crédito tributário prefere aos créditos contratuais. Sendo assim, indefiro, porora, a liberação dos valores bloqueados. Abra-se vista à exequente para manifestação, noprazo de dez dias, sobre as petições e os documentos juntados pelo executado (fls. 39-71 e77-83). Com a manifestação <strong>da</strong> União, voltem conclusos.”Sustenta o agravante, em suas razões, a impenhorabili<strong>da</strong>de dos valoresbloqueados. Argumenta que o referido valor foi obtido por meio deempréstimo consignado de sua aposentadoria para quitar débitos referentesao seu plano de saúde que estava na iminência de interrupção por394R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


falta de pagamento. Aduz ser portador de grave moléstia, que necessitade cui<strong>da</strong>dos médicos constantes. Requereu a antecipação dos efeitos <strong>da</strong>tutela recursal.Verifica<strong>da</strong>s a presença <strong>da</strong> verossimilhança <strong>da</strong> alegação (impenhorabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> verba conscrita via BacenJud) e do periculum in mora(débil situação de saúde do agravante), o pedido de efeito suspensivofoi deferido por este Relator (fls. 108-109).Apresenta<strong>da</strong>s contrarrazões pela Fazen<strong>da</strong> Nacional (fls. 113-114).Por ocasião do julgamento deste agravo de instrumento, a 2ª Turmadeste <strong>Tribunal</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, decidiu arguir a inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 649 do CPC e do art. 186 do CTN, mantendo o efeito suspensivoconcedido à decisão agrava<strong>da</strong>, tendo em vista a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação<strong>da</strong> parte agravante, nos termos do voto de relatoria do Juiz <strong>Federal</strong> ArturCésar de Souza (fls. 115-117), consoante ementa abaixo transcrita (D.E.27.06.11):“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEDOS ARTS. 649 DO CPC E 186 DO CTN. APARENTE CONFLITO ENTRE O DIREI-TO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO EXECUTADO EM RELAÇÃO AO DIREITO DOFISCO DE VER ADIMPLIDO O SEU CRÉDITO.1. O direito à saúde é direito fun<strong>da</strong>mental, com eficácia e aplicabili<strong>da</strong>de imediata, nostermos do parágrafo 1º do art. 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.2. O direito de crédito deve ceder seu lugar ao direito fun<strong>da</strong>mental, por este ser urgentee intangível. Em que pese a União seja titular de um crédito no valor aproximado de vintemil reais, a sua realização não pode se <strong>da</strong>r de forma a violar o direito fun<strong>da</strong>mental à saúdedo executado, porquanto a interrupção do tratamento do agravante, por meio <strong>da</strong> penhora dovalor obtido por este para pagamento <strong>da</strong> sua assistência médica, não se apresenta razoável.”O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em seu parecer, opina pela declaraçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 186 do CTN (fls. 122-123).É o relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de Incidentede Arguição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 649 do Código deProcesso Civil (que não prevê que valores provenientes de empréstimosejam absolutamente impenhoráveis) e do art. 186 do Código TributárioNacional (que estabelece a preferência do crédito tributário, exceto osdecorrentes <strong>da</strong> legislação do trabalho ou do acidente de trabalho), porR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 395


suposta violação ao direito fun<strong>da</strong>mental à saúde.Dispositivos atacadosArt. 649 do Código de Processo Civil“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;II – os móveis, os pertences e as utili<strong>da</strong>des domésticas que guarnecem a residência doexecutado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessi<strong>da</strong>des comuns correspondentesa um médio padrão de vi<strong>da</strong>; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se deelevado valor; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventosde aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios; as quantias recebi<strong>da</strong>s porliberali<strong>da</strong>de de terceiro e destina<strong>da</strong>s ao sustento do devedor e sua família, os ganhos detrabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3ºdeste artigo; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outrosbens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaLei nº 11.382, de 2006).VI – o seguro de vi<strong>da</strong>; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).VII – os materiais necessários para obras em an<strong>da</strong>mento, salvo se essas forem penhora<strong>da</strong>s;(Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).VIII – a pequena proprie<strong>da</strong>de rural, assim defini<strong>da</strong> em lei, desde que trabalha<strong>da</strong> pelafamília; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).IX – os recursos públicos recebidos por instituições priva<strong>da</strong>s para aplicação compulsóriaem educação, saúde ou assistência social; (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia deposita<strong>da</strong> em cadernetade poupança. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.382, de 2006).XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos nos termos <strong>da</strong> lei, por partidopolítico. (Incluído pela Lei nº 11.694, de 2008)§ 1º A impenhorabili<strong>da</strong>de não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisiçãodo próprio bem. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora parapagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).§ 3º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).”Art. 186 do Código Tributário Nacional“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ouo tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes <strong>da</strong> legislação do trabalhoou do acidente de trabalho. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela LCP nº 118, de 2005)”396R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


Acórdão no qual suscitado o incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>deO então Relator (Juiz <strong>Federal</strong> Artur César de Souza) que me substituiuna 2ª Turma assim fun<strong>da</strong>mentou no seu voto o incidente:“Ao analisar o pedido de efeito suspensivo, assim decidiu o Des. <strong>Federal</strong> Otávio RobertoPamplona, que me antecedeu no feito:‘(...) Razão assiste ao agravante.De fato, como assinalado pelo magistrado a quo, o crédito tributário prefere aos créditoscontratuais, contudo, no presente caso vislumbro a colisão do direito fun<strong>da</strong>mental à saúdedo executado em relação ao direito do Fisco de ver adimplido o seu crédito.O direito à saúde é direito fun<strong>da</strong>mental, com eficácia e aplicabili<strong>da</strong>de imediata, nostermos do parágrafo 1º do art. 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. Esse direito pertence a todos,sendo dever do Estado assegurá-lo aos seus necessitados, razão pela qual deve garanti-losob qualquer condição. No caso, deve a Jurisdição assegurar a sua efetiva tutela.Nesse sentido, o direito de crédito deve ceder seu lugar ao direito fun<strong>da</strong>mental, por esteser urgente e intangível. Em que pese a União seja titular de um crédito no valor aproximadode vinte mil reais, a sua realização não pode se <strong>da</strong>r de forma a violar o direito fun<strong>da</strong>mentalà saúde do executado. A interrupção do tratamento do agravante, por meio <strong>da</strong> penhora dovalor obtido por este para pagamento <strong>da</strong> sua assistência médica, não se apresenta razoável.Compulsando os autos, verifico que o agravante juntou declaração do seu médico (fl.98), que atesta a necessi<strong>da</strong>de de cui<strong>da</strong>dos permanentes <strong>da</strong> sua saúde, além do comunicadofeito pelo Sindicato (fl. 99), do qual é associado, sobre a regularização pendente <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>de R$ 13.400,00, sob pena de o plano de assistência médica ser cancelado. Tais documentosdão concretude às alegações trazi<strong>da</strong>s pelo recorrente a este Juízo.Há, ademais, farta documentação <strong>da</strong>ndo conta de que o agravante foi acometido demoléstia gravíssima – câncer – que exigiu complica<strong>da</strong> intervenção cirúrgica, permanecendo‘com colostomia’, que consiste em um procedimento cirúrgico em que se faz uma aberturano abdome (estoma) para a drenagem fecal (fezes) provenientes do intestino grosso (cólon).É feito geralmente após a ressecação intestinal.Inclusive, atualmente, conforme também demonstrado, o agravante está aposentadopor invalidez.Por fim, deve ser observado que o mútuo foi feito sob a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de adesão, comautorização em débito sobre o benefício pago pelo INSS, cuja natureza, a to<strong>da</strong> evidência,é salarial, conforme documento de fl. 64. Presente a verossimilhança, verifico a impenhorabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> verba constrita, via BacenJud. O periculum in mora, por sua vez, tambémressalta evidente, em face <strong>da</strong> débil situação de saúde do agravante.Ante o exposto, defiro o pedido de efeito suspensivo.’Estou acompanhando o entendimento manifestado pelo Des. Otávio Pamplona, nosentido de conferir prevalência à verba alimentar frente ao crédito tributário. Na<strong>da</strong> obstantemeu entendimento pessoal, no sentido de que a saúde tem uma abrangência muito maiscomplexa do que a questão <strong>da</strong> verba alimentar o que, em linha de princípio, caracterizaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 397


mera colisão de princípios e não conflito de regras jurídicas, vislumbro semelhança destecaso com o julgamento proferido pela Corte Especial deste TRF (em que se discutia oprivilégio do crédito fiscal em detrimento de valores oriundos de execução de alimentos),sendo acolhido o incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de parcial do art. 186 do CTN por ofensaaos arts. 5º, caput, 227 e 229 <strong>da</strong> CF/88, verbis:‘TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEACOLHIDA. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO ARTIGO 186 DO CTN. 1.O dispositivo em comento fere a Constituição <strong>Federal</strong>, ain<strong>da</strong> que de forma parcial, já queatenta contra o princípio de proteção prioritária assegurado à criança e ao adolescente (art.227 CF); contra o dever de assistência imposto pelo artigo 229 <strong>da</strong> CF; bem como consagra,em situações como a dos autos, tratamento anti-isonômico, conferindo maior proteção aosempregados que aos filhos do indivíduo. 2. Incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>deacolhido.’ (TRF4, ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2009.04.00.033108-1, Corte Especial, Desa. <strong>Federal</strong> LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, POR MAIO-RIA, D.E. 15.09.2010)Na espécie, penso que a presente decisão termina por afastar, ao menos de formaparcial, o art. 186 do CTN (que diz que o crédito tributário prefere a qualquer outro, anão ser àqueles decorrentes <strong>da</strong> legislação do trabalho ou de acidente do trabalho) e o art.649 do CPC (que não prevê que valores provenientes de empréstimo, que é o caso, sejamabsolutamente impenhoráveis).Ante o exposto, voto por arguir a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos dispositivos dos arts. 649do CPC e do art. 186 do CTN, mantendo, pela urgência e gravi<strong>da</strong>de, o efeito suspensivoconcedido à decisão agrava<strong>da</strong>.”E a ementa do acórdão foi prolata<strong>da</strong> nos seguintes termos:“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEDOS ARTS. 649 DO CPC E 186 DO CTN. APARENTE CONFLITO ENTRE O DIREI-TO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO EXECUTADO EM RELAÇÃO AO DIREITO DOFISCO DE VER ADIMPLIDO O SEU CRÉDITO.1. O direito à saúde é direito fun<strong>da</strong>mental, com eficácia e aplicabili<strong>da</strong>de imediata, nostermos do parágrafo 1º do art. 5º <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.2. O direito de crédito deve ceder seu lugar ao direito fun<strong>da</strong>mental, por este ser urgentee intangível. Em que pese a União seja titular de um crédito no valor aproximado de vintemil reais, a sua realização não pode se <strong>da</strong>r de forma a violar o direito fun<strong>da</strong>mental à saúdedo executado, porquanto a interrupção do tratamento do agravante, por meio <strong>da</strong> penhora dovalor obtido por este para pagamento <strong>da</strong> sua assistência médica, não se apresenta razoável.”Caso concretoNo caso em apreço, o agravante teve penhorados os valores depositadosem sua conta-corrente, por meio de penhora on line via BacenJud, em398R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


processo de execução fiscal movido pela Fazen<strong>da</strong> Nacional. Entretanto,conforme comprovado nos autos, tratava-se de valores decorrentes deum empréstimo consignado obtido para quitação de uma dívi<strong>da</strong> juntoao seu plano de saúde, pois, em decorrência de seu estado de saúde, elenão poderia ficar sem assistência médica.O Juiz <strong>Federal</strong> Artur César de Souza, relator do processo, arguiu oincidente sob o entendimento de que a prevalência dos créditos tributáriosà verba alimentar (previsão do art. 186 do CTN) viola o princípioconstitucional do direito à saúde, devendo o referido artigo ser afastado,ao menos de forma parcial.Normas em conflitoNo presente incidente, verifica-se a colisão de duas normas-princípio:o direito à saúde em contraposição à indisponibili<strong>da</strong>de do crédito tributário.O direito à saúde é um direito social, previsto no art. 6º, caput, <strong>da</strong> CF.Os direitos sociais localizam-se no Capítulo II do Título II <strong>da</strong> CF/88.O Título II <strong>da</strong> nossa Constituição <strong>Federal</strong> elenca os direitos e as garantiasfun<strong>da</strong>mentais. Assim, se os direitos sociais encontram-se insertosem um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e <strong>da</strong>sgarantias fun<strong>da</strong>mentais, conclui-se que os direitos sociais (como a saúde)são direitos fun<strong>da</strong>mentais do homem e possuem os mesmos atributos egarantias desses direitos.Desse modo, é inegável que o tratamento constitucional aos direitossociais possui assento no Título II, entre os direitos fun<strong>da</strong>mentais. Assim,é possível afirmar que o direto à saúde é um direito fun<strong>da</strong>mental social,visto que é possuidor de to<strong>da</strong>s as características inerentes a estes direitos,haja vista o art. 5º, § 1º, <strong>da</strong> CF/88, que insere a saúde no rol dos direitosfun<strong>da</strong>mentais explicitamente.O direito à saúde é amplo e está presente em diversos artigos de nossaCarta Constitucional de 1988, a saber: arts. 5º, 6º, 7º, 21, 22, 23, 24, 30,127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216,218, 220, 225, 227 e 230. O conceito de saúde é, também, uma questãode o ci<strong>da</strong>dão ter direito a uma vi<strong>da</strong> saudável, levando à construção deuma quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, que deve objetivar a democracia, a igual<strong>da</strong>de, orespeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurandoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 399


livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios.Por outro lado, o princípio <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de do crédito tributáriodecorre do próprio Estado Democrático de Direito, sendo um princípioderivado <strong>da</strong> indisponibili<strong>da</strong>de do interesse público, princípio basilar doDireito Público.A Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 elegeu como fun<strong>da</strong>mentos principais<strong>da</strong> República Federativa do Brasil a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoahumana e os valores sociais do trabalho, prevendo como objetivos aconstrução de uma socie<strong>da</strong>de livre, justa e solidária, com promoção dobem-estar de todos, sem quaisquer formas de discriminação.To<strong>da</strong>via, para a realização desses man<strong>da</strong>mentos constitucionais, aAdministração Pública necessita de recursos financeiros, os quais sãoadquiridos compulsoriamente junto aos ci<strong>da</strong>dãos que formam a socie<strong>da</strong>debrasileira.Ressalte-se, ain<strong>da</strong>, que a cobrança do crédito público deve obrigatoriamenteser realiza<strong>da</strong> com observância dos princípios constitucionais<strong>da</strong> Igual<strong>da</strong>de, Legali<strong>da</strong>de, Impessoali<strong>da</strong>de, Morali<strong>da</strong>de, Eficiência eIndisponibili<strong>da</strong>de do Interesse Público.Nesse sentido, a indisponibili<strong>da</strong>de dos interesses públicos significaque, sendo interesses próprios <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de, não se encontram à livredisposição de quem quer que seja, nem <strong>da</strong> própria Administração Públicaou de seus agentes públicos. O administrador não pode dispor livrementedo interesse público, pois não representa seus próprios interesses quandoatua, devendo agir de acordo com os limites impostos pela lei. O Administradoré mero gestor <strong>da</strong> coisa pública, não tem disponibili<strong>da</strong>de sobreos interesses confiados à sua guar<strong>da</strong> e realização.Resolução do incidente: princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>deApresenta<strong>da</strong>s essas premissas, tem-se, em ver<strong>da</strong>de, colisão de princípios,de um lado o direito à saúde e de outro a indisponibili<strong>da</strong>de docrédito público.Ocorre que o conflito entre princípios não se resolve no âmbito <strong>da</strong>inconstitucionali<strong>da</strong>de, mas, sim, pela aplicação do princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de.O princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, por ter fun<strong>da</strong>mento constitucional,é um princípio que se aplica a todo e qualquer ramo do Direito, como400R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


método de resolução de conflito entre os princípios jurídicos, em especialos de índole constitucional.Jairo Gilberto Schäfer, em obra que trata dos direitos fun<strong>da</strong>mentais,sua proteção e suas restrições, ensina que, segundo o cânone <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de,sempre que haja restrições que confrontem com os direitosou interesses legalmente protegidos dos ci<strong>da</strong>dãos, o intérprete deve atuarsegundo o princípio <strong>da</strong> justa medi<strong>da</strong>, é dizer, deve escolher, entre asmedi<strong>da</strong>s necessárias para atingir os fins legais, aquelas que impliquemno mínimo sacrifício sobre os direitos dos homens. Segundo o autor,as limitações que afetem direitos e interesses dos ci<strong>da</strong>dãos só devem iraté onde sejam ver<strong>da</strong>deiramente necessárias para assegurar o interessepúblico, não se devendo utilizar medi<strong>da</strong>s mais restritivas quando outras,menos onerosas, se apresentarem suficientes para atingir a finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>lei. Em sua acepção ampla, portanto, prossegue o estudioso, o princípio<strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de quer significar a proibição do excesso, asseverandoque:“Restrições a direitos somente podem ser efetua<strong>da</strong>s em havendo estrita necessi<strong>da</strong>de paraa preservação de outras posições constitucionalmente protegi<strong>da</strong>s. O Poder Público deve agirestritamente na busca do interesse público. A finali<strong>da</strong>de, e não a vontade, é que preside aação <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de pública.” (SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos Fun<strong>da</strong>mentais: proteçãoe restrições. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001. p. 106-107)Robert Alexy vê o princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, ao qual ele denominade máxima <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, como um método de resoluçãoentre conflitos dos princípios constitucionais. Ensina o doutrinador queos princípios são man<strong>da</strong>dos de otimização com respeito às possibili<strong>da</strong>desjurídicas fáticas. A máxima <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito, istoé, o man<strong>da</strong>do de ponderação, segue-se <strong>da</strong> relativização com respeito àspossibili<strong>da</strong>des fáticas. Se uma norma de direito fun<strong>da</strong>mental com caráterde princípio entra em colisão com um princípio oposto, significadizer que a possibili<strong>da</strong>de de realização <strong>da</strong> norma de direito fun<strong>da</strong>mentaldepende do princípio contraposto. Para se resolver o problema, é de rigoro recurso à máxima <strong>da</strong> ponderação (ALEXY, Robert. Teoria de losderechos fun<strong>da</strong>mentais. Traduzido por Ernesto Garzón Valdes. Madrid:Centro de Estudos Constitucionais, 1993. p.112)O princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, como concebido modernamente,desdobra-se (ou compõe-se), segundo a voz uníssona dos doutrinadores,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 401


em três elementos ou subprincípios, a saber: a adequação, a necessi<strong>da</strong>dee a proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito.De acordo com o subprincípio <strong>da</strong> adequação, a medi<strong>da</strong> utiliza<strong>da</strong> paraa realização de uma finali<strong>da</strong>de pública deve ser apropria<strong>da</strong> para a consecuçãodo fim (ou fins) a ela subjacente, pressupondo, como consequência,a verificação de que o ato do poder público é apto conforme os fins quejustificaram sua adoção.Sob o prisma do subprincípio <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, a medi<strong>da</strong> utiliza<strong>da</strong> pelopoder público não pode exceder os limites indispensáveis à conservaçãodo fim legítimo que se almeja, ou, em outras palavras, uma medi<strong>da</strong> paraser admissível deve ser necessária. Está ínsita a ideia de que o atuar doEstado deve invadir o mínimo possível a esfera de liber<strong>da</strong>de do indivíduo.Por fim, a proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito confunde-se com atécnica de ponderação ou lei <strong>da</strong> ponderação.Aduz Gomes Canotilho que, após se verificar a necessi<strong>da</strong>de e a adequaçãodo meio para o atendimento do fim colimado, deve-se, então,perguntar se o resultado obtido o foi de maneira proporcional à cargacoativa mesma. Nessa perspectiva, “meios e fins são colocados emequação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meioutilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim”, tratando-se,pois, de “uma questão de medi<strong>da</strong> ou desmedi<strong>da</strong> para se alcançar umfim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”(CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra:Almedina, 1996. p. 383-384).Ensina Robert Alexy que, de acordo com a lei de ponderação, a medi<strong>da</strong>permiti<strong>da</strong> de não satisfação ou de afetação de um dos princípiosdepende do grau de importância <strong>da</strong> satisfação do princípio contraposto.E na definição do conceito de princípios, com cláusula relativa às possibili<strong>da</strong>desjurídicas, aquele que é ordenado pelo respectivo princípiofoi posto em relação com aquele que é ordenado pelo princípio oposto.A lei de ponderação, ou proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito, é quedirá em que consiste essa relação. Põe-se, assim, de forma clara, que opeso dos princípios não é determinado em si mesmo ou absolutamente,podendo-se falar apenas em pesos relativos (ALEXY, Robert. Teoria delos derechos fun<strong>da</strong>mentales. p. 161).Assim, na eluci<strong>da</strong>tiva síntese de Willis Santiago Guerra Filho, have-402R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


á respeito à proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito quando o meio a serempregado se mostrar como o mais vantajoso, no sentido <strong>da</strong> promoçãode certos valores com o mínimo de respeito de outros, que a eles secontraponham, observando-se, ain<strong>da</strong>, que não haja violação do “mínimo”em que todos devem ser respeitados (GUERRA FILHO, WillisSantiago. Princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de e teoria do direito. In: GRAU,Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). DireitoConstitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo:Malheiros, 2001, p. 270-271).ConclusãoDestarte, como o conflito entre princípios constitucionais não se resolveno âmbito <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de, mas, sim, pela aplicação doprincípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito, ou seja, pela ponderação<strong>da</strong>s normas envolvi<strong>da</strong>s, cabe à 2ª Turma deste <strong>Tribunal</strong> fazer a devi<strong>da</strong>adequação de qual princípio ou direito fun<strong>da</strong>mental deva preponderarno caso concreto, pois não verifico, nas disposições constantes dos arts.649 do CPC e 186 do CTN, qualquer inconstitucionali<strong>da</strong>de.DispositivoAnte o exposto, voto por não conhecer <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação retro.ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 0036865-24.2010.404.0000/SCRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto PamplonaInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 403


Interessa<strong>da</strong>: Francisfer Lt<strong>da</strong>. EPPAdvogado: Dr. Emerson de Morais GranadoSuscitante: 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Interessa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong>Procurador: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoInteressado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis – IbamaProcurador: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Emen<strong>da</strong> constitucional 62, de2002. Artigo 100, §§ 9º e 10, <strong>da</strong> CF/88. Precatório. Compensação deofício. Inconstitucionali<strong>da</strong>de. Reconhecimento.1. Os créditos consubstanciados em precatório judicial são créditos queresultam de decisões judiciais transita<strong>da</strong>s em julgado. Portanto, sujeitosà preclusão máxima. A coisa julga<strong>da</strong> está revesti<strong>da</strong> de imutabili<strong>da</strong>de. Édecorrência do princípio <strong>da</strong> segurança jurídica. Não está sujeita, portanto,a modificações.Diversamente, o crédito que a norma impugna<strong>da</strong> admite compensarresulta, como regra, de decisão administrativa, já que a fazen<strong>da</strong> tem opoder de constituir o seu crédito e expedir o respectivo título executivoextrajudicial (CDA) administrativamente, porém sujeito ao controlejurisdicional. Isto é, não é definitivo e imutável, diversamente do queocorre com o crédito decorrente de condenação judicial transita<strong>da</strong> emjulgado. Ou seja, a norma impugna<strong>da</strong> permite a compensação de créditosque têm natureza completamente distintas. Daí a ofensa ao instituto <strong>da</strong>coisa julga<strong>da</strong>.2. Afora isso, institui ver<strong>da</strong>deira execução fiscal administrativa, semdireito a embargos, já que, como é evidente, não caberá nos próprios autosdo precatório a discussão <strong>da</strong> natureza do crédito oposto pela fazen<strong>da</strong>,que, como é óbvio, não é definitivo e pode ser contestado judicialmente.Há aí, sem dúvi<strong>da</strong>, ofensa ao princípio do devido processo legal.3. Ao determinar ao Judiciário que compense crédito de natureza administrativacom crédito de natureza jurisdicional, sem o devido processolegal, usurpa a competência do Poder Judiciário, resultando <strong>da</strong>í ofensaao princípio federativo <strong>da</strong> separação dos poderes, conforme assinalado,404R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


em caso similar, pelo STF na ADI 3453, que pontuou: “o princípio <strong>da</strong>separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional,que restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong> satisfação aelas devi<strong>da</strong>s na formulação constitucional prevalecente no ordenamentojurídico”.4. Ain<strong>da</strong>, dispondo a Fazen<strong>da</strong> do poder de constituir administrativamenteo seu título executivo, tendo em seu favor inúmeros privilégiosmateriais e processuais garantidos por lei ao seu crédito (ressalvados ostrabalhistas, preferência em relação a outros débitos; processo de execuçãoespecífico; medi<strong>da</strong> cautelar fiscal; arrolamento de bens, entre outros),ofende o princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de a compensaçãoimposta nos dispositivos impugnados.5. Em conclusão: os §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CF, introduzidos pelaEC n° 62, de 2009, ofendem, a um só tempo, os seguintes dispositivos eprincípios constitucionais: a) art. 2º <strong>da</strong> CF/88 (princípio federativo quegarante a harmonia e a independência dos poderes); b) art. 5º, incisoXXXVI, <strong>da</strong> CF/88 (garantia <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>/segurança jurídica); c) art.5º, inciso LV, <strong>da</strong> CF/88 (princípio do devido processo legal); d) princípio<strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de.6. Acolhido o incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de paradeclarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CF, introduzidospela EC n° 62, de 2009.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, acolher o incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>depara declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10do art. 100 <strong>da</strong> CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, nos termos dorelatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: A Fazen<strong>da</strong> Na-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 405


cional interpôs agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo,contra a decisão singular que declarou, incidentalmente, inconstitucionaisos §§ 9º e 10 do artigo 100 <strong>da</strong> CF/88, incluídos pela EC nº 62/2009 (fls.08 e 09), a qual foi exara<strong>da</strong> nos seguintes termos:“Trata-se de execução contra a Fazen<strong>da</strong> Pública movi<strong>da</strong> por FRANCISFER LTDA.contra UNIÃO – FAZENDA NACIONAL, pelo valor total de R$ 51.144,93 (fl. 224).Os Embargos à Execução foram julgados procedentes e, por isso, foi determina<strong>da</strong> expediçãode precatório pelo valor incontroverso, descontados os valores devidos a título dehonorários de sucumbência nos embargos (fls. 227-v, 223 e 224).Intima<strong>da</strong> a União, peticionou esta dizendo que o exequente possui um débito no valorde R$ 53.738,33 com a Fazen<strong>da</strong> Nacional (fls. 229-231), a fim de compensar os valores, nostermos dos §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, incluídos pela EC nº 62/2009.2. FUNDAMENTAÇÃODizem os §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CRFB/88:‘§ 9º No momento <strong>da</strong> expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação,deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitoslíquidos e certos, inscritos ou não em dívi<strong>da</strong> ativa e constituídos contra o credor originalpela Fazen<strong>da</strong> Pública devedora, incluí<strong>da</strong>s parcelas vincen<strong>da</strong>s de parcelamentos, ressalvadosaqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.§ 10. Antes <strong>da</strong> expedição dos precatórios, o <strong>Tribunal</strong> solicitará à Fazen<strong>da</strong> Pública devedora,para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de per<strong>da</strong> do direito de abatimento,informação sobre os débitos que preencham as condições estabeleci<strong>da</strong>s no § 9º, para osfins nele previstos.’Entendo serem esses parágrafos uma afronta à coisa julga<strong>da</strong> e ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de:são desnecessários para atingir seus fins, visto que a Fazen<strong>da</strong> Pública jápossui mecanismos suficientes para a garantia de seus créditos, além de ser desarrazoadoexigir do credor que prove a ela na<strong>da</strong> dever. Outrossim, passa-se por cima do princípiodo due process of law ao condicionar a realização do direito do credor, já consagrado pordecisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado, após trâmite de processo em que foram observadoso contraditório e a ampla defesa, a formali<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s a proteger créditos fazendáriosnão submetidos a igual procedimento.Esse mesmo entendimento já foi adotado, inclusive, pela Corte Especial do TRF <strong>da</strong><strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> quando <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 19 <strong>da</strong> Lei n°11.033/2004:‘ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 19 DA LEI Nº 11.033/2004– VIOLAÇÃO AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO, À GARANTIA PÉTREA DO RES-PEITO À COISA JULGADA E AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DARAZOABILIDADE.1 – O art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condicionar o levantamentode valores de precatório judicial ou a autorização para seu depósito em conta bancária à406R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


apresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais e certidão deregulari<strong>da</strong>de para com a Seguri<strong>da</strong>de Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –FGTS e a Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União, padece de inconstitucionali<strong>da</strong>de por ofensa ao art. 100<strong>da</strong> Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de.2 – O art. 100 <strong>da</strong> Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório,estabelecendo (§ 1º) a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inclusão <strong>da</strong> verba necessária no orçamento <strong>da</strong>senti<strong>da</strong>des de direito público e sua consignação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, cabendoao Presidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong> determinar o pagamentosegundo as possibili<strong>da</strong>des do depósito, não restando espaço para que o legislador ordináriocrie quaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise,acabam por violar a coisa julga<strong>da</strong>, cuja efetivi<strong>da</strong>de é protegi<strong>da</strong> pelo art. 100 <strong>da</strong> Constituição.3 – As restrições cria<strong>da</strong>s pelo art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033/2004 violam o princípio <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de porque são desnecessárias ao atingimento de seus fins, uma vez que aFazen<strong>da</strong> já detém suficientes instrumentos de garantia de seus créditos, entre os quais acompensação, o arresto e a penhora, o arrolamento de bens e a medi<strong>da</strong> cautelar fiscal, alémde ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazen<strong>da</strong> que na<strong>da</strong> lhe deve, por meio decertidões que devem ser expedi<strong>da</strong>s pela própria Fazen<strong>da</strong>.4 – Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direito docredor, já consagrado por decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado, após o trâmite de processoem que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formali<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>sa proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.’ (TRF4, INAG2005.04.01.017909-2, Corte Especial, Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ12.04.2006)O STF, na mesma linha de entendimento, julgou procedente a ADIn n° 3.453 e declarouinconstitucional o art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033/2004, que impunha condições para o levantamentode valores decorrentes de precatório devidos pela Fazen<strong>da</strong> Pública.‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECATÓRIOS. ART. 19 DALEI NACIONAL Nº 11.033, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2004. AFRONTA AOS ARTS.5º, INC. XXXVI, E 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 19 <strong>da</strong> Lei n°11.033/04 impõe condições para o levantamento dos valores do precatório devido pelaFazen<strong>da</strong> Pública. 2. A norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação dodireito do jurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na normafun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> República. 3. A matéria relativa a precatórios não chama a atuação do legisladorinfraconstitucional, menos ain<strong>da</strong> para impor restrições que não se coadunam como direito à efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição e o respeito à coisa julga<strong>da</strong>. 4. O condicionamentodo levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou de autorização para odepósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pelanorma questiona<strong>da</strong>, agrava o que vem estatuído como dever <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública em face deobrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabeleci<strong>da</strong>spelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ain<strong>da</strong>, frustrando pelaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 407


existência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionadotenha com a Fazen<strong>da</strong> Pública. 5. Entendimento contrário avilta o princípio <strong>da</strong> separaçãode poderes e, a um só tempo, restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong> satisfaçãoa elas devi<strong>da</strong>. 6. Os requisitos definidos para a satisfação dos precatórios somentepodem ser fixados pela Constituição, a saber: a requisição do pagamento pelo Presidente do<strong>Tribunal</strong> que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des políticas, <strong>da</strong>sverbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de ca<strong>da</strong> ano; opagamento atualizado até o final do exercício seguinte ao <strong>da</strong> apresentação dos precatórios,observa<strong>da</strong> a ordem cronológica de sua apresentação. 7. A determinação de condicionantes erequisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valoresdecorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma constitucional,ofende os princípios <strong>da</strong> garantia <strong>da</strong> jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) e o art. 100e seus incisos, não podendo ser ti<strong>da</strong> como váli<strong>da</strong> a norma que, ao fixar novos requisitos,embaraça o levantamento dos precatórios. 8. Ação Direta de Inconstitucionali<strong>da</strong>de julga<strong>da</strong>procedente.’ (ADI 3453, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, <strong>Tribunal</strong> Pleno, julgado em30.11.2006, DJ 16.03.2007 PP-00020 EMENT VOL-02268-02 PP-00304 RTJ VOL-00200-01 PP-00070 RT v. 96, n° 861, 2007, p. 85-95 RDDT n° 140, 2007, p. 171-179 RDDP nº50, 2007, p. 135-144)Dessa forma, pelos mesmos fun<strong>da</strong>mentos que nortearam a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 19 <strong>da</strong> Lei 11.033/2004, entendo que os §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CRFB/1988,incluídos pela EC n° 62/2009, são igualmente inconstitucionais, pois impõem condiçõespara o levantamento de valores já reconhecidos por decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado.3. DISPOSITIVOAssim, pelas razões expostas acima, INDEFIRO a compensação na forma requeri<strong>da</strong>.”A União <strong>Federal</strong> alegou, em síntese, que os mencionados preceptivosconstitucionais não padecem do vício de inconstitucionali<strong>da</strong>de, sendo,inclusive, antieconômico impor à máquina pública a necessi<strong>da</strong>de dedesenvolver esforço para cobrar devedores a quem se lhes impõe opagamento de títulos executivos. Aduziu que a alteração constitucional,patrocina<strong>da</strong> pela EC 62/2009, objetivou o fortalecimento dos princípios<strong>da</strong> eficiência e <strong>da</strong> economici<strong>da</strong>de.Por ocasião do julgamento deste agravo de instrumento, a 2ª Turmadeste <strong>Tribunal</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, decidiu suscitar o presente incidente deinconstitucionali<strong>da</strong>de, nos termos do voto de minha relatoria (fls. 19-30),consoante ementa abaixo transcrita (D.E. 21.03.11):“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL 62, DE 2009.ARTIGO 100, §§ 9º E 10, DA CF/88. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO.INCONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO. SUBMISSÃO DA ARGUIÇÃO408R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


À CORTE ESPECIAL.1. Os créditos consubstanciados em precatório judicial são créditos que resultam dedecisões judiciais transita<strong>da</strong>s em julgado. Portanto, sujeitos à preclusão máxima. A coisajulga<strong>da</strong> está revesti<strong>da</strong> de imutabili<strong>da</strong>de. É decorrência do princípio <strong>da</strong> segurança jurídica.Não está sujeita, portanto, a modificações.Diversamente, o crédito que a norma impugna<strong>da</strong> admite compensar resulta, como regra,de decisão administrativa, já que a fazen<strong>da</strong> tem o poder de constituir o seu crédito e expediro respectivo título executivo extrajudicial (CDA) administrativamente, porém sujeitoao controle jurisdicional. Isto é, não é definitivo e imutável, diversamente do que ocorrecom o crédito decorrente de condenação judicial transita<strong>da</strong> em julga<strong>da</strong>. Ou seja, a normaimpugna<strong>da</strong> permite a compensação de créditos que têm natureza completamente distintas.Daí a ofensa ao instituto <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>.2. Afora isso, institui ver<strong>da</strong>deira execução fiscal administrativa, sem direito a embargos,já que, como é evidente, não caberá nos próprios autos do precatório a discussão <strong>da</strong> naturezado crédito oposto pela fazen<strong>da</strong>, que, como é óbvio, não é definitivo e pode ser contestadojudicialmente. Há aí, sem dúvi<strong>da</strong>, ofensa ao princípio do devido processo legal.3. Ao determinar ao Judiciário que compense crédito de natureza administrativa comcrédito de natureza jurisdicional, sem o devido processo legal, usurpa a competência doPoder Judiciário, resultando <strong>da</strong>í ofensa ao princípio federativo <strong>da</strong> separação dos poderes,conforme assinalado, em caso similar, pelo STF na ADI 3453, que pontuou: ‘o princípio<strong>da</strong> separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional, que restringeo vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong> satisfação a elas devi<strong>da</strong>s na formulaçãoconstitucional prevalecente no ordenamento jurídico’.4. Ain<strong>da</strong>, dispondo a Fazen<strong>da</strong> do poder de constituir administrativamente o seu títuloexecutivo, tendo em seu favor inúmeros privilégios materiais e processuais garantidos porlei ao seu crédito (ressalvados os trabalhistas, preferência em relação a outros débitos;processo de execução específico; medi<strong>da</strong> cautelar fiscal; arrolamento de bens, entre outros),ofende o princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de a compensação imposta nosdispositivos impugnados.5. Em conclusão: os §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009,ofendem, a um só tempo, os seguintes dispositivos e princípios constitucionais: a) art. 2º<strong>da</strong> CF/88 (princípio federativo que garante a harmonia e a independência dos poderes); b)art. 5º, inciso XXXVI, <strong>da</strong> CF/88 (garantia <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>/segurança jurídica); c) art. 5º,inciso LV, <strong>da</strong> CF/88 (princípio do devido processo legal); d) princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de.6. Acolhi<strong>da</strong> a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de para submetê-la, nos termos do art. 97<strong>da</strong> CF, à Corte Especial deste <strong>Tribunal</strong>.”A Fazen<strong>da</strong> Nacional opôs embargos declaratórios, os quais foramdesprovidos (fls. 38-40), consoante a seguinte ementa (D.E. 11.04.11):“EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADI-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 409


ÇÃO OU OBSCURIDADE.A natureza reparadora dos embargos de declaração só permite a sua oposição contrasentença ou acórdão acoimado de obscuri<strong>da</strong>de ou contradição, bem como nos casos de omissãodo Juiz ou <strong>Tribunal</strong>, a teor do art. 535 do CPC. Não ocorrendo quaisquer <strong>da</strong>s hipóteseslegais, descabe o manejo dessa espécie recursal. Na hipótese dos autos, o pedido de efeitosuspensivo (reclamado pela embargante) já havia sido deferido anteriormente à decisão doColegiado que submeteu a apreciação <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de à Corte Especial,restando, em decorrência, inaltera<strong>da</strong>, até o julgamento do incidente, a decisão preliminarque deferiu o pedido de efeito suspensivo para que os valores controversos permaneçamdepositados à disposição do Juízo de origem.”O Ministério Público <strong>Federal</strong>, em seu parecer, opinou pelo conhecimentoe pelo desprovimento do incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de (fls.55-61).Admitidos no feito a União <strong>Federal</strong> (AGU) e o Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, a teordo contido, respectivamente, nos §§ 1º e 3º do art. 482 do CPC, foi-lhesconcedido o prazo comum de 10 dias para manifestação.Ambos apresentaram memoriais escritos onde defendem a constitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s normas invoca<strong>da</strong>s.A AGU ressalta a função social e econômica do instituto <strong>da</strong> compensação.Alega a proporcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> compensação instituí<strong>da</strong>, diante<strong>da</strong>s garantias à liber<strong>da</strong>de e à proprie<strong>da</strong>de, sob os aspectos <strong>da</strong> adequação,<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de em sentido estrito. A adequação<strong>da</strong> compensação em face de permitir que o Poder Judiciário, sem custosadicionais, efetue o abatimento do valor a ser pago no momento <strong>da</strong>expedição do precatório, após informações presta<strong>da</strong>s pela Fazen<strong>da</strong> Pública,tratando-se de mecanismo econômico e eficiente na recuperaçãode ativos <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública. A necessi<strong>da</strong>de em razão de o ajuizamento<strong>da</strong> execução fiscal consistir em meio mais gravoso (e menos eficiente)que a compensação, a qual é efetua<strong>da</strong> no bojo do próprio processo deque decorreu a expedição do precatório. A proporcionali<strong>da</strong>de em sentidoestrito porque compatível com as garantias ao direito de proprie<strong>da</strong>de eao direito de liber<strong>da</strong>de. Aduz, por fim, a ausência de violação ao devidoprocesso legal e ao contraditório (fls. 69-78).O Ibama, por sua vez, ressalta o enfrentamento do tema por meio<strong>da</strong>s ADINs n os 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 que serão julga<strong>da</strong>s em conjuntopela Corte Suprema, o fato de a matéria ser objeto <strong>da</strong> Resolução410R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


nº 122/2010 do CJF e <strong>da</strong> Res. nº 115/2010 do CNJ, bem como ter sidoregulamenta<strong>da</strong> pelo legislador ordinário por meio <strong>da</strong> Lei nº 12.431, de24.06.2011 (arts. 30 a 44). Alega a ausência de violação ao princípio<strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de, sob o argumento de os §§ 9º e 10do art. 100 <strong>da</strong> CF contribuírem para a higidez orçamentária dos entespolíticos por um custo reduzido e, em contraparti<strong>da</strong>, possibilitarem queos contribuintes regularizem suas situações perante o erário. Aduz a ausênciade violação ao princípio <strong>da</strong> segurança jurídica e <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>.Argumenta haver a observância ao devido processo legal na medi<strong>da</strong> emque o procedimento de compensação encontra previsão nos normativoscitados. Defende, ain<strong>da</strong>, a inexistência de violação ao princípio federativoou <strong>da</strong> harmonia e <strong>da</strong> independência dos Poderes <strong>da</strong> República (fls.80-96). Juntou documentos (fls. 97-149).É o breve relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona: Trata-se deIncidente de Arguição de Inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10 do artigo100 <strong>da</strong> CF/88, incluídos pela EC nº 62/2009, que estabelecem a compensaçãode ofício por parte <strong>da</strong>s Fazen<strong>da</strong>s Públicas de seus créditos comprecatórios dos quais seja a enti<strong>da</strong>de devedora, por suposta violação àcoisa julga<strong>da</strong>, ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de e à garantia do devidoprocesso legal.Possibili<strong>da</strong>de de análise acerca <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de de emen<strong>da</strong>sconstitucionaisInicialmente, cumpre assinalar que é possível, tanto no controle concentradoquanto no controle difuso de constitucionali<strong>da</strong>de, analisar-se aconstitucionali<strong>da</strong>de de emen<strong>da</strong>s constitucionais. Isso porque o legisladorconstituinte derivado não pode dispor sobre tudo, atuando ilimita<strong>da</strong>mente,consoante se infere do disposto no art. 60 e respectivos §§ <strong>da</strong> CF/88, queimpõem restrições, tanto de ordem formal quanto de ordem material, àpossibili<strong>da</strong>de de revisão constitucional.Entre as ve<strong>da</strong>ções materiais, está a que impede a proposta de emen<strong>da</strong>constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais, verbis:“§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emen<strong>da</strong> tendente a abolir:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 411


I – a forma federativa de Estado;II – o voto direto, secreto, universal e periódico;III – a separação dos Poderes;IV – os direitos e garantias individuais.”Dito isso, tenho que a decisão de primeiro grau merece ser prestigia<strong>da</strong>,porquanto, de fato, os preceptivos constitucionais nela referidos, inseridosno texto constitucional pela EC 62/2009, revestem-se <strong>da</strong> mácula <strong>da</strong>inconstitucionali<strong>da</strong>de.Dispositivos constitucionais atacadosCom efeito, eis o que dispõem os novos dispositivos constitucionaisquestionados:“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazen<strong>da</strong>s Públicas <strong>Federal</strong>, Estaduais, Distritale Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordemcronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibi<strong>da</strong>a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionaisabertos para este fim. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62, de 2009).(...)§ 9º No momento <strong>da</strong> expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação,deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidose certos, inscritos ou não em dívi<strong>da</strong> ativa e constituídos contra o credor original pelaFazen<strong>da</strong> Pública devedora, incluí<strong>da</strong>s parcelas vincen<strong>da</strong>s de parcelamentos, ressalvadosaqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.(Incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62, de 2009).§ 10 Antes <strong>da</strong> expedição dos precatórios, o <strong>Tribunal</strong> solicitará à Fazen<strong>da</strong> Pública devedora,para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de per<strong>da</strong> do direito de abatimento,informação sobre os débitos que preencham as condições estabeleci<strong>da</strong>s no § 9º, para osfins nele previstos. (Incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62, de 2009).”Decisão de 1º grau no agravo de instrumentoA decisão de primeiro grau, respal<strong>da</strong><strong>da</strong> em precedentes desta Cortee do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> (exara<strong>da</strong>s em situação, se não idêntica,ao menos análoga – e, diga-se de passagem, bem menos invasiva aopatrimônio jurídico do contribuinte), assim restou fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>:“2. FUNDAMENTAÇÃODizem os §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CRFB/88:‘§ 9º No momento <strong>da</strong> expedição dos precatórios, independentemente de regulamenta-412R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


ção, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitoslíquidos e certos, inscritos ou não em dívi<strong>da</strong> ativa e constituídos contra o credor originalpela Fazen<strong>da</strong> Pública devedora, incluí<strong>da</strong>s parcelas vincen<strong>da</strong>s de parcelamentos, ressalvadosaqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.§ 10. Antes <strong>da</strong> expedição dos precatórios, o <strong>Tribunal</strong> solicitará à Fazen<strong>da</strong> Pública devedora,para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de per<strong>da</strong> do direito de abatimento,informação sobre os débitos que preencham as condições estabeleci<strong>da</strong>s no § 9º, para osfins nele previstos.’Entendo serem esses parágrafos uma afronta à coisa julga<strong>da</strong> e ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de:são desnecessários para atingir seus fins, visto que a Fazen<strong>da</strong> Pública jápossui mecanismos suficientes para a garantia de seus créditos, além de ser desarrazoadoexigir do credor que prove a ela na<strong>da</strong> dever. Outrossim, passa-se por cima do princípiodo due process of law ao condicionar a realização do direito do credor, já consagrado pordecisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado, após trâmite de processo em que foram observadoso contraditório e a ampla defesa, a formali<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s a proteger créditos fazendáriosnão submetidos a igual procedimento.Esse mesmo entendimento já foi adotado, inclusive, pela Corte Especial do TRF <strong>da</strong><strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> quando <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de do artigo 19 <strong>da</strong> Lei n°11.033/2004:‘ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 19 DA LEI Nº 11.033/2004– VIOLAÇÃO AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO, À GARANTIA PÉTREA DO RES-PEITO À COISA JULGADA E AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DARAZOABILIDADE.1 – O art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condicionar o levantamentode valores de precatório judicial, ou a autorização para seu depósito em conta bancária, àapresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais e certidão deregulari<strong>da</strong>de para com a Seguri<strong>da</strong>de Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –FGTS e a Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União, padece de inconstitucionali<strong>da</strong>de por ofensa ao art. 100<strong>da</strong> Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de.2 – O art. 100 <strong>da</strong> Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório,estabelecendo (§ 1º) a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inclusão <strong>da</strong> verba necessária no orçamento <strong>da</strong>senti<strong>da</strong>des de direito público e sua consignação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, cabendoao Presidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong> determinar o pagamentosegundo as possibili<strong>da</strong>des do depósito, não restando espaço para que o legislador ordináriocrie quaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise,acabam por violar a coisa julga<strong>da</strong>, cuja efetivi<strong>da</strong>de é protegi<strong>da</strong> pelo art. 100 <strong>da</strong> Constituição.3 – As restrições cria<strong>da</strong>s pelo art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033/2004 violam o princípio <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de porque são desnecessárias ao atingimento de seus fins, uma vez que aFazen<strong>da</strong> já detém suficientes instrumentos de garantia de seus créditos, entre os quais acompensação, o arresto e a penhora, o arrolamento de bens e a medi<strong>da</strong> cautelar fiscal, alémR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 413


de ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazen<strong>da</strong> que na<strong>da</strong> lhe deve, por meio decertidões que devem ser expedi<strong>da</strong>s pela própria Fazen<strong>da</strong>.4 – Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direito docredor, já consagrado por decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado, após o trâmite de processoem que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formali<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>sa proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.’ (TRF4, INAG2005.04.01.017909-2, Corte Especial, Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ12.04.2006)O STF, na mesma linha de entendimento, julgou procedente a ADIn n° 3.453 e declarouinconstitucional o art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033/2004, que impunha condições para o levantamentode valores decorrentes de precatório devidos pela Fazen<strong>da</strong> Pública.‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECATÓRIOS. ART. 19 DALEI NACIONAL Nº 11.033, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2004. AFRONTA AOS ARTS.5º, INC. XXXVI, E 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 19 <strong>da</strong> Lei n°11.033/04 impõe condições para o levantamento dos valores do precatório devido pelaFazen<strong>da</strong> Pública. 2. A norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação dodireito do jurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na normafun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> República. 3. A matéria relativa a precatórios não chama a atuação do legisladorinfraconstitucional, menos ain<strong>da</strong> para impor restrições que não se coadunam como direito à efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição e o respeito à coisa julga<strong>da</strong>. 4. O condicionamentodo levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou de autorização para odepósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pelanorma questiona<strong>da</strong>, agrava o que vem estatuído como dever <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública em face deobrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabeleci<strong>da</strong>spelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ain<strong>da</strong>, frustrando pelaexistência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionadotenha com a Fazen<strong>da</strong> Pública. 5. Entendimento contrário avilta o princípio <strong>da</strong> separaçãode poderes e, a um só tempo, restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong> satisfaçãoa elas devi<strong>da</strong>. 6. Os requisitos definidos para a satisfação dos precatórios somentepodem ser fixados pela Constituição, a saber: a requisição do pagamento pelo Presidente do<strong>Tribunal</strong> que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des políticas, <strong>da</strong>sverbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de ca<strong>da</strong> ano; opagamento atualizado até o final do exercício seguinte ao <strong>da</strong> apresentação dos precatórios,observa<strong>da</strong> a ordem cronológica de sua apresentação. 7. A determinação de condicionantes erequisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valoresdecorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma constitucional,ofende os princípios <strong>da</strong> garantia <strong>da</strong> jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) e o art. 100e seus incisos, não podendo ser ti<strong>da</strong> como váli<strong>da</strong> a norma que, ao fixar novos requisitos,embaraça o levantamento dos precatórios. 8. Ação Direta de Inconstitucionali<strong>da</strong>de julga<strong>da</strong>procedente.’ (ADI 3453, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, <strong>Tribunal</strong> Pleno, julgado em30.11.2006, DJ 16.03.2007 PP-00020 EMENT VOL-02268-02 PP-00304 RTJ VOL-00200-414R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


01 PP-00070 RT v. 96, n. 861, 2007, p. 85-95 RDDT n. 140, 2007, p. 171-179 RDDP n.50, 2007, p. 135-144)Dessa forma, pelos mesmos fun<strong>da</strong>mentos que nortearam a declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>dedo art. 19 <strong>da</strong> Lei 11.033/2004, entendo que os §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CRFB/1988,incluídos pela EC n° 62/2009, são igualmente inconstitucionais, pois impõem condiçõespara o levantamento de valores já reconhecidos por decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado.3. DISPOSITIVOAssim, pelas razões expostas acima, INDEFIRO a compensação na forma requeri<strong>da</strong>.”Análise acerca <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10 do artigo 100 <strong>da</strong>CF/88, incluídos pela EC nº 62/2009Com efeito, procedendo-se à análise dos dois precedentes citados nadecisão singular, verifica-se, de fato, que os fun<strong>da</strong>mentos dos referidosjulgados autorizam o reconhecimento <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de conformedeclara<strong>da</strong> pelo togado singular.Em razão <strong>da</strong> clareza dos fun<strong>da</strong>mentos insertos tanto no julgado destaCorte quanto no julgado do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, que trataram <strong>da</strong>mesma matéria, permito-me transcrevê-los, pois deles se depreende, àsescâncaras, que a inconstitucionali<strong>da</strong>de, ora sob apreciação, tambémresta evidente.Este <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> assim decidiu na Arguição de Inconstitucionali<strong>da</strong>denº 2005.04.01.017909-2, rel. Des. <strong>Federal</strong> AntônioAlbino, verbis:“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 19 DA LEI Nº 11.033/2004– VIOLAÇÃO AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO, À GARANTIA PÉTREA DO RES-PEITO À COISA JULGADA E AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DARAZOABILIDADE.1 – O art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condicionar o levantamentode valores de precatório judicial, ou a autorização para seu depósito em conta bancária, àapresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, e certidão deregulari<strong>da</strong>de para com a Seguri<strong>da</strong>de Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –FGTS e a Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União, padece de inconstitucionali<strong>da</strong>de por ofensa ao art. 100<strong>da</strong> Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de.2 – O art. 100 <strong>da</strong> Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório, estabelecendo(§ 1º) a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> inclusão <strong>da</strong> verba necessária no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>desde direito público e sua consignação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, cabendo aoPresidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong> determinar o pagamento segundoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 415


as possibili<strong>da</strong>des do depósito, não restando espaço para o que o legislador ordinário criequaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise,acabam por violar a coisa julga<strong>da</strong>, cuja efetivi<strong>da</strong>de é protegi<strong>da</strong> pelo art. 100 <strong>da</strong> Constituição.3 – As restrições cria<strong>da</strong>s pelo art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033/2004 violam o princípio <strong>da</strong>proporcionali<strong>da</strong>de porque são desnecessárias ao atingimento de seus fins, uma vez que aFazen<strong>da</strong> já detém suficientes instrumentos de garantia de seus créditos, entre os quais acompensação, o arresto e a penhora, o arrolamento de bens e a medi<strong>da</strong> cautelar fiscal,além de ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazen<strong>da</strong> que na<strong>da</strong> lhe deve, pormeio de certidões que devem ser expedi<strong>da</strong>s pela própria Fazen<strong>da</strong>.4 – Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direitodo credor, já consagrado por decisão judicial transita<strong>da</strong> em julgado, após o trâmite deprocesso em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formali<strong>da</strong>desdestina<strong>da</strong>s a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.” (j. em23.03.2006 – grifei)Pela lucidez e pela clareza com que exarado, transcrevo, na íntegra,o voto do e. Des. <strong>Federal</strong> Antônio Albino Ramos de Oliveira:“O dispositivo questionado possui o seguinte teor:‘Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valoresdecorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação aojuízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidãode regulari<strong>da</strong>de para com a Seguri<strong>da</strong>de Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço– FGTS e a Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União.Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;II – aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3° <strong>da</strong> Lei n° 10.259, de 12de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminaisno âmbito <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>.’Como já afirmei no voto condutor <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, tais exigênciasviolam as regras do art. 100 <strong>da</strong> Constituição de 1988. Transcrevo-as:‘Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pelaFazen<strong>da</strong> <strong>Federal</strong>, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamentena ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditosrespectivos, proibi<strong>da</strong> a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias enos créditos adicionais abertos para esse fim.§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público, de verbanecessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transita<strong>da</strong>s em julgado,constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamentoaté o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários,vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e416R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


indenizações por morte ou invalidez, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na responsabili<strong>da</strong>de civil, em virtude desentença transita<strong>da</strong> em julgado.§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamenteao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong>determinar o pagamento segundo as possibili<strong>da</strong>des do depósito e autorizar, a requerimentodo credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, osequestro <strong>da</strong> quantia necessária à satisfação do débito.§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, nãose aplica aos pagamentos de obrigações defini<strong>da</strong>s em lei como de pequeno valor que a Fazen<strong>da</strong><strong>Federal</strong>, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicialtransita<strong>da</strong> em julgado.§ 4º São ve<strong>da</strong>dos a expedição de precatório complementar ou suplementar de valorpago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor <strong>da</strong> execução, a fim de queseu pagamento não se faça, em parte, na forma estabeleci<strong>da</strong> no § 3º deste artigo e, em parte,mediante expedição de precatório.§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundoas diferentes capaci<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público.§ 6º O Presidente do <strong>Tribunal</strong> competente que, por ato comissivo ou omissivo, retar<strong>da</strong>rou tentar frustrar a liqui<strong>da</strong>ção regular de precatório incorrerá em crime de responsabili<strong>da</strong>de.’A Constituição, como visto, regulamenta rigorosamente o pagamento mediante precatório,que se autoriza para cumprir sentença transita<strong>da</strong> em julgado e, portanto, nãomais passível de modificação. O trânsito em julgado é uma garantia em favor <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>,na medi<strong>da</strong> em que não será força<strong>da</strong> a pagar senão aqueles créditos que já se tornaramimutáveis; mas é também uma garantia para o credor, assegurando que seu direito, consagradopor decisão definitiva, será respeitado. Nesse passo, as regras que regulam oprecatório refletem a cláusula pétrea do art. 5º, XXXVI, <strong>da</strong> Constituição de 1988: ‘a lei nãoprejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julga<strong>da</strong>’. E porque ali secui<strong>da</strong> de <strong>da</strong>r efetivi<strong>da</strong>de à coisa julga<strong>da</strong> é que o parágrafo 2º do art. 100 dispõe, de modoenfático, caber ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong> ‘determinar opagamento segundo as possibili<strong>da</strong>des do depósito e autorizar, a requerimento do credor, eexclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro <strong>da</strong>quantia necessária à satisfação do débito’.Parece claro o man<strong>da</strong>mento constitucional. Transitando em julgado a decisão judicial,cumpre-se, sem mais delongas. Portanto, condicionar esse pagamento à apresentação decertidões negativas federais, estaduais, municipais e previdenciárias extrapola os limitespostos pela própria Constituição ao legislador. Colocar obstáculos ao pagamento doprecatório importa não só em violar o art. 100 <strong>da</strong> Constituição, mas também a garantiapétrea do respeito à coisa julga<strong>da</strong>.Doutra parte, tal exigência configura uma ofensa frontal ao princípio do devido processolegal, na medi<strong>da</strong> em que a realização do direito, já consagrado pela decisão judicialtransita<strong>da</strong> em julgado, após o trâmite de processo em que foram observados o contraditórioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 417


e a ampla defesa, fica na dependência de formali<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s a proteger interesses <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> não submetidos a igual procedimento. Não é necessário ser vidente para prever oque ocorrerá a partir dessa inusita<strong>da</strong> exigência. Os credores <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> que, por qualquermotivo, estiverem questionando suas exigências fiscais ficarão impossibilitados de receberos precatórios, porque lhes será nega<strong>da</strong> a certidão posta pela lei como condição inafastável.Desse modo, o ci<strong>da</strong>dão, que tem assegurado o direito de ver suas deman<strong>da</strong>s aprecia<strong>da</strong>spelo Judiciário (art. 5º, XXXV, <strong>da</strong> CF/88), ficará entre a cruz e a espa<strong>da</strong>: se discutir o quelhe é exigido pela Fazen<strong>da</strong>, não poderá receber o que já lhe foi reconhecido por sentençatransita<strong>da</strong> em julgado e acabará muitas vezes forçado a, sem o devido processo legal,submeter-se às imposições fazendárias.Mais ain<strong>da</strong>, cria-se, para o credor, o ônus de provar a inexistência de débitos fiscais,totalmente despropositado, em flagrante ofensa ao princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de. Primeiro,porque a Fazen<strong>da</strong>, que está pagando, dispõe de todos os instrumentos para identificar osdébitos que para com ela tenha seu credor. Não se concebe que o exequente tenha que provarà Fazen<strong>da</strong>, por certidão por ela mesma expedi<strong>da</strong>, que na<strong>da</strong> lhe deve. Segundo, porque aFazen<strong>da</strong> teve oportuni<strong>da</strong>de para, dentro do processo, exercer qualquer direito que tivessecontra seu credor, inclusive a compensação.Se o objetivo <strong>da</strong> lei, como afirma o agravante, é propiciar à Fazen<strong>da</strong> a compensação doque tem a pagar com aquilo que seu credor lhe deve, torna-se evidente:a) que tal providência é extemporânea, pois qualquer compensação teria que ser argui<strong>da</strong>no processo de execução, e não no ato do pagamento;b) que tal exigência não atende ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de e, nem mesmo, ao <strong>da</strong>razoabili<strong>da</strong>de, impondo ao exequente um encargo absolutamente desnecessário, uma vezque – repito – a própria Fazen<strong>da</strong> é depositária <strong>da</strong>s informações que pretende que o exequentelhe preste por certidão que ela mesma deverá fornecer.É impertinente invocar, em defesa <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de dessa exigência, o parágrafoterceiro do art. 195 <strong>da</strong> Constituição, segundo o qual ‘a pessoa jurídica em débito com osistema <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o PoderPúblico nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios’. O pagamentode precatórios não é nenhum benefício, nem incentivo fiscal ou creditício. É, isto sim, ocumprimento de uma obrigação reconheci<strong>da</strong> por sentença transita<strong>da</strong> em julgado.É oportuno transcrever parte do parecer exarado pelo então Procurador-Geral <strong>da</strong>República, Dr. Cláudio Fonteles, na ADI nº 3453/SP, ajuiza<strong>da</strong> pelo Conselho <strong>Federal</strong> <strong>da</strong>Ordem dos Advogados do Brasil, que extraio do parecer lançado nestes autos pela doutaProcuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> República:‘11. O dispositivo legal questionado é, de fato, inconstitucional. E, para chegar-se aessa conclusão, bastaria analisar o art. 100 e seus parágrafos <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República.12. Esse artigo <strong>da</strong> Carta Magna disciplina pormenoriza<strong>da</strong>mente o regime dos precatóriosjudiciais. O que o constituinte quis regular a respeito dos precatórios o fez, e aquiloque entendeu necessário transferir à disciplina pelo legislador ordinário também o fez, eexpressamente.418R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


13. A Constituição, no tocante ao tema, somente transferiu ao regramento infraconstitucionala definição de obrigações de pequeno valor, que não obedecerão à ordem cronológicade apresentação dos precatórios, cujos pagamentos o erário deva fazer em virtude de sentençajudicial transita<strong>da</strong> (art. 1000, § 3º, CF), e a fixação de valores distintos para elas, segundoas diferentes capaci<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público (art. 100, § 5º, CF).14. Isso não quer dizer, obviamente, que o legislador infraconstitucional só poderá atuarquando a Carta Política o autorizar de forma expressa. Ocorre que, com relação a certasmatérias e, no caso, aos pagamentos devidos pela Fazen<strong>da</strong> Pública, a Lei Maior estabeleceminúcias, tornando-se incompatível com a atuação do legislador ordinário, a não ser queesta esteja expressamente prevista.15. Mas não é só isso. O texto dos §§ 1º e 2º do art. 100 determina que o pagamentodos valores decorrentes de precatórios judiciais serão pagos, sem estabelecer exceção oucondição ao pagamento. Dispõem os citados parágrafos:‘§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público, de verbanecessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transita<strong>da</strong>s em julgado,constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamentoaté o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados, monetariamente.(...)§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamenteao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong>determinar o pagamento segundo as possibili<strong>da</strong>des do depósito e autorizar, a requerimentodo credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, osequestro <strong>da</strong> quantia necessária à satisfação do débito’.16. Tendo em vista a determinação dos parágrafos transcritos relativa ao pagamentode valores constantes de precatórios, é forçoso concluir que não é <strong>da</strong>do ao legislador infraconstitucionalestabelecer condição que a possa desautorizar. Se o constituinte quisesseexcepcionar algo, o teria feito.17. Em seu parecer, acostado às fls. 67-82, o professor Kiyoshi Hara<strong>da</strong> ensina e critica:‘Como se vê do art. 100 e parágrafos, sucintamente analisados, a Carta Política traçouregras claras e severas de conformi<strong>da</strong>de com o princípio federativo <strong>da</strong> independência e <strong>da</strong>harmonia dos Poderes e em consonância com os princípios que regem a AdministraçãoPública. Esgotou o procedimento para pagamento de precatórios judiciais, na<strong>da</strong> deixandoà colaboração do legislador infraconstitucional, exceto para definição de obrigações depequeno valor e para distinguir esses valores segundo as diferentes capaci<strong>da</strong>des dos entespolíticos devedores (§§ 3º e 5º), com o manifesto propósito de favorecer os credores <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong>, jamais para prejudicá-los.(...)Diante de regras tão claras, objetivas e severas, não se sabe onde e como o legisladorordinário foi buscar fun<strong>da</strong>mento constitucional para procrastinar o pagamento de precatóriojudicial, incorrendo em autêntico ato de improbi<strong>da</strong>de legislativa. Bastará que umúnico credor não consiga apresentar a certidão negativa para paralisar a fila do precatórioR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 419


judicial em benefício <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, que vem antecipando a realização <strong>da</strong> receita tributáriae postergando o pagamento <strong>da</strong> despesa decorrente de condenação judicial, como é de conhecimentopúblico.’’Necessário ain<strong>da</strong> ressaltar a clara violação ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de quetem, na hipótese em exame, terreno propício para sua aplicação. Cui<strong>da</strong>-se, à evidência,de medi<strong>da</strong> restritiva de direitos do ci<strong>da</strong>dão, emprega<strong>da</strong> como meio para o atingimento deinteresses fazendários. Tais restrições não atendem ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de,porque são desnecessárias, uma vez que a Fazen<strong>da</strong> já detém suficientes instrumentos para agarantia de seus créditos, entre os quais a compensação, que pode ser argui<strong>da</strong> no processode execução; o arresto e a penhora, que podem incidir sobre os créditos pagos por via deprecatório; o arrolamento de bens; e a medi<strong>da</strong> cautelar fiscal.Por esses fun<strong>da</strong>mentos, voto declarando inconstitucional o caput do art. 19 <strong>da</strong> Lei nº11.033, de 21 de dezembro de 2004, e assim também seu parágrafo único e respectivosincisos, estes por decorrência lógica, uma vez que, afastado o caput, perderão sua razãode ser.” (destaquei)Esse voto foi acolhido, à unanimi<strong>da</strong>de, pela Corte Especial deste<strong>Regional</strong>, havendo declaração de voto, em separado, formulado pelaDesa. <strong>Federal</strong> Silvia Goraieb, não menos brilhante do que o do relator,no mesmo sentido.Dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> decisão <strong>da</strong> Corte Especial deste <strong>Tribunal</strong>, verifica--se que se reconheceu a inconstitucionali<strong>da</strong>de do caput do art. 19 <strong>da</strong> Lein° 11.033/2004 por violação: (a) ao instituto <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong> (art. 5º,inciso XXXVI, <strong>da</strong> CF); (b) à garantia do devido processo legal (art. 5º,inciso XXXV, <strong>da</strong> CF/88); (c) ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, que édecorrência, para uns, do próprio estado democrático de direito e, paraoutros, do princípio do devido processo legal na sua feição substantiva.Como se vê, esta Corte reconheceu a inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei queapenas impunha a necessi<strong>da</strong>de de apresentação de certidão negativa dedébitos para fins de levantamento de valores objeto de precatório, porofensa a várias cláusulas pétreas <strong>da</strong> Constituição. O que se dizer, então,de ato normativo, ain<strong>da</strong> que veiculado por emen<strong>da</strong> constitucional, que,mais do que a exigência de CND para o levantamento dos valores insertosem precatório, determina a compensação de ofício pelo Judiciário? O fatode ter sido veicula<strong>da</strong> a aludi<strong>da</strong> compensação por emen<strong>da</strong> constitucional,reitere-se, não tem o condão de tornar legítima e constitucional a restriçãode direito imposta, pois violadora de princípios que estão imunes aalterações pelo poder constituinte reformador.420R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>, por sua vez, tratando <strong>da</strong> mesma matériaobjeto <strong>da</strong> arguição acima referi<strong>da</strong> – caput do art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033/2004–, na ADI 3.453-7, rel. Ministra Carmem Lúcia, decidiu, também à unanimi<strong>da</strong>dede votos, pela inconstitucionali<strong>da</strong>de do preceptivo, conformejá fizera o nosso <strong>Regional</strong>. Eis a ementa do julgado <strong>da</strong> Suprema Corte:“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECATÓRIOS.ART. 19 DA LEI NACIONAL Nº 11.033, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2004. AFRONTAAOS ARTS. 5º, INC. XXXVI, E 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 19<strong>da</strong> Lei n° 11.033/04 impõe condições para o levantamento dos valores do precatório devidopela Fazen<strong>da</strong> Pública. 2. A norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação dodireito do jurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na normafun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> República. 3. A matéria relativa a precatórios não chama a atuação dolegislador infraconstitucional, menos ain<strong>da</strong> para impor restrições que não se coadunamcom o direito à efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição e o respeito à coisa julga<strong>da</strong>. 4. O condicionamentodo levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou de autorização para odepósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pelanorma questiona<strong>da</strong>, agrava o que vem estatuído como dever <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública em face deobrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabeleci<strong>da</strong>spelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ain<strong>da</strong>, frustrando pelaexistência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionadotenha com a Fazen<strong>da</strong> Pública. 5. Entendimento contrário avilta o princípio <strong>da</strong> separaçãode poderes e, a um só tempo, restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong>satisfação a elas devi<strong>da</strong>. 6. Os requisitos definidos para a satisfação dos precatórios somentepodem ser fixados pela Constituição, a saber: a requisição do pagamento pelo Presidente do<strong>Tribunal</strong> que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des políticas, <strong>da</strong>sverbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de ca<strong>da</strong> ano; opagamento atualizado até o final do exercício seguinte ao <strong>da</strong> apresentação dos precatórios,observa<strong>da</strong> a ordem cronológica de sua apresentação. 7. A determinação de condicionantese requisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária devalores decorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma constitucional,ofende os princípios <strong>da</strong> garantia <strong>da</strong> jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) eo art. 100 e seus incisos, não podendo ser ti<strong>da</strong> como váli<strong>da</strong> a norma que, ao fixar novosrequisitos, embaraça o levantamento dos precatórios. 8. Ação Direta de Inconstitucionali<strong>da</strong>dejulga<strong>da</strong> procedente.” (ADI 3453, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, <strong>Tribunal</strong> Pleno,julgado em 30.11.2006, DJ 16.03.2007 PP-00020 EMENT VOL-02268-02 PP-00304 RTJVOL-00200-01 PP-00070 RT v. 96, n. 861, 2007, p. 85-95 RDDT n. 140, 2007, p. 171-179RDDP n. 50, 2007, p. 135-144 – destaquei)Também por conter fun<strong>da</strong>mentos preciosos, transcrevo, na íntegra, ovoto <strong>da</strong> e. Min. Relatora, verbis:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 421


“O Conselho <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Ordem dos Advogados do Brasil ajuíza a presente Ação Diretade Inconstitucionali<strong>da</strong>de contra o art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033, de 21 de dezembro de 2004,que estabelece:‘Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valoresdecorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação aojuízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidãode regulari<strong>da</strong>de para com a Seguri<strong>da</strong>de Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço– FGTS e a Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União, depois de ouvi<strong>da</strong> a Fazen<strong>da</strong> Pública.Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;II – aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3° <strong>da</strong> Lei n° 10.259, de 12de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminaisno âmbito <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>.’A arguição põe-se ao argumento de que confrontaria a norma ali estatuí<strong>da</strong> com o quantopreceituado nos arts. 100 e 5º, inc. XXXVI, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República.Reza o art. 100:‘Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pelaFazen<strong>da</strong> <strong>Federal</strong>, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamentena ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditosrespectivos, proibi<strong>da</strong> a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias enos créditos adicionais abertos para esse fim.§ 1º – É obrigatória a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público, de verbanecessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentadosaté 1º de julho, <strong>da</strong>ta em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até ofinal do exercício seguinte.§ 2º – As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao PoderJudiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo aoPresidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong> determinar o pagamento, segundoas possibili<strong>da</strong>des do depósito, e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente parao caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro <strong>da</strong> quantia necessária àsatisfação do débito.§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público, de verbanecessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transita<strong>da</strong>s em julgado,constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamentoaté o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.(Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 30, de 2000)§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários,vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários eindenizações por morte ou invalidez, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na responsabili<strong>da</strong>de civil, em virtude desentença transita<strong>da</strong> em julgado. (Incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 30, de 2000)§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente422R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do <strong>Tribunal</strong> que proferir a decisão exequen<strong>da</strong>determinar o pagamento segundo as possibili<strong>da</strong>des do depósito e autorizar, a requerimentodo credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, osequestro <strong>da</strong> quantia necessária à satisfação do débito. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucionalnº 30, de 2000)§ 3° O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não seaplica aos pagamentos de obrigações defini<strong>da</strong>s em lei como de pequeno valor que a Fazen<strong>da</strong><strong>Federal</strong>, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transita<strong>da</strong> emjulgado. (Incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 20, de 1998)§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não seaplica aos pagamentos de obrigações defini<strong>da</strong>s em lei como de pequeno valor que a Fazen<strong>da</strong><strong>Federal</strong>, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transita<strong>da</strong>em julgado. (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 30, de 2000)§ 4º São ve<strong>da</strong>dos a expedição de precatório complementar ou suplementar de valorpago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor <strong>da</strong> execução, a fim de queseu pagamento não se faça, em parte, na forma estabeleci<strong>da</strong> no § 3º deste artigo e, em parte,mediante expedição de precatório. (Incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 37, de 2002)§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundoas diferentes capaci<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de direito público. (Parágrafo incluído pela Emen<strong>da</strong>Constitucional nº 30, de 2000, e Renumerado pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 37, de 2002)§ 6º O Presidente do <strong>Tribunal</strong> competente que, por ato comissivo ou omissivo, retar<strong>da</strong>rou tentar frustrar a liqui<strong>da</strong>ção regular de precatório incorrerá em crime de responsabili<strong>da</strong>de.(Parágrafo incluído pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 30, de 2000, e Renumerado pela Emen<strong>da</strong>Constitucional nº 37, de 2002)’O que se contém no art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033/04 é que ali se impõem condições parao levantamento dos valores do precatório devido pela Fazen<strong>da</strong> Pública como decorre desua letra expressa. É o que se depreende <strong>da</strong> expressão conti<strong>da</strong> na norma questiona<strong>da</strong>: ‘Olevantamento ou a autorização para depósito judicial somente poderá ocorrer mediantea apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais,bem como certidão de regulari<strong>da</strong>de para com a Seguri<strong>da</strong>de Social, o Fundo de Garantia doTempo de Serviço – FGTS e a Dívi<strong>da</strong> Ativa <strong>da</strong> União, depois de ouvi<strong>da</strong> a Fazen<strong>da</strong> Pública’.Verifica-se que a norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação do direitojurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na norma fun<strong>da</strong>mental<strong>da</strong> República.Tal como exposto pelo autor, o levantamento ou o depósito de valores decorrentes doprecatório judicial constitui:direito do jurisdicionado não sujeito a condições que pudessem vir a ser estabeleci<strong>da</strong>spor uma norma infraconstitucional;dever <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> pública, que não pode fixar, por norma infraconstitucional, formasinclusive de burlar aquele direito e deixar de atender o quanto estabelecido pela Constituição,basicamente em seu art. 100.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 423


As formas de obter a Fazen<strong>da</strong> Pública o que lhe é devido e a constrição <strong>da</strong> contribuiçãopara o pagamento de eventual débito havido com a Fazen<strong>da</strong> Pública estão estabeleci<strong>da</strong>sno ordenamento jurídico e não podem ser obti<strong>da</strong>s por meios que frustrem direitos constitucionaisdos ci<strong>da</strong>dãos.Ademais, tal como trata<strong>da</strong> na Constituição, a matéria relativa a precatórios não chamaa atuação do legislador infraconstitucional, menos ain<strong>da</strong> para impor restrições que não secoadunam com o direito à efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição e o respeito à coisa julga<strong>da</strong>. E a jurisdiçãoé respeita<strong>da</strong> em sua condição efetiva, às vezes, pelo pagamento de valor definidojudicialmente.O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicialou <strong>da</strong> autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatóriojudicial, estabelecido pela norma questiona<strong>da</strong>, agrava o que vem estatuído como dever <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Pública em face de obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razãoe nas condições estabeleci<strong>da</strong>s pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou,menos ain<strong>da</strong>, frustrando pela existência paralela de débitos de outra fonte e natureza que,eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazen<strong>da</strong> Pública.De resto, também a Fazen<strong>da</strong> Pública, quando considera<strong>da</strong>, judicialmente, credora doci<strong>da</strong>dão não tem de apresentar qualquer documento a garantir que na<strong>da</strong> deve a ele em termosde restituição de indébitos ou pagamento de débitos.Por que, então, teria de fazê-lo o jurisdicionado, de forma diferencia<strong>da</strong> e gravosa a seudireito decorrente de decisão judicial?Ademais, a decisão judicial não pode ter a sua efetivi<strong>da</strong>de e o seu respeito condicionadosa exigência que venha a ser imposta pelo legislador infraconstitucional, em detrimento dojulgado e <strong>da</strong> satisfativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicional.Nesse sentido, o princípio <strong>da</strong> separação dos poderes estaria agravado pelo preceitoinfraconstitucional, que restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong> satisfaçãoa elas devi<strong>da</strong>s na formulação constitucional prevalecente no ordenamento jurídico.Note-se que a norma legal questiona<strong>da</strong> em sua vali<strong>da</strong>de constitucional é tanto maisgravosa quando se constata que não apenas o levantamento, mas o próprio depósito dosvalores determinados como próprios judicialmente dependeria de prévia apresentação decertidão negativa de tributos e de certidão de regulari<strong>da</strong>de perante o INSS e o FGTS. E éo que se tem na norma do art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033/04.A frustração dos precatórios pelos entes do Poder Público tem merecido atenção, cui<strong>da</strong>dose insatisfação tanto do Poder Judiciário quanto dos ci<strong>da</strong>dãos em geral, que se veemàs voltas com débitos judiciais pendentes, não poucas vezes, há mais de uma déca<strong>da</strong>. E anorma questiona<strong>da</strong>, ao contrário de to<strong>da</strong>s as tentativas de resolver e diminuir os prazos, ascondições e to<strong>da</strong>s as formas de se desburocratizar e facilitar o pagamento dos precatórios,estabelece mais dificul<strong>da</strong>des e, o que é mais grave, em perfeita contradição com as normasconstitucionais relativas à matéria.Requisitos que podem ser definidos para a satisfação dos precatórios somente podemser fixados pela Constituição. Tal com se estatui na norma fun<strong>da</strong>mental, são eles, no sistemavigente, a requisição do pagamento pelo Presidente do <strong>Tribunal</strong> que tenha proferido a deci-424R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


são; a inclusão no orçamento <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des políticas <strong>da</strong>s verbas necessárias ao pagamentode precatórios apresentados até 1º de julho de ca<strong>da</strong> ano; o pagamento atualizado até o finaldo exercício seguinte ao <strong>da</strong> apresentação dos precatórios, observa<strong>da</strong> a ordem cronológicade sua apresentação.A assertiva feita nas informações pelo Congresso Nacional de que a norma legal sob aanálise teria ‘espírito moralizador’ demonstra-se, bem ao contrário, desmoralizadora <strong>da</strong>sdecisões judiciais e frustradora de direitos dos jurisdicionados.As formas de assegurar à Fazen<strong>da</strong> Pública o atendimento de seus débitos e, mais ain<strong>da</strong>,de manter-se os ci<strong>da</strong>dãos-contribuintes em dia com os seus deveres tributários devem sersintoniza<strong>da</strong>s com o respeito aos direitos que se conquistam ou se veem afirmados pelo PoderJudiciário. Esse não pode ter as suas decisões transforma<strong>da</strong>s em formas de ‘moe<strong>da</strong>s detroca’ segundo moldes definidos pela legislação infraconstitucional quanto ao pagamentode precatórios. Nem o ci<strong>da</strong>dão teria de, para receber o que lhe é devido, segundo decisãojudicial, comprovar outras condições que não as que se referem ao processo de que decorreo seu crédito ou que sejam firma<strong>da</strong>s como típicas e próprias em norma constitucional.Assim, a estatuição de condicionantes e requisitos para o levantamento ou a autorizaçãopara depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatórios judiciais, que nãoaqueles constantes de norma constitucional, ofendem os princípios <strong>da</strong> garantia <strong>da</strong> jurisdiçãoefetiva (art. 5º, inc. XXXVI), o art. 100 e seus incisos, não podendo ser ti<strong>da</strong> como váli<strong>da</strong>.A norma que, ao fixar novos requisitos, embaraça o levantamento dos precatórios contrariaa Constituição. E foi, exatamente, o que se deu na regra do art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033, de 21de dezembro de 2004, que, assim, não se compatibiliza com o ordenamento constitucional,não podendo ser ti<strong>da</strong> como váli<strong>da</strong>.Pelo exposto, voto no sentido de julgar procedente a presente ação direta de inconstitucionali<strong>da</strong>de,declarando-se contrário aos arts. 5º, inc. XXXVI, e 100 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong>República o art. 19 <strong>da</strong> Lei n° 11.033, de 21 de dezembro de 2004.” (destaquei)Os votos dos Ministros do STF que participaram desse julgamentoe que apresentaram declaração de voto expressa em separado tambémconvergem na linha do que decidiu esta Corte, consoante se pode depreender<strong>da</strong>s declarações de votos lança<strong>da</strong>s na aludi<strong>da</strong> ADI.Ao voto <strong>da</strong> e. relatora, acompanhado por todos os Ministros, foramacrescentados outros fun<strong>da</strong>mentos por alguns Ministros para justificar adeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> norma então impugna<strong>da</strong>.Confira-se:Ministro Ricardo Lewandowski – acompanhou a relatora, acrescentandoque o dispositivo feriria, também, o princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de;Ministro Eros Grau – acompanhou, na íntegra, a relatora, porém entendeunão ofendi<strong>da</strong> “a pauta <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de”;Ministro Joaquim Barbosa – acompanhou a relatora, acrescentandoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 425


que “a vinculação em exame representa típica hipótese de sanção política,inadmissível no sistema tributário brasileiro”;Ministro Carlos Brito – acompanhou a relatora, agregando que odispositivo inquinado ofenderia, ain<strong>da</strong>, o princípio <strong>da</strong> isonomia;Ministro Cezar Peluso – acompanhou a relatora, assinalando, comto<strong>da</strong>s as letras, “que a norma impugna<strong>da</strong> introduz um princípio que euconsideraria esdrúxulo na ordem jurídica”; prosseguiu aduzindo que opreceptivo não passaria pelo teste <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de jurídica, constituindoforma indireta de cobrança do crédito tributário (no caso oraem julgamento é mais do que isso, pois, havendo compensação, trata-sede cobrança direta), bem como que não se poderia afastar a ofensa aosprincípios <strong>da</strong> isonomia e do devido processo legal e, finalmente, que “énorma desarrazoa<strong>da</strong> do ponto de vista prático”;Ministro Gilmar Mendes – acompanhou a relatora, acrescentando,ain<strong>da</strong>, que o dispositivo discutido criou um modelo “absolutamentedesnecessário e desproporcional”.Os demais Ministros presentes naquela sessão não apresentaram declaraçãode voto em separado, acompanhando a relatora.No caso que ora está sendo submetido à análise deste colegiado, nãohá dúvi<strong>da</strong> alguma de que se criou uma restrição muito mais contundentedo que a lei que, outrora, foi declara<strong>da</strong> inconstitucional por esta Corte epelo STF, pois, se aquela apenas condicionava o levantamento dos valoresà apresentação de CND, funcionando como meio indireto de cobrança,os preceptivos ora impugnados, mais do que isso, determinam a compensação,que é forma direta de cobrança, sem o devido processo legal.Com efeito, os créditos consubstanciados em precatório judicial sãocréditos que resultam de decisões transita<strong>da</strong>s em julgado. Portanto, sujeitosà preclusão máxima. A coisa julga<strong>da</strong> está revesti<strong>da</strong> de imutabili<strong>da</strong>de.É decorrência do princípio <strong>da</strong> segurança jurídica. Não está sujeita,portanto, a modificações.Diversamente, o crédito que a norma impugna<strong>da</strong> admite compensarresulta, como regra, de decisão administrativa, já que a fazen<strong>da</strong> tem opoder de constituir o seu crédito e expedir o respectivo título executivoextrajudicial (CDA) administrativamente, porém sujeito ao controlejurisdicional. Isto é, não é definitivo e imutável, diversamente do queocorre com o crédito decorrente de condenação judicial transita<strong>da</strong> em426R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


julga<strong>da</strong>. Ou seja, a norma impugna<strong>da</strong> permite a compensação de créditosque têm naturezas completamente distintas. Daí a ofensa ao instituto <strong>da</strong>coisa julga<strong>da</strong>.Afora isso, institui ver<strong>da</strong>deira execução fiscal administrativa, sem direitoa embargos, já que, como é evidente, não caberá nos próprios autosdo precatório a discussão <strong>da</strong> natureza do crédito oposto pela fazen<strong>da</strong>,que, como aludido, não é definitivo e pode ser contestado judicialmente.Há aí, sem dúvi<strong>da</strong>, ofensa ao princípio do devido processo legal.Mais ain<strong>da</strong>, ao determinar ao Judiciário que compense crédito de naturezaadministrativa com crédito de natureza jurisdicional, sem o devidoprocesso legal, usurpa a competência do Poder Judiciário, resultando<strong>da</strong>í ofensa ao princípio federativo <strong>da</strong> separação dos poderes, conformeassinalado no precedente do STF anteriormente citado, que pontuou: “oprincípio <strong>da</strong> separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional,que restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou<strong>da</strong> satisfação a elas devi<strong>da</strong>s na formulação constitucional prevalecenteno ordenamento jurídico”.Ademais, dispondo a Fazen<strong>da</strong> do poder de constituir administrativamenteo seu título executivo, tendo em seu favor inúmeros privilégios,materiais e processuais, garantidos por lei ao seu crédito (ressalvado ostrabalhistas, preferência em relação a outros débitos, processo de execuçãoespecífico, medi<strong>da</strong> cautelar fiscal, arrolamento de bens, entre outros),ofende o princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de a compensaçãoimposta nos dispositivos ora impugnados.Assinalo que o entendimento até aqui exposto não se contrapõe àorientação que tem sido acolhi<strong>da</strong> pelas Turmas Tributárias desta Corteque admitem a legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> compensação de ofício. Isso porque acompensação de ofício que está prevista em lei ocorre entre débitos/créditos que possuem a mesma natureza. Débitos e créditos decorrentesde decisões administrativas, não envolvendo créditos decorrentes decoisa julga<strong>da</strong> judicial.Cumpre, ain<strong>da</strong>, referir que a Lei nº 12.431, de 27.06.2011, nos arts. 30a 44, dispõe sobre a compensação de débitos perante a Fazen<strong>da</strong> Pública<strong>Federal</strong> com créditos provenientes de precatórios, na forma prevista nos§§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> CF. Tal lei é oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> conversão <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong>Provisória nº 517, de 30.12.2010, a qual, no entanto, não previu esseR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 427


instituto de compensação no seu texto originário, na<strong>da</strong> tendo referido arespeito.A inclusão dessas disposições se deu somente por ocasião do Projetode Lei de Conversão <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória nº 517/10, tendo passado aregulamentar em 15 dispositivos novos o uso de precatórios obtidos emações contra a União para compensar dívi<strong>da</strong>s com o Fisco federal. A leide conversão (Lei nº 12.431, de 27.06.11) é posterior não só às ADINsn os 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 que serão julga<strong>da</strong>s em conjunto pela CorteSuprema, como à suscitação do incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de pela2ª Turma deste <strong>Tribunal</strong> (D.E. 21.03.11).De acordo com as regras inseri<strong>da</strong>s na lei de conversão, em síntese,o juízo responsável pela emissão do precatório a favor do contribuintereceberá <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> informações sobre a existência de débitos a compensar.O beneficiário poderá questionar os <strong>da</strong>dos informados pelo Fiscoà Justiça, que também deverá buscar a resposta pela Fazen<strong>da</strong> federal. Dadecisão do juiz caberá agravo de instrumento com efeito suspensivo queimpedirá a requisição do precatório até a decisão final sobre a compensação.Entretanto, se uma parte dos valores a compensar for incontroversa,o precatório poderá ser emitido nesse montante antes <strong>da</strong> decisão finalsobre o restante questionado.Observe-se que esse procedimento de compensação de precatóriosconsubstancia-se em ver<strong>da</strong>deiro procedimento jurisdicional, porém, foiinserido na fase de expedição de precatórios, a qual tem natureza eminentementeadministrativa. Trata-se de procedimento inusitado e nuncacogitado em nosso direito positivo, porquanto fere os mais comezinhosprincípios de direito.De qualquer sorte, a lei ordinária não pode constitucionalizar algo quejá nasceu inconstitucional. Aliás, a Constituição <strong>Federal</strong> ve<strong>da</strong> a ediçãode medi<strong>da</strong>s provisórias sobre matéria processual civil (art. 62, § 1º, I,b, CF/88), de modo que a lei de conversão, em linha de princípio, nãopoderia dispor sobre processo civil.Por derradeiro, não há falar em função social e econômica do instituto<strong>da</strong> compensação de precatórios, bem como em pratici<strong>da</strong>de de suas normas,porquanto tais argumentos não têm o condão de se sobrepor sobreprincípios constitucionais.428R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


ConclusãoEm conclusão: reconhece-se a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10 doart. 100 <strong>da</strong> CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, porque ofendem, aum só tempo, os seguintes dispositivos e princípios constitucionais: a) art.2º <strong>da</strong> CF/88 (princípio federativo que garante a harmonia e a independênciados poderes); b) art. 5º, inciso XXXVI, <strong>da</strong> CF/88 (garantia <strong>da</strong> coisajulga<strong>da</strong>/segurança jurídica); c) art. 5º, inciso LV, <strong>da</strong> CF/88 (princípio dodevido processo legal); d) princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de/proporcionali<strong>da</strong>de.DispositivoAnte o exposto, voto por acolher o presente incidente de arguição deinconstitucionali<strong>da</strong>de para declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e10 do art. 100 <strong>da</strong> CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, nos termos<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação retro.VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik: A prerrogativa outorga<strong>da</strong>à Fazen<strong>da</strong> Pública de compensar créditos fiscais no momento <strong>da</strong>expedição do precatório, indubitavelmente, ofende o princípio <strong>da</strong> separaçãodos Poderes e os direitos e as garantias individuais assegurados peloart. 5º, incisos XXXVI (garantia <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>/segurança jurídica) eLV (princípio do devido processo legal), <strong>da</strong> CF/1988.Recentemente, o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> iniciou o julgamentoconjunto <strong>da</strong>s Ações Diretas de Inconstitucionali<strong>da</strong>de n os 4.357, 4.372,4.400 e 4.425, em que se questionam as alterações introduzi<strong>da</strong>s no art.100 <strong>da</strong> Constituição pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62/2009.O Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, julgou parcialmente procedentea ADIn nº 4.357, considerando inconstitucionais os §§ 9º e 10 doart. 100 <strong>da</strong> CF, além de outros dispositivos e expressões constantes <strong>da</strong>referi<strong>da</strong> Emen<strong>da</strong>. Acolho integralmente os lapi<strong>da</strong>res fun<strong>da</strong>mentos lançadospelo Ministro no tocante à compensação dos créditos <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>Pública, a seguir transcritos:“22. Continuo neste exame <strong>da</strong>s arguições dos requerentes para analisar a alegaçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. Confira-se are<strong>da</strong>ção dos dispositivos impugnados:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 429


‘§ 9º No momento <strong>da</strong> expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação,deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitoslíquidos e certos, inscritos ou não em dívi<strong>da</strong> ativa e constituídos contra o credor originalpela Fazen<strong>da</strong> Pública devedora, incluí<strong>da</strong>s parcelas vincen<strong>da</strong>s de parcelamentos, ressalvadosaqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.§ 10 Antes <strong>da</strong> expedição dos precatórios, o <strong>Tribunal</strong> solicitará à Fazen<strong>da</strong> Pública devedora,para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de per<strong>da</strong> do direito de abatimento,informação sobre os débitos que preencham as condições estabeleci<strong>da</strong>s no § 9º, para osfins nele previstos.’23. Como se vê, as normas jurídicas ataca<strong>da</strong>s chancelam uma compensação obrigatóriado crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazen<strong>da</strong> Pública. Compensaçãoque se opera ‘antes <strong>da</strong> expedição dos precatórios’ e mediante informação <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>devedora, no prazo de 30 (trinta) dias. Dando-se que o objetivo <strong>da</strong> norma é, nas palavrasdo próprio Advogado-Geral <strong>da</strong> União, precisamente este: ‘impedir que os administrados(especialmente os que devem valores vultosos à Fazen<strong>da</strong>) recebam seus créditos sem quesuas dívi<strong>da</strong>s perante o Estado sejam satisfeitas’. E, se é assim, o que se tem – penso – é umacréscimo de prerrogativa processual do Estado, como se já fosse pouco a prerrogativa doregime em si do precatório. Mas uma ‘super’ ou sobreprerrogativa que, ao menos quantoaos créditos privados já reconhecidos em decisão judicial com trânsito em julgado, vai implicarviolação <strong>da</strong> res judicata. Mais até, vai consagrar um tipo de superiori<strong>da</strong>de processual<strong>da</strong> parte pública sem a menor observância <strong>da</strong> garantia do devido processo legal e de seusprincipais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa.24. Em palavras outras, a via-crúcis do precatório passou a conhecer uma nova estação,a configurar arrevesa<strong>da</strong> espécie de terceiro turno processual-judiciário, ou, quando menos,processual-administrativo. Com a agravante <strong>da</strong> não participação <strong>da</strong> contraparte priva<strong>da</strong>.É como dizer: depois de todo um demorado processo judicial em que o administrado vêreconhecido seu direito de crédito contra a Fazen<strong>da</strong> Pública (muitas vezes de naturezaalimentícia), esta poderá frustrar a satisfação do crédito afinal reconhecido. E não se argumenteque ao administrado é faculta<strong>da</strong> a impugnação judicial ou administrativa dos débitosinformados pela Fazen<strong>da</strong> Pública. É que o cumprimento <strong>da</strong>s decisões judiciais não podeficar na dependência de manifestação alguma <strong>da</strong> Administração Pública, nem as deman<strong>da</strong>sdevem se eternizar (e se multiplicar), porque ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo,são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeri<strong>da</strong>de desua tramitação’ (inciso LXXVIII do art. 5º <strong>da</strong> CF).25. Em síntese, esse tipo unilateral e automático de compensação de valores, agoraconstante nos §§ 9º e 10 <strong>da</strong> Magna Carta (re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº62/2009), embaraça a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição e desrespeita a coisa julga<strong>da</strong>. E nessa linhaé que se pronunciou o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> quanto a mecanismo semelhante, inseridono art. 19 <strong>da</strong> Lei nº 11.033/2004. Artigo que foi unanimemente declarado inconstitucionalpelo Plenário desta nossa Corte na ADI 2.353. Colho do voto <strong>da</strong> Ministra Carmen Lúcia,relatora, o seguinte trecho:430R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


‘As formas de obter a Fazen<strong>da</strong> Pública o que lhe é devido e a constrição <strong>da</strong> contribuiçãopara o pagamento de eventual débito havido com a Fazen<strong>da</strong> Pública estão estabeleci<strong>da</strong>sno ordenamento jurídico e não podem ser obti<strong>da</strong>s por meios que frustrem direitos constitucionaisdos ci<strong>da</strong>dãos.Ademais, tal como trata<strong>da</strong> na Constituição, a matéria relativa a precatórios não chamaa atuação do legislador infraconstitucional, menos ain<strong>da</strong> para impor restrições que não secoadunam com o direito à efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição e o respeito à coisa julga<strong>da</strong>. E a jurisdiçãoé respeita<strong>da</strong> em sua condição efetiva, às vezes, pelo pagamento de valor definidojudicialmente.O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicialou <strong>da</strong> autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatóriojudicial, estabelecido pela norma questiona<strong>da</strong>, agrava o que vem estatuído como dever <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Pública em face <strong>da</strong> obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razãoe nas condições estabeleci<strong>da</strong>s pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou,menos ain<strong>da</strong>, frustrando pela exigência paralela de débitos de outra fonte e natureza que,eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazen<strong>da</strong> Pública.(...)Ademais, a decisão judicial não pode ter a sua efetivi<strong>da</strong>de e o seu respeito condicionadosà exigência que venha a ser imposta pelo legislador infraconstitucional (nem pelo constituintereformador), em detrimento do julgado e <strong>da</strong> satisfativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicional.Nesse sentido, o princípio <strong>da</strong> separação de poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional,que restringe o vigor e a eficácia <strong>da</strong>s decisões judiciais ou <strong>da</strong> satisfaçãoa elas devi<strong>da</strong>s na formulação constitucional prevalecente no ordenamento jurídico.(...)A assertiva feita nas informações pelo Congresso Nacional (e, nestes autos, repeti<strong>da</strong> peloAdvogado-Geral <strong>da</strong> União) de que a norma legal sob análise teria ‘espírito moralizador’demonstra-se, bem ao contrário, desmoralizadora <strong>da</strong>s decisões judiciais e frustradora dedireitos dos jurisdicionados.’26. Com efeito, esse tipo de conformação normativa, mesmo que veicula<strong>da</strong> por emen<strong>da</strong>à Constituição, também importa contratura no princípio <strong>da</strong> separação dos Poderes. No caso,em desfavor do Poder Judiciário. Como ain<strong>da</strong> se contrapõe àquele traço ou àquela notaque, integrativa <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, deman<strong>da</strong> a observância obrigatória <strong>da</strong> exigibili<strong>da</strong>de/necessi<strong>da</strong>de para a restrição de direito. Isso porque a Fazen<strong>da</strong> Pública dispõe de outrosmeios igualmente eficazes para a cobrança de seus créditos tributários e não tributários.Basta pensar que o crédito, constituído e inscrito em dívi<strong>da</strong> ativa pelo próprio Poder Público,pode imediatamente ser executado, inclusive com a obtenção de penhora de eventualprecatório existente em favor do administrado. Sem falar na inclusão do devedor nos ca<strong>da</strong>strosde inadimplentes. A propósito, este Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> tem jurisprudênciafirme no sentido de ve<strong>da</strong>r o uso, pelo Estado, de meios coercitivos indiretos de cobrança detributo. Confiram-se, nesse sentido, as Súmulas n os 70, 323 e 547. Assim também vocalizouo Ministro Joaquim Barbosa na cita<strong>da</strong> ADI 3.453, verbis:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 431


‘Também eu entendo que a subordinação <strong>da</strong> solução de créditos, que devem ser pagosmediante precatório, à comprovação <strong>da</strong> ausência de débitos inscritos em dívi<strong>da</strong> ativa, édesproporcional em relação aos limites impostos pelo artigo 100 <strong>da</strong> Constituição, especialmenteo seu respectivo § 1º, que afirma ser obrigatória a inclusão, no orçamento <strong>da</strong>senti<strong>da</strong>des de direito público, de verbas necessárias ao pagamento de seus débitos oriundosde sentenças transita<strong>da</strong>s em julgado. Assim, o Estado está obrigado a solver suas obrigações,independentemente <strong>da</strong> existência ou <strong>da</strong> inexistência de créditos oponíveis ao seu credor.A Fazen<strong>da</strong> Pública possui inúmeros mecanismos destinados à salvaguar<strong>da</strong> de seuscréditos, inclusive com a constrição do patrimônio do devedor e o registro <strong>da</strong>s dívi<strong>da</strong>s emca<strong>da</strong>stros de inadimplência.De forma semelhante às tentativas do Fisco de embaraçar a ativi<strong>da</strong>de econômica docontribuinte inadimplente, rechaça<strong>da</strong>s por esta Corte em diversos precedentes (cf., e.g., oRE 413.782, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 03.06.2005, e as Súmulas 70, 323 e 547 <strong>da</strong>Corte), a vinculação em exame representa típica hipótese de sanção política, inadmissívelno sistema tributário brasileiro.’27. Não é tudo, porque também me parece resultar preterido o princípio constitucional <strong>da</strong>isonomia. Explico. Exige-se do Poder Público, para o recebimento de valores em execuçãofiscal, a prova de que o Estado na<strong>da</strong> deve à contraparte priva<strong>da</strong>? Claro que não! Ao cobraro crédito de que é titular, a Fazen<strong>da</strong> Pública não é obriga<strong>da</strong> a compensá-lo com eventualdébito dela (Fazen<strong>da</strong> Pública) em face do credor-contribuinte. Por conseguinte, revela-se,por mais um título, anti-isonômica a sistemática dos §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> Constituição<strong>da</strong> República, incluídos pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62/2009. Pelas mesmas razões, éinconstitucional a expressão ‘permiti<strong>da</strong> por iniciativa do Poder Executivo a compensaçãocom débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívi<strong>da</strong> ativa e constituídos contra odevedor originário pela Fazen<strong>da</strong> Pública devedora até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> expedição do precatório,ressalvados aqueles cuja exigibili<strong>da</strong>de esteja suspensa nos termos do § 9º do art. 100 <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>’, conti<strong>da</strong> no inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT.”Ante o exposto, voto no sentido de acolher o incidente de arguiçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de dos §§ 9º e 10 do art. 100 <strong>da</strong> Constituição,introduzidos pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62/2009, acompanhando obrilhante voto apresentado pelo Desembargador <strong>Federal</strong> Otávio RobertoPamplona.432R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 0038689-18.2010.404.0000/PRRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves GoraiebRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoInteressados: Joaquim Narcizo Pedrosa Borges e outrosApareci<strong>da</strong> Mercedes VianiJosé Milton FavorettoNoadir Souza LimaAdy Tramujas SamwaysOldemar Solano BuenoJosé Luiz GuimarãesRosalina Diorio GuerreiroTereza Maria de Souza CorreaDilce de OliveiraAdvogados: Dr. Antônio Fernandes SouzaDr. Anderson Fernandes de SouzaInteressado: Sindicato dos Trabalhadores Federais <strong>da</strong> Saúde, Trabalhoe Previdência no Estado do RSAdvogados: Drs. Thiago Cecchini Brunetto e outrosSuscitante: <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAConstitucional. Incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Art.16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.887/2004, parte final, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Leinº 12.350/2010. Contribuição para o plano de seguri<strong>da</strong>de social – PSS.Rejeição.O dispositivo apontado como inconstitucional diz claramente que acontribuição para o plano <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social se <strong>da</strong>rá “mediante aplicação<strong>da</strong> alíquota de 11% sobre o valor pago”. Tal re<strong>da</strong>ção não conduz àleitura estrita de que seja a totali<strong>da</strong>de do valor pago, mas, sim, a de queé o valor no qual as leis declaram que há incidência.A própria lei se encarrega de definir qual é a base de cálculo dotributo, devendo ser observa<strong>da</strong> pelo Juiz <strong>da</strong> execução, que fixará, casoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 433


a caso, o valor devido a título de PSS, nos termos do que determinaa orientação normativa nº 1 do CJF, que dispõe acerca dos descontosrelativos à contribuição previdenciária dos servidores públicos federaisdecorrentes de precatórios e RPVs, além <strong>da</strong>s vantagens expressamenteexcluí<strong>da</strong>s no art. 4º, § 1º.A disposição, à evidência, não se aplica quanto a valores sobre osquais não há incidência, como são as chama<strong>da</strong>s indenizatórias.Inexiste, portanto, afronta ao disposto no artigo 195, § 4º c/c artigo 154,I, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> pelo artigo 16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.884/2004, comre<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010, no tocante à expressão “mediantea aplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago”porquanto não há indicação de hipótese nova de incidência de tributo,mas sim definição do momento <strong>da</strong> cobrança deste.O fato de a retenção ser efetua<strong>da</strong> no momento do pagamento indica,exclusivamente, aspecto temporal do tributo a ser observado.Arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de rejeita<strong>da</strong>.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial Judicial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por maioria, rejeitar o incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de,venci<strong>da</strong> a Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Goraieb, Relatora, e os DesembargadoresFederais Luiz Carlos de Castro Lugon, Victor dos Santos Laus, CelsoKipper e Otávio Roberto Pamplona, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Relator para o acórdão.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves Goraieb: Trata-sede incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> parte final do art.16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.887/2004, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010,de seguinte teor:“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguri<strong>da</strong>de do Servidor Público – PSS, decorrentede valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ain<strong>da</strong> que deriva<strong>da</strong> de homologaçãode acordo, será reti<strong>da</strong> na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou ao seu repre-434R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


sentante legal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento, por intermédio <strong>da</strong>quitação <strong>da</strong> guia de recolhimento remeti<strong>da</strong> pelo setor de precatórios do <strong>Tribunal</strong> respectivo,no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora,no caso de implantação de rubrica específica em folha, mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota deonze por cento sobre o valor pago.”Distribuído o feito à Corte Especial, foram os autos remetidos aoMinistério Público <strong>Federal</strong>, que aviou parecer pelo não acolhimento dopresente incidente.É o breve relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Maria Gonçalves Goraieb:Inicialmente, esclareço que não se está aqui tratando do momento dorecolhimento <strong>da</strong> contribuição previdenciária, o que, sem dúvi<strong>da</strong>, não sesujeita à declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Nenhuma mácula atingea determinação de retenção na fonte, porquanto, como defendido peloMinistério Público <strong>Federal</strong>, o sistema evita fraudes e agiliza o recolhimentodo PSS, fonte de custeio <strong>da</strong> previdência social dos servidores.Tampouco existe mácula com relação à incidência <strong>da</strong> contribuiçãoprevidenciária sobre as verbas salariais acumula<strong>da</strong>s. Não obstante meuentendimento pessoal a respeito do tema, a jurisprudência firmou-se nosentido de que o seu recolhimento dispensa previsão no título judicial,por tratar-se de obrigação ex lege. Confira-se:“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIFERENÇAS SALARIAIS. CON-TRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO. BASE DE CÁLCULO. CRITÉRIOS.. As verbas decorrentes de indenizações judiciais surgi<strong>da</strong>s em virtude de vínculo jurídicode ordem laboral estão sujeitas ao recolhimento <strong>da</strong> contribuição previdenciária nos termosdo regulamento vigente à época em que seriam devi<strong>da</strong>s, apurando-se o respectivo valor,mês a mês, conforme a competência de ca<strong>da</strong> pagamento.. A contribuição previdenciária incide somente sobre as parcelas de natureza salarial,entendi<strong>da</strong>s aquelas que se enquadram perfeitamente no sentido de contraprestação laboral.. Por não possuir natureza salarial, os juros de mora apurados em condenação não estãosujeitos à incidência <strong>da</strong> contribuição previdenciária.. A contribuição previdenciária não incide sobre os proventos de aposentadoria, quandoas diferenças pagas na via judicial tiverem como referência competências anteriores à MP166/2004, converti<strong>da</strong> na Lei nº 10.887/2004.. A individualização ou a retenção <strong>da</strong>s contribuições previdenciárias deve ser realiza<strong>da</strong>no momento último em que o juiz <strong>da</strong> execução tiver disposição sobre os valores incluídosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 435


na execução.. Nos casos em que o efetivo pagamento depende de autorização judicial, as importânciasa serem recolhi<strong>da</strong>s ao Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social do Servidor – PSSS deverão serinforma<strong>da</strong>s quando <strong>da</strong> expedição do respectivo alvará de levantamento, determinando-seo recolhimento pela instituição bancária.. Prequestionamento quanto à legislação invoca<strong>da</strong> estabelecido pelas razões de decidir.. Agravo de instrumento improvido.” (TRF4, Agravo de Instrumento Nº 5004903-58.2011.404.0000, <strong>4ª</strong> Turma, Desa. <strong>Federal</strong> Silvia Goraieb, por unanimi<strong>da</strong>de)“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVI-DENCIÁRIA. PSS. RETENÇÃO. POSSIBILIDADE. PROVENTOS. LIMITAÇÃO. 1. Aretenção de valores devidos a título de contribuição ao Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social – PSS– decorre de imposição legal, sendo devi<strong>da</strong> a dedução em tela no momento do recebimentodos valores por meio de precatório/RPV. É o que se extrai do texto do artigo 16-A <strong>da</strong> Lei nº10.887/04, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. 2. Sobre o tema,o STJ, em análise de recurso submetido à sistemática do artigo 543-C do CPC, pacificouque a retenção na fonte <strong>da</strong> contribuição do Plano de Seguri<strong>da</strong>de do Servidor Público – PSS–, incidente sobre valores pagos em cumprimento de decisão judicial, prevista no artigo16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.887/04, constitui obrigação ex lege e como tal deve ser promovi<strong>da</strong> independentementede condenação ou de prévia autorização no título executivo. 3. Porém,a contribuição de inativos para a previdência do regime próprio dos servidores públicos,instituí<strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, só passou a serexigível a partir de 19.03.2004, por força <strong>da</strong> anteriori<strong>da</strong>de nonagesimal prevista no artigo195, § 6º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. Dessa forma, não deve incidir contribuição previdenciáriasobre proventos de servidores, referentes a créditos originados anteriormente a esseperíodo. 4. No caso, contudo, prejudicado o pedido subsidiário de afastamento <strong>da</strong> incidência<strong>da</strong> contribuição sobre os exequentes inativos/isentos, porquanto, nos termos <strong>da</strong> informaçãopresta<strong>da</strong> pelo juízo a quo, o exame particularizado de ca<strong>da</strong> servidor já fora feito, oportuni<strong>da</strong>deem que foi determina<strong>da</strong> a liberação integral do valor depositado a um dos agravantes(isento <strong>da</strong> contribuição). 5. Agravo de instrumento improvido.” (TRF4, Agravo de Instrumentonº 2009.04.00.028495-9, 3ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva, porunanimi<strong>da</strong>de, D.E. 12.04.2011)To<strong>da</strong>via, a parte final do referido art. 16-A, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pelaLei nº 10.350/2010, estabelece que o PSS será calculado “mediante aaplicação <strong>da</strong> alíquota de onze por cento sobre o valor pago”, previsãoessa que não encontra respaldo na sistemática constitucional, como severá adiante.Sistemática aplicável às contribuições previdenciáriasA contribuição previdenciária tem como fato gerador uma relação detrabalho. Se não aquela relação celetista, tradicionalmente conheci<strong>da</strong>, em436R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


outra órbita, o vínculo jurídico que liga os servidores públicos ao Estado,mas com um ponto em comum àquela: uma contraprestação laboral.Nem mesmo as relações ao arrepio <strong>da</strong>s leis trabalhistas escapam detal contexto, até porque a inexistência de registros não descaracteriza arelação de emprego, quando presentes os requisitos principais.O fato gerador, porém, não se resume à relação de emprego ou aovínculo jurídico estatutário, no caso dos servidores públicos. Em reali<strong>da</strong>de,surge <strong>da</strong> reunião de diversos elementos sem os quais não se consumaráa obrigação de recolhimento. Significa dizer que o fato gerador<strong>da</strong> contribuição previdenciária será a relação onerosa de emprego que seintegraliza com o pagamento <strong>da</strong> remuneração correspondente.Para o mesmo sentido tem apontado a jurisprudência do E. Superior<strong>Tribunal</strong> de Justiça:“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DEATUALIZAÇÃO CONTRATUAL NA CTPS. INTERESSE DO PARTICULAR LESADOEM SEUS DIREITOS TRABALHISTAS. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMEN-TO PÚBLICO (ARTIGO 297, § 4º, DO CP). SÚMULA Nº 62 DO STJ. COMPETÊNCIADA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Hipótese em que empresa priva<strong>da</strong> deixa de anotar na CTPS<strong>da</strong> emprega<strong>da</strong> os <strong>da</strong>dos referentes às atualizações ocorri<strong>da</strong>s no contrato de trabalho, como fito de frustrar direitos trabalhistas, <strong>da</strong>ndo origem à reclamação trabalhista. Não se vislumbraqualquer prejuízo a bens, serviços ou interesses <strong>da</strong> União, senão, por via indiretaou reflexa, do INSS na anotação <strong>da</strong> carteira, <strong>da</strong>do que é na prestação de serviço que seencontra o fato gerador <strong>da</strong> contribuição previdenciária. Entendimento <strong>da</strong> Súmula nº 62 doSTJ. 2. A competência para julgar crime de falsificação de documento público, consistentena ausência de anotação de atualização do contrato de trabalho de empregado, é <strong>da</strong> JustiçaEstadual, pois inexistente lesão a bens, serviços ou interesse <strong>da</strong> União. Súmula nº 62 doSTJ. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito <strong>da</strong> 3ª Vara Criminal<strong>da</strong> Comarca de São Carlos/SP, o suscitado.” (CC 201001706595, Maria Thereza de AssisMoura, STJ – Terceira Seção, 25.11.2010)“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CON-TRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O PAGAMENTO DE SALÁRIOS. FATOGERADOR. DATA DO RECOLHIMENTO. I – O fato gerador <strong>da</strong> contribuição previdenciárianão é o pagamento do salário, mas a relação laboral existente entre o empregador eo empregado, dessa forma o recolhimento <strong>da</strong> contribuição previdenciária deve ser efetuadoa ca<strong>da</strong> mês, após venci<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de laboral do período, independentemente <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta dopagamento do salário. II – Agravo regimental improvido.” (STJ, AGA 618570/PR, PrimeiraTurma, Rel Min. Francisco Falcão, unânime, julg. 02.12.2004, DJU 14.03.2005, p. 211)“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRAZO DE RECOLHI-MENTO. 1. O fato gerador <strong>da</strong> contribuição previdenciária é a relação laboral onerosa,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 437


<strong>da</strong> qual se origina a obrigação de pagar ao trabalhador (até o quinto dia subsequente ao mêslaborado) e a obrigação de recolher a contribuição previdenciária aos cofres <strong>da</strong> Previdência.2. A folha de salário é a base de cálculo <strong>da</strong> exação, sendo irrelevante para o nascimento dofato gerador o pagamento. 3. Disposição expressa do art. 30, I, b, <strong>da</strong> Lei 8.212/91 prevendoo recolhimento <strong>da</strong> contribuição previdenciária até o segundo dia do mês seguinte ao <strong>da</strong>competência. 4. Recurso improvido.” (STJ, REsp 502670/SC, Segun<strong>da</strong> Turma, Rel. Min.Eliana Calmon, unânime, julg. 16.12.2003, DJU 25.02.2004, p. 149)O pagamento dos salários atrasados pela via judicial somente tem ocondão de integralizar a hipótese de incidência já desencadea<strong>da</strong> e nãoconcluí<strong>da</strong>, revelando-se, tão só, um de seus elementos, e não o conteúdoprincipal <strong>da</strong> definição legal.Társis Nametala Jorge, Procurador <strong>Federal</strong> de Primeira Categoria <strong>da</strong>Advocacia-Geral <strong>da</strong> União, comunga do mesmo entendimento.Ao analisar os elementos e a classificação de fatos geradores <strong>da</strong> contribuiçãoprevidenciária nas relações de cunho celetista, conclui o autorque “assim, será regra, ao nosso pensar, um fato gerador complexo paraas contribuições previdenciárias, como se dá no caso dos empregadosceletistas, dos empregados públicos, dos representantes comerciais, dosintegrantes de cargos comissionados não exercentes de cargos efetivos,nas administrações públicas, etc.” (in Elementos de Direito Previdenciário:de acordo com EC 41/03 e MP 222/04. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2005. p. 56).Com efeito, a gênese celetista ou estatutária do liame jurídico de ordemlaboral pouca ingerência tem. Destacam-se, prima facie, princípiosbasilares que, um vez compreendidos, oferecem a solução mais amol<strong>da</strong><strong>da</strong>ao caso discutido nos autos.Não é outra a posição fixa<strong>da</strong> pela AGU no Parecer nº AC-21, de 01de setembro de 2004 (DOU 15-09/2004).Questiona<strong>da</strong> a Consultoria-Geral <strong>da</strong> União acerca <strong>da</strong> destinação <strong>da</strong>scontribuições previdenciárias verti<strong>da</strong>s em processos trabalhistas, cujosreclamantes deixaram a condição de celetistas com a edição <strong>da</strong> Lei nº8.112/90, entendeu aquele órgão que a competência tributária ativa, emtal hipótese, pertence ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS,haja vista a impossível desvinculação <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s parcelas pagas,do regime jurídico vigente à época em que a prestação deveria ter sidoimplementa<strong>da</strong>.438R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


As considerações lança<strong>da</strong>s são por demais eluci<strong>da</strong>tivas.To<strong>da</strong>via, em homenagem à brevi<strong>da</strong>de, não se revela pertinente oufun<strong>da</strong>mental a sua referência na íntegra, bastando o simples registro dealgumas conclusões, nota<strong>da</strong>mente aquelas acerca <strong>da</strong> natureza dos pagamentosjudiciais, in verbis:“Precatórios. Contribuição previdenciária a ser recolhi<strong>da</strong> pela UFJF.I – o fato gerador não é a complementação salarial determina<strong>da</strong> em juízo, mas o pagamentoincompleto realizado em <strong>da</strong>ta pretérita.II – Ao INSS deve ser recolhi<strong>da</strong>, pela UFJF, a contribuição previdenciária relativa aprecatórios em que são exequentes servidores públicos que, à época questiona<strong>da</strong> em juízo,possuíam vínculo celetista. (...) (Parecer nº AGUMF – 12/2002).Em conclusão, pode-se afirmar:a) as diferenças salariais recebi<strong>da</strong>s em juízo são complementações de pagamento realizadoem <strong>da</strong>ta anterior;b) o reconhecimento do direito do servidor, pela Justiça, mostra, apenas, que o pagamentojá deveria ter sido realizado no passado;c) o fato gerador, consequentemente, se deu no passado, quando o servidor, em regimeceletista, era contribuinte do Regime Geral de Previdência Social;d) ao INSS deve ser recolhi<strong>da</strong>, pela UFJF, a contribuição previdenciária relativa a precatóriosem que, à época questiona<strong>da</strong> em juízo, possuíam vínculo celetista.”Ain<strong>da</strong> que anterior à Lei nº 12.350/2010, as conclusões permanecematuais, até porque o que se busca, neste momento, é verificar se a modificaçãolegislativa sustenta-se quando em cotejo com os parâmetrosconstitucionais.Não vejo, pois, como modificar to<strong>da</strong> a estrutura consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> à contribuiçãoprevidenciária para os casos de pagamentos judiciais.As indenizações pagas por requisição de pagamento na<strong>da</strong> mais sãodo que decorrência de uma prestação salarial incompleta. Surgem exatamenteem virtude de vínculo jurídico de ordem laboral (celetista ouestatutário), impondo-se o recolhimento <strong>da</strong> contribuição previdenciárianos termos do regulamento vigente à época em que devi<strong>da</strong>s. Ou seja,no seu devido tempo, observando-se a competência de ca<strong>da</strong> pagamento.Essa é a essência que orientava, até então, os procedimentos adotadospela autarquia previdenciária, em consonância, refira-se, com o dispostona Instrução Normativa INSS nº 100/2003, ipsis litteris:“Art. 72. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador <strong>da</strong>obrigação previdenciária principal e existentes seus efeitos:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 439


(...)§ 1° Considera-se credita<strong>da</strong> a remuneração na competência em que a empresa ou aequipara<strong>da</strong> contratante for obriga<strong>da</strong> a reconhecer contabilmente a despesa ou o dispêndio.Art. 141. Serão adota<strong>da</strong>s as competências dos meses em que foram prestados os serviçospelos quais a remuneração é devi<strong>da</strong>, ou dos abrangidos pelo reconhecimento do vínculoempregatício, quando consignados nos cálculos de liqui<strong>da</strong>ção ou nos termos do acordo.(Eficácia suspensa pela Instrução Normativa nº 108/2004, somente enquanto pendentes desolução, problemas operacionais)§ 1º Quando, nos cálculos de liqui<strong>da</strong>ção de sentença ou nos termos do acordo, a base decálculo <strong>da</strong>s contribuições sociais não estiver relaciona<strong>da</strong>, mês a mês, ao período específico<strong>da</strong> prestação de serviços geradores <strong>da</strong>quela remuneração, as parcelas remuneratórias serãoratea<strong>da</strong>s, dividindo-se seu valor pelo número de meses do período indicado na sentençaou no acordo, ou, na falta desta indicação, do período indicado pelo reclamante na inicial,respeitados os termos inicial e final do vínculo empregatício anotado em CTPS ou judicialmentereconhecido na reclamatória trabalhista.§ 2º Se o rateio mencionado no parágrafo anterior envolver competências anteriores ajaneiro de 1995, para a obtenção do valor originário relativo a ca<strong>da</strong> competência, o valor<strong>da</strong> fração obti<strong>da</strong> com o rateio deve ser dividido por 0,9108 (valor <strong>da</strong> UFIR vigente em01.01.1997, a ser utilizado nos termos do art. 29 <strong>da</strong> Lei nº 10.522, de 2002), dividindo--se em segui<strong>da</strong> o resultado dessa operação pelo Coeficiente em UFIR expresso na TabelaPrática Aplica<strong>da</strong> em Contribuições Previdenciárias elabora<strong>da</strong> pela Diretoria de ReceitaPrevidenciária do INSS para aquela competência.§ 3º Na hipótese de não reconhecimento de vínculo, e quando não fizer parte do acordohomologado a indicação do período em que foram prestados os serviços aos quais se refereo valor pactuado, será adota<strong>da</strong> a competência referente à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> homologação do acordo,ou à <strong>da</strong>ta do pagamento, se este anteceder àquela.Art. 142. Serão adotados as alíquotas, os critérios de atualização monetária, as taxas dejuros de mora e os valores de multas vigentes à época <strong>da</strong>s competências apura<strong>da</strong>s na formado art. 141.” (Eficácia suspensa pela Instrução Normativa nº 108/2004, somente enquantopendentes de solução, problemas operacionais)Tais critérios aplicam-se indistintamente. Por muitos anos os servidoresfederais contribuíram com 6% ao mês de seus salários, não sendocorreto que agora, ao receber parcelas atrasa<strong>da</strong>s de tal período, por condutalesiva <strong>da</strong> ré, tenham a contribuição majora<strong>da</strong>.O mesmo se diga com relação aos inativos e aos pensionistas, emparticular no que se refere à contribuição de 11% instituí<strong>da</strong> pela MP nº167/2002 (converti<strong>da</strong> na Lei nº 10.887/2004), que não pode ser calcula<strong>da</strong>sobre indenizações de períodos anteriores à norma de regência, pois issosignificaria autorizar que seus efeitos retroajam, técnica expressamenteproibi<strong>da</strong> pela Constituição <strong>Federal</strong>, quando se trata de novas obrigações440R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


tributárias.A regra cria<strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010 não pode criar um novo fatogerador, pois isso afrontaria o próprio regime contributivo do servidore, até mesmo, o princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de estrita.Parcelas integrantes <strong>da</strong> base de cálculoEm regra, integram a base de cálculo para fins de contribuição para aseguri<strong>da</strong>de social aquelas parcelas com as quais haverá correspondênciano momento <strong>da</strong> aposentadoria.Implica dizer que a não inclusão de determina<strong>da</strong> rubrica nos futurosproventos terá como consequência a sua não contabilização na base decálculo no momento <strong>da</strong> exação previdenciária, de modo que a contribuiçãoincidirá apenas sobre as parcelas de natureza permanente, comodefinido no art. 4º <strong>da</strong> própria Lei nº 10.887/2004, a mesma que teveacréscimos à re<strong>da</strong>ção do art. 16-A. Confira-se:“Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes <strong>da</strong>União, incluí<strong>da</strong>s suas autarquias e fun<strong>da</strong>ções, para a manutenção do respectivo regimepróprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> base de contribuição.§ 1º Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido<strong>da</strong>s vantagens pecuniárias permanentes estabeleci<strong>da</strong>s em lei, os adicionais de caráterindividual ou quaisquer outras vantagens, excluí<strong>da</strong>s:I – as diárias para viagens;II – a aju<strong>da</strong> de custo em razão de mu<strong>da</strong>nça de sede;III – a indenização de transporte;IV – o salário-família;V – o auxílio-alimentação;VI – o auxílio-creche;VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;VIII – a parcela percebi<strong>da</strong> em decorrência do exercício de cargo em comissão ou defunção de confiança; eIX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>,o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de2003.” (grifei)A referência ao artigo retro se presta perfeitamente para desenvolvero raciocínio conclusivo. Já em uma primeira análise, a previsão conti<strong>da</strong>no art. 16-A (nova re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010) verifica-se aincompatibili<strong>da</strong>de interna <strong>da</strong> norma.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 441


Em um primeiro momento, associa claramente a base de cálculo<strong>da</strong> contribuição previdenciária ao trabalho remunerado, inclusive comdetalhamento <strong>da</strong>s parcelas que compõem a sua base de cálculo. Em umsegundo (art. 16-A), curiosamente amplia o conceito para determinar aincidência, em percentual único, a todo o valor pago mediante requisiçãode pequeno valor.Tal pretensão do legislador merece ser rechaça<strong>da</strong>.Inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> parte final do art. 16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.887/04Assim dispõe o art. 16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.887/04, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> peloart. 48 <strong>da</strong> Lei nº 10.350/2010:“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguri<strong>da</strong>de do Servidor Público (PSS), decorrentede valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ain<strong>da</strong> que deriva<strong>da</strong> de homologaçãode acordo, será reti<strong>da</strong> na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou ao seu representantelegal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento, por intermédio <strong>da</strong>quitação <strong>da</strong> guia de recolhimento remeti<strong>da</strong> pelo setor de precatórios do <strong>Tribunal</strong> respectivo,no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora,no caso de implantação de rubrica específica em folha, mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquotade 11% (onze por cento) sobre o valor pago.” (grifo meu)A inovação trazi<strong>da</strong> pela alteração legislativa destaca-se justamentena expressão “mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% (onze por cento)sobre o valor pago”. Enten<strong>da</strong>-se sobre o total pago, segundo tesedefendi<strong>da</strong> pela União <strong>Federal</strong> nas razões de recurso do agravo que deuorigem a este incidente. Refere o Ente Público “cui<strong>da</strong>r-se de valor totalcalculado na <strong>da</strong>ta de pagamento”.Ora, tal conclusão não encontra respaldo no arcabouço constitucional.O art. 48 <strong>da</strong> Lei nº 10.350/2010 in fine, ao determinar que a contribuiçãoprevidenciária deva incidir sobre o total, acaba por criar um novo fatogerador para a contribuição previdenciária, estranho ao sistema constitucionalde custeio.E isso porque o pagamento de indenizações judiciais guar<strong>da</strong> relaçãoapenas indireta com a prestação laboral, revelando-se, como já esclarecido,a complementação de uma relação já inicia<strong>da</strong> anteriormente esomente encerra<strong>da</strong> pela via judicial, em razão <strong>da</strong> resistência <strong>da</strong> ré emadimplir com verbas salariais.Convém, neste passo, traçar um comparativo simples, mas por demais442R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


esclarecedor. É de notar que a manutenção <strong>da</strong> norma tal como posta,autorizaria a incidência de contribuição previdenciária sobre qualquerparcela de natureza salarial que venha a ser busca<strong>da</strong> pelo servidor emsede judicial, inclusive aquelas de natureza indenizatória.Para tanto, bastaria que estivesse incluí<strong>da</strong> na condenação e no cálculoexequendo para atrair a noviça hipótese de incidência, ain<strong>da</strong> que setratasse de rubrica não sujeita à contribuição na origem. Exemplo disso:adicional de férias, indenização pecuniária por licença-prêmio não goza<strong>da</strong>,diárias, aju<strong>da</strong> de custo, adicional de transporte, dentre outras parcelas.Seguindo, assim estabelece a Constituição <strong>Federal</strong>:“Art. 195. A seguri<strong>da</strong>de social será financia<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, de forma direta eindireta, nos termos <strong>da</strong> lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos <strong>da</strong> União, dosEstados, do Distrito <strong>Federal</strong> e dos Municípios, e <strong>da</strong>s seguintes contribuições sociais:(...)§ 4º – A lei poderá instituir outras fontes destina<strong>da</strong>s a garantir a manutenção ou expansão<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social, obedecido o disposto no art. 154, I.Art. 154. A União poderá instituir:I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde quesejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminadosnesta Constituição;” (grifei)Não se cui<strong>da</strong> de simples ampliação <strong>da</strong> base de cálculo já existente. Jáfoi amplamente esclareci<strong>da</strong> que a essência <strong>da</strong> contribuição previdenciáriaé a prestação laboral, elemento esse ausente ao pagamento judicial e que,acima de tudo o precede.Ademais, fosse assim, a modificação pressuporia a modificaçãoestrutural de todo o sistema contributivo, passando, em primeiro lugar,pela redefinição <strong>da</strong> base inserta no art. 4º do mesmo diploma legal, hojedefinido como “o vencimento do cargo efetivo, acrescido <strong>da</strong>s vantagenspecuniárias permanentes estabeleci<strong>da</strong>s em lei, os adicionais de caráterindividual ou quaisquer outras vantagens”, excetua<strong>da</strong>s as parcelas expressamenteexcluí<strong>da</strong>s.Assim, estamos diante de ver<strong>da</strong>deira hipótese de incidência nova eque passa à margem <strong>da</strong> sistemática constitucional.Por todos esses fun<strong>da</strong>mentos, exsurge a inconstitucionali<strong>da</strong>de emparte do dispositivo sob exame, devendo ser excluí<strong>da</strong> do art. 16-A<strong>da</strong> Lei nº 10.884/2004, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010, aR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 443


expressão “mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% (onze por cento)sobre o valor pago”, frente ao disposto no art. 195, § 4º c/c o art. 154, I,<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.PrequestionamentoO prequestionamento quanto à legislação invoca<strong>da</strong> fica estabelecidopelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vezque deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obterpronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado,considerando-se aqui transcritos todos os artigos <strong>da</strong> Constituição e/oude lei referidos pelas partes.Em face do exposto, acolho o presente incidente para declarar ainconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> expressão “(...) mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquotade onze por cento sobre o valor pago”, conti<strong>da</strong> no art. 16-A <strong>da</strong>Lei nº 10.887/2004, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010, comredução de texto.É como voto.VOTO DIVERGENTEA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria: Divirjo <strong>da</strong> e.Relatora.Não vejo qualquer afronta ao disposto no artigo 195, § 4º, c/c artigo154, I, <strong>da</strong> CF pelo artigo 16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.884/2004, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Lei nº 12.350/2010 no tocante à expressão “mediante a aplicação<strong>da</strong> alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago”.Com efeito, não está aqui a se criar uma hipótese nova de incidênciade tributo, mas sim a indicar o momento <strong>da</strong> cobrança desse. Como bemreferiu a Desembargadora <strong>Federal</strong> Marga Inge Barth Tessler no seu votono Agravo de Instrumento no qual foi suscitado este incidente, o fato de aretenção ser efetua<strong>da</strong> no momento do pagamento indica, exclusivamente,aspecto temporal do tributo a ser observado.Assim dispõe o dispositivo legal ora atacado:“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguri<strong>da</strong>de do Servidor Público (PSS), decorrentede valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ain<strong>da</strong> que deriva<strong>da</strong> de homologaçãode acordo, será reti<strong>da</strong> na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou ao seu representantelegal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento, por intermédio <strong>da</strong>444R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


quitação <strong>da</strong> guia de recolhimento remeti<strong>da</strong> pelo setor de precatórios do <strong>Tribunal</strong> respectivo,no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora,no caso de implantação de rubrica específica em folha, mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota de11% (onze por cento) sobre o valor pago.” (Incluído pela Lei nº 12.350, de 2010)Este artigo deve ser interpretado em consonância com o artigo 4º <strong>da</strong>mesma Lei, não isola<strong>da</strong>mente, verbis:“Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes <strong>da</strong>União, incluí<strong>da</strong>s suas autarquias e fun<strong>da</strong>ções, para a manutenção do respectivo regimepróprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> base de contribuição. (Vide Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 47, de 2005)§ 1° Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido<strong>da</strong>s vantagens pecuniárias permanentes estabeleci<strong>da</strong>s em lei, os adicionais de caráterindividual ou quaisquer outras vantagens, excluí<strong>da</strong>s:I – as diárias para viagens;II – a aju<strong>da</strong> de custo em razão de mu<strong>da</strong>nça de sede;III – a indenização de transporte;IV – o salário-família;V – o auxílio-alimentação;VI – o auxílio-creche;VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;VIII – a parcela percebi<strong>da</strong> em decorrência do exercício de cargo em comissão ou defunção de confiança; eIX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>,o § 5° do art. 2° e o § 1° do art. 3° <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional n° 41, de 19 de dezembrode 2003.” (Grifo nosso)A própria lei se encarrega de definir qual é a base de cálculo do tributo,devendo ser observado pelo juiz <strong>da</strong> execução, que fixará, caso a caso, ovalor devido a título de PSS, nos termos do que determina OrientaçãoNormativa nº 1 do CJF, que dispõe acerca dos descontos relativos à contribuiçãoprevidenciária dos servidores públicos federais decorrentes deprecatórios e RPVs, nos seguintes termos:“a) o tribunal depositará o valor integral <strong>da</strong> requisição de pagamento com status de‘bloquea<strong>da</strong>’ e, em segui<strong>da</strong>, enviará ofício à instituição financeira para a liberação de 89%do valor depositado e a abertura de conta à disposição do juízo <strong>da</strong> execução do valor remanescente,ou seja, os 11% restantes referentes à retenção na fonte do PSS;b) com o valor referente ao PSS já bloqueado e depositado em conta à disposição dojuízo, o juiz <strong>da</strong> execução fixará, caso a caso, o valor devido a título de PSS, emitindo oofício de conversão em ren<strong>da</strong> e a respectiva guia para que a instituição financeira faça oR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 445


ecolhimento na forma prevista no art. 16-A <strong>da</strong> Lei n° 10.887/2004, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela MP n° 449/2008, se for o caso;c) no caso de não haver <strong>da</strong>dos no processo que possibilitem ao juiz aferir o valor doPSS a ser retido, este intimará o órgão de origem do servidor público determinando queeste forneça as informações necessárias;d) os eventuais valores remanescentes, após a conversão em ren<strong>da</strong> para recolhimentodo PSS, deverão ser liberados por alvará judicial em favor do beneficiário;e) quando se tratar de requisição com honorários contratuais destacados, o cálculo dos11% a serem bloqueados será feito sobre o total <strong>da</strong> requisição, entretanto o bloqueio dovalor relativo ao PSS incidirá somente nas contas dos beneficiários.f) quando se tratar de requisição de honorários contratuais destacados e mais de umbeneficiário, o valor poderá ser integralmente bloqueado e colocado à disposição do juízo,que definirá os valores devidos a ca<strong>da</strong> beneficiário, bem como os valores relativos à retençãodo PSS;” (Grifo nosso)Assim, não vislumbro qualquer mácula na sistemática de retenção devalores devidos a título de contribuição ao Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social– PSS, que decorre de imposição legal e cujos valores devem ser simdeduzidos no momento do recebimento dos valores por meio de precatório/RPV,sem a necessi<strong>da</strong>de de ajuizamento de execução fiscal paraque o valor <strong>da</strong> exação seja recolhido aos cofres públicos.Na mesma linha de entendimento, colaciono precedente do STJ:“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. AUSÊNCIA DE PRE-QUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS DE LEI INVOCADOS. SÚMULA 211/STJ.ADMINISTRATIVO.SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. COMPENSAÇÃO COM A EVO-LUÇÃO FUNCIONAL. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. SÚMULA 672/STF.COMPENSAÇÃO.INTEGRALIZAÇÃO DO REAJUSTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA7/STJ.CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO NA FONTE. ART. 16-ADA LEI Nº 10.887/2004. CABÍVEL. OBRIGAÇÃO EX LEGE. TESE FIXADA EM RE-CURSOS REPETITIVOS, ART. 543-C DO CPC. RESP 1.196.777/RS. RESP 1.196.778/RS.1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é <strong>da</strong><strong>da</strong> na medi<strong>da</strong><strong>da</strong> pretensão deduzi<strong>da</strong> com enfrentamento e resolução <strong>da</strong>s questões abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s no recurso.2. Descumprido o necessário e indispensável exame dos dispositivos de lei invocadospelo acórdão recorrido, apto a viabilizar a pretensão recursal dos recorrentes, a despeito <strong>da</strong>oposição dos embargos de declaração. Incidência <strong>da</strong> Súmula 211/STJ.3. Não configura contradição afirmar a falta de prequestionamento e afastar indicaçãode afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que é perfeitamente possível446R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


o julgado se encontrar devi<strong>da</strong>mente fun<strong>da</strong>mentado sem, no entanto, ter decidido a causa àluz dos preceitos jurídicos desejados pela postulante, pois a tal não está obrigado.4. A jurisprudência desta Corte, seguindo a orientação do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,é firme no reconhecimento do direito dos servidores públicos civis ao reajuste em seusvencimentos no índice de 28,86%, concedido pelas Leis n os 8.622/93 e 8.627/9.5. É cabível a retenção na fonte na execução de título judicial, para a contribuição aoPlano de Seguri<strong>da</strong>de Social do Servidor Público (PSS), pois a obrigação fixa<strong>da</strong> pelo art.16-A <strong>da</strong> Lei n° 10.887/2004 possui caráter ex lege.6. Quanto à pretensão de afastamento <strong>da</strong> assertiva de ausência de demonstração <strong>da</strong> integralizaçãodo reajuste de 28,86%, feita pela Corte de origem, não há como aferir eventualviolação sem que se reexamine o conjunto probatório dos presentes autos.7. Os honorários fixados no início <strong>da</strong> execução embarga<strong>da</strong> são provisórios, pois só seconhecerá a sucumbência final quando do julgamento dos embargos, no entanto, por seremações autônomas, nesse julgamento devem ser fixados honorários para a Ação de Execuçãoe para a Ação de Embargos, observando sempre o limite máximo de 20% – § 3º do art. 20do CPC – na soma <strong>da</strong>s duas verbas.Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1248638/RS, Rel. Ministro HumbertoMartins, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 09.09.2011)Ante o exposto, voto por rejeitar o incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Cui<strong>da</strong>-se de decidir sobrea constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> expressão conti<strong>da</strong> no artigo 16-A <strong>da</strong> Lei nº10.884/2004, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010 e que prevêa cobrança <strong>da</strong> contribuição para o Plano <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de social – PSS“mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valorpago”.Rogando a vênia à eminente Relatora que entendeu por conhecer <strong>da</strong>arguição e declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> parte final do artigo 16-A<strong>da</strong> Lei nº 10.884/2004, com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010, notocante à expressão menciona<strong>da</strong>, meu entendimento é diverso.A norma em questão, em uma primeira aproximação, seria classificávelcomo polissêmica, uma vez que, dessa norma, em tese, emanaria maisde um sentido interpretativo.Entendeu a douta relatora que a norma sub examine não encontrarespaldo na sistemática constitucional.A interpretação do texto legal está sempre associa<strong>da</strong> aos fatos sobreR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 447


os quais incidirá a norma.É, inclusive, aplicável a interpretação conforme a Constituição noscasos em que a disposição legal parece conflitar com a Constituição, paraque dela se retire sentido harmônico ao sistema, preservando-a. Tal princípioencontra limite no próprio texto legal interpretado, ao qual não sepode atribuir sentido que com ele razoavelmente não se coadune à guisade harmonizá-lo com o texto constitucional. Em tal caso, a declaraçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei seria impositiva.To<strong>da</strong>via, não é esse o caso em tela, pois, ain<strong>da</strong> que à primeira vistaa disposição possa ensejar tal interpretação, tenho que <strong>da</strong> norma, interpreta<strong>da</strong>sistematicamente, extrai-se um único entendimento possível, ode que a expressão – “mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% (onzepor cento) sobre o valor pago” – se refere aos valores que a lei permitea incidência <strong>da</strong> exação.Então, vejamos.Assim dispõe o dispositivo legal ora atacado:“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguri<strong>da</strong>de do Servidor Público (PSS), decorrentede valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ain<strong>da</strong> que deriva<strong>da</strong> de homologaçãode acordo, será reti<strong>da</strong> na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou ao seu representantelegal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento, por intermédio <strong>da</strong>quitação <strong>da</strong> guia de recolhimento remeti<strong>da</strong> pelo setor de precatórios do <strong>Tribunal</strong> respectivo,no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora,no caso de implantação de rubrica específica em folha, mediante a aplicação <strong>da</strong> alíquota de11% (onze por cento) sobre o valor pago.” (Incluído pela Lei nº 12.350, de 2010)Este artigo deve ser interpretado sistematicamente, em consonânciacom o artigo 4º <strong>da</strong> mesma Lei, e não isola<strong>da</strong>mente, verbis:“Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes <strong>da</strong>União, incluí<strong>da</strong>s suas autarquias e fun<strong>da</strong>ções, para a manutenção do respectivo regimepróprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> base de contribuição. (Vide Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 47, de 2005)§ 1° Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido <strong>da</strong>svantagens pecuniárias permanentes estabeleci<strong>da</strong>s em lei, os adicionais de caráter individualou quaisquer outras vantagens, excluí<strong>da</strong>s:I – as diárias para viagens;II – a aju<strong>da</strong> de custo em razão de mu<strong>da</strong>nça de sede;III – a indenização de transporte;IV– o salário-família;448R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


V – o auxílio-alimentação;VI – o auxílio-creche;VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;VIII – a parcela percebi<strong>da</strong> em decorrência do exercício de cargo em comissão ou defunção de confiança; eIX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>,o § 5º do art. 2° e o § 1° do art. 3° <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucional no 41, de 19 de dezembrode 2003.” (Grifo nosso)Ou seja, o dispositivo apontado como inconstitucional diz claramenteque a contribuição para o plano <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de social se <strong>da</strong>rá “medianteaplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% sobre o valor pago”. Tal re<strong>da</strong>ção não conduzà leitura estrita de que seja a totali<strong>da</strong>de do valor pago, mas, sim, ade que é o valor no qual as leis declaram que há incidência.A própria lei se encarrega de definir qual é a base de cálculo do tributo,devendo ser observa<strong>da</strong> pelo Juiz <strong>da</strong> execução, que fixará, caso a caso, ovalor devido a título de PSS, nos termos do que determina a orientaçãonormativa nº 1 do CJF, que dispõe acerca dos descontos relativos à contribuiçãoprevidenciária dos servidores públicos federais decorrentes deprecatórios e RPVs.A disposição, à evidência, não se aplica quanto a valores sobre osquais não há incidência, como são as chama<strong>da</strong>s indenizatórias.Inexiste, portanto, afronta ao disposto no artigo 195, § 4º c/c artigo 154,I, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> pelo artigo 16-A <strong>da</strong> Lei nº 10.884/2004, comre<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº 12.350/2010, no tocante à expressão “mediantea aplicação <strong>da</strong> alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago”porquanto não há indicação de hipótese nova de incidência de tributo,mas sim definição do momento <strong>da</strong> cobrança deste.O fato de a retenção ser efetua<strong>da</strong> no momento do pagamento indica,exclusivamente, aspecto temporal do tributo a ser observado.Não diverge desse entendimento o Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,como se pode ler do voto proferido pelo Eminente Ministro HumbertoMartins, no AgRg no REsp 1248638/RS, julgado em 01.09.2011, cujaementa transcrevo:“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. AUSÊNCIA DE PRE-QUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS DE LEI INVOCADOS. SÚMULA 211/STJ.ADMINISTRATIVO.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 449


SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. COMPENSAÇÃO COM A EVO-LUÇÃO FUNCIONAL. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. SÚMULA 672/STF.COMPENSAÇÃO.INTEGRALIZAÇÃO DO REAJUSTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA7/STJ.CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO NA FONTE. ART. 16-ADA LEI Nº 10.887/2004. CABÍVEL. OBRIGAÇÃO EX LEGE. TESE FIXADA EM RE-CURSOS REPETITIVOS, ART. 543-C DO CPC. RESP 1.196.777/RS. RESP 1.196.778/RS.1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é <strong>da</strong><strong>da</strong> na medi<strong>da</strong><strong>da</strong> pretensão deduzi<strong>da</strong> com enfrentamento e resolução <strong>da</strong>s questões abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s no recurso.2. Descumprido o necessário e indispensável exame dos dispositivos de lei invocadospelo acórdão recorrido, apto a viabilizar a pretensão recursal dos recorrentes, a despeito <strong>da</strong>oposição dos embargos de declaração. Incidência <strong>da</strong> Súmula 211/STJ.3. Não configura contradição afirmar a falta de prequestionamento e afastar indicaçãode afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que é perfeitamente possívelo julgado se encontrar devi<strong>da</strong>mente fun<strong>da</strong>mentado sem, no entanto, ter decidido a causa àluz dos preceitos jurídicos desejados pela postulante, pois a tal não está obrigado.4. A jurisprudência desta Corte, seguindo a orientação do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,é firme no reconhecimento do direito dos servidores públicos civis ao reajuste em seusvencimentos no índice de 28,86%, concedido pelas Leis n os 8.622/93 e 8.627/9.5. É cabível a retenção na fonte na execução de título judicial, para a contribuição aoPlano de Seguri<strong>da</strong>de Social do Servidor Público (PSS), pois a obrigação fixa<strong>da</strong> pelo art.16-A <strong>da</strong> Lei n° 10.887/2004 possui caráter ex lege.6. Quanto à pretensão de afastamento <strong>da</strong> assertiva de ausência de demonstração <strong>da</strong> integralizaçãodo reajuste de 28,86%, feita pela Corte de origem, não há como aferir eventualviolação sem que se reexamine o conjunto probatório dos presentes autos.7. Os honorários fixados no início <strong>da</strong> execução embarga<strong>da</strong> são provisórios, pois só seconhecerá a sucumbência final quando do julgamento dos embargos, no entanto, por seremações autônomas, nesse julgamento devem ser fixados honorários para a Ação de Execuçãoe para a Ação de Embargos, observando sempre o limite máximo de 20% – § 3º do art. 20do CPC – na soma <strong>da</strong>s duas verbas.Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1248638/RS, Rel. Ministro HumbertoMartins, Segun<strong>da</strong> Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 09.09.2011)Ante o exposto, voto por rejeitar o incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.É o voto.450R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 2002.71.09.002518-1/RSRelator: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson DarósInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong>Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> UniãoInteressados: Evandro Moisés Ferreira e outroAdvogado: Dr. Almir Vanderlei Machado BastosSuscitante: <strong>4ª</strong> Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>Apenso(s): 0000944-04.2010.404.0000EMENTAConstitucional. Incidente de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Art.27, IX, <strong>da</strong>s instruções gerais para a prorrogação do tempo de serviçomilitar, aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014/97. Dependente caracterizadocomo arrimo de família. Princípios <strong>da</strong> isonomia e <strong>da</strong> proteção à família.Arts. 5º, caput, e 226 <strong>da</strong> CF.O artigo 27, inciso IX, <strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogação doTempo de Serviço Militar, aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014, de 1997,condiciona a prorrogação do tempo de serviço militar à inexistência dedependentes que os caracterizem como arrimos de família. Assim, osmilitares que não se enquadram nas hipóteses de exceção relaciona<strong>da</strong>snas alíneas do mesmo normativo, querendo permanecer vinculados aoserviço militar, só o poderão se omitirem perante a Administração aexistência de dependentes.A condição de “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”é absolutamente inconstitucional, por afrontar os princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> proteção à família, assegurados nos artigos 5º, caput, e 226 <strong>da</strong>Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.O princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de é direito e garantia, para o qual to<strong>da</strong>s asdemais normas devem obediência. As efetivas desigual<strong>da</strong>des, de váriascategorias, existentes e, até mesmo, eventualmente estabeleci<strong>da</strong>s porlei, entre as pessoas, desafiam a inteligência dos juristas a determinar osconceitos de “iguais” e “iguais perante a lei”. Assim, é papel do jurista ainterpretação do conteúdo dessa norma, tendo em vista a sua finali<strong>da</strong>de,para que dessa forma o princípio realmente tenha efetivi<strong>da</strong>de.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 451


Aceitar o discrimen previsto na expressão “não ter dependentes queo caracterizem como arrimo” implica reconhecer a possibili<strong>da</strong>de dese estabelecerem condições diferencia<strong>da</strong>s para pessoas que exercem amesma ativi<strong>da</strong>de: os militares de carreira e os militares que prestaram oserviço militar obrigatório e prorrogaram seu tempo de serviço militar.É certo que a ativi<strong>da</strong>de militar guar<strong>da</strong> suas peculiari<strong>da</strong>des e sujeita--se a regramento próprio, porém tal ordenamento não pode malferir osdireitos fun<strong>da</strong>mentais previstos na Carta Magna, os quais se revelamnorteadores de to<strong>da</strong> a legislação infraconstitucional.Declara<strong>da</strong> inconstitucional a expressão “não ter dependentes que ocaracterizem como arrimo”, conti<strong>da</strong> no art. 27, IX, <strong>da</strong>s Instruções Geraispara a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprova<strong>da</strong>s pela Portarianº 1.014/97, por conflitar com os princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proteção<strong>da</strong> família, insculpidos nos arts. 5º, caput, e 226 <strong>da</strong> Constituição.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial Judicial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong><strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>, por unanimi<strong>da</strong>de, declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> expressão“não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”, do art. 27, IX,<strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar,aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014/97, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 22 de setembro de 2011.Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós, Relator.RELATÓRIOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Cui<strong>da</strong>-se de incidente dearguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de em apelação contra sentença que julgouprocedente ação ordinária para condenar a União a pagar ao autoras vantagens relativas à indenização de moradia (diferença de 10% para30%), salário-família, assistência pré-escolar e adicional de natali<strong>da</strong>de,a contar do nascimento de ca<strong>da</strong> filho, com reflexo no adicional natalinoe na compensação financeira de que trata a Lei nº 7.963/89.Entendeu o prolator <strong>da</strong> sentença que o art. 27, IX, <strong>da</strong>s Instruções Geraispara a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprova<strong>da</strong>s pela Portaria452R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


nº 1.014/97, conflita com os princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proteção <strong>da</strong>família, insculpidos nos arts. 5º, caput, e 226 <strong>da</strong> Constituição.Por meio do acórdão <strong>da</strong> fl. 108, a <strong>4ª</strong> Turma negou provimento à apelaçãoe à remessa oficial, afastando a incidência do referido art. 27, IX,sem declarar expressamente sua inconstitucionali<strong>da</strong>de.Opostos embargos de declaração, foram parcialmente providos parao fim exclusivo de prequestionamento (fl. 115).A União interpôs recurso extraordinário, que não foi admitido.Interposto agravo de instrumento, o Ministro Marco Aurélio determinoua devolução dos autos a este <strong>Tribunal</strong> para que fosse observadoo disposto na Súmula Vinculante nº 10 do STF.A <strong>4ª</strong> Turma deste <strong>Tribunal</strong>, em 04 de maio de 2011, por unanimi<strong>da</strong>de,suscitou, perante esta Corte Especial, incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”,do art. 27, IX, <strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo deServiço Militar, aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014/97.O Ministério Público <strong>Federal</strong> ofertou parecer opinando pelo conhecimentoe pela procedência do incidente. (fls. 200-202).É o sucinto relatório.VOTOO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós: Os autores, que ingressaramnas fileiras do Exército para prestar o serviço militar obrigatório e posteriormenteprorrogaram seu tempo de serviço, vieram a juízo postularo pagamento de direitos remuneratórios consistentes em indenizaçãode moradia de 30%, salário-família, assistência pré-escolar e adicionalde natali<strong>da</strong>de, a contar do nascimento de ca<strong>da</strong> filho. Tais vantagens nãoforam requeri<strong>da</strong>s na época própria, mediante declaração de dependentes,porquanto isso implicaria desengajamento do Exército, em razão dodisposto no inc. IX do art. 27 <strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogaçãodo Tempo de Serviço Militar, aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014/97.O presente incidente visa a examinar, em suma, se o art. 27, IX, <strong>da</strong>sInstruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar,aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014/97, viola os arts. 5º, caput, e 226 <strong>da</strong>Constituição. Isso porque, no julgamento <strong>da</strong> apelação, a <strong>4ª</strong> Turma a)entendeu que a omissão na declaração <strong>da</strong> existência de dependente nãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 453


afrontou o princípio <strong>da</strong> boa-fé; e b) afastou a incidência do art. 27, IX,<strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar,aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1.014/97. Ao ser reforma<strong>da</strong> tal decisão peloE. STJ, determinou-se, apenas, a observância do disposto no art. 97 <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong>. Consequentemente, restou invali<strong>da</strong><strong>da</strong> apenas aparte <strong>da</strong>quele acórdão em que restou afasta<strong>da</strong> a incidência do referidoart. 27, IX, sem declaração expressa de sua inconstitucionali<strong>da</strong>de.A respeito do tema, José Carlos Barbosa Moreira enfatiza que, havendoanulação de acórdão por ofensa ao art. 97 <strong>da</strong> Constituição,“na<strong>da</strong> subsiste <strong>da</strong> deliberação do órgão fracionário – salvo parte acaso não invali<strong>da</strong><strong>da</strong> porqueindependente –, de modo que, voltando-lhe os autos, se põe ao seu exame, ex novo, aarguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, que ele fica livre de rejeitar, prosseguindo no julgamento,ou acolher, submetendo-a ao plenário ou ao ‘órgão especial’” (Comentários ao Código deProcesso Civil, Forense, v. V, 10. ed., p. 42)Feita a ressalva de que não há prejuízo <strong>da</strong>quilo que já foi decididoindependentemente <strong>da</strong> arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, ou seja, deque subsiste intacto o acórdão anterior na parte em que entendeu quea omissão na declaração <strong>da</strong> existência de dependente não afrontou oprincípio <strong>da</strong> boa-fé, passo a enfrentar o referido inciso IX do artigo 27<strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar,que possui o seguinte teor:“Art. 27. São condições básicas requisitos para a prorrogação do tempo de serviço militar:(...)IX – não ter dependentes que o caracterizem como arrimo – esse requisito não se aplicaaos militares nas situações a seguir especifica<strong>da</strong>s, que poderão ter o tempo de serviço militarprorrogado, mesmo sendo arrimos:a) o Cabo Músico e o Taifeiro;b) o Cabo e o Sol<strong>da</strong>do que servem em guarnições especiais de 1ª e de 2ª categorias,nesta última, quando possuírem destacamentos na Linha de Fronteira;c) o Cabo e o Sol<strong>da</strong>do que foi reengajado após completar seis anos de serviço;d) o Cabo e o Sol<strong>da</strong>do que já havia completado quatro anos de serviço e adquirido acondição de arrimo antes de 7 de fevereiro de 1997.”Como se vê, tal normativo condiciona a prorrogação do tempo deserviço militar à inexistência de dependentes que os caracterizem comoarrimos de família. Assim, os militares que não se enquadrassem nas hipótesesde exceção relaciona<strong>da</strong>s nas alíneas retromenciona<strong>da</strong>s, querendo454R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


permanecer vinculados ao serviço militar, só o poderiam se omitissemperante a Administração a existência de dependentes, tal qual fizeram.Tenho que a condição de “não ter dependentes que o caracterizemcomo arrimo” é absolutamente inconstitucional, por afrontar os princípios<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> proteção à família, assegurados nos artigos 5º, caput,e 226 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.Vejamos.Prescrevem o caput do art. 5º e o art. 226 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>de 1988:“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili<strong>da</strong>de do direito à vi<strong>da</strong>,à igual<strong>da</strong>de, à segurança e à proprie<strong>da</strong>de, (...).(...)Art. 226. A família, base <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tem especial proteção do Estado.”O princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de está explícito no texto constitucional, sendotambém mencionado no Preâmbulo <strong>da</strong> Constituição. É um princípio, umdireito e uma garantia, para o qual to<strong>da</strong>s as demais normas devem obediência.As efetivas desigual<strong>da</strong>des, de várias categorias, existentes e, atémesmo, eventualmente estabeleci<strong>da</strong>s por lei, entre as pessoas, desafiama inteligência dos juristas a determinar os conceitos de “iguais” e “iguaisperante a lei”. Assim, é papel do jurista a interpretação do conteúdo dessanorma, tendo em vista a sua finali<strong>da</strong>de, para que dessa forma o princípiorealmente tenha efetivi<strong>da</strong>de.Diz Ingo Wolfgang Sarlet que o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de se encontra“diretamente ancorado na digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, não sendo por outro motivo quea Declaração Universal <strong>da</strong> ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais emdigni<strong>da</strong>de e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<strong>da</strong> pessoa humana a garantia <strong>da</strong> isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, nãopodem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podemser tolera<strong>da</strong>s a escravidão, a discriminação racial, as perseguições por motivo de religião,sexo, enfim, to<strong>da</strong> e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal ematerial.” (Digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Pessoa Humana e Direitos Fun<strong>da</strong>mentais. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2001. p. 89)Nessa linha, o professor Marcelo Amaral <strong>da</strong> Silva acrescenta: “Ainterpretação desse princípio [igual<strong>da</strong>de] deve levar em consideração aexistência de desigual<strong>da</strong>des de um lado e, de outro, as injustiças causa<strong>da</strong>sR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 455


por tal situação, para, assim, promover-se uma igualização.” (Digressõesacerca do princípio constitucional <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de. Jus Navigandi, Teresina,a. 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2011). Em outros termos, no caso emtela, aceitar o discrimen previsto na expressão “não ter dependentesque o caracterizem como arrimo” implica reconhecer a possibili<strong>da</strong>de dese estabelecerem condições diferencia<strong>da</strong>s para pessoas que exercem amesma ativi<strong>da</strong>de: os militares de carreira e os militares que prestaram oserviço militar obrigatório e prorrogaram seu tempo de serviço militar.É certo que a ativi<strong>da</strong>de militar guar<strong>da</strong> suas peculiari<strong>da</strong>des e sujeita--se a regramento próprio, porém tal ordenamento não pode malferir osdireitos fun<strong>da</strong>mentais previstos na Carta Magna, os quais se revelamnorteadores de to<strong>da</strong> a legislação infraconstitucional.Desse modo, o requisito em questão – não ter dependentes que ocaracterizem como arrimo – mostra-se maculado pela inconstitucionali<strong>da</strong>de,tanto no que se refere ao princípio insculpido no art. 5º, caput,quanto no disposto no art. 226, ambos de nossa Constituição vigente,porquanto desproporcional, mesmo considera<strong>da</strong>s as peculiari<strong>da</strong>des <strong>da</strong>sativi<strong>da</strong>des a serem exerci<strong>da</strong>s, as quais, creio, não sofrem qualquer prejuízo,são desempenha<strong>da</strong>s satisfatoriamente a despeito de os militarestemporários terem filhos.Acrescente-se que o requisito em questão para a prorrogação do tempode serviço militar foi excluído pela Portaria n° 426, de 15 de agosto de2000. As portarias até então em vigor foram revoga<strong>da</strong>s pela Portaria n°600, de 7 de novembro de 2000, que manteve excluído o referido requisito,o que somente demonstra a intenção <strong>da</strong> Administração em adequartais condições às regras e aos princípios constitucionais.A propósito, este <strong>Tribunal</strong> já teve a oportuni<strong>da</strong>de de se manifestar pordiversas ocasiões sobre o tema:“ADMINISTRATIVO. MILITAR. PRORROGAÇÃO DE SERVIÇO. PORTARIA Nº1.014/97 – CONDIÇÃO DE ARRIMO – AFASTADA. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA EDA PROTEÇÃO À FAMÍLIA – VIOLAÇÃO. EFEITOS REMUNERATÓRIOS. JUROSMORATÓRIOS. 1. Há violação aos princípios <strong>da</strong> isonomia e <strong>da</strong> proteção à família pelaPortaria Ministerial nº 1.014/97, art. 27, IX, ao não deferir a prorrogação do tempo de serviçode militares que possuam dependentes. Precedentes. 2. O militar não afronta o princípio <strong>da</strong>boa-fé quando omite a existência de dependente, tendo em vista a própria desproporção <strong>da</strong>456R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


exigência. A condição de arrimo do militar, se conheci<strong>da</strong>, levaria ao indevido licenciamentodo autor. 3. Cabível percepção dos valores não pagos decorrentes <strong>da</strong> existência de dependentedo autor. 4. As verbas remuneratórias devi<strong>da</strong>s a servidores ou empregados públicospela União serão acresci<strong>da</strong>s de juros de mora no percentual a ser determinado pela <strong>da</strong>ta deajuizamento <strong>da</strong> ação, se anterior ou posteriormente à vigência <strong>da</strong> MP nº 2.180-35/2001,que acrescentou o art. 1º-F à Lei nº 9.494/97.” (TRF4, Apelação/Reexame Necessário nº2004.71.09.000909-3, 3ª Turma, Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria, por unanimi<strong>da</strong>de,D.E. 05.03.2009)“DIREITO ADMINISTRATIVO. OFICIAL MILITAR TEMPORÁRIO. PRORROGA-ÇÃO DO PERÍODO DE TEMPO DE SERVIÇO CONDICIONADA À INEXISTÊNCIA DEDEPENDENTES QUE O TORNEM ARRIMO DE FAMÍLIA. PORTARIA MINISTERIALNº 1.014/1997. INCONSTITUCIONALIDADE. Improvimento <strong>da</strong> apelação e <strong>da</strong> remessaoficial.” (TRF4, Apelação Cível nº 2001.71.09.001378-2, 3ª Turma, Des. <strong>Federal</strong> CarlosEduardo Thompson Flores Lenz, D.J.U. 07.07.2004)“ADMINISTRATIVO. MILITAR. PRORROGAÇÃO DE SERVIÇO. CONDIÇÃODE ARRIMO. PORTARIA Nº 1014/97. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO– AFASTAMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. EFEITOS REMU-NERATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOSADVOCATÍCOS.– A impossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido revela-se como uma forma de limitação à regra<strong>da</strong> inafastabili<strong>da</strong>de de jurisdição, nas hipóteses em que a deman<strong>da</strong> se mostra incompatívelcom o ordenamento jurídico. Não é o caso dos autos, já que a tutela jurisdicional não encontraproibição no ordenamento. Na ver<strong>da</strong>de, a impossibili<strong>da</strong>de jurídica suscita<strong>da</strong> implicao exame do próprio mérito. Assim, afasto a alega<strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de jurídica do pedido.– O art. 29, IX, <strong>da</strong> Portaria Ministerial nº 1.014/97, ao não deferir a prorrogação dotempo de serviço de militares que possuam dependentes, viola os princípios <strong>da</strong> isonomia e<strong>da</strong> proteção à família. Precedentes.– Em consequência, o autor faz jus à percepção dos efeitos remuneratórios decorrentes<strong>da</strong> injusta limitação, ou seja, dos valores que não foram pagos enquanto permaneceu vinculadoao Exército, decorrentes <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> dependente.– A omissão na declaração <strong>da</strong> existência de dependente não afronta o princípio <strong>da</strong>boa-fé, tendo em vista a própria injustiça <strong>da</strong> exigência, que, se fosse conheci<strong>da</strong>, levaria aoindevido licenciamento do autor.– No caso de dívi<strong>da</strong>s de caráter alimentar, como salários e vencimentos, a correçãomonetária se dá a partir de ca<strong>da</strong> mês de referência ou em que devido, mesmo que em <strong>da</strong>taanterior ao ajuizamento <strong>da</strong> ação.– Em relação aos juros moratórios, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que,em se tratando de vencimentos de servidores públicos, dotados essencialmente de naturezaalimentar, não é aplicável a Medi<strong>da</strong> Provisória 2.180-35/01, que restringiu a 6% (seis porcento) ao ano a taxa de juros, incidindo então a regra prevista no artigo 3º do Decreto-Leinº 2.322/87, que estabelece a taxa de juros de 1% (um por cento) ao mês para as prestaçõesR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 457


dessa natureza, a partir <strong>da</strong> citação.– Considerando-se que o autor sucumbiu em curto período do pedido, resta configura<strong>da</strong>a sucumbência mínima, cabendo à União o pagamento dos honorários advocatícios,no valor de 10% sobre o valor <strong>da</strong> condenação, consoante dispõe o art. 20, § 3º, do CPC.”(TRF4, Apelação Cível nº 2004.71.09.000884-2, 3ª Turma, Juíza <strong>Federal</strong> Vânia Hack deAlmei<strong>da</strong>, D.J.U. 26.07.2006)Isso posto, voto por declarar a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> expressão“não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”, do artigo 27, IX,<strong>da</strong>s Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar,aprova<strong>da</strong>s pela Portaria nº 1014/97.É o voto.ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 2005.71.00.016795-4/RSRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima FreitasLabarrèreInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalInteressa<strong>da</strong>: Soc. Educacional Monteiro LobatoAdvogados: Drs. Mario Luciano do Nascimento e outrosSuscitante: 1ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTATributário. Constitucional. Reserva de plenário. CF, art. 97 e art. 195,§ 7º. Inciso X do art. 14 <strong>da</strong> MP nº 2.158-35. Apreciação <strong>da</strong> controvérsia.Determinação do STF. Ausência de inconstitucionali<strong>da</strong>de.O Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> determinou a apreciação <strong>da</strong> controvérsiaverti<strong>da</strong> nestes autos em estrita observância ao que dispõe o art. 97 <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong> de 1988.458R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


A Egrégia Corte Especial do TRF <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> decidiu que o inciso Xdo art. 14 <strong>da</strong> MP nº 2.158-35/01, que prevê a isenção <strong>da</strong> Cofins para asinstituições de ensino sem fins lucrativos, em relação às receitas próprias,não macula a Constituição <strong>Federal</strong> Brasileira.ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s, decidea Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>,por unanimi<strong>da</strong>de, rejeitar a presente arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 24 de novembro de 2011.Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère:Socie<strong>da</strong>de Educacional Monteiro Lobato impetrou man<strong>da</strong>do de segurança,com pedido liminar, para obter o reconhecimento <strong>da</strong> isenção <strong>da</strong>contribuição à Cofins nos moldes veiculados no inciso II do art. 6º <strong>da</strong> LCnº 70/91 ou com base na MP nº 2.158-35/01, sem a interpretação <strong>da</strong><strong>da</strong>pela Fazen<strong>da</strong> ao inciso X do art. 14 deste último normativo.Sobreveio sentença (fls. 271-274) que, confirmando a liminar deferi<strong>da</strong>,concedeu a segurança pleitea<strong>da</strong> para reconhecer a isenção prevista noart. 14 <strong>da</strong> MP nº 2.158-35/01 e, por fim, desconstituiu o crédito tributáriolançado contra a enti<strong>da</strong>de.Inconforma<strong>da</strong>, apelou a União (fls. 281-284), pugnando pela reforma<strong>da</strong> sentença conforme fun<strong>da</strong>mentos esposados nas informações presta<strong>da</strong>spela Autori<strong>da</strong>de impetra<strong>da</strong>.Com contrarrazões (fls. 293-337), subiram os autos.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo desprovimento do apelo(fls. 339-43).A 1ª Turma desta Corte manteve a decisão recorri<strong>da</strong>, considerandoque as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de educacional estão alcança<strong>da</strong>s pela isençãopostula<strong>da</strong>, porque compreendi<strong>da</strong>s dentre as próprias <strong>da</strong> instituição (fls.344-346).Contra essa decisão, a União opôs embargos de declaração (fls.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 459


351-352), ao argumento de que o acórdão negou vigência ao artigo 97<strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> e à Súmula Vinculante nº 10, os quais foramrejeitados nesta Corte (fls. 353-355).A impetra<strong>da</strong> interpôs Recurso Especial e Extraordinário (fls. 359-363 e 365-375). Diante do juízo positivo de admissibili<strong>da</strong>de do recursoespecial (fl. 485), subiram os autos ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, quelhe negou seguimento por tratar-se de controvérsia basea<strong>da</strong> em fun<strong>da</strong>mentoexclusivamente constitucional (fls. 500-501). Na mesma esteira,negou provimento ao agravo regimental interposto pela União contra taldecisão (fls. 512-516).O Recurso Extraordinário (fls. 486-487), por sua vez, não foi admitido,<strong>da</strong>ndo ensejo à interposição de agravo de instrumento pela União,no qual esta requereu o restabelecimento <strong>da</strong> vigência do art. 97 e do art.195, § 7º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> (fl. 488 e fl. 03 do AI nº 820.394),sendo que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> determinou o conhecimento e oprovimento do Recurso Extraordinário interposto pela impetra<strong>da</strong> parainvali<strong>da</strong>r o acórdão questionado.O Egrégio <strong>Tribunal</strong> Superior entendeu que o acórdão proferido poresta Turma, órgão fracionário de <strong>Tribunal</strong>, violou a cláusula de reservade plenário (CF art. 97), entendendo ter declarado, ain<strong>da</strong> que não expressamente,a inconstitucionali<strong>da</strong>de de lei, o que diverge <strong>da</strong> orientaçãoplenária, de eficácia vinculante (Súmula Vinculante nº 10).Em consequência, determinou a apreciação <strong>da</strong> controvérsia constitucionalsuscita<strong>da</strong> nesta causa em estrita observância do que dispõe o art.97 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 (fl. 533 do Agravo de Instrumentonº 820.394 do Rio Grande do Sul, apenso).É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère: OEgrégio Supremo <strong>Tribunal</strong> determinou a apreciação desta lide em Plenáriopara restabelecimento <strong>da</strong> vigência do art. 97 e do art. 195, § 7º, <strong>da</strong>Constituição <strong>Federal</strong> (fl. 488 e fl. 03 do AI nº 820.394).Nesse passo, nos moldes <strong>da</strong> determinação <strong>da</strong> Suprema Corte, estaPrimeira Turma suscitou arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de do inciso Xdo artigo 14 <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória n° 2.158-35 por violação ao artigo460R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


195, § 7°, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.No entanto, ain<strong>da</strong> que pareça desarmônico com este incidente, impendedefender a constitucionali<strong>da</strong>de do inciso X do art. 14 <strong>da</strong> MP nº2.158-35/01, pois este não viola dispositivo <strong>da</strong> Magna Carta.Eis a re<strong>da</strong>ção dos artigos discutidos:“Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999,são isentas <strong>da</strong> Cofins as receitas:(...)X – relativas às ativi<strong>da</strong>des próprias <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des a que se refere o art. 13.” Grifei.“Art. 13. A contribuição para o PIS/Pasep será determina<strong>da</strong> com base na folha de salários,à alíquota de um por cento, pelas seguintes enti<strong>da</strong>des:(...)III – instituições de educação e de assistência social a que se refere o art. 12 <strong>da</strong> Lei nº9.532, de 10 de dezembro de 1997;(...)” Grifei.Cumpre transcrever o art. 12 <strong>da</strong> Lei nº 9.532/97:“Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea c, <strong>da</strong> Constituição,considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviçospara os quais houver sido instituí<strong>da</strong> e os coloque à disposição <strong>da</strong> população em geral, emcaráter complementar às ativi<strong>da</strong>des do Estado, sem fins lucrativos. (Vide artigos 1º e 2º <strong>da</strong>Mpv 2.189-49, de 2001) (Vide Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2158-35, de 2001)” Grifei.O art. 195, § 7º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de 1988 assim estabelece:“Art. 195. A seguri<strong>da</strong>de social será financia<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, de forma direta eindireta, nos termos <strong>da</strong> lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos <strong>da</strong> união, dosestados, do distrito federal e dos municípios, e <strong>da</strong>s seguintes contribuições sociais:§ 7º – são isentas de contribuição para a seguri<strong>da</strong>de social as enti<strong>da</strong>des beneficentes deassistência social que aten<strong>da</strong>m às exigências estabeleci<strong>da</strong>s em lei.” Grifei.A MP nº 2.158-35/01 dirige-se às enti<strong>da</strong>des sem fins lucrativos despi<strong>da</strong>s<strong>da</strong> exigência de possuir caráter beneficente ou filantrópico e dopreenchimento dos requisitos do art. 55 <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91, tais comoCertificado e Registro de Enti<strong>da</strong>de de Fins Filantrópicos, Certificado deEnti<strong>da</strong>de Beneficente de Assistência Social, etc.O art. 195, § 7º, <strong>da</strong> CF contempla as enti<strong>da</strong>des beneficentes de assistênciasocial com a benesse constitucional <strong>da</strong> imuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> contribuiçãopara a Seguri<strong>da</strong>de Social, desde que aten<strong>da</strong>m às exigências estabeleci<strong>da</strong>sem lei, não obstante utilizar impropriamente o termo isenção.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 461


Com efeito, não há que se confundir os conceitos. A jurisprudênciaconstitucional do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> já identificou, na cláusulainscrita no art. 195, § 7º, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, a existência deuma típica garantia de imuni<strong>da</strong>de (e não de simples isenção) estabeleci<strong>da</strong>em favor <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des beneficentes de assistência social. Precedente:RTJ 137/965 (STF, 1ª Turma, RMS 22.192-9/DF, Rel. Min. Celso deMello, unânime, DJ 19.12.96).Já a Medi<strong>da</strong> Provisória em comento prevê a isenção <strong>da</strong> Cofins para asinstituições de ensino sem fins lucrativos em relação às receitas próprias,o que não macula o benefício com a inconstitucionali<strong>da</strong>de.Ante o exposto, voto por rejeitar a presente arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de,nos termos <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentação.ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 2008.71.02.003458-4/RSRelatora: A Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa MünchRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui HiroseInteressado: Aroldo de Oliveira NunesAdvogado: Dr. Walter Machado VeppoInteressa<strong>da</strong>: União <strong>Federal</strong> (Fazen<strong>da</strong> Nacional)Advogado: Procuradoria <strong>Regional</strong> <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> NacionalSuscitante: 2ª Turma do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong>EMENTAArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de. Importação de mercadoria enquadra<strong>da</strong>no conceito de bagagem. Instrução Normativa nº 117/98 <strong>da</strong>Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>. Limite de isenção diferenciado conformeo meio de transporte utilizado para a internação. Rejeição do incidente.462R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


1. A Instrução Normativa SRF nº 117/98, em seu art. 6º, inciso III,alíneas a e b, dispõe qual o limite de isenção do imposto de importação,aplicável aos bens importados e que estejam enquadrados no conceito debagagem, fazendo distinção entre o transporte por “via aérea ou marítima”(quota de 500 dólares) e aquele realizado “por via terrestre, fluvial oulacustre” (quota de 300 dólares). 2. Rejeição do incidente de arguiçãode inconstitucionali<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong> justifica<strong>da</strong> e legítima diferenciaçãoentre as cotas de isenção, especialmente pelo reconhecimento <strong>da</strong> funçãopreponderantemente extrafiscal do imposto de importação, tendo porfinali<strong>da</strong>de a consecução de objetivos estatais constitucionais (proteçãoà indústria e ao comércio nacionais, salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> economia nacional,promoção do desenvolvimento nacional).ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica<strong>da</strong>s,decide a Egrégia Corte Especial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, por maioria, rejeitar a arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, nostermos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parteintegrante do presente julgado.Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2012.Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, Relator para o acórdão.RELATÓRIOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata--se de man<strong>da</strong>do de segurança contra auto de infração que determinoua apreensão e o perdimento de mercadoria estrangeira (aparelho de arcondicionado) internaliza<strong>da</strong> de modo irregular, objetivando a liberaçãodo referido bem.A sentença concedeu parcialmente a segurança, reconhecendo anuli<strong>da</strong>de <strong>da</strong> intimação por edital realiza<strong>da</strong> no processo administrativo,anulando todos os atos posteriormente praticados e determinando à Autori<strong>da</strong>deImpetra<strong>da</strong> que efetue a reabertura do prazo para que o Impetrantepossa apresentar Impugnação ao Auto de Infração e Termo de Apreensãoe Guar<strong>da</strong> Fiscal nº 1010300/39/2007.Apelou o impetrante, postulando o enfrentamento do mérito <strong>da</strong> alegaçãode ilegitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> pena de perdimento, argumentandoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 463


que a mera reabertura do prazo para a defesa administrativa, como determina<strong>da</strong>na sentença, somente vai postergar seu reingresso no Judiciáriocom a mesma questão ora suscita<strong>da</strong>. Alega que a cota de isenção, novalor de US$ 300,00 para o viajante por via terrestre, representa ofensaao princípio <strong>da</strong> isonomia tributária, porquanto os que se utilizam <strong>da</strong>s viasaérea ou marítima são agraciados com um limite superior (US$ 500,00).Cita doutrina que afasta o conceito de mercadoria para o bem sub judice,afirmando que a pena de perdimento, também na jurisprudência,somente pode alcançar os bens móveis comprados para reven<strong>da</strong> comolucro – sendo que, no seu caso, apenas efetuou na ver<strong>da</strong>de ingresso deproduto para uso e consumo próprio. Aduz sua boa-fé, contra a qual nãoproduziu provas o Fisco, requerendo o provimento do recurso, com adeterminação de restituição do produto apreendido.Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.Na sessão de 21.09.2010, a 2ª Turma deste <strong>Regional</strong>, por maioria,vencido o Relator, arguiu a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> diferenciação decotas de isenção com base no critério do meio de transporte prevista naInstrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, III, a e b.O Ministério Público <strong>Federal</strong> opinou pelo provimento <strong>da</strong> presentearguição.É o relatório.VOTOA Exma. Sra. Desa. <strong>Federal</strong> Luciane Amaral Corrêa Münch:Preliminar – Do cabimento <strong>da</strong> arguição – Princípio <strong>da</strong> isonomia enorma isencionalPoder-se-ia sustentar – e inclusive assim o faz a Fazen<strong>da</strong> Nacional emmemoriais apresentados – que não se admite a invocação do princípio <strong>da</strong>isonomia para que se esten<strong>da</strong> tratamento jurídico diferenciado a contribuintenão contemplado no texto legal, conforme jurisprudência do STF.Ocorre que tal raciocínio não se aplica à questão posta na presentearguição, como se demonstrará a seguir, por dois motivos: em primeirolugar, to<strong>da</strong> a jurisprudência do STF foi construí<strong>da</strong> tomando por basepedidos de extensão de regimes jurídicos diferenciados a quem por elesnão tinha sido contemplado – ou seja, a isenção que se buscava estender464R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


era qualitativamente diferente do regime imposto ao contribuinte que sesentia prejudicado. Não se estende isenção a contribuinte “não contempladopela lei” (AI 360461/MG, relator Min. Celso de Mello, julgadoem 20.09.05, por exemplo). A orientação do STF firmou-se a partir doRE 159.026, que reconheceu não haver violação do princípio <strong>da</strong> isonomiapelo Decreto-Lei 2434/88, que isentou do IOF to<strong>da</strong>s as operaçõesde câmbio relativas à importação cujas guias fossem expedi<strong>da</strong>s a partirde 01 de julho <strong>da</strong>quele ano, relativamente aos importadores cujas guiashaviam sido expedi<strong>da</strong>s anteriormente àquela <strong>da</strong>ta. O acórdão foi claro aoafirmar que não havia discriminação porque a medi<strong>da</strong> havia beneficiadoindiscrimina<strong>da</strong>mente, de modo harmônico e idêntico, os importadoresem igual situação, inadmitindo a retroação temporal <strong>da</strong> isenção na formapretendi<strong>da</strong> pelos contribuintes. Veja-se, portanto, que a jurisprudênciaassim se firmou a partir de uma distinção temporal, de natureza qualitativa,assinalando de forma clara que todos os importadores cujas guiasfossem expedi<strong>da</strong>s a partir de 01 de julho, tinham tratamento igual.Aqui, não há uma diferença qualitativa, mas meramente quantitativa,cuja correção não implica colocar-se o Judiciário na posição de legisladorpositivo, já que ele não estará criando um regime isentivo para quemnão o possui, mas apenas equiparando percentuais dentro do mesmoregime. A própria lei fala em “viajante que se destine ao exterior oudele proce<strong>da</strong>”, sendo de fácil constatação a condição de viajante, nãocarecendo de exame mais aprofun<strong>da</strong>do sobre a quali<strong>da</strong>de dos objetos emcomparação. Veja-se que o próprio Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> vem impedindoa diferenciação <strong>da</strong>s alíquotas de IPVA para veículos importados, oque implica, em síntese, estender-lhes o tratamento tributário <strong>da</strong>do aosveículos nacionais, com base no princípio <strong>da</strong> isonomia, sem considerarque, assim agindo, esteja assumindo a posição de legislador positivo –AI 483726 AgR/AL – Alagoas, relator Min. Marco Aurélio, julgado em21.06.11; RE 367785 AgR/RJ – Rio de Janeiro, relator Min. Eros Grau,julgado em 09.05.06, entre outros. Da mesma forma, na ADI 1600/DF,o Plenário <strong>da</strong>quela Corte julgou inconstitucional a exigência do ICMSsobre a prestação de certos serviços de transporte aéreo, ao argumento deque, isentas as empresas estrangeiras em função de convênios celebrados,violava-se o princípio <strong>da</strong> isonomia. Em assim agindo, na<strong>da</strong> mais fez doque estender a isenção goza<strong>da</strong> pelas empresas estrangeiras às nacionais.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 465


Em segundo lugar, a jurisprudência mais recente do STF indica justamentea linha de distinção feita acima, no momento em que, havendodiferença qualitativa de regimes, conclui pela impossibili<strong>da</strong>de de extensão<strong>da</strong>s isenções porque tal deman<strong>da</strong>ria uma investigação mais profun<strong>da</strong> sobrea isonomia, já não mais cabível na esfera extraordinária. Por exemplo,em recente decisão, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, a Segun<strong>da</strong>Turma <strong>da</strong>quela Corte admitiu a possibili<strong>da</strong>de de examinar a quebra <strong>da</strong>isonomia nas isenções tributárias, contanto que as razões recursais fossemsuficientes a tanto. Cito, a respeito, trecho do voto do relator:“No caso em exame, as razões de agravo regimental limitam-se a ressaltar a suposta obvie<strong>da</strong>de<strong>da</strong> falta de justificação do critério legal escolhido para concessão do benefício (<strong>da</strong>tade emissão <strong>da</strong> guia de importação). Mas na<strong>da</strong> há de óbvio na matéria. Para que fosse possívelreverter a decisão agrava<strong>da</strong>, seria necessário aprofun<strong>da</strong>r o debate acerca <strong>da</strong> inadequação <strong>da</strong><strong>da</strong>ta de emissão <strong>da</strong> guia de importação para estabelecer distinção relevante, considerado oobjetivo pretendido com a exoneração (política fiscal). A deficiência <strong>da</strong>s razões recursaisimpede a exata compreensão <strong>da</strong> controvérsia.” (AI 333040 AgR-SP, julgado em 07.12.2010)Essa decisão está em harmonia com a jurisprudência mais recente <strong>da</strong>Egrégia Corte, que passou a considerar a necessi<strong>da</strong>de de justificação docritério legal escolhido para estabelecer a distinção no campo tributário,devendo ser ele adequado ao objetivo escolhido. Veja-se, por exemplo, aADI 4033/DF, relator ministro Joaquim Barbosa, julga<strong>da</strong> em 15.09.2010,que reconheceu a inexistência de violação do princípio <strong>da</strong> isonomia naconcessão de isenção de contribuição sindical patronal às microempresase às empresas de pequeno porte porque “não ficou demonstra<strong>da</strong> ainexistência de diferenciação relevante entre os sindicatos patronaise os sindicatos de representação de trabalhadores, no que se refere aopotencial <strong>da</strong>s fontes de custeio”. A quebra ou não do tratamento isonômico,portanto, passa também por uma análise de proporcionali<strong>da</strong>de erazoabili<strong>da</strong>de, como se verá adiante. Conclui-se <strong>da</strong>í que, se houvesseuma efetiva demonstração <strong>da</strong> discriminação, a extensão poderia ocorrerna via judicial. Com mais razão, no presente caso, em que a distinção émeramente quantitativa.Como visto, portanto, a jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>não rechaça a possibili<strong>da</strong>de de controle <strong>da</strong>s isenções tributárias sob aótica <strong>da</strong> isonomia. Resta analisar, agora, se esse controle somente seriapossível para fins de eliminar a discriminação por meio <strong>da</strong> redução ou466R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


<strong>da</strong> retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> isenção <strong>da</strong>quele que a recebeu em maior quanti<strong>da</strong>de ouisola<strong>da</strong>mente, ou se ele também poderia servir para estender a isençãoàquele em favor de quem se reconheça ter havido discriminação.A decisão mais recente do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> a tratar doassunto foi o RE 405579/PR, julgado em 01.12.2010, relator ministroJoaquim Barbosa. Nessa decisão, por aperta<strong>da</strong> maioria, o STF concluiuque não pode o Judiciário, sob pretexto de tornar efetivo o princípio<strong>da</strong> isonomia tributária, estender benefício fiscal sem que haja previsãolegal específica. Ain<strong>da</strong>, afirmou que naquele caso, a eventual conclusãopela inconstitucionali<strong>da</strong>de do critério, entendido como indevi<strong>da</strong>menterestritivo, conduziria à inaplicabili<strong>da</strong>de integral do benefício fiscal, nãosendo possível estender o benefício aos não expressamente contemplados.Essa decisão merece algumas considerações. A primeira delas é que adistinção entre os atingidos ou não pela isenção era de natureza qualitativa:de um lado, montadoras e fabricantes de veículos; de outro, empresasatuando no mercado de reposição. Em segundo, devem-se destacar osmagistrais ensinamentos do voto-vista do ministro Gilmar Mendes, quedemonstra a evolução <strong>da</strong> jurisprudência do STF no sentido de se afastar dodogma kelseniano do legislador negativo, entendendo pela possibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> extensão. Em seu voto, o ministro discorre sobre os inúmeros casosem que o STF vem atuando como legislador positivo, concluindo que“é possível antever que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> acabe por se livrardo vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressivalinha jurisprudencial <strong>da</strong>s decisões interpretativas com eficácia aditiva,já adota<strong>da</strong>s pelas principais Cortes Constitucionais europeias”. Prosseguindoem seu voto, concluiu ele que, no caso, a completa nuli<strong>da</strong>de dobenefício fiscal a ser produzido por decisão simples de declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>denão alcançaria os objetivos pretendidos e extinguiriaestímulos extrafiscais <strong>da</strong> política econômica, tornando-se necessária umasolução diferencia<strong>da</strong>, que exercesse função reparadora, de restauraçãocorretiva <strong>da</strong> ordem jurídica afeta<strong>da</strong> pela decisão de inconstitucionali<strong>da</strong>de,concluindo pela legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> extensão do benefício.Embora o ministro Gilmar Mendes tenha restado vencido na ocasião,o certo é que foi acompanhado pelo ministro Carlos Britto e pelo ministroRicardo Lewandowski, todos na linha do ministro Marco Aurélio,que havia inaugurado a divergência. Acompanharam o relator, JoaquimR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 467


Barbosa, mantendo a posição antiga do STF, os ministros Eros Grau,Cezar Peluso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. A votação, portanto, foi seisa quatro, uma aperta<strong>da</strong> maioria. Ocorre que, dos ministros que acompanharamo relator, dois já não mais compõem aquela corte: ministra EllenGracie e ministro Eros Grau. O ministro Celso de Mello, na ocasião, nãovotou, declarando impedimento. Na atual composição <strong>da</strong>quela Corte,considerando em especial que o ministro Celso de Mello não participou<strong>da</strong>quele julgamento, há fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s razões para imaginar que o posicionamentodefendido pelo ministro Gilmar Mendes prevaleceria. Aliás, comobem lembrou o ministro Gilmar em seu voto, o próprio STF já admitiuesse tipo de extensão quando, reconhecendo a violação <strong>da</strong> isonomia notratamento <strong>da</strong>do às empresas nacionais de transporte aéreo ao se lhesexigir ICMS, aplicou-se-lhes o mesmo regime isentivo concedido às empresasinternacionais em função de convênios celebrados (ADI 1600-8/DF, relator min. Sydney Sanches, julga<strong>da</strong> em 25.11.2001).Diante dos argumentos expostos, e tendo em vista que pode o <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> Quarta <strong>Região</strong>, em sede de controle de constitucionali<strong>da</strong>de,contribuir para o debate já instaurado na própria corte suprema,alinhando-se com doutrina e jurisprudência constitucionais contemporâneas,conheço <strong>da</strong> presente arguição e passo a analisar o mérito.MéritoTrata-se de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> diferenciação dequotas de isenção com base no critério do meio de transporte, previstana Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, inciso III, alíneas a e b.A controvérsia é quanto à legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> pena de perdimentoa aparelho de ar condicionado (modelo SPLIT – 12000 BTU)adquirido no exterior pelo impetrante, no valor de US$ 389,00 (trezentose oitenta e nove dólares – fls. 36-38), e introduzido no território nacionalsem Declaração de Bagagem Acompanha<strong>da</strong> – DBA e sem o recolhimentodos tributos incidentes sobre a importação.A Instrução Normativa SRF nº 117/98 dispõe qual o limite de isençãoaplicável aos produtos estrangeiros enquadrados no conceito de bagagem,fazendo distinção entre o transporte por “via aérea ou marítima” e aquelerealizado “por via terrestre, fluvial ou lacustre”, nos seguintes termos:468R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


“Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:I – bagagem: os bens novos ou usados destinados a uso ou a consumo pessoal do viajante,em compatibili<strong>da</strong>de com as circunstâncias de sua viagem. (...)II – bagagem acompanha<strong>da</strong>: a que o viajante portar consigo no mesmo meio de transporteem que viaje, desde que não ampara<strong>da</strong> por conhecimento de carga;Parágrafo único. Incluem-se entre os bens de uso ou consumo pessoal aqueles destinadosà ativi<strong>da</strong>de profissional do viajante, bem como utili<strong>da</strong>des domésticas.(...)Art. 6º A bagagem acompanha<strong>da</strong> está isenta relativamente a:I – livros, folhetos e periódicos;II – roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador, e calçados,para uso próprio do viajante, em quanti<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de compatíveis com a duração e afinali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua permanência no exterior;III – outros bens, observado o limite de valor global de:a) US$ 500.00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outramoe<strong>da</strong>, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;b) US$ 300.00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moe<strong>da</strong>,quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.” (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela IN SRF nº 538, de 20.04.2005)No caso dos autos, o bem internalizado enquadra-se no conceito debagagem acompanha<strong>da</strong>, como “outros bens”, os quais são isentos dostributos incidentes sobre a importação, desde que obedecido o limite <strong>da</strong>quota de isenção prevista, a qual, para a hipótese, seria de US$ 300,00(trezentos dólares americanos), porquanto o ingresso do bem em territórionacional deu-se por via terrestre.Em sua apelação o impetrante sustenta que a cota de isenção, novalor de US$ 300,00, para o viajante por via terrestre, representa ofensaao princípio <strong>da</strong> isonomia tributária, porquanto pessoas que se utilizam<strong>da</strong>s vias aérea ou marítima são agracia<strong>da</strong>s com um limite superior (US$500,00).Assim dispõe a Constituição <strong>Federal</strong> quanto ao princípio <strong>da</strong> isonomiatributária:“Seção IIDAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTARArt. 150. Sem prejuízo de outras garantias assegura<strong>da</strong>s ao contribuinte, é ve<strong>da</strong>do àUnião, aos Estados, ao Distrito <strong>Federal</strong> e aos Municípios:(...)II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equi-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 469


valente, proibi<strong>da</strong> qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por elesexerci<strong>da</strong>, independentemente <strong>da</strong> denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”Entendo que assiste razão ao impetrando, consistindo em afronta aoprincípio constitucional <strong>da</strong> isonomia a discriminação <strong>da</strong> quota de isençãotão somente pelo critério do meio de transporte.Firmou-se a jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no sentido deque a in<strong>da</strong>gação a respeito de quais contribuintes podem ser discriminadossem violação <strong>da</strong> isonomia tributária tem que levar em conta os seguintesfatores: a) razoabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> discriminação, basea<strong>da</strong> em diferenças reaisentre as pessoas ou objetos taxados; b) existência de objetivo que justifiquea discriminação; c) nexo lógico entre o objetivo perseguido e adiscriminação que permitirá alcança-lo (veja-se, a respeito, o magistralvoto do ministro Eros Grau na ADI 3128/DF, julga<strong>da</strong> em 18.08.2004, p.158). Naquela ocasião, em outro voto brilhante, o ministro Cezar Pelusoafirmou que“as exigências de justiça, no direito tributário, subordinam o tratamento normativo à medi<strong>da</strong><strong>da</strong> riqueza manifesta<strong>da</strong>, ou, em rigor técnico, ao conceito de capaci<strong>da</strong>de contributiva(art. 145, parágrafo 1°, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República), de modo que as distinções entrecategorias de pessoas devem fun<strong>da</strong>r-se nesse critério, e a adoção de qualquer outro há demanter perceptível e justifica<strong>da</strong> correlação lógico-jurídica com os propósitos normativose os direitos e garantias fun<strong>da</strong>mentais, sob pena de insulto ao princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de.”(p. 125, grifos nossos)Inicialmente, é notório que a diferenciação <strong>da</strong>s cotas não leva em contaa capaci<strong>da</strong>de contributiva individual de ca<strong>da</strong> viajante; ao contrário, talvezfavoreça com isenção maior aquele que tem melhores condições econômicas,mas é certo que as mais diversas situações podem se apresentar.Resta, assim, analisar a razoabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> diferenciação, examinando sehá diferenças reais entre os viajantes que utilizam meios de transporteaéreo ou terrestre; a existência de objetivo que justifique a discriminaçãoe o nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação quepermitirá alcançá-lo. A meu ver, não há diferença real entre os viajantesque utilizam meios de transporte aéreo ou terrestre do ponto de vista <strong>da</strong>diferenciação <strong>da</strong>s cotas de isenção. E, mesmo que se considerasse que omeio de transporte utilizado é indício suficiente de uma diferença capazde justificar o tratamento discriminatório, não haveria nexo lógico entreo objetivo perseguido e a discriminação, conforme passo a analisar.470R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


Com efeito não reconheço como situações distintas, suficientes parajustificar um tratamento tributário diferenciado, o fato de a bagagem,proveniente do exterior, ser introduzi<strong>da</strong> no território nacional por “viaaérea ou marítima” (quota de isenção de US$ 500,00) ou “por via terrestre,fluvial ou lacustre” (quota de isenção de US$ 300,00).Inclusive, entendo que essa discriminação <strong>da</strong> tributação, simplesmentepelo critério do meio de transporte, pode resultar, em muitoscasos, em uma espécie de privilégio indevido, concedido justamente àspessoas que, aparentemente, detêm melhor situação financeira e que têmcondições de viajar ao exterior “por via aérea ou marítima”. Embora aFazen<strong>da</strong> Nacional argumente que a norma protegeria o ci<strong>da</strong>dão médioque, muito esporadicamente e com grande sacrifício de economias, sedirige ao estrangeiro em aeronave, ocasião em que, pela rari<strong>da</strong>de doevento, seria beneficiado pela possibili<strong>da</strong>de de trazer bens de maior valor,é certo que a norma ataca<strong>da</strong> não prevê tamanha esporadici<strong>da</strong>de, jáque a cota de isenção pode ser utiliza<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> mês (art. 7° <strong>da</strong> IN SRF117/98 – uma vez a ca<strong>da</strong> trinta dias). Pelo mesmo motivo, não procedeo argumento de que a norma teria por objetivo impedir “viagens paracomprar”, porque a cota de isenção, além de insignificante para aquelesque pretendem descaminhar produtos para comercialização no territórionacional, somente pode ser usa<strong>da</strong> uma vez a ca<strong>da</strong> mês, o que, por si só,independentemente de ter valor equivalente 300 ou 500 dólares, seriasuficiente a impedir tais “viagens para comprar”. Assim, resta, a meuver, efetiva discriminação, que não se justifica por nenhum dos objetivosapontados pela Fazen<strong>da</strong> Nacional.Se a cota de isenção, seja de trezentos, seja de quinhentos dólares,somente pode ser utiliza<strong>da</strong> uma vez ao mês, não posso vislumbrar justificativalegítima para que a cota para o transporte terrestre seja maisbaixa. Isso poderia ser justificado caso não houvesse controle sobrea utilização <strong>da</strong>s cotas, quando se quisesse impedir que moradores deci<strong>da</strong>des fronteiriças estivessem a todo o momento fazendo compras empaíses vizinhos e gozando de tal isenção. Mas, limita<strong>da</strong> a uma vez pormês, tenho que não se justifica; ao contrário, presta-se a gerar distorçõesde vários tipos. Imagine-se, por exemplo, o ci<strong>da</strong>dão que sai de PortoAlegre de carro, com sua família, para passar férias no Uruguai ou naArgentina e, ao retornar, tem direito a uma isenção de apenas trezentosR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 471


dólares, em comparação com aquele que pega um avião e vai passar ofinal de semana em Buenos Aires ou Montevidéu, gastando certamentemuito menos em passagens do que o outro em gasolina, e ao retornartem direito a uma cota de isenção de quinhentos dólares. Que situação émais esporádica ou menos privilegia<strong>da</strong>? A do ci<strong>da</strong>dão que pode perfeitamentepegar um voo em Porto Alegre e, em uma hora e alguns minutos,chegar em Montevidéu ou Buenos Aires para passar o final de semana,ou até em São Paulo, chegando algumas horas depois; ou a <strong>da</strong>quele quepegou seu carro, enfrentou horas de estra<strong>da</strong>, e foi passar uma semana oumais de férias por lá com a família? Reitero, a cota de isenção não serelaciona, a meu ver, com coibição de sacoleiros e pessoas que viajamcom o objetivo de descaminhar mercadorias. Ela se destina ao turistacomum, ao viajante comum, o que resta claro tanto por seus valorescomo pela limitação temporal de gozo, ou seja, somente uma vez ao mês,independentemente do meio de transporte utilizado. E como somentepode ser utiliza<strong>da</strong> uma vez ao mês, também não serve para impedir quemoradores <strong>da</strong> fronteira a cruzem o tempo todo comprando mercadoriasno exterior. Ela é uma simples cota para turistas e, portanto, o que euvejo na diferença de valores é, sim, discriminação entre pessoas que seencontram na mesma condição.Mais, registro que as viagens aéreas para os países integrantes doMercosul, como a Argentina, o Paraguai ou o Uruguai, este último deonde provém a mercadoria apreendi<strong>da</strong> (Rivera), não deman<strong>da</strong>m qualquerburocracia quanto à documentação, o que só reforça a conclusão de que,no caso dos autos, a discriminação tributária, com base apenas no meiode transporte, é indevi<strong>da</strong>, afrontando o princípio <strong>da</strong> isonomia tributáriaprevisto no art. 150, II, <strong>da</strong> CF/88.Neste <strong>Regional</strong> já há precedentes reconhecendo que a IN SRF nº117/98 afronta o princípio <strong>da</strong> isonomia tributária, porque estipula quotasdiferencia<strong>da</strong>s de isenção para a importação, conforme for o meio detransporte (aéreo ou terrestre):“EMENTA: ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIA EM ZONA SECUN-DÁRIA DA FRONTEIRA. INGRESSO REGULAR. COTA DE ISENÇAO. Demonstradoque as mercadorias apreendi<strong>da</strong>s no recinto do aeroporto de Foz do Iguaçu foram introduzi<strong>da</strong>sregularmente no país, tendo sido declara<strong>da</strong>s perante o Posto de Fiscalização <strong>da</strong> Ponte<strong>da</strong> Amizade e recolhidos os tributos sobre o valor que excedeu à cota de isenção. Em facedo princípio <strong>da</strong> isonomia, aplica-se a mesma cota de isenção de tributos em relação à472R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


mercadoria introduzi<strong>da</strong> por via terrestre ou área.” (TRF4, AC 2008.70.02.006200-0, Segun<strong>da</strong>Turma, Relator Artur César de Souza. Sessão de 15.012.2009. Unanimi<strong>da</strong>de. D.E.03.02.2010) (Grifei)“PENAL E PROCESSO PENAL. DENÚNCIA, REJEIÇÃO, DESCAMINHO. PRIN-CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. COTA DE ISENÇÃO.SUSPENSÃO DO PROCESSO.1. Cabe ao Juiz rejeitar denúncia que narra fato que não se amol<strong>da</strong> a um tipo penal, porconstituir crime de bagatela, destituído de qualquer valoração de expressivi<strong>da</strong>de a merecerreprovação penal.2. A pena criminal tem um caráter retributivo e seria excesso impô-la a uma pessoa queintroduziu em solo pátrio, mercadorias estrangeiras avalia<strong>da</strong>s em valor bem inferior a US$500 (quinhentos dólares americanos), enquanto que tal conduta sequer é objeto de reprimen<strong>da</strong>na esfera fiscal, <strong>da</strong>do o seu valor insignificante, sendo inconcebível mover a máquinajudiciária na esfera penal, enquanto há manifesto desinteresse do Estado na arreca<strong>da</strong>ção.3. Em face do princípio constitucional <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de perante a lei, considera-se que acota de isenção de mercadorias estrangeiras, tanto pela introdução via aérea como terrestre,é de US$ 500, 00 (quinhentos dólares americanos).4. A aplicação, no presente caso, do disposto no art. 89 <strong>da</strong> Lei 9099/95, mostra-se situaçãomais gravosa ao acusado.” (TRF-4, 2ª Turma. ACR nº 97.04.64797-2/RS. Rel. JuizJardim de Camargo. DJ: 29.07.98, p . 440) (Grifei)“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESCAMINHO. INSTRUÇÃO NORMATI-VA/SRF Nº 117/98. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. BENS APREENDIDOS EXCLUÍDOSDO CONCEITO DE BAGAGEM. MONTANTE DOS TRIBUTOS ILUDIDOS MENORQUE R$ 2.500,00. PRINCÍPIO DA BAGATELA. APLICABILIDADE. CONTUMÁCIADELITIVA NÃO CONFIGURADA.Embora o valor <strong>da</strong>s mercadorias apreendi<strong>da</strong>s tenha ficado aquém de US$ 500,00, cotaadota<strong>da</strong> em favor dos que ingressam no país pelas vias terrestre, fluvial ou lacustre – poraplicação do princípio <strong>da</strong> isonomia –, impossível enquadrá-las na definição de bagagem,a teor do art. 3º, inc. I, <strong>da</strong> IN/SRF nº 117/98.O montante dos tributos iludidos ficou aquém do limite tomado <strong>da</strong> Lei nº 10.522/02, demodo que se mostra possível a aplicação do princípio <strong>da</strong> insignificância.Não se encontra caracteriza<strong>da</strong> a contumácia delitiva – ti<strong>da</strong> pelos demais integrantesdeste Colegiado como óbice à aplicação do princípio <strong>da</strong> bagatela – na medi<strong>da</strong> em que ooutro fato apontado pelo agente ministerial envolve conduta ocorri<strong>da</strong> em <strong>da</strong>ta posterior à<strong>da</strong>quela analisa<strong>da</strong> neste feito.Recurso a que se nega provimento.” (TRF4. Recurso Criminal em Sentido Estrito nº2005.70.02.005885-8/PR. Sétima Turma. Relatora Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima FreitasLabarrère. Sessão de 13.02.2007. Unanimi<strong>da</strong>de. Publ. 07.03.2007) (Grifei)No voto condutor do acórdão do último precedente citado, a relatoraassim consignou:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 473


“O Juízo rejeitou a denúncia com amparo no princípio <strong>da</strong> insignificância, aduzindoque o montante dos tributos federais – iludidos em decorrência <strong>da</strong> introdução irregular demercadorias no território nacional – não excederia o limite de R$ 2.500,00, tomado <strong>da</strong> Leinº 10.522/02.Pois bem, observo que as mercadorias apreendi<strong>da</strong>s em poder <strong>da</strong> acusa<strong>da</strong> foram avalia<strong>da</strong>sem US$ 232,00 (duzentos e trinta e dois dólares estadunidenses), consoante auto deinfração encartado à fl. 05.De acordo com o art. 6º, inc. III, alínea b, <strong>da</strong> Instrução Normativa nº 117, de 06.10.98,<strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>, a isenção aplicável aos bens trazidos por quem ingressano país pelas vias terrestre, fluvial ou lacustre, é de US$ 150,00. Contudo, fazendo valero princípio <strong>da</strong> isonomia – art. 5º, inc. I, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República –, adoto a cota deUS$ 500,00 destina<strong>da</strong> aos que viajam por via aérea (art. 6º, inc. III, alínea a, do referidodiploma). Afinal, como bem expressou o Ministro Gilson Dipp, quando ain<strong>da</strong> integravaesta Corte, ‘para a tipificação do descaminho utiliza-se parâmetro único, por incidência doprincípio <strong>da</strong> isonomia, qual seja, o limite de isenção fiscal maior, previsto para as viagensaéreas e marítimas, pois o fato de o agente viajar por via terrestre não pode ser determinantepara qualificar a cota de isenção’ (HC nº 0461100/97-RS, j. 25.11.97, DJ 04.02.98, p. 154).(...)” (Grifei)Também a Instrução Normativa SRF nº 52/95, que estabelecia a quotade isenção para a via terrestre em US$ 150,00, foi reconheci<strong>da</strong> inconstitucionalpor esta Corte, por afrontar o princípio <strong>da</strong> isonomia tributária:“PENA DE PERDIMENTO DE MERCADORIAS. COTA DE ISENÇÃO DO IMPOS-TO DE IMPORTAÇÃO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.1. Em face do princípio constitucional <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de perante a lei, considera-se que acota de isenção de mercadorias estrangeiras, tanto pela introdução via aérea como terrestre,é de U$ 500,00 (quinhentos dólares americanos).2. Apelação provi<strong>da</strong>.” (TRF4. Segun<strong>da</strong> Turma. AC Nº 1998.04.01.020824-3/RS. RelatorFERNANDO QUADROS DA SILVA. Sessão de 29.06.2000. Unanimi<strong>da</strong>de. DJU09.08.00) (Grifei)E, na mesma linha de raciocínio, é o parecer do Ministério Público<strong>Federal</strong>, o qual reproduzo, na íntegra, como razões complementares dedecidir:“FUNDAMENTOSCinge-se a controvérsia em verificar a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> diferenciação de cotasde isenção com base no critério do meio de transporte prevista na Instrução Normativa SRFnº 117/98, art. 6°, 111, a e b.O limite para a internalização de mercadorias está disciplinado no art. 6° <strong>da</strong> InstruçãoNormativa SRF nº 117/98:474R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


‘Art. 6° A bagagem acompanha<strong>da</strong> está isenta relativamente a:(...)III – outros bens, observado o limite do valor global de:a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outramoe<strong>da</strong>, quando o viajante ingressar no país por via aérea ou marítima;b) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moe<strong>da</strong>,quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.’Da leitura dos dispositivos supramencionados, verifica-se haver tratamento diferenciadopara o viajante terrestre, tendo em vista que os viajantes por via aérea têm direito a uma cotacom limite de US$ 500,00 (quinhentos dólares), superior à dos viajantes por via terrestre,o que reclama tratamento isonômico entre cotas de isenção de importação por via aérea outerrestre, pelas razões a seguir expostas.A questão, ora debati<strong>da</strong>, encontra albergue na aplicação do princípio <strong>da</strong> justiça ao direitotributário, o qual nos obriga a encará-lo como um todo homogêneo, pois esse é o únicomodo de verificarmos se o direito tributário positivo está de acordo com o primado <strong>da</strong> justiça.Somente pela consideração em conjunto <strong>da</strong> incidência de todos os tributos podemosconcluir ou não pelo respeito ao princípio <strong>da</strong> justiça e a seus desdobramentos no campotributário: o princípio <strong>da</strong> isonomia e o <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de contributiva.Explicitando, o princípio <strong>da</strong> justiça, apesar de não estar positivado na Constituição<strong>Federal</strong>, deve ser considerado como o princípio supremo do ordenamento jurídico, delederivam todos os outros princípios do direito. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho:‘Realiza-se o primado <strong>da</strong> justiça quando implementamos outros princípios, o que equivalea elegê-lo como sobreprincípio. E, na plataforma privilegia<strong>da</strong> dos sobreprincípios, ocupao lugar preeminente. Nenhum outro o sobrepuja, ain<strong>da</strong> porque para ele trabalham. Queremalguns, por isso mesmo, que esse valor apresente-se como o sobreprincípio fun<strong>da</strong>mental,construído pela conjunção eficaz dos demais sobreprincípios.’ (Curso de direito tributário.10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 107)Dessa forma, e justamente em virtude de que a justiça é um conceito que pode ser encaradosob diversos enfoques, temos o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de que, estando previsto no art.5°, caput, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, procura <strong>da</strong>r maior concretude à justiça, proclamandoque todos são iguais perante a lei.No campo tributário o princípio <strong>da</strong> isonomia é novamente consagrado no art. 150, inc.II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>, que dispõe que ‘é ve<strong>da</strong>do à União, aos Estados, ao Distrito<strong>Federal</strong> e aos Municípios’:‘II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,proibi<strong>da</strong> qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por elesexerci<strong>da</strong>, independentemente <strong>da</strong> denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;’No ensinamento de Leandro Paulsen (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituiçãoe Código Tributário à luz <strong>da</strong> doutrina e <strong>da</strong> jurisprudência. 12. ed. Livraria doAdvogado, 2010. p. 184),‘A isonomia imposta pelo art. 150, II, <strong>da</strong> CF impede que haja diferenciação tributáriaR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 475


entre contribuintes em situação equivalentes, ou seja, discriminação arbitrária. Justifica--se a diferenciação tributária quando haja situações efetivamente distintas, tenha-se emvista uma finali<strong>da</strong>de constitucionalmente ampara<strong>da</strong> e o tratamento diferenciado seja aptoa alcançar o fim colimado.’Hugo de Brito Machado (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12.ed. Malheiros, p. 30), lecionando sobre tal princípio, alerta para uma questão importante,que é saber qual é o critério usado pelo legislador para diferenciar situações de modo a nãoofender o princípio <strong>da</strong> isonomia, lecionando que:‘As dificul<strong>da</strong>des pertinentes ao princípio <strong>da</strong> isonomia surgem quando se coloca a questãode saber se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias, e qual o critério dediscrímen que pode vali<strong>da</strong>mente utilizar. Na ver<strong>da</strong>de a lei sempre discrimina. Seu papelfun<strong>da</strong>mental consiste precisamente na disciplina <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des naturais existentesentre as pessoas. A lei, assim, forçosamente discrimina. O importante, portanto, é sabercomo será váli<strong>da</strong> essa discriminação. Quais os critérios passíveis, e quais os critérios queimplicam lesão ao principio <strong>da</strong> isonomia.’Ain<strong>da</strong>, a ver<strong>da</strong>deira igual<strong>da</strong>de consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmenteos desiguais, na medi<strong>da</strong> em que se desigualam. Todo o problema relativo à aplicação doprincípio <strong>da</strong> isonomia, em ver<strong>da</strong>de, está em saber qual medi<strong>da</strong> de desigual<strong>da</strong>de deve sertoma<strong>da</strong>, em ca<strong>da</strong> situação, para justificar um tratamento desigual. É o ‘fator de discrímen’a que alude CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (MELLO, Celso AntônioBandeira de. O Conteúdo Jurídico do principio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de. 3. ed. São Paulo: Malheiros,1993. p. 38), ao referir que se tem que ‘investigar, de um lado, aquilo que é erigido emcritério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traçodesigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função <strong>da</strong>desigual<strong>da</strong>de afirma<strong>da</strong>’.Nessa esteira, o art. 6°, III, a e b, <strong>da</strong> IN/SRF nº 117/98, ao estabelecer hipóteses discriminatórias,acabou por tratar diferentemente duas situações fáticas exatamente iguais– ingresso de mercadorias estrangeiras via terrestre e via aérea em território nacional <strong>da</strong>ndotratamento jurídico-tributário diferenciado a ambas injustifica<strong>da</strong>mente, pois inexiste nomeio de transporte usado para ingresso <strong>da</strong> mercadoria – aéreo ou terrestre – qualquerdesigual<strong>da</strong>de ou peculiari<strong>da</strong>de que reclame o tratamento jurídico diferenciado imposto pelareferi<strong>da</strong> Instrução Normativa, o que aconselharia o afastamento dos limites estabelecidoscomo cotas de isenção, seja para ingresso no país por via terrestre ou fluvial, seja por viaaérea, adotando-se uma única para os dois casos (terrestre ou aéreo).Essa diferenciação desproposita<strong>da</strong> é ve<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo ordenamento constitucional porqueredundou em discriminação intolerável ao <strong>da</strong>r um tratamento desigual para casos iguais,revelando a negação do ideal de Justiça.Sobre a matéria em debate, saliente-se que o Ministro Gilson Dipp, quando ain<strong>da</strong> integravaeste <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong>, já entendia que, ‘para a tipificação do descaminho,utiliza-se parâmetro único, por incidência do princípio <strong>da</strong> isonomia, qual seja, o limite deisenção fiscal maior, previsto para as viagens aéreas e marítimas, pois o fato de o agente476R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


viajar por via terrestre não pode ser determinante para qualificar a cota de isenção’ (HCnº 0461100/97-RS, j. 25.11.97, DJ 04.02.98, p. 154).Mutatis mutandis, outra não pode ser a conclusão de que o art. 6°, III, a e b , <strong>da</strong> IN/SRF nº 117/98, é inconstitucional, pois fere o princípio <strong>da</strong> isonomia ao instituir tratamentodesigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente (art. 150, 11, CF/88),fazendo distinção entre o transporte por ‘via aérea ou marítima’ (quota de 500 dólares) eaquele realizado ‘por via terrestre, fluvial ou lacustre’ (quota de 300 dólares), os quais seencontram em planos iguais.Neste sentido tem sido o entendimento <strong>da</strong> 2ª T., deste E. <strong>Tribunal</strong>, verbis:‘EMENTA: ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIA EM ZONA SECUNDÁ-RIA DA FRONTEIRA. INGRESSO REGULAR. COTA DE ISENÇÃO. Demonstrado queas mercadorias apreendi<strong>da</strong>s no recinto do aeroporto de Foz do Iguaçu foram introduzi<strong>da</strong>sregularmente no país, tendo sido declara<strong>da</strong>s perante o Posto de Fiscalização <strong>da</strong> Ponte <strong>da</strong>Amizade e recolhidos os tributos sobre o valor que excedeu à cota de isenção. Em face doprincípio <strong>da</strong> isonomia, aplica-se a mesma cota de isenção de tributos em relação à mercadoriaintroduzi<strong>da</strong> por via terrestre ou área.’ (TRF4, AC 2008.70.02.006200-0, Segun<strong>da</strong> Turma,Relator Artur César de Souza, D.E. 03.02.2010) (grifamos)CONCLUSÃOEm face do exposto, opina o Ministério Público <strong>Federal</strong> pelo provimento do presenteincidente suscitado, a fim de que seja reconheci<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de do art. 6°, inciso111, alíneas a e b, <strong>da</strong> IN/SRF nº 117/1998.” (Grifei)No que diz respeito, ain<strong>da</strong>, às normas do Mercosul, é certo que nãopodem normas internacionais servir à violação de direitos fun<strong>da</strong>mentaisprotegidos pela Constituição. To<strong>da</strong> a jurisprudência do Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong>, firma<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> ADIn 1480-3/DF (relator min. Celso deMello), reconhece a submissão de tais normas à Constituição <strong>Federal</strong>.Reconheci<strong>da</strong> a discriminação e a consequente violação do princípio<strong>da</strong> isonomia tributária, resta-se-lhe conferir o remédio constitucionalcabível. Nesse caso, pelas razões já expostas quando <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> preliminar,e considerando tratar-se de controle de constitucionali<strong>da</strong>de denatureza difusa, feito no contexto de um determinado processo, entendoque a única solução possível é conferir ao texto interpretação conformea Constituição, estendendo à parte a isenção goza<strong>da</strong> por viajantes quese utilizam de vias aéreas ou marítimas, no valor de quinhentos dólaresamericanos.Por fim, destaco que permanece a Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong>do Brasil competente para editar normativos pertinentes à isenção <strong>da</strong>tributação incidente sobre a importação de mercadorias. O que se estáR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 477


econhecendo é a irregulari<strong>da</strong>de do tratamento diferenciado, dispensadoa contribuintes que se encontram em situação equivalente para fins detributação.Ante o exposto, voto por declarar inconstitucional a diferenciação dequotas de isenção com base no critério do meio de transporte, previstana Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, inciso III, alíneas a e b,conferindo-lhe interpretação conforme a Constituição para que, no casodos autos, a quota de isenção correspon<strong>da</strong> a US$ 500,00.VOTO DIVERGENTEO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:Sra. Presidente:Com a devi<strong>da</strong> vênia, divirjo <strong>da</strong> eminente Relatora, pois não vislumbroa inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> IN-SRF nº 117/98.Por ocasião do julgamento <strong>da</strong> apelação, a fls. 97v/99, anotou o ilustreDesembargador <strong>Federal</strong> Roberto Pamplona, verbis:“Inicialmente, observo ter julgado com acerto o magistrado singular, o qual, constatandoa nuli<strong>da</strong>de do auto de infração – cuja intimação por edital impossibilitou a apresentação<strong>da</strong> impugnação prevista no art. 690 do Regulamento Aduaneiro –, declarou a anulação dosatos subsequentes, com a reabertura do prazo para o autuado, ora impetrante, defender-sena via administrativa.To<strong>da</strong>via, se o próprio interessado, a quem favorece o reconhecimento <strong>da</strong> menciona<strong>da</strong>nuli<strong>da</strong>de e a reabertura de prazo concedi<strong>da</strong> na sentença, pugna pelo julgamento imediatodo presente mérito, em observância aos princípios <strong>da</strong> economia e <strong>da</strong> celeri<strong>da</strong>de processuais,entendo que o vício formal do processo administrativo foi sanado pelo ingresso na viajudicial. Afinal, consoante o bem disposto no parecer do MPF, com os tribunais entulhadosde ações, e especialmente ante a irresignação <strong>da</strong> própria parte com a decisão judicial queanulou o procedimento de perdimento (...) a formali<strong>da</strong>de deve ser supera<strong>da</strong> com o ingresso<strong>da</strong> ação judicial que, em ver<strong>da</strong>de, garante contraditório muito mais amplo. (fls. 95/96)Cinge-se a controvérsia, portanto, à legali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> pena de perdimentoao aparelho de ar condicionado (modelo SPLIT – 12000 BTU) adquirido no exterior peloimpetrante, no valor de US$ 389,00 (trezentos e oitenta e nove dólares – fls. 36/38), e introduzidono território nacional sem Declaração de Bagagem Acompanha<strong>da</strong> – DBA e semo recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação.No concernente, a Instrução Normativa SRF nº 117/98 dispõe sobre os bens compreendidosno conceito de bagagem, definindo ain<strong>da</strong> qual o limite de isenção aplicável:‘Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:I – bagagem: os bens novos ou usados destinados a uso ou a consumo pessoal do via-478R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


jante, em compatibili<strong>da</strong>de com as circunstâncias de sua viagem. (...)II – bagagem acompanha<strong>da</strong>: a que o viajante portar consigo no mesmo meio de transporteem que viaje, desde que não ampara<strong>da</strong> por conhecimento de carga;Parágrafo único. Incluem-se entre os bens de uso ou consumo pessoal aqueles destinadosà ativi<strong>da</strong>de profissional do viajante, bem como utili<strong>da</strong>des domésticas.(...)Art. 6º A bagagem acompanha<strong>da</strong> está isenta relativamente a:I – livros, folhetos e periódicos;II – roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador, e calçados,para uso próprio do viajante, em quanti<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de compatíveis com a duração e afinali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua permanência no exterior;III – outros bens, observado o limite de valor global de:a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outramoe<strong>da</strong>, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;b) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moe<strong>da</strong>,quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.’ (Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong>pela IN SRF nº 538, de 20.04.2005)Verifica-se, no referido ato normativo, que o produto internalizado pelo impetranteenquadra-se no conceito de bagagem acompanha<strong>da</strong>, tratando-se de outros bens, os quaissão isentos dos tributos incidentes sobre a importação desde que obedecido – in casu, hajavista o ingresso do impetrante por via terrestre – o limite de valor de US$ 300,00 (trezentosdólares americanos).No concernente, a diferença entre as cotas de isenção para os que ingressam no paíspor via aérea (US$ 500,00) e via terrestre (US$ 300,00), prevista na IN/SRF 117/98, nãofere, in casu, o princípio <strong>da</strong> isonomia, por tratar-se de situações absolutamente distintas.Afinal, não se há de negar que o contribuinte que ingressa no Brasil voltando de umaviagem rápi<strong>da</strong>, muitas vezes de um ou no máximo dois dias, ou até mesmo de algumashoras, a algum país vizinho, como sói acontecer em hipóteses como a dos autos, protagonizasituação muito diversa <strong>da</strong>quele que volta de longa viagem ao exterior mais longínquo – eque por isso mesmo se utiliza <strong>da</strong> via aérea ou marítima, pois só tais meios de transportescruzam os oceanos que separam os continentes.Ora, neste caso o próprio impetrante, que reside em Uruguaiana/RS, afirma que, por serci<strong>da</strong>dão fronteiriço, como os demais habitantes <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de, costuma viajar coma família as ci<strong>da</strong>des vizinhas de Paso de Los Libres na Argentina e Riveira no Uruguai apasseio, geralmente nos dias feriados (fls. 02/03). Com efeito, verifica-se que a apreensãoocorreu em 15.12.2007 (fl. 37), ou seja, no mesmo dia <strong>da</strong> aquisição do produto uruguaio(cfe. nota fiscal de fl. 28).Logo, tendo em vista a facili<strong>da</strong>de com que o requerente tem acesso a produtos estrangeiros– e, de modo geral, a ausência de obstáculos encontra<strong>da</strong> nessas viagens a países maispróximos (mormente os Estados Partes do Mercosul, com sua política de livre circulação debens e serviços, etc.) –, seria injusto equiparar suas condições às do viajante que enfrenta,R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 479


não raro, burocracia muitas vezes extenuante para a realização de deslocamentos a naçõessitua<strong>da</strong>s em pontos mais afastados do globo terrestre.Haja vista tal diferença, que é inequívoca, a legislação diferencia, na mesma medi<strong>da</strong>, acota de isenção, até porque o viajante que se utiliza <strong>da</strong> via marítima (ou aérea), em razão<strong>da</strong> menor facili<strong>da</strong>de, não viajará tão amiúde quanto o que ‘dá um pulo’ na fronteira nosfinais de semana e feriados, sendo, por isso mesmo, maior o seu limite para aquisição debens estrangeiros.Por outro lado, se é ver<strong>da</strong>de que alguns ci<strong>da</strong>dãos brasileiros também se utilizam dotransporte aéreo para viajar a nações fronteiriças, não menos certas é que a legislação deregência diferencia os viajantes segundo a reali<strong>da</strong>de ordinária – cabendo ao intérprete <strong>da</strong> leiadequá-la ao caso concreto, fazendo valer os princípios norteadores do estado democráticode direito.Segundo Ricardo Lobo Torres, a proibição de desigual<strong>da</strong>des aparece no art. 150, II, <strong>da</strong>CF, que ve<strong>da</strong> ‘tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,proibi<strong>da</strong> qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por elesexerci<strong>da</strong>s, independentemente <strong>da</strong> denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos’(...) Projeta-se para o texto constitucional, com o sinal invertido, a definição que alcançou asua melhor expressão pela pena de Rui Barbosa (Oração aos Moços. Rio de Janeiro: Org.Simões, 1951): ‘A regra <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de não consiste senão em quinhoar desigualmente aosdesiguais, na medi<strong>da</strong> em que se desigualam’ (in Curso de Direito Financeiro e Tributário.16. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 – grifei).Na hipótese dos autos, portanto, não há que se falar em violação <strong>da</strong> isonomia tributária,pois é o típico caso em que o meio de transporte usado para ingresso <strong>da</strong> mercadoria – aéreoou terrestre – traduz desigual<strong>da</strong>de que reclama o tratamento jurídico diferenciado impostopela legislação.Dito isso, observa-se que o valor do bem apreendido, conforme lançado no Auto deInfração e Termo de Apreensão e Guar<strong>da</strong> Fiscal n° 1010300/39/2007 (Discriminação <strong>da</strong>sMercadorias à fl. 38) importa no montante de R$ 833,00. Por conseguinte, superior aolimite <strong>da</strong> isenção de U$ 300,00.Logo, não poderia o proprietário furtar-se do regime de tributação especial (arts. 100e 101 do Regulamento Aduaneiro), sendo-lhe exigível o recolhimento do imposto de importação.Também não socorre ao impetrante a alegação de boa-fé, pois, como bem observado noparecer do MPF (fls. 95/96), jamais houve a intenção de introdução regular <strong>da</strong> mercadoriaimporta<strong>da</strong>, pois o impetrante tinha plena ciência <strong>da</strong> quota de isenção de bagagem e, mesmoassim, optou por ingressar no país sem adotar as providências necessárias para tanto,sendo ela apreendi<strong>da</strong> pela Polícia Rodoviária <strong>Federal</strong>, em trabalho de rotina na RodoviaBR 158 (fl. 37).Dessarte, é legal a apreensão procedi<strong>da</strong> pela Receita <strong>Federal</strong> e a subsequente pena administrativade perdimento conforme o disposto nos arts. 105, X, do Decreto-Lei nº 37/66,23, IV e § 1º, do Decreto-Lei nº 1.455/76 e 618 do Regulamento Aduaneiro aplicável àépoca dos fatos (Decreto nº 4.543 de 26.12.2002).480R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


Outrossim, descabi<strong>da</strong> a alegação de que apenas bens comprados para reven<strong>da</strong> estãosujeitos a perdimento. Caso contrário, por exemplo, admitir-se-ia que veículos estrangeiroscom valores absur<strong>da</strong>mente superiores à cota de isenção, desde que destinados a usoexclusivamente pessoal do contribuinte, fossem internalizados do mesmo modo como foio aparelho de ar condicionado do impetrante: sem o pagamento dos impostos atinentes àoperação de importação.Sem razão, portanto, o recorrente, devendo ser manti<strong>da</strong> a sentença que denegou asegurança.Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.”Com efeito, comungo do mesmo entendimento.In casu, incide o magistério de um dos maiores constitucionalistasnorte-americanos, Henry Campbell Black, em seu clássico Handbook ofAmerican Constitutional Law. 2. ed. St. Paul, Minn.: West Publishing,1897. p. 70, verbis:“10. It is not permissible do disobey, or to construe into nothingness, a provision of theconstitution merely because it may apeear to work injustice, or to lead to harsh or obnoxiousconsequences or invidious and unmerited discriminations, and still less weight should beattached to the argument from mere inconvenience.”Por outro lado, não se configura a violação ao princípio <strong>da</strong> isonomia,pois, consoante tranquilo entendimento <strong>da</strong> Suprema Corte, o mencionadoprincípio não é absoluto, nem pode ser levado às últimas consequências,conforme afirmou o eminente e saudoso Ministro Cândido Mota Fº aovotar no RMS nº 4.671-DF, verbis:“(...) o princípio <strong>da</strong> isonomia, como qualquer outro, há de se comportar dentro do sistemalegal em que vive, ao lado dos outros princípios, que não se afasta ou revoga – não pode serlevado às últimas consequências – do princípio único nivelador de direitos e obrigações.”(In RTJ 4/136)Nesse sentido, a orientação dos tribunais estrangeiros, conforme referênciade CLAUDIO ROSSANO, em consagra<strong>da</strong> obra, ao comentardecisão <strong>da</strong> Corte Constitucional <strong>da</strong> Itália, verbis:“Lo stesso è avvenuto nella sentenza n° 118 del 1964, cit, in cui era stata eccepita l’illegittimitàcostituzionale della regola del foro dello Stato nelle cause riguar<strong>da</strong>nti la p.a., tra gli altri motivi,anche per la disparità di trattamento che ne derivava tra cittadini e Stato, col conferimentoa quest’ultimo di un ingiusto privilegio. La Corte ha respinto l’eccezione preoccupandosi ditrovare – motivi che dimostrassero la presenza di giustificazione – sufficientemente adegua<strong>da</strong>del diverso trattamento tra singoli e Stato” (In L’Eguaglianza Giuridica Nell’OrdinamentoCostituzionale. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1966. p. 404, nota 49)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 481


Da mesma forma, não vislumbro a violação ao princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de,pois, nos termos do magistério de Xavier Philippe, “la référenceà la proportionnalité <strong>da</strong>ns l’élaboration d’un principe général du droitn’est qu’une éventualité, une potentialité, mais ne doit absolument pasêtre interprêtée comme une généralité”. E, adiante, acrescenta que“le juge ne peut exercer sa mission à n’importe quel prix! Le contrôle juridictionnel ne doitpas servir d’alibi à une invocation à outrance de la notion de proportionallité qui serviraità justifier une position juridiquement douteuse. Il y a donc <strong>da</strong>ns cette fonction logique ducontrôle de proportionnalité des limites qui conditionnent à la fois son existence et sa crédibilité.”(In Le Contrôle de Proportionnalité <strong>da</strong>ns Les Jurisprudences Constitutionnelleet Administrative Françaises. Économica, 1990. p. 96 e 415)Os tribunais só declaram a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis quando essaé evidente, não deixando margem à séria objeção em sentido contrário,uma vez que to<strong>da</strong>s as presunções militam em favor <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de de um atonormativo do Poder Público, seja legislativo, seja executivo. Entre duasinterpretações possíveis, prefere-se a que não infirma o ato legislativo.Oportet ut res plus valeat quam pereat.Nesse sentido, ain<strong>da</strong>, impõe-se recor<strong>da</strong>r o célebre voto proferido peloJustice Brandeis na Suprema Corte, no caso Ashwander v. TennesseeValley Authority, ao enumerar as regras para o exame <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s leis, lição hoje clássica, verbis:“The Court will not pass upon a constitutional question although properly presented bythe record, if there is also present some other ground upon which the case may be disposedof. This rule has found most varied application. Thus, if a case can be decided on eitherof two grounds, one involving a constitutional question, the other a question of statutoryconstruction or general law, the Court will decide only the latter.(...)‘When the validity of an act of the Congress is drawn in question, and even if a seriousdoubt of constitutionality is raised, it is a cardinal principle that this Court will first ascertainwhether a construction of the statute is fairly possible by which the question may beavoided.’ Crowell v. Benson, 285 U.S. 22, 62, 52 S.Ct. 285, 296, 76 L.Ed. 598.” (In SupremeCourt Reporter. St. Paul, Minn.: West Publishing, 1936. v. 56, p. 483-4)Ante o exposto, voto por rejeitar o presente incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de.É o meu voto.482R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


VOTO-VISTAO Exmo. Sr. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper: Trata-se de arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> diferenciação de cotas de isenção para viajantescom base no critério do meio de transporte prevista na Instrução NormativaSRF nº 117/98, art. 6º, III, a e b, suscita<strong>da</strong> pela Segun<strong>da</strong> Turmadeste <strong>Tribunal</strong>.Em sessão de 27.10.2011, a eminente Relatora acolheu o incidentepara “declarar inconstitucional a diferenciação de quotas de isenção combase no critério do meio de transporte, prevista na Instrução NormativaSRF nº 117/98, art. 6º, inciso III, alíneas a e b, conferindo-lhe interpretaçãoconforme à Constituição para que, no caso dos autos, a quotade isenção correspon<strong>da</strong> a US$ 500,00”, tendo sido acompanha<strong>da</strong> pelosDesembargadores Federais Silvia Goraieb, Vilson Darós, Maria de FátimaFreitas Labarère, Luiz Carlos de Castro Lugon, Joel Ilan Paciornike Rômulo Pizzolatti.Manifestaram divergência e, portanto, votaram por rejeitar o incidente,os Desembargadores Federais Ta<strong>da</strong>aqui Hirose, Carlos EduardoThompson Flores Lenz, Victor Luiz dos Santos Laus, João Batista PintoSilveira, Otavio Roberto Pamplona, Luís Alberto D’Azevedo Aurvallee a Presidente, Marga Inge Barth Tessler.Pedi vista e hoje apresento meu voto.A Instrução Normativa SRF nº 117/98 (revoga<strong>da</strong> pela InstruçãoNormativa RFB nº 1.059/2010 – que, no entanto, manteve as cotas deisenção nos mesmos patamares) assim dispunha acerca <strong>da</strong> isenção deimposto de importação e imposto de produtos industrializados aos bensque constituam bagagem de viajante procedente do exterior:“Art. 5º A isenção aplicável aos bens que constituam bagagem de viajante procedentedo exterior abrange o imposto de importação e o imposto sobre produtos industrializados.Art. 6º A bagagem acompanha<strong>da</strong> está isenta relativamente a:I – livros, folhetos e periódicos;II – roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador, e calçados,para uso próprio do viajante, em quanti<strong>da</strong>de e quali<strong>da</strong>de compatíveis com a duração e afinali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua permanência no exterior;III – outros bens, observado o limite de valor global de:a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outramoe<strong>da</strong>, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 483


) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moe<strong>da</strong>,quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.Parágrafo único. Por ocasião do despacho aduaneiro, é ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a transferência, total ouparcial, do limite de isenção para outro viajante, inclusive pessoa <strong>da</strong> família.Art. 7º O direito à isenção a que se refere o inciso III do artigo anterior somente poderáser exercido uma vez a ca<strong>da</strong> trinta dias.”Como se sabe, no tocante ao imposto de importação, exportação,IPI e IOF, são faculta<strong>da</strong>s ao Poder Executivo alterar suas alíquotas, nostermos do art. 153, § 1º, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>. Trata-se de “exceçãomitiga<strong>da</strong> do princípio <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de tributária” (Min. Carlos Velloso,RE 225.602-80).Além disso, o art. 237 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> estabelece que “Afiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesados interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>”.Pois bem, especificamente com relação ao imposto de importação, ésabido que, modernamente, exerce função predominantemente extrafiscal,ao contrário de tempos remotos, quando possuía fins eminentementearreca<strong>da</strong>tórios, tanto que consistia na principal fonte de recursos doEstado. A respeito, veja-se o magistério de Aliomar Baleeiro:“Imposto dos mais antigos do mundo, o de importação evolveu de receita puramentefiscal para instrumento extrafiscal destinado à proteção dos produtores nacionais e, maistarde, também a do câmbio e do balanço de pagamentos. Perdeu, assim, a sua importânciacomo fonte de receita – a maior no tempo <strong>da</strong> monarquia brasileira – e ganhou relevo comoarma de política econômica e fiscal.”Por isso mesmo, continua Baleeiro, o imposto de importação gozade regime especial, pois não depende de decretação antes do início doexercício (CF, art. 150, § 1º), “e suas alíquotas são flexíveis, podendo oExecutivo fixá-las dentro do mínimo e do máximo estabelecidos em lei”.(BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. rev. e atualiza<strong>da</strong>por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 126)No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho, para quem “Os chamadostributos aduaneiros – impostos de importação e de exportação – têmapresentado relevantíssimas utili<strong>da</strong>des na toma<strong>da</strong> de iniciativas diretoras<strong>da</strong> política econômica”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de DireitoTributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 287).484R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


Marcus de Freitas Gouveia, igualmente, realça que “o imposto deimportação, ao onerar o preço dos bens importados, apresenta, comoprimeiro e principal efeito, a proteção <strong>da</strong> empresa nacional contra aconcorrência estrangeira, tanto sob o ponto de vista histórico quantoeconômico” (GOUVEA, Marcus de Freitas. A Extrafiscali<strong>da</strong>de no DireitoTributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 270).No mesmo sentido, ain<strong>da</strong>, Luiz Alberto Gurgel de Faria, in FREITAS,Vladimir Passos de (coord.). Importação e Exportação no Direito Brasileiro.2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007. p. 40, verbis:“É nesse contexto que ganha importância o estudo dos tributos sobre o comércio exterior.Com feição predominantemente extrafiscal, ou seja, de interferência no domínioeconômico, as exações menciona<strong>da</strong>s têm papel relevante no desempenho <strong>da</strong>s exportações,podendo estimulá-las, quando a carga tributária é reduzi<strong>da</strong>, ou inibi-las, quando, ao revés,há um incremento no ônus. O mesmo se diga com as importações, principalmente quandose busca a redução dos preços internos, diminuindo o peso tributário de produtos similaresoriundos do exterior, de modo a incrementar a competitivi<strong>da</strong>de, ou, ao contrário, onerandoa carga para proteger a indústria nacional, em determinados casos.”A função extrafiscal do imposto de importação foi realça<strong>da</strong> pelo Supremo<strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no julgamento do RE 199.619-6/PE, 2ª Turma,DJ de 07.02.1997, como se vê do seguinte trecho do voto do Relator, oMin. Maurício Corrêa:“O imposto de importação, de competência <strong>da</strong> União <strong>Federal</strong>, tem função predominantementeextrafiscal, por ser muito mais um instrumento de proteção <strong>da</strong> indústria nacionaldo que de arreca<strong>da</strong>ção de recursos financeiros para o tesouro nacional. E assim é porque,se não existisse o imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Paísnão teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em outros paíseseconomicamente mais desenvolvidos, em que o custo industrial é reduzido graças aosprocessos de racionalização <strong>da</strong> produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modogeral. Além do mais, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados,de sorte que os seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Portanto, o imposto deimportação funciona como valioso instrumento de política econômica.”Ressalte-se que a função extrafiscal dos impostos em geral tem sidoaceita em diversos países há bastante tempo, como bem demonstra AndreiPitten Velloso em sua excelente obra O Princípio <strong>da</strong> Isonomia Tributária:<strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de ao controle <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des impositivas, edita<strong>da</strong>pela Livraria do Advogado, 2010, conforme se vê na seguinte passagem:R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 485


“As constituições contemporâneas exigem a intervenção estatal na socie<strong>da</strong>de e na economia,a fim de efetivar os direitos sociais e combater as distorções econômicas. Os Estadosmodernos são intervencionistas, utilizando amplamente a tributação com fins regulatórios.Até mesmo em países cujas constituições não se pronunciam a respeito, a admissibili<strong>da</strong>de<strong>da</strong> extrafiscali<strong>da</strong>de é reconheci<strong>da</strong> há muito tempo, pois os preceitos constitucionaisimpõem a realização de fins alheios ao Direito Tributário e não costumam proibir o emprego<strong>da</strong> tributação para alcançá-los” (p. 302)O autor demonstra a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tributação extrafiscal na Alemanha,na Itália e na Espanha. Neste último país, segundo o autor, a extrafiscali<strong>da</strong>detambém é admiti<strong>da</strong> de forma pacífica, segundo a Ley GeneralTributaria de 1963 e a Ley General Tributaria de 2003. E arremata:“O <strong>Tribunal</strong> Constitucional espanhol sempre reconheceu a legitimi<strong>da</strong>de desses preceitos,por reputar que a função extrafiscal tem fun<strong>da</strong>mento constitucional implícito nos princípiosnorteadores <strong>da</strong> política social e econômica; ‘Es cierto que la función extrafiscal del sistematributário estatal no aparece explícitamente reconoci<strong>da</strong> em la Constitución, pero dichafunción puede derivarse directamente de aquellos preceptos constitucionales em los quese establecen principios rectores de política social y económica (señala<strong>da</strong>mente, arts. 40.1y 130.1), <strong>da</strong>do que tanto el sistema tributário em su conjunto como ca<strong>da</strong> figura tributariaconcreta forman parte de los instrumentos de que dispone el Estado para la consecuciónde los fines econômicos y sociales constitucionalmente ordenados’. O <strong>Tribunal</strong> considera,outrossim, que a utilização <strong>da</strong> tributação para alcançar fins não fiscais é, em princípio,compatível com o princípio <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de contributiva, o qual ‘no impide que el legisladorpue<strong>da</strong> configurar el presupuesto de hecho del tributo teniendo em cuenta consideracionesextrafiscales’. (p. 303-304)No Brasil não é diferente. Alfredo Augusto Becker, déca<strong>da</strong>s atrás, jápreconizava:“A principal finali<strong>da</strong>de de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e varie<strong>da</strong>desempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássicoou tradicional) não será a de um instrumento de arreca<strong>da</strong>ção de recursos para o custeio<strong>da</strong>s despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social ena economia priva<strong>da</strong>. Na construção de ca<strong>da</strong> tributo, não mais será ignorado o finalismoextrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de modo consciente edesejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou <strong>da</strong>quele finalismo.” (BECKER,Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 536)Do mesmo modo, Carlos Roberto Miran<strong>da</strong> Gomes e Adilson Gurgelde Castro:“Como resultado dos novos tempos o Estado passou a utilizar o tributo além do seu486R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


caráter fiscalista, isto é, com o propósito de obter e aplicar recursos para custeio dos serviçospúblicos. O tributo é, hoje, meio de correção de distorções econômicas e do equilíbriosocial; influindo assim em diferentes sentidos, obedecendo a diretrizes econômicas, políticase sociais, é o que se convenciona chamar de extrafiscali<strong>da</strong>de. São funções extrafiscais dotributo: reprimir a inflação; evitar desemprego; distribuir a riqueza; proteger e estimular aindústria nacional; promover o desenvolvimento econômico; provocar o nivelamento <strong>da</strong>economia <strong>da</strong>s diversas regiões por meio de concessão de incentivos fiscais; imposição <strong>da</strong>carga tributária segundo a essenciali<strong>da</strong>de do bem adquirido ou do serviço prestado, entreoutras.” (GOMES, Carlos Roberto M.; GURGEL, Adilson de Castro. Curso de direitotributário. 3. ed. rev. e amplia<strong>da</strong>. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 4)Nesse passo, ain<strong>da</strong>, importante destacar trecho do voto do Min. Celsode Mello no julgamento do Ag. Reg. no Agravo de Instrumento 360.461-7/MG, 2ª Turma, DJe de 28.03.2008:“Impõe-se registrar, neste ponto, que esse entendimento – que reconhece a legitimi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> utilização, pelo Estado, <strong>da</strong> extrafiscali<strong>da</strong>de como instrumento legítimo à efetivação deseus objetivos sociais – encontra apoio no magistério doutrinário de eminentes autores, taiscomo PAULO DE BARROS CARVALHO (Curso de Direito Tributário. p. 148-149, itemn° 3, 4. ed., Saraiva, 1991), KIYOSHI HARADA (Direito Financeiro e Tributário. p. 386,item n° 12.5.1, 6. ed., Atlas, 2000), JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (Teoria Geral <strong>da</strong>Isenção Tributária. p. 70-71, item n° VIII, 3. ed. Malheiros, 2001), DANIELA RIBEIRO DEGUSMÃO (Incentivos fiscais, princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e efeitos no âmbitodo ICMS. p. 29-36, item n° 23, Lúmen Júris, 2005), HELENILSON CUNHA PONTES(O princípio <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de contributiva e extrafiscali<strong>da</strong>de: uma conciliação possível enecessária. In: Ordem Econômica e Social. p. 144-159, 152) e FLÁVIO DE AZAMBUJABERTI (Impostos: extrafiscali<strong>da</strong>de e não confisco. p. 34-37, item n° 1.4, Juruá, 2003).”A utilização <strong>da</strong> tributação com fins extrafiscais foi considera<strong>da</strong> legítimapelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> em várias oportuni<strong>da</strong>des. Confira-se,além <strong>da</strong>s decisões já menciona<strong>da</strong>s (RE 199.619-6, Rel. Min. MaurícioCorrêa; Ag. Reg. No Agravo de Instrumento 360.461-7, Rel. Min. Celsode Mello), os seguintes julgamentos: ADI 1.643-1, <strong>Tribunal</strong> Pleno, Rel.Min. Maurício Corrêa, julgado em 05.12.2002; ADI 1.276/SP, <strong>Tribunal</strong>Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 29.08.2002; Ag. Reg. NoAgravo de Instrumento 138.344-6/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Celsode Mello, julgado em 02.08.1994, entre outros.Obviamente, nem to<strong>da</strong> utilização extrafiscal do tributo é legítima, poisnão pode ser abusiva ou arbitrária, ferindo o princípio constitucional <strong>da</strong>isonomia tributária. No julgamento do Ag. Reg. No Agravo de Instrumento360.461-7, já citado, o Min. Celso de Mello, ao tratar <strong>da</strong> isençãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 487


de IPI opera<strong>da</strong> pela Lei 8.393/91, art. 2º (açúcar de cana), delineou osbalizamentos necessários à legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> função extrafiscal do tributoem cotejo com o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de. Transcrevo o texto de lei entãoobjeto de análise (para melhor compreensão <strong>da</strong> matéria) e parte <strong>da</strong> ementa(naquilo que diz respeito com a questão até então aqui analisa<strong>da</strong>):“Art. 2º – Enquanto persistir a política de preço nacional de açúcar de cana, a alíquotamáxima do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI incidente sobre a saí<strong>da</strong> desseproduto será de dezoito por cento, assegura<strong>da</strong> isenção para as saí<strong>da</strong>s ocorri<strong>da</strong>s na área deatuação <strong>da</strong> Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene e <strong>da</strong> Superintendênciado Desenvolvimento <strong>da</strong> Amazônia – Su<strong>da</strong>m.Parágrafo único. Para os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, é o Poder Executivoautorizado a reduzir em até cinquenta por cento a alíquota do IPI incidente sobre oaçúcar nas saí<strong>da</strong>s para o mercado interno.”“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPI. ACÚCAR DE CANA. LEI Nº 8.393/91(ART. 2.º) ISENÇÃO FISCAL. CRITÉRIO ESPACIAL. APLICABILIDADE. EXCLUSÃO DE BE-NEFÍCIO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. NORMALEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO. ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMOLEGISLADOR POSITIVO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL DOIPI.– A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fun<strong>da</strong>doem juízo de conveniência e oportuni<strong>da</strong>de do Poder público (RE 157,228/SP), destina--se – a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimoem norma legal – a implementar objetivos estatais niti<strong>da</strong>mente qualificados pela nota <strong>da</strong>extrafiscali<strong>da</strong>de.A isenção tributária que a União <strong>Federal</strong> concedeu, em matéria de IPI, sobre o açúcarde cana (Lei n° 8.393/91, art. 2º) objetiva conferir efetivi<strong>da</strong>de ao art. 3º, incisos II e III, <strong>da</strong>Constituição <strong>da</strong> República. Essa pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a funçãoextrafiscal desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do desenvolvimentonacional e de superação <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais e regionais.O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. A QUESTÃO DA IGUALDADENA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃOMIN. CELSO DE MELLO).– O princípio <strong>da</strong> isonomia – que vincula, no plano institucional, to<strong>da</strong>s as instâncias depoder - tem por função precípua, considera<strong>da</strong>s as razões de ordem jurídica, social, éticae política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de na lei e <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>deperante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume noâmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento<strong>da</strong> absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado.488R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


Situação inocorrente na espécie.– A isenção tributária concedi<strong>da</strong> pelo art. 2º <strong>da</strong> Lei nº 8.393/91, precisamente porquese acha despoja<strong>da</strong> de qualquer coeficiente de arbitrarie<strong>da</strong>de, não se qualifica – presentes asrazões de política governamental que lhe são subjacentes – como instrumento de ilegítimaoutorga de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes.(...)”Em seu voto, afirma ain<strong>da</strong> o Min. Celso de Mello: “Na reali<strong>da</strong>de,a desequiparação opera<strong>da</strong> pela norma legal em causa encontra o seufun<strong>da</strong>mento racional na necessi<strong>da</strong>de de o Estado implementar políticasgovernamentais, cuja execução lhe incumbe efetivar nos estritos limitesde sua competência constitucional”.Podemos, salvo melhor juízo, a partir de tal decisão, extrair os seguinteselementos que justificam o tratamento normativo diferenciadopor força <strong>da</strong> utilização extrafiscal do tributo, sem macular o princípio<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de tributária: a) discrímen fun<strong>da</strong>do em critérios racionais, lógicose impessoais, logo não arbitrário; b) norma volta<strong>da</strong> à consecuçãode objetivos estatais constitucionais; c) correlação entre o discrímen e arealização de tais objetivos.É ver<strong>da</strong>de que parte <strong>da</strong> doutrina defende um controle mais rigoroso<strong>da</strong>s normas extrafiscais, à luz do princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de, comomostra Andrei Pitten Velloso, na obra já cita<strong>da</strong>:“A ideia de um controle de proporcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s normas extrafiscais não é totalmentenova. Em 1977, Vogel já expunha que as normas interventivas perseguem uma ‘autênticafinali<strong>da</strong>de’ e que para elas valem não só as regras de interpretação teleológica, mas tambémas exigências de adequação, necessi<strong>da</strong>de e proporcionali<strong>da</strong>de. Gizava, ademais, a importância<strong>da</strong> diferenciação entre as normas de repartição de cargas tributárias, interventivase de simplificação, justamente por possibilitar submetê-las a controles diferenciados deconstitucionali<strong>da</strong>de.Uma proposta mais específica encontra-se nos escritos de Von Armin, que, além de defendera aplicação do man<strong>da</strong>do de proporcionali<strong>da</strong>de nos conflitos entre a justiça tributáriae os fins não fiscais, preconiza a ponderação específica entre o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e osfins mencionados. À luz dessa concepção, os desvios perante os postulados <strong>da</strong> isonomiatributária somente serão constitucionais se a norma extrafiscal observar os requisitos <strong>da</strong>adequação, necessi<strong>da</strong>de e proporcionali<strong>da</strong>de stricto sensu. Noutros termos, a norma deveráser adequa<strong>da</strong> e necessária para alcançar as finali<strong>da</strong>des não fiscais almeja<strong>da</strong>s, e essas haverãode possuir peso mais acentuado que o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de.” (p. 309-310)No presente caso, no entanto, adoto as diretrizes do Supremo <strong>Tribunal</strong>R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 489


<strong>Federal</strong> – intérprete último que é <strong>da</strong> Carta Constitucional Brasileira.Dito tudo isso, passo, então, à análise <strong>da</strong> compatibili<strong>da</strong>de com oordenamento constitucional <strong>da</strong> diferenciação de cotas de isenção parabens trazidos por viajantes do exterior; tarefa, aliás, na<strong>da</strong> simples, comodemonstra o empate até agora produzido na votação nesta Corte Especial(7X7).De pronto, relembro o dito acima: o imposto de importação, nos diasatuais, possui função preponderantemente extrafiscal, nota<strong>da</strong>mente a desalvaguar<strong>da</strong>r a indústria e o comércio nacionais, servindo, com isso, àpromoção do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, inc. II).O estabelecimento de cotas de isenção para bens trazidos do exteriorpor viajantes é legítimo, por outro lado, como instrumento de incentivo aoturismo como fator de desenvolvimento social e econômico (CF, art. 180).De qualquer sorte, não está sendo argui<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s cotas de isenção, mas a diferenciação opera<strong>da</strong> segundo o meio detransporte utilizado pelo viajante. Para a averiguação de sua legitimi<strong>da</strong>deou não é preciso apurar, em primeiro lugar, os motivos do discrímen, sesão ou não fun<strong>da</strong>dos em critérios lógicos e racionais.Para tanto, forçoso tecer algumas considerações sobre o nosso País.O Brasil, ao longo de cerca de dezesseis mil quilômetros de fronteiras(Grande Enciclopédia Barsa, 2004), faz divisa com na<strong>da</strong> menos do quedez países: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia,Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. No mundo, só dois Estadosfazem fronteira com mais países que o Brasil: Rússia e China. Na Américado Sul, só dois países não fazem fronteira conosco: Equador e Chile.Isso já dá a dimensão <strong>da</strong> facili<strong>da</strong>de com que podemos chegar, senãoa todos os mencionados, a vários países por via terrestre. Mas não é só:em Foz do Iguaçu (PR), pode-se chegar a Ciu<strong>da</strong>d Del Este, no Paraguai,a pé, apenas atravessando a Ponte <strong>da</strong> Amizade, bem como, de carro, porum rápido caminho, a Puerto Iguazu, na Argentina; em Uruguaiana (RS),domicílio do ora impetrante, chega-se a Paso de Los Libres (Argentina)apenas atravessando a Ponte Internacional; a não muitos quilômetros <strong>da</strong>li,em Santana do Livramento (RS), chega-se a Rivera (Uruguai) – onde oora impetrante adquiriu um condicionador de ar – apenas atravessandouma praça!; Ponta Porã (MS) faz fronteira seca com Pedro Juan Caballero(Paraguai); Guajará-Mirim (RO) situa-se na fronteira com a Bolívia;490R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


Jaguarão (RS) está separa<strong>da</strong> do Uruguai apenas pela Ponte InternacionalMauá; Chuí (RS) encontra-se separa<strong>da</strong> de Chuy, no Uruguai, apenas poruma aveni<strong>da</strong>; de Guaíra (PR) tem-se acesso a Salto del Guayra (Paraguai)de carro ou balsa; Corumbá (MS) situa-se a 7 km <strong>da</strong> Bolívia (PuertoSuarez)... Ademais, basta olhar o mapa do Brasil para constatar a existênciade vários municípios próximos aos mencionados, sem esquecerque algumas capitais não se situam tão longe (Porto Alegre encontra-sea 390 km do Uruguai, via Jaguarão; Campo Grande dista 369 km doParaguai, via Ponta Porã; Porto Velho está a 329 km <strong>da</strong> Bolívia).A grande facili<strong>da</strong>de de acesso, por via terrestre, a vários países <strong>da</strong>América do Sul, especialmente Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia,associa<strong>da</strong> às conheci<strong>da</strong>s limitações de aeronaves e voos, traz uma consequênciaimportante para a análise aqui empreendi<strong>da</strong>: seguramente,a quanti<strong>da</strong>de de viajantes –incluindo-se nesta categoria os moradoresdos municípios fronteiriços – que se utilizam <strong>da</strong> via terrestre para ir aoexterior é muito maior do que aqueles que o fazem por via aérea. [Emboracoloque aqui, de forma marginal, alguns <strong>da</strong>dos colhidos na internetparecem comprovar o acima dito: enquanto <strong>da</strong> consulta ao site www.infraero.gov.br/index.php/br/estatistica-dos-aeroportos.html (acesso em16.12.2012) verifica-se que, no ano de 2011, o número de passageirosem voos internacionais partindo ou chegando aos aeroportos brasileirosfoi de 18.189.779, <strong>da</strong> consulta ao site www.udc.edu.br/pdf/Pesquisa-Veiculos-UDC.pdf,na mesma <strong>da</strong>ta, constata-se, por intermédio de pesquisaefetua<strong>da</strong> pelas Facul<strong>da</strong>des União Dinâmica <strong>da</strong>s Cataratas, que, em oitodias (de 23 a 30 de junho de 2011), houve um fluxo de 734.936 pessoasna Ponte Internacional <strong>da</strong> Amizade (que liga Foz do Iguaçu a Ciu<strong>da</strong>dDel Este, como visto), com uma média, portanto, de 91.867 pessoas pordia, o que gera uma estimativa anual de mais de 33 milhões de pessoas.Em suma, em apenas um dos pontos de fronteira há um fluxo de pessoassuperior ao conjunto de viajantes em voos internacionais partindo ouchegando ao Brasil. Em consequência ao acima colocado, as viagens aoexterior por via terrestre implicam, em seu conjunto, compras/importaçõesem quanti<strong>da</strong>des e valores significativamente superiores às efetua<strong>da</strong>sem viagens por via aérea, causando aquelas, assim, um impacto maiorà indústria e ao comércio nacionais do que estas.Eis, a meu ver, a razão <strong>da</strong> diferenciação entre as cotas de isençãoR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 491


sub judice: a necessária proteção à indústria, ao comércio e à economianacionais, visando à promoção do desenvolvimento nacional.Haja vista os diferentes impactos à economia nacional causados porviajantes ao exterior que se utilizam <strong>da</strong>s vias terrestres e fluviais, de umlado, e <strong>da</strong>s vias aéreas e marítimas, de outro, sequer se pode dizer quesão contribuintes que se encontram em situação equivalente, de modoque não há violação ao princípio <strong>da</strong> isonomia tributária insculpido noart. 150, II, <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong>.Em aperta<strong>da</strong> síntese, podemos dizer que o imposto de importaçãotem função preponderantemente extrafiscal (CF, art. 153, § 1º; CF, art.237), a saber, a proteção à indústria e ao comércio nacionais como fatoresdo desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II); o estabelecimentode isenções a produtos adquiridos por viajantes ao exterior, dentro decertos limites, atende à promoção e ao incentivo do turismo como fatorde desenvolvimento social e econômico (CF, art. 180); e a diferenciaçãoentre tais cotas de isenção em razão <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> viagem realiza<strong>da</strong> (porvia terrestre/fluvial ou por via aérea/marítima) volta a atender à funçãoextrafiscal acima delinea<strong>da</strong>. Se a isenção em si fomenta o turismo, elapode ser pondera<strong>da</strong> e diferencia<strong>da</strong> de modo a não prejudicar a indústria,o comércio e a economia nacionais.Os critérios utilizados para justificar o discrímen são racionais, pois,ante um maior impacto à indústria e ao comércio nacionais por partedos viajantes (em seu conjunto) que se utilizam <strong>da</strong>s vias terrestres e fluviaispara ir e vir do exterior frente àqueles que o fazem por via aérea emarítima, lógico que se lhes reduza a cota de isenção em relação a estescomo forma de reduzir aquele impacto. Com a isenção de bens no valorde US$ 300,00, incentiva-se o turismo, mas não em demasia, em razão<strong>da</strong> necessária ponderação com o desenvolvimento nacional.O discrímen, ademais, não é estabelecido segundo critérios pessoais,privilegiando um determinado grupo em detrimento de outro: todos osque forem ao exterior por via aérea beneficiar-se-ão <strong>da</strong> cota de isençãomaior, e todos os que viajarem por via terrestre, fluvial ou lacustrebeneficiar-se-ão <strong>da</strong> isenção menor.A norma em questão, por outro lado, tem por finali<strong>da</strong>de a consecuçãode objetivos estatais constitucionais (proteção à indústria e ao comércionacionais; salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> economia nacional; promoção do desenvolvi-492R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012


mento nacional), como já demonstrado acima. E, por fim, há correlaçãoentre o discrímen e a realização de tais objetivos, na medi<strong>da</strong> em que auma cota de isenção menor corresponde uma maior proteção à indústriae ao comércio nacionais.Por todo o exposto, entendo justifica<strong>da</strong> e legítima a diferenciaçãoentre as cotas de isenção sobre os bens subsumidos no conceito de bagagemtrazidos por viajantes que ingressem no país, seja por via aéreaou marítima (cota de isenção de US$ 500,00), seja por via terrestre oufluvial (cota de isenção de US$ 300,00).Assim, com a vênia <strong>da</strong> e. Relatora e de quem a acompanhou, voto porrejeitar o incidente de inconstitucionali<strong>da</strong>de suscitado, acompanhandoa divergência inaugura<strong>da</strong> pelo Des. Ta<strong>da</strong>aqui Hirose.R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 493


SÚMULAS


SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.”(DJ 02.10.91, p. 24.184)SÚMULA Nº 2“Para o cálculo <strong>da</strong> aposentadoria por i<strong>da</strong>de ou por tempo de serviço, no regimeprecedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contribuição,anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal <strong>da</strong> ORTN/OTN.”(DJ 13.01.92, p. 241)SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir <strong>da</strong> citação, incidem também sobre a soma <strong>da</strong>sprestações previdenciárias venci<strong>da</strong>s.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”(DJ 22.04.92, p. 989)SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a <strong>da</strong>ta do ajuizamento deve integrar o valor <strong>da</strong>causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)SÚMULA Nº 6“A autori<strong>da</strong>de administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81– SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraçoaduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° <strong>da</strong> Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ20.05.92, p. 13.384)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012 497


SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar açõescontra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo <strong>Federal</strong>.”(DJ 20.05.92, p. 13.385)SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previdenciário,face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)SÚMULA Nº 10“A impenhorabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seuadvento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que ostítulos <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipa<strong>da</strong>mente.”(DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência <strong>da</strong> penhora for pessoal, o prazo para aoposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao <strong>da</strong> intimação deste.” (DJ20.05.93, p. 18.986)SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gasolinae álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93,p. 18.987)SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° <strong>da</strong> Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lein° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e nãoao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência <strong>da</strong> ação, não devolve ao <strong>Tribunal</strong> o exame<strong>da</strong> fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser ataca<strong>da</strong> no recurso.” (DJ29.10.93, p. 46.086)SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liqui<strong>da</strong>ção de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)498R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012


SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibili<strong>da</strong>de do crédito tributáriosomente poderá ser levantado, ou convertido em ren<strong>da</strong>, após o trânsito em julgado <strong>da</strong>sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no querespeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93,p. 55.316)SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, <strong>da</strong> Lei 8.620/93 não isenta o INSS <strong>da</strong>s custas judiciais,quando deman<strong>da</strong>do na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social cria<strong>da</strong> pelo art. 1° <strong>da</strong> Lei Complementarn° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança <strong>da</strong> taxa ou do emolumento para licenciamento deimportação, de que trata o art. 10 <strong>da</strong> Lei 2.145/53, com a re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei 7.690/88 e <strong>da</strong>Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo deenergia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência <strong>da</strong> Constituição<strong>Federal</strong> de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)SÚMULA Nº 24“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 <strong>da</strong> Constituição <strong>Federal</strong> de1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 25“É cabível apelação <strong>da</strong> sentença que julga liqui<strong>da</strong>ção por cálculo, e agravo deinstrumento <strong>da</strong> decisão que, no curso <strong>da</strong> execução, aprecia atualização <strong>da</strong> conta.” (DJ05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tempor base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° <strong>da</strong> Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94,p. 20.934)SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhi<strong>da</strong> no curso do processo de execução, salvo se supervenienteà sentença proferi<strong>da</strong> no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012 499


SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzi<strong>da</strong>s no Programa de Integração Social(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula emcurso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao servidoro saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir dotrânsito <strong>da</strong> sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liqui<strong>da</strong>ção de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativoà correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DASÚMULA 17)SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto--Lei n° 2.288/86) independe <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong>s notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p.58.814)SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”(DJ 22.12.95, p. 89.171)SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federaiscom base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base navariação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ15.01.96, p. 744)SÚMULA Nº 37“Na liqui<strong>da</strong>ção de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relativosao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388)SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de per<strong>da</strong> do objeto por causasuperveniente ao ajuizamento <strong>da</strong> ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)500R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012


SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário <strong>da</strong> categoria profissional do mutuáriopara o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES,vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuiçãoe o salário de benefício para o cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal dos benefícios previdenciários.”(DJ 28.10.96, p. 81.959)SÚMULA Nº 41“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio <strong>da</strong>s contas bancárias do INSS paragarantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento <strong>da</strong>s despesas do oficial dejustiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeri<strong>da</strong>s.” (DJ 16.04.97,p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazoprescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos administradores,autônomos e avulsos, prevista nas Leis n os 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ14.01.98, p. 329)SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensaçãode tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização dodevedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 <strong>da</strong> Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98,p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agostode 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, <strong>da</strong> Lei n° 8178/91 está incluído noíndice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de setembrode 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012 501


SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo <strong>da</strong> aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 <strong>da</strong>Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20salários mínimos após a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios <strong>da</strong> Súmula n° 260 do extinto <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> deRecursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição <strong>Federal</strong> de1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização <strong>da</strong> conta objeto de precatório complementar.”(DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetáriado débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitamà incidência do imposto de ren<strong>da</strong>.” (DJ 22.04.98, p. 386)SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio <strong>da</strong> multa para a interposição derecurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 <strong>da</strong> Lei n° 8.212/91 – com are<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, <strong>da</strong> CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica <strong>Federal</strong> tem legitimi<strong>da</strong>de passiva nas ações que objetivama correção monetária <strong>da</strong>s contas vincula<strong>da</strong>s do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária <strong>da</strong>s contas vincula<strong>da</strong>s do FGTSsujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazen<strong>da</strong> Pública rege-se pelo procedimento previstono art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)502R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012


SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentidoestrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que sejapostulado o benefício assistencial previsto no art. 20 <strong>da</strong> Lei 8.742/93, não sendo casode delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*)CANCELADA)SÚMULA Nº 62 (*)“Nas deman<strong>da</strong>s que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetáriasobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas nãomovimenta<strong>da</strong>s.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> nas ações rescisóriasversando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmopara o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ07.03.2001, p. 619)SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciáriasnão constitui prisão por dívi<strong>da</strong>.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 <strong>da</strong> Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,não aproveitando aos administradores de empresas priva<strong>da</strong>s.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 67“A prova <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de nos crimes de omissão no recolhimento de contribuiçõesprevidenciárias pode ser feita pela autuação e notificação <strong>da</strong> fiscalização, sendodesnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 68“A prova de dificul<strong>da</strong>des financeiras, e consequente inexigibili<strong>da</strong>de de outra conduta,nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, podeser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ03.10.2002, p. 499)SÚMULA Nº 69“A nova re<strong>da</strong>ção do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização<strong>da</strong> conduta prevista no art. 95, d, <strong>da</strong> Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012 503


SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo deação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir <strong>da</strong> citaçãonas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou nãolevantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de ativi<strong>da</strong>derural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupoparental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge21 anos, ain<strong>da</strong> que estu<strong>da</strong>nte de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,a contar <strong>da</strong> citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somentesobre as parcelas venci<strong>da</strong>s até a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> sentença de procedência ou do acórdão quereforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)SÚMULA Nº 77“O cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partirde março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).”(DJ 08.02.2006, p. 290)SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto <strong>da</strong> persecução penalconcernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º <strong>da</strong> Lei nº 8.137/90.”(DJ 22.03.2006, p. 434)SÚMULA Nº 79“Cabível a denunciação <strong>da</strong> lide à Caixa Econômica <strong>Federal</strong> nas ações em que osex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária relativamenteaos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processode privatização <strong>da</strong> instituição.” (DE 26.05.2009)504R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 495-504, 2012


RESUMO


ResumoTrata-se de publicação oficial do <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong><strong>Região</strong>, com periodici<strong>da</strong>de semestral e distribuição nacional. A Revistacontém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos ExcelentíssimosDesembargadores, abor<strong>da</strong>ndo as matérias de sua competência.Traz, ain<strong>da</strong>, discursos oficiais, arguições de inconstitucionali<strong>da</strong>de e assúmulas edita<strong>da</strong>s pelo <strong>Tribunal</strong>, além de artigos doutrinários nacionaise internacionais de renomados juristas e, principalmente, <strong>da</strong> lavra dosDesembargadores Federais integrantes desta Corte.SummaryThis is about an official bi-annual publication of <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong><strong>Federal</strong> <strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (<strong>Federal</strong> <strong>Regional</strong> Court of Appeals of the 4 th Circuit)in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entireup-to-<strong>da</strong>te judgments selected by the federal judges, concerning to thematters of the federal competence. It also brings the official speeches,the arguings unconstitutionality and the law summarized cases editedby the Court, as well as the national and the international doctrinalarticles, written by renowned jurists and mainly those written by theJudges of this Court.ResumenEsta es una publicación oficial del <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> de la <strong>4ª</strong> Región,con periodici<strong>da</strong>d semestral y distribución nacional. La Revista contienela íntegra de recientes decisiones, selecciona<strong>da</strong>s por Magistrados com-R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 505-508, 2012 507


ponentes de esta Casa, abor<strong>da</strong>ndo materias de su competencia, tambiéndiscursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionali<strong>da</strong>d, súmulasedita<strong>da</strong>s por el propio <strong>Tribunal</strong>, artículos de doctrina nacional yinternacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente,aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del <strong>Tribunal</strong>e <strong>Regional</strong>e <strong>Federal</strong>edella Quarta Regione, con periodicità semestrale e distribuizione nazionale.La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate<strong>da</strong>i egregi Consiglieri della Corte d’Appello <strong>Federal</strong>e, relazionate allematerie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamentiufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consoli<strong>da</strong>tapublicata <strong>da</strong>l <strong>Tribunal</strong>e e testi dottrinali scritti <strong>da</strong>i Consiglieri di questaCorte d’Appello e <strong>da</strong> rinomati giuristi nazionali ed internazionali.RésuméIl s’agit d’une publication officielle du <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>Federal</strong><strong>da</strong> <strong>4ª</strong> <strong>Região</strong> (<strong>Tribunal</strong> Régional Fédéral de la 4ème Région), dontla périodicité est semestrielle et la distribution nationale. Cette Revuepublie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés parles Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières deleur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discoursofficiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités parle <strong>Tribunal</strong>, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par lesJuges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionauxet internationaux renommés.508R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 505-508, 2012


ÍNDICE NUMÉRICO


DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL0009433-95.2009.404.7200/SC (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz..........................852007.72.00.015024-2/SC (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Fernando Quadros <strong>da</strong> Silva............................................1225000074-84.2010.404.7205/SC (AC) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Maria Lúcia Luz Leiria...............................................1305031281-28.2010.404.7100/RS (APELREEX) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós..................................................................137DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL0002468-31.2005.404.7107/RS (ACR) Rel. Juiz <strong>Federal</strong> Sergio Fernando Moro...................................................1530002718-18.2010.404.7001/PR (RSE) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Victor Luiz dos Santos Laus.........................................1665000638-53.2011.404.7003/PR (ACR) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Márcio Antônio Rocha...................................................1755005783-27.2010.404.7100/RS (ACR) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Paulo Afonso Brum Vaz..................................................2085016351-28.2011.404.0000/SC (HC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Élcio Pinheiro de Castro...................................................229DIREITO PREVIDENCIÁRIO0001040-63.2009.404.7110/RS (APELREEX) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Celso Kipper.................................................................2472006.70.00.007609-4/PR (APELREEX) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Rogerio Favreto............................................................2765002233-33.2010.404.7000/PR (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ricardo Teixeira do Valle Pereira.....................................2925002825-34.2011.404.7100/RS (APELREEX) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle....................................3005020447-63.2010.404.7100/RS (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> João Batista Pinto Silveira............................................3130014656-27.2011.404.0000/RS (AG)DIREITO PROCESSUAL CIVILRel. Juiz <strong>Federal</strong> João Pedro Gebran Neto...............................................339DIREITO TRIBUTÁRIO5003038-74.2010.404.7003/PR (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona ............................................3555011822-49.2010.404.7000/PR (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Joel Ilan Paciornik .......................................................3685012825-93.2011.404.7100/RS (AC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Rômulo Pizzolatti........ ...............................................387ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE0004601-17.2011.404.0000/PR (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona ...............................................3930036865-24.2010.404.0000/SC (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Otávio Roberto Pamplona ...............................................4030038689-18.2010.404.0000/PR (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós..................................................................4332002.71.09.002518-1/RS (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Vilson Darós..................................................................4512005.71.00.016795-4/RS (ARGINC) Rel. Desa. <strong>Federal</strong> Maria de Fátima Freitas Labarrère ...................................4582008.71.02.003458-4/RS (ARGINC) Rel. Des. <strong>Federal</strong> Ta<strong>da</strong>aqui Hirose........ .......................................................462R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 509-512, 2012 511


ÍNDICE ANALÍTICO


AABSOLUTAMENTE INCAPAZTermo inicial – Vide PENSÃO POR MORTEAÇÃO CIVIL PÚBLICAMinistério Público <strong>Federal</strong> – Vide PENSÃO POR MORTEAPOSENTADORIA ESPECIALPescador, descabimento, concessão, decorrência, não, implementação, tempo de serviçoespecial. Impossibili<strong>da</strong>de, reconhecimento, ativi<strong>da</strong>de especial, como, pescador artesanal.Possibili<strong>da</strong>de, reconhecimento, ativi<strong>da</strong>de especial, como, pescador, empregado, por,enquadramento, categoria profissional, apenas, até, ano, 1995. Período, posterior, nãoreconhecimento, decorrência, inexistência, laudo pericial, para, comprovação, sujeição,serviço nocivo.Cabimento, concessão, aposentadoria por tempo de serviço. Termo inicial, <strong>da</strong>ta,requerimento, via administrativa..............................................................................247APOSENTADORIA POR IDADETrabalhador urbano. Possibili<strong>da</strong>de, soma, tempo de serviço, ativi<strong>da</strong>de rural, e, ativi<strong>da</strong>deurbana, exercício, durante, período aquisitivo. Irrelevância, segurado, não, exercício,ativi<strong>da</strong>de rural, momento, implementação, requisito, para, obtenção, benefícioprevidenciário. Observância, princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de...........................................292APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOLegislação – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIOReconhecimento, ativi<strong>da</strong>de rural, regime de economia familiar. Irrelevância, segurado,frequência, estabelecimento de ensino, por, um, período, dia, e, realização, trabalho,para, empresa, sem, assinatura, CTPS. Comprovação, manutenção, exercício, ativi<strong>da</strong>deR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012 515


ural, objetivo, garantia, subsistência, família. Observância, reali<strong>da</strong>de, vi<strong>da</strong>, segurado.Cabimento, contagem, período, exercício, ativi<strong>da</strong>de especial.Ponderação, princípio, imparciali<strong>da</strong>de, juiz.............................................................276ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADECompensação – Vide PRECATÓRIOExército – Vide PORTARIAIsenção tributária – Vide IMPOSTO DE IMPORTAÇÃOLei – Vide PSSMedi<strong>da</strong> provisória – Vide COFINSNão conhecimento – Vide PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEATIVIDADE RURALRegime de economia familiar – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOBBARRAGEMImpossibili<strong>da</strong>de, paralisação, obra civil, para, aprofun<strong>da</strong>mento, estudo, eventuali<strong>da</strong>de, outra,localização, barragem, após, totali<strong>da</strong>de, análise, pelo, órgão público, estado, e, concessão,licença prévia, e, Secretaria do Meio Ambiente, município, concessão, Licença de Instalação.Legali<strong>da</strong>de, ato administrativo, Ibama, autorização prévia, supressão, Mata Atlântica, área,construção, barragem, com, objetivo, aumento, capaci<strong>da</strong>de, abastecimento, água, para,população, município, Rio Grande do Sul.Ocorrência, relevância, investimento, com, 90%, execução, obra civil. Risco, para, saúdepública, insuficiência, abastecimento, água, e, possibili<strong>da</strong>de, prejuízo, município, e,população.Plantio, cobertura florística, para, compensação, meio ambiente.Incompetência, Ibama, para, análise, mérito, alternativa, localização, empreendimento...137CCOFINSConstitucionali<strong>da</strong>de, isenção tributária, para, estabelecimento de ensino, instituiçãosem fim lucrativo, em, relação, receita, própria.Rejeição, arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, inciso, artigo, medi<strong>da</strong> provisória, ano,2001.........................................................................................................................458Crédito presumido – Vide PIS516R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012


CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICOConcessionária, rodovia, legitimi<strong>da</strong>de, cobrança, concessionário, gás natural, valor,pelo, uso, faixa de domínio, rodovia federal. Adequação, custo, pela, oportuni<strong>da</strong>de,ocupação. Aplicação, fórmula, previsão, resolução, ano, 2008, Agência Nacionalde Transportes Terrestres, com, competência, para, elaboração, e, fixação, norma,referência, exploração, rodovia, objeto, concessão.Ilegali<strong>da</strong>de, utilização, parte, faixa de domínio, em, decorrência, inexistência,autorização, órgão público, com, competência, e, celebração, contrato, com,concessionária, rodovia.Contrato, entre, concessionária, rodovia, e, Agência Nacional de Transportes Terrestres,previsão, possibili<strong>da</strong>de, recebimento, receita, alternativa.Incompetência, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, fixação,norma, para, exploração, rodovia, objeto, contrato, concessão, entre, AgênciaNacional de Transportes Terrestres, e, terceiro................................................85CONSTRUÇÃO CIVILUni<strong>da</strong>de de conservação – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTECONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAInexigibili<strong>da</strong>de, incidência, sobre, proventos, membro, Forças Arma<strong>da</strong>s, em, inativi<strong>da</strong>de.Contribuição, apenas, para, custeio, pensão por morte. Inaplicabili<strong>da</strong>de, mesma,legislação previdenciária, servidor público civil.Constituição <strong>Federal</strong>, não, alteração, regime jurídico, contribuição, membro,Forças Arma<strong>da</strong>s.......................................................................................387CRÉDITO PRESUMIDOCofins – Vide PISCRÉDITO TRIBUTÁRIOIndisponibili<strong>da</strong>de – Vide PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADECRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIAAtipici<strong>da</strong>de. Aplicação, princípio <strong>da</strong> insignificância, hipótese, supressão de tributo,valor inferior, limite legal. Irrelevância, existência, diversi<strong>da</strong>de, débito tributário, em,parcelamento, com, valor superior, para, caracterização, crime de bagatela.Habituali<strong>da</strong>de criminosa, não, impedimento, incidência, princípio <strong>da</strong> insignificância,decorrência, descabimento, apreciação, circunstância subjetiva...................166CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTEConstrução civil, em, área, uni<strong>da</strong>de de conservação. Comprovação, dolo, autor docrime, pelo, seguimento, obra, após, embargo administrativo, Ibama.Dosimetria <strong>da</strong> pena. Condenação criminal, possibili<strong>da</strong>de, especificação, reparação de<strong>da</strong>nos. Determinação, demolição, obra...................................................................153R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012 517


CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROCliente, instituição financeira, sonegação, informação, objetivo, realização, operaçãode câmbio, com, ativi<strong>da</strong>de clandestina, entra<strong>da</strong>, valor, território nacional. Nãocaracterização, evasão de divisas, decorrência, previsão, saí<strong>da</strong>, moe<strong>da</strong>, para, paísestrangeiro. Impossibili<strong>da</strong>de, interpretação analógica, com, prejuízo, réu. Inexistência,tipici<strong>da</strong>de, delito, sonegação, informação, pela, caracterização, como, crime próprio,administrador, instituição financeira.Possibili<strong>da</strong>de, caracterização, sonegação fiscal, ou, movimentação, valor, simultanei<strong>da</strong>de,contabili<strong>da</strong>de, exigência, previsão legal.....................................................................208DDECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEConstituição <strong>Federal</strong> – Vide PRECATÓRIODIREITO À SAUDEVide PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEDISCRIMINAÇÃOServiço militar obrigatório – Vide PORTARIADOENÇA GRAVEIsenção tributária – Vide IMPOSTO DE RENDAEESTABELECIMENTO DE ENSINOIsenção tributária – Vide COFINSEVASÃO DE DIVISASVide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROFFAIXA DE DOMÍNIOUso – Vide CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICOFORÇAS ARMADASInativi<strong>da</strong>de – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA518R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012


HHABITUALIDADE CRIMINOSAPrincípio <strong>da</strong> insignificância – Vide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIAIIMPORTAÇÃO CLANDESTINAMercadoria falsifica<strong>da</strong>, grande quanti<strong>da</strong>de, medicamento, sem, registro, Anvisa.Impossibili<strong>da</strong>de, enquadramento, conduta, como, descaminho, ou, contrabando,decorrência, gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infração, com, risco, para, saúde, e, vi<strong>da</strong>, coletivi<strong>da</strong>de.Dosimetria <strong>da</strong> pena. Inaplicabili<strong>da</strong>de, pena, previsão, Lei de Tóxicos, pelo,descabimento, aplicação, duplici<strong>da</strong>de, tipo penal, para, única, conduta típica. Penaprivativa de liber<strong>da</strong>de, descabimento, substituição <strong>da</strong> pena, pena restritiva dedireitos....................................................................................................................175IMPOSTO DE IMPORTAÇÃOConstitucionali<strong>da</strong>de, instrução normativa, determinação, diferença, limite, isençãotributária, referência, mercadoria importa<strong>da</strong>, enquadramento, como, bagagem,decorrência, espécie, transporte, utilização, para, importação. Não ocorrência, violação,princípio <strong>da</strong> isonomia.Reconhecimento, função extrafiscal, imposto importação, com, proteção, comércio,indústria, território nacional.Rejeição, arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de...........................................................462IMPOSTO DE RENDAAplicação, isenção tributária, sobre, proventos, aposentadoria, decorrência, portador,doença grave. Irrelevância, inexistência, previsão legal.Inaplicabili<strong>da</strong>de, interpretação restritiva, lei, definição, lista, doença, com, direito,isenção tributária. Observância, garantia, direito à saúde, direito à vi<strong>da</strong>.Não ocorrência, prescrição, repetição do indébito.Desnecessi<strong>da</strong>de, apresentação, retificação, declaração de ajuste anual. Devolução, por,precatório, ou, requisição de pequeno valor.Correção monetária, aplicação, Ufir, até, dezembro, 1995, e, taxa Selic, a partir, janeiro,1996...........................................................................................................................368INTERPRETAÇÃO RESTRITIVAInaplicabili<strong>da</strong>de – Vide IMPOSTO DE RENDAINTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICACódigo Penal – Vide PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIAR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012 519


INTIMAÇÃO POR EDITALDemarcação – Vide TERRENO DE MARINHAISENÇÃO TRIBUTÁRIADoença grave – Vide IMPOSTO DE RENDAMercadoria importa<strong>da</strong> – Vide IMPOSTO DE IMPORTAÇÃOMMATA ATLÂNTICASupressão – Vide BARRAGEMMEDICAMENTODireito, paciente, recebimento, medicamento, não, inclusão, lista, SUS, após, transplante.Descabimento, alegação, SUS, fornecimento, medicamento, apenas, para, outro, tipo,transplante. Laudo pericial, afirmação, paciente, necessi<strong>da</strong>de, suspensão, medicamento,fornecimento, pelo, SUS, em, decorrência, risco, aquisição, irreversibili<strong>da</strong>de, doençagrave.Legitimi<strong>da</strong>de passiva, responsabili<strong>da</strong>de solidária, União <strong>Federal</strong>, estado, e,município................................................................................................................130MEDIDA PROVISÓRIAArguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de – Vide COFINSMERCADORIA FALSIFICADAMedicamento – Vide IMPORTAÇÃO CLANDESTINAMERCADORIA IMPORTADAIsenção tributária – Vide IMPOSTO DE IMPORTAÇÃOPPENSÃO POR MORTEBeneficiário, absolutamente incapaz. Aplicação, <strong>da</strong>ta, morte, segurado, como, termoinicial. Inaplicabili<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>ta, requerimento, via administrativa. Não incidência, prazo,previsão, Lei de Benefícios <strong>da</strong> Previdência Social, para, requerimento, benefícioprevidenciário.Ministério Público <strong>Federal</strong>, legitimi<strong>da</strong>de ativa, para, ajuizamento, ação civilpública, objetivo, defesa, direito individual homogêneo, em, matéria, direitoprevidenciário........................................................................................................300520R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012


PESCADORVide APOSENTADORIA ESPECIALPISCofins. Impossibili<strong>da</strong>de, aproveitamento, crédito, PIS, e, Cofins, previsão legal, ano,2002, e, 2003, simultanei<strong>da</strong>de, com, crédito presumido, previsão legal, ano, 2004,sobre, aquisição, insumo, pessoa jurídica, não, sujeição, suspensão, PIS, e, Cofins.Descabimento, Poder Judiciário, concessão, benefício fiscal, não, previsão, legislaçãotributária.Previsão legal, ano, 2002, e, 2003, direito, crédito, com, finali<strong>da</strong>de, dedução, base decálculo, regime jurídico, não cumulativi<strong>da</strong>de, para, PIS, e, Cofins, hipótese, aquisição,bem, e, serviço, sujeição, incidência, mesma, contribuição.Impossibili<strong>da</strong>de, pretensão, discussão, crédito, apuração, anterior, agosto, 2004, e,aproveitamento, em, setembro, 2004, pela, aplicação, prazo, prescrição quinquenal,previsão, decreto, ano, 1932........................................................................................355PORTARIAInconstitucionali<strong>da</strong>de, previsão, como, condição, para, prorrogação, tempo de serviço,militar temporário, inexistência, dependente, para, não caracterização, arrimo de família.Violação, princípio constitucional, proteção, família, e, princípio <strong>da</strong> isonomia.Caracterização, como, discriminação, fixação, diversi<strong>da</strong>de, condição, para, militar decarreira, e, militar, prestação, serviço militar obrigatório, com, prorrogação, tempo deserviço, militar.Procedência, arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, inciso, artigo, Instruções Gerais paraa Prorrogação de Tempo de Serviço Militar, aprovação, por, portaria, Exército, ano,1997...........................................................................................................................451PRECATÓRIODeclaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, parágrafo, artigo, Constituição <strong>Federal</strong>, inclusão,pela, emen<strong>da</strong> constitucional, ano, 2009, previsão, compensação, ex officio, crédito,com, diversi<strong>da</strong>de, natureza jurídica. Imposição, condição, para, levantamento, valor,reconhecimento, por, decisão judicial, com, trânsito em julgado. Violação, princípiofederativo, princípio <strong>da</strong> segurança jurídica, coisa julga<strong>da</strong>, devido processo legal,princípio <strong>da</strong> razoabili<strong>da</strong>de, princípio <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de.....................................403PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIANão ocorrência. Descabimento, interpretação literal, artigo, Código Penal. Necessi<strong>da</strong>de,interpretação sistemática, em, observância, Constituição <strong>Federal</strong>.Termo inicial, prescrição <strong>da</strong> pretensão executória, trânsito em julgado, para, duplici<strong>da</strong>de,parte processual. Descabimento, contagem, prazo, prescrição, a partir, trânsito emjulgado, apenas, para, acusação. Observância, princípio <strong>da</strong> presunção de inocência.Impossibili<strong>da</strong>de, declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, artigo, Código Penal. Descabimento,interpretação literal................................................................................................229R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012 521


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAVide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIAPRINCÍPIO DA ISONOMIAViolação – Vide PORTARIAPRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIAVide PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIAPRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEAplicação, objetivo, resolução, discussão, prevalência, direito à saúde, ou,indisponibili<strong>da</strong>de, crédito tributário, hipótese, penhora, valor, conta corrente, executado,realização, empréstimo, para, quitação, dívi<strong>da</strong>, plano de saúde. Executado, portador,neoplasia maligna, necessi<strong>da</strong>de, assistência médica.Não conhecimento, arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, para, resolução, conflito, entre,duplici<strong>da</strong>de, princípio constitucional.........................................................................393Vide PRECATÓRIOPRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEVide APOSENTADORIA POR IDADEVide PRECATÓRIOPRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICAVide PRECATÓRIOPSSConstitucionali<strong>da</strong>de, retenção na fonte, PSS, servidor público federal, com, alíquota,11%, sobre, valor pago, hipótese, execução de título judicial.Interpretação sistemática, expressão, valor pago. Não ocorrência, nova, incidência,tributo. Apenas, definição, momento, cobrança.Previsão legal, base de cálculo, tributo. Juízo, execução, necessi<strong>da</strong>de, observação,instrução normativa, Conselho <strong>da</strong> Justiça <strong>Federal</strong>, com, determinação, desconto, para,CSS, decorrência, precatório, e, requisição de pequeno valor.Inaplicabili<strong>da</strong>de, desconto, para, PSS, hipótese, recebimento, valor, natureza jurídica,indenização.Rejeição, arguição de inconstitucionali<strong>da</strong>de, parte final, artigo, lei, ano, 2004, com,re<strong>da</strong>ção, lei, edição, ano, 2010....................................................................................433522R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012


RREAJUSTEServidor público federal – Vide RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADAREAJUSTE ANUALTaxa de ocupação – Vide TERRENO DE MARINHARELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADANão ocorrência, violação, coisa julga<strong>da</strong>, limitação, pagamento, reajuste, 28,86%,servidor público federal, <strong>da</strong>ta, edição, lei, reestruturação, carreira previdenciária.Trânsito em julgado, título executivo, após, inclusão, parágrafo único, artigo, Códigode Processo Civil. Necessi<strong>da</strong>de, relativização <strong>da</strong> coisa julga<strong>da</strong>, para, desconto,valor, pagamento, e, autorização, compensação, reajuste, 28,86%, com, posterior,reestruturação, carreira, em, observância, súmula, STF...........................................339REPARAÇÃO DE DANOSEspecificação – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTERESPONSABILIDADE SOLIDÁRIASUS – Vide MEDICAMENTOREVISÃO DE BENEFÍCIOCálculo, aposentadoria por tempo de serviço, observância, legislação, vigência, <strong>da</strong>ta,implementação, requisito. Irrelevância, requerimento, via administrativa, momento,posterior. Segurado, direito adquirido, benefício previdenciário, com, mais, vantagem.Inaplicabili<strong>da</strong>de, salário mínimo de referência. Correção, menor valor-teto, a partir,março, 1986, pelo, IPC.Não ocorrência, decadência, direito, pedido, revisão de benefício..................................313SSERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIODiscriminação – Vide PORTARIASONEGAÇÃO FISCALOperação de câmbio – Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROSUSTransplante – Vide MEDICAMENTOR. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012 523


TTAXA DE OCUPAÇÃOReajuste anual – Vide TERRENO DE MARINHATEMPO DE SERVIÇOSoma – Vide APOSENTADORIA POR IDADETERMO INICIALAbsolutamente incapaz – Vide PENSÃO POR MORTETERRENO DE MARINHAExigibili<strong>da</strong>de, taxa de ocupação. Regulari<strong>da</strong>de, procedimento, demarcação, duração,período, superior, cinco anos. Prescrição quinquenal, direito, impugnação.Adequação, intimação por edital, anterior, alteração, entendimento, STF. A partir,declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, exigência, intimação pessoal, interessado.Impossibili<strong>da</strong>de, oposição, título de proprie<strong>da</strong>de, particular, contra, União <strong>Federal</strong>.Previsão legal, reajuste anual, valor, domínio pleno, terreno de marinha, em, observância,critério, valorização imobiliária................................................................................122TRANSPLANTESUS – Vide MEDICAMENTOUUNIDADE DE CONSERVAÇÃOConstrução civil – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE524R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 513-524, 2012


ÍNDICE LEGISLATIVO


Código de Processo CivilArtigo 649 .....................................................................................................................393Artigo 741 .....................................................................................................................339Código PenalArtigo 112 ....................................................................................................................229Artigo 273 ....................................................................................................................175Código Tributário NacionalArtigo 165 ....................................................................................................................368Artigo 186 ....................................................................................................................393Constituição <strong>Federal</strong>/88Artigo 5º ...........................................................................................85/229/313/393/451Artigo 6º .......................................................................................................................393Artigo 20 .......................................................................................................................122Artigo 37 ........................................................................................................................85Artigo 97 .......................................................................................................................458Artigo 100 .....................................................................................................................403Artigo 127 .....................................................................................................................300Artigo 129 .....................................................................................................................300Artigo 142 .....................................................................................................................387Artigo 150 ....................................................................................................................462Artigo 153 .....................................................................................................................462Artigo 154 .....................................................................................................................433Artigo 175 ....................................................................................................................85Artigo 195 .....................................................................................................................433Artigo 196 .....................................................................................................................130Artigo 197 ....................................................................................................................458R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 525-531, 2012 527


Artigo 226 .....................................................................................................................451Artigo 237 ....................................................................................................................462Decreto nº 20.910/32Artigo 1º ...............................................................................................................122/355Decreto nº 3.048/99Artigo 32 .....................................................................................................................313Artigo 56 .......................................................................................................................313Artigo 70 ......................................................................................................................276Decreto nº 6.660/2008Artigo 19 .......................................................................................................................137Decreto-Lei nº 9.760/46Artigo 67 ......................................................................................................................122Artigo 101 ....................................................................................................................122Decreto-Lei nº 2.398/87Artigo 1º ......................................................................................................................122Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 41/2003Artigo 4º ....................................................................................................................387Emen<strong>da</strong> Constitucional nº 62/2009 .............................................................................403Instrução Normativa <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> nº 117/98Artigo 6º ......................................................................................................................462Instrução Normativa <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Receita <strong>Federal</strong> nº 660/2006Artigo 7º ........................................................................................................................355Artigo 10 ......................................................................................................................355Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007Artigo 69 .......................................................................................................................313Artigo 93 ......................................................................................................................313Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar/1997Artigo 27.......................................................................................................................451Lei Complementar Municipal nº 246/2005 (Caxias do Sul/RS)Artigo 2º .....................................................................................................................137Artigo 6º ....................................................................................................................137528R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 525-531, 2012


Lei Municipal nº 2.452/1978 (Caxias do Sul/RS)Artigo 14 .......................................................................................................................137Artigo 15 ...................................................................................................................137Lei nº 3.765/60 ...........................................................................................................387Lei nº 7.492/86Artigo 11 ...................................................................................................................208Artigo 21 .....................................................................................................................208Artigo 22 ....................................................................................................................208Artigo 25 ......................................................................................................................208Lei nº 7.713/88Artigo 6º ......................................................................................................................368Lei nº 8.213/91Artigo 48 ...................................................................................................................292Artigo 49 .....................................................................................................................247Artigo 52 .....................................................................................................................276Artigo 53 .....................................................................................................................276Artigo 54 ...................................................................................................................247Artigo 55 ....................................................................................................................247Artigo 58 ..................................................................................................................276Artigo 74 ...................................................................................................................300Artigo 79 .....................................................................................................................300Artigo 103 ....................................................................................................................300Artigo 122 ...................................................................................................................313Artigo 142 ....................................................................................................................276Lei nº 8.987/95Artigo 9º ......................................................................................................................85Artigo 11 .......................................................................................................................85Lei nº 9.250/95Artigo 39 .......................................................................................................................368Lei nº 9.605/98Artigo 20 ......................................................................................................................153Artigo 40 ......................................................................................................................153Lei nº 10.233/2001Artigo 24 ......................................................................................................................85Artigo 26 ........................................................................................................................85R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 525-531, 2012 529


Lei nº 10.522/2002Artigo 20 ......................................................................................................................166Lei nº 10.637/2002Artigo 3º ......................................................................................................................355Lei nº 10.684/2003Artigo 25 ....................................................................................................................355Lei nº 10.833/2003Artigo 3º ......................................................................................................................355Lei nº 10.884/2004Artigo 16-A .................................................................................................................433Lei nº 10.887/2004Artigo 4° ....................................................................................................................433Lei nº 10.925/2004Artigo 8º ...................................................................................................................355Artigo 9º ......................................................................................................................355Artigo 17 .....................................................................................................................355Lei nº 11.428/2006Artigo 11 .....................................................................................................................137Artigo 14 ......................................................................................................................137Lei nº 11.718/2008 ....................................................................................................292Lei nº 12.350/2010 ...................................................................................................433Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.158-35/2001Artigo 14 ...................................................................................................................458Portaria nº 1.014/97 (expedi<strong>da</strong> pelo Ministro do Exército) .....................................451Resolução nº 2.552/2008 <strong>da</strong> Agência Nacional de Transportes TerrestresArtigo 1º ....................................................................................................................85Súmulas do Superior <strong>Tribunal</strong> de JustiçaNº 162 .........................................................................................................................368530R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 525-531, 2012


Súmulas do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>Nº 359 .......................................................................................................................313Nº 672 .......................................................................................................................339R. Trib. Reg. Fed. <strong>4ª</strong> Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 525-531, 2012 531

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