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rádios comunitárias autênticas: entre a comunicação ... - Adusp

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Janeiro 2008Revista <strong>Adusp</strong>Rádios comunitáriasautênticas: <strong>entre</strong>a comunicaçãodemocrática e aperseguiçãoCláudia Regina LahniProfessora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de ForaDaniel GarciaNos balões, a inscrição “Concessões de Rádio e TV: quem manda é você”. São Paulo, 5/10/0734


Revista <strong>Adusp</strong>Janeiro 2008As rádios comunitárias, de baixa potência e reduzido alcance,podem representar uma alternativa de qualidade e participaçãopopular na comunicação. Podem transmitir outras versões dosfatos, comunicar eventos de interesse local que não aparecem nosgrandes meios, constituir canais de informações que se constituemem direito fundamental para o exercício, conquista e manutençãode outros direitos. Entretanto, as comunitárias autênticas muitasvezes não conseguem concessão do Ministério das Comunicações.Funcionam sem ela e, então, são perseguidas e fechadasPessoas de grupos diversosparticiparamde manifestação nodia 5 de outubro de2007, em prol da democratizaçãoda comunicação.E não é para menos,pois sabemos da importância dacomunicação na sociedade atual edo quanto o monopólio, constituídono Brasil, é prejudicial, principalmentepara os movimentossociais populares. A data da manifestaçãofoi escolhida por marcaro vencimento de concessão à RedeGlobo. A emissora é símboloda falta de diversidade da comunicaçãono país.Pesquisas mostram que somenteseis redes privadas nacionais detelevisão aberta e seus 138 gruposregionais afiliados detêm a propriedadede 667 veículos de comunicação,<strong>entre</strong> emissoras de TV,rádios e jornais. A revista Fórum(setembro de 2007) também apontao não questionamento de concessõesno momento da renovação,mesmo quando proprietários nãocumprem a legislação quanto a colocarno ar programas educativos einformativos.Diante disso, os movimentos sociaispopulares têm atuado pela democratizaçãoda comunicação, tambémcom a organização de rádioscomunitárias, em que se instituemcomo emissores. As rádios comunitárias,de baixa potência e reduzidoalcance, podem constituir uma alternativade qualidade e participaçãona comunicação, especialmentepara as pessoas de situação socialmenos favorecida. Essas emissoraspodem unir pessoas diversas dosbairros abrangidos pelas rádios; jornalistase estudantes. Elas podemtransmitir outras versões sobre osfatos, colocar no ar gêneros musicaisque não são apresentados nasrádios comerciais, abrir espaço paraa população participar.Muitas dessas emissoras, compessoas das camadas populares co-35


Janeiro 2008mo organizadoras atuantes, podemcomunicar eventos de associaçõesde moradores e grupos de interesselocal que não aparecem nos grandesmeios. As rádios comunitáriaspodem ser um lugar de livre manifestaçãodo pensamento e canais deinformações que se constituem emdireito fundamental para o exercício,a conquista e a manutenção deoutros direitos.Dessa forma, as emissoras comunitáriaspodem abrir a possibilidadede a população organizadaexercitar uma comunicação plural edemocrática. O fortalecimento dasemissoras com essas característicasé um caminho corretivo para a situaçãode monopólio de propriedadee de divulgação de um pensamentoúnico, formado pelos meios massivoshoje, no Brasil.As qualidades das rádios comunitáriaspara a cidadania dos quenelas participam e o desenvolvimentolocal já foram apontadas porexperiências e pesquisas. Entretanto,as comunitárias autênticas muitasvezes não conseguem concessão.Funcionam sem ela e, então, sãoperseguidas e fechadas. Essa situaçãoé resultado de uma lei (e umsistema) que não beneficia os quefazem rádio comunitária autêntica— pessoas das classes populares organizadasem movimentos sociais.É nesse quadro que se encontravaa Rádio Mega FM, uma comunitáriaautêntica, sediada emJuiz de Fora (MG). Essa emissorasempre teve como objetivos transmitirinformação necessária paraa vida das pessoas em sociedade,valorizar a cultura local, promovera solidariedade e ser um espaçopara a inclusão social de jovensem situação de risco (em funçãoda pobreza e do tráfico de drogasexistente na região).Para alcançar seus objetivos, aMega usou como estratégias apoiarseem uma organização coletiva,buscar a participação de pessoase entidades representativas, ser aprópria rádio membro de órgãosda sociedade civil e apresentar umaprogramação diversificada, garantindoespaço para a expressão degrupos e interessados. Assim, naprogramação e direção da emissoraestavam o movimento negro, hiphop,estudantil, as ComunidadesEclesiais de Base (CEBs) e outros.A Mega participou, em anos recentes,da diretoria do Conselho paraValorização da População Negra edo Conselho Municipal dos Direitosda Mulher e trabalhou pela formaçãode dois grupos voltados paraa cultura hip-hop, a Posse Zumbidos Palmares e a Posse MissionárioAntônio Conselheiro.Conquistou credibilidade aponto de ser chamada, pela JustiçaEleitoral, para a divulgação deinformações sobre as eleições. Játeve convênio com a UniversidadeFederal de Juiz de Fora (UFJF): aemissora transmitia programas informativosproduzidos por estudantese docentes da instituição, <strong>entre</strong>outras ações conjuntas.Apesar disso, o Ministério dasComunicações (MiniCom) negouautorização para o funcionamentoda Rádio Mega FM. Em Juiz deFora, três rádios têm concessõescomo comunitárias, obtidas duranteo governo de Fernando HenriqueCardoso (PSDB): diretores dessasRevista <strong>Adusp</strong>rádios têm relação direta ou indiretacom esse partido e com políticoslocais. Essa situação não é diferenteda que ocorre no país, em geral,conforme pesquisa de Venício deLima e Cristiano Aguiar Lopes, noticiadapela Carta Capital.A radiodifusão comunitáriaé regulamentada noBrasil pela Lei 9.612/98.As rádios comunitáriasprecisam de autorizaçãoconcedida pelo Ministériodas Comunicações, comaprovação do Congresso, esua potência máxima deveser de 25 wattsDefendemos a adoção de legislaçãomunicipal para autorizaçãode rádios comunitárias, como formade reduzir a burocracia e garantirmaior margem de ação por partedas classes populares no processode concessão. A seguir apresentamosuma reflexão sobre a Lei 9.612,que regula as emissoras comunitáriasno Brasil, e sobre a existênciade leis municipais para esse fim,com destaque para a discussão realizadaem Juiz de Fora em torno daRádio Mega FM.A radiodifusão comunitária éregulamentada, no Brasil, pela Leinº 9.612/98, Decreto nº 2.615/98e Norma Complementar nº 2/98,alterada pela Portaria nº 83, de 19de julho de 1999. Em resumo, a36


Revista <strong>Adusp</strong>lei estabelece que as rádios comunitáriasprecisam, para funcionar,de autorização concedida pelo MiniCom,com aprovação do CongressoNacional, para associaçõescomunitárias sem fins lucrativos. Aautorização não pode ser transferida.Uma comunitária também nãopode ser arrendada.Pela lei, as comunitárias têmseu alcance limitado a um quilômetrode raio a partir da antenatransmissora, tendo a potência dotransmissor no máximo 25 watts.Essas emissoras não podem interferirnas comerciais e em outrosserviços. Entretanto, conformeprevisto na lei, se uma rádiocomercial causar interferênciaem uma comunitária, o MiniComnada fará. Para as comunitárias,diferentemente do que ocorrecom as comerciais, é proibida aformação de redes, com exceçãode casos de guerra ou calamidadepública. Mas as comunitáriasautorizadas (com concessão) sãoobrigadas a retransmitir campanhasou programas do Governo,como “A Voz do Brasil”.Na programação das comunitáriasdevem ser priorizadas informaçõese tradições da comunidade,sem discriminação de qualquernatureza. É proibido o proselitismo.Qualquer pessoa tem direitoa emitir opiniões na programaçãodas comunitárias. Essas emissorasdevem ter como objetivos difundire valorizar a cultura da comunidade,contribuindo para sua integração.Também devem prestarserviços de utilidade pública.A legislação das comunitáriasadmite que as emissoras tenham“apoio cultural” para os programas.Conforme previsto pela lei,a Agência Nacional de Telecomunicações(Anatel) designou umcanal específico para as comunitárias,o 200 (87,9 MHz), e indicaoutros quando for necessário,seguindo seus critérios. Pela lei,as rádios comunitárias devem seconstituir como associação semfins lucrativos, prevendo em seusestatutos um conselho comunitárioformado por, pelo menos,cinco entidades da área abrangidapela emissora. Este conselho devefiscalizar a rádio.Como observa Cicilia Peruzzo(1999: 420-421), a lei é restrita,representando, porém, “um avançono sentido de regulamentar umsetor de radiodifusão de demandacrescente, tendo em vista a necessidadede mídias comunitárias noprocesso de mobilização em tornoda ampliação da cidadania”.A autora aponta que passoua haver regulamentação do temaem função da pressão do movimentode rádios comunitárias edo Fórum Nacional pela Democratizaçãoda Comunicação. Haviavários projetos nesse sentido.Entretanto, o que foi aprovadoengloba tantas restrições por causado lobby da Associação Brasileirade Emissoras de Rádio eTelevisão (Abert), cuja pressãotambém favoreceu a perseguiçãoàs emissoras comunitárias.Essa legislação e a atuação doMiniCom e da Anatel têm geradocríticas, principalmente de pessoasligadas ao movimento de rádioscomunitárias e pesquisadoras doassunto. Para Marta Regina MaiaJaneiro 2008(1998: 3-4), a atitude do GovernoFederal de enquadrar o movimentode rádios livres e comunitáriaspor intermédio de legislação regulamentadora“aparece mais comouma tentativa de inibir a proliferaçãodestas emissoras do queuma possibilidade real de ampliaçãodo espaço eletromagnéticopara novas vozes”.Grande parte das emissorascomunitárias funcionava,antes da lei, com 50 watts depotência, e adotar 25 wattssignifica reduzir muito seualcance. Outra crítica que sefez à lei era pelo fato de queela institucionalizava ummovimento livreMaia lembra que “o direito àcomunicação, direito extremamenteatual, é garantido, mesmode maneira genérica (emborapassível de jurisprudência) peloCapítulo dos Direitos e DeveresIndividuais e Coletivos da Constituiçãoem vigor”. Isso porque oArtigo 5º estabelece que é livre aexpressão da atividade intelectual,artística, científica e de comunicação,independentemente de censuraou licença.Na cartilha Como montar rádioscomunitárias e legislação completa,elaborada pela então senadoraHeloísa Helena e pelo ColetivoNacional Petista de Rádios Comu-37


Janeiro 2008nitárias (2000: 17), a lei das comunitáriastambém é criticada. ParaHelena e Coletivo: “A legislaçãodas rádios comunitárias é limitada,antidemocrática, esquisita e imoral.Ela é uma traição ao movimentodas RCs no Brasil”. Na publicação,os parlamentares avaliam que“colocar uma rádio comunitária noar, com o povo falando de temasque lhe interessa, fazendo e sendonotícia, é um exercício de liberdadeque incomoda às elites”.Em artigo em que se apresentamexperiências de rádios livres ecomunitárias em Campinas (Lahni,1999), observa-se que, já em 1998,havia quem se posicionasse contraa lei, porque grande parte dasemissoras funcionava, antes da regulamentação,com 50 watts de potência;25 watts significaria reduzirmuito o alcance. Outra crítica erapelo fato de institucionalizar ummovimento crescente livre, tambémcitada por Arlindo Machado,Caio Magri e Marcelo Masagão(1986), em relação a um declíniodas rádios livres européias, apóssua regulamentação.Conforme reportagem publicadano jornal Hoje em dia(29/11/1998), a nova lei foi consideradaobsoleta e com clara intençãode desestimular o surgimento ea manutenção de rádios comunitáriasno país, segundo José Norberto,diretor de eventos do CentroNacional de Autodesenvolvimento,que promoveu, em dezembro de1998, em Belo Horizonte, o Fórum2000 – III Edição – Encontro deRádios e TVs Comunitárias.Somado às críticas à Lei 9.612,também houve questionamento daforma como se deram as autorizaçõespara comunitárias no governode Fernando Henrique Cardoso.A avaliação é que o favorecimentopolítico e a troca de favores, quenortearam concessões de rádioscomerciais e educativas, tenhampassado a se dar nas autorizaçõespara comunitárias.Durante o 2º Fórum SocialMundial, realizado em Porto Alegre(RS), em 2002, e em outrosmomentos, a Associação Brasileirade Radiodifusão Comunitária(Abraço) denunciou nacional e internacionalmentea repressão dogoverno brasileiro às rádios comunitáriase ao direito à liberdade deexpressão. Acreditava-se no fimdessa situação com o governo deLuiz Inácio Lula da Silva, empossadoem janeiro de 2003. Tantoque, no período da realização doV Congresso Brasileiro de RádiosComunitárias (agosto de 2003), <strong>entre</strong>as notícias do sítio da entidadepodia-se ler: “Congresso acreditaque Governo Lula apoiará cadavez mais a construção do nossomovimento”.Também nesse sentido, o Jornaldo Brasil (27/5/2003) publicouuma reportagem com o título “Pazpara as rádios livres”. Depois decitar uma investida da Anatel, em14/4, contra uma emissora semconcessão, a reportagem informaque essa situação estava perto dofim, pois o MiniCom começava aentrar em sintonia com as rádioscomunitárias. Segundo o periódico,o primeiro passo foi a formaçãode um Grupo de Trabalho paraagilizar o licenciamento dessasemissoras.Revista <strong>Adusp</strong>O comportamento policialda Anatel, que caracterizouo governo FCH, prosseguiuno governo Lula. Exemplo: aRádio Mega FM, de Juiz deFora, no ar desde 1997, teveo transmissor lacrado pelaAnatel em 14/8/2003. Antes,nem a agência nem a PFestiveram na MegaEsse Grupo de Trabalho, comprazo de 90 dias para realizar suasatividades, foi formado a partir daPortaria nº 92, de 2-4-2003, do Mini-Com, que instituía o “Grupo de Trabalhopara, em caráter emergenciale extraordinário, realizar: I – todosos atos necessários à instrução, ao saneamentoe ao desenvolvimento dosprocessos em andamento no âmbitodo Ministério, relativos aos pedidosde autorização para os Serviços deRadiodifusão Comunitária”.Entretanto, as reclamações continuaramno governo Lula, quantoao tratamento policialesco da Anatelpara com as comunitárias. Paraexemplificar: a Rádio Mega FM,que funcionava desde 1997, portantoanterior à Lei 9.612/98, teve seutransmissor lacrado pela Anatel em14/8/2003, no Governo Lula. Antes,nem a agência nem a Polícia Federalestiveram na Rádio.Estudo realizado pela ConsultoriaLegislativa do Senado Federal,assinado pelo consultor Luiz38


Revista <strong>Adusp</strong>MaringoniJaneiro 2008decreto presidencial, foi criado umGrupo de Trabalho interministerialpara analisar e apresentar propostaspara a radiodifusão comunitária noBrasil. Os trabalhos foram concluídosem 2005. A instituição do novo GTrecebeu críticas, <strong>entre</strong> outros motivospor não ter em sua composição representantesdas rádios comunitárias.Conforme Hamilton Octavio deSouza (2006), estima-se que existamno Brasil mais de 20 mil emissoras comunitáriasem operação. Desde quea Lei 9.612/98 foi regulamentada, oMiniCom autorizou o funcionamentode apenas 2.400; só em 2005 foram fechadasmais de 1.200 emissoras, pelaAnatel e Polícia Federal. Reportagemda Fórum (setembro de 2007) salientaa necessidade da construção democrática,a partir das cidades, de ConferênciaNacional das Comunicações emostra, por outro lado, um posicionamentoreticente de Hélio Costa e doMiniCom quanto a isso.Fernando Fauth, e destinado aoConselho de Comunicação Social,aponta que a demanda efetiva poroutorgas para emissoras comunitáriasé consideravelmente superior àquantidade de atos analisados e deferidosde forma definitiva e, assim,“infere-se que, apesar dos esforçosempreendidos pelos órgãos oficiais,as aspirações sociais que levaram àcriação do serviço de radiodifusãocomunitária ainda não foram plenamenteatendidas” (Fauth, 2003).Quanto ao Grupo de Trabalhodo MiniCom, encerradas suas atividades,pouca ou nenhuma alteraçãose deu na situação das rádios comunitárias,o que aumentou a indignaçãode defensores das emissoras.Nesse sentido, o Fórum Nacionalpela Democratização da Comunicação(FNDC) divulgou um manifestoem janeiro de 2004, com o título“Miro Teixeira esqueceu as rádioscomunitárias”, com críticas ao entãoministro das Comunicações, à épocafiliado ao PDT. Com a posse deoutro ministro das Comunicações,Eunício Oliveira (PMDB-CE), ocorridaem janeiro de 2004, a situaçãodas rádios comunitárias no país permaneceupraticamente inalterada,o mesmo ocorrendo na gestão doministro Hélio Costa (PMDB-MG),empossado em julho de 2005.Em 26 de novembro de 2004, porEm várias cidades dopaís foram aprovadas leisde municipalização dasemissoras comunitáriasde rádio. Em Campinas,uma ação judicial dasassociações empresariaisde rádio e TV suspendeu osefeitos da lei municipalParalelamente às críticas mencionadas,algumas cidades estudamtransferir o âmbito da legislação39


Janeiro 2008das comunitárias para o município.É o caso de Belo Horizonte(MG), onde, na Câmara Municipal,tramita projeto nesse sentido. EmItabuna, na Bahia, a legislação dascomunitárias já foi municipalizada.Em São Paulo, em 27/3/2001, foiapresentado pelos vereadores CarlosNeder (PT) e Ricardo Montoro(PSDB) o Projeto de Lei nº 145,que “Dispõe sobre a exploração doServiço de Radiodifusão Comunitáriano Município de São Paulo”.Projeto aprovado, em 23/6/2005o então prefeito José Serra (PS-DB) sancionou a Lei nº 14.013,que permite a exploração do serviçode radiodifusão comunitáriano município. A municipalizaçãoda lei de radiodifusão comunitáriaem São Paulo foi bem recebida pelaAbraço. Até setembro de 2007,o MiniCom não tinha autorizadonenhuma emissora comunitária afuncionar na capital paulista. E,em 22 de novembro, em longa reportagem,a Rádio CBN noticiouo fechamento de mais uma “rádiopirata” na cidade.Em Campinas (SP), a entãoprefeita Izalene Tiene (PT) sancionou,no dia 1º/6/2004, a Lei nº12.017, que “Dispõe sobre o funcionamentodas rádios comunitárias(radcom) no município de Campinase dá outras providências”. OArtigo 1º da lei estabelece que oServiço de Radiodifusão Comunitáriaobedecerá aos preceitos daConstituição Federal, da Lei 9.612,de 1998, “e quaisquer outros normativosfederais pertinentes, de carátergeral para o país, desde quenão afrontem matérias de interesseunicamente local”.A Lei 12.017 de Campinas estabelececinco anos como período (renovável)de concessão, “desde quecumprida toda legislação pertinente,passível de revogação mediante manifestaçãoexpressa da maioria dacomunidade abrangida”. Tambémestava prevista por ela a instituiçãodo Conselho de Comunicação Comunitária,com a finalidade de emitirparecer conclusivo sobre o processode concessão de rádios comunitárias,antes do ato de concessão.Apesar de toda a discussão queprecedeu sua aprovação, a lei nãoentrou em vigor. Segundo Eula D.Taveira Cabral (2005), uma açãojudicial da Abert e da Associaçãodas Emissoras de Rádio e Televisãodo Estado de São Paulo suspendeuseus efeitos antes mesmo que elaentrasse em vigência, sob a alegaçãode inconstitucionalidade.O debate sobre municipalizara legislação das comunitárias tambémpermeou o seminário OndaCidadã: Radiodifusão, Cultura eEducação 1 , realizado em setembrode 2003, em São Paulo. Na ocasião,a diretora do Inep (Instituto Nacionalde Ensino e Pesquisa do MEC),Dirce Gomes, que representou oMinistério da Educação, defendeua municipalização da lei das comunitárias.A municipalização tambémfoi defendida pelo jornalistaSérgio Gomes, que lembrou que osmunicípios têm poderes de decisãosobre seu território, garantidos pelaConstituição Federal. Salientou quea legislação tem que respeitar a diversidadelocal e o relevo desigual.No mesmo seminário, HeródotoBarbeiro, então diretor regional dejornalismo do Sistema Globo/CBNRevista <strong>Adusp</strong>(Central Brasileira de Notícias), manifestou-secontra a municipalizaçãoda lei das comunitárias. Ele justificousua posição ao mencionar queem muitos municípios o poder estáconcentrado nas mãos de verdadeiroscoronéis, que mandam em tudo.Márcia Vidal Nunes debate estaquestão, apontando que a maior partedos políticos profissionais, nas cidadesdo interior do Ceará, tem poderde vida e morte sobre os habitantes.“No Ceará, das cerca de quatrocentasemissoras existentes, apenas 10% sãoautenticamente comunitárias” (Nunes,2001: 241,242).Embora se reconheça que o coronelismoainda persiste em muitascidades do país, convém considerarque é no âmbito do município quese verifica o trabalho diário de associaçõesdo movimento popular,<strong>entre</strong> essas, as das rádios comunitárias.Para Bruno Fuser (2002: 35),“mais perto da população, e maissensíveis às pressões, os municípiosteriam em tese maior possibilidadede fazer respeitar princípios comoestímulo à diversidade cultural ecaráter comunitário”.Além disso, conseguir autorizaçãode emissora comunitária em Brasíliarequer não só percorrer um longo caminhoburocrático, como contar comum político aliado que colabore paraque a concessão ocorra, o que é especialmentedifícil para as pessoas dasclasses populares, que fazem rádiocomunitária autêntica. Fazer lobbyjunto ao Governo e aos políticos, emBrasília, também é um recurso complicado,em função das dimensõesterritoriais do país que resultam emlongas distâncias <strong>entre</strong> diversos municípiose a capital federal.40


Revista <strong>Adusp</strong>Em Juiz de Fora, a lutapela criação de umalegislação municipal teveseu estopim com a negativado MiniCom de concederautorização para a RádioMega. A lei foi aprovadaem julho de 2005 e vetadadias depois pelo prefeitoEm Juiz de Fora, o debate sobreuma legislação municipal para asrádios comunitárias começou pelaação dos integrantes da RádioMega FM, chamada de “a comunitáriade verdade”. Sua formaçãoteve início em 1996. Sua assembléiade fundação data de 25/3/1997 (antesda aprovação da lei federal dascomunitárias). Para organizar esseencontro, o grupo que liderava asações em prol da criação da emissorafoi de casa em casa, convocandoos moradores do bairro SantaCândida a participar. Cerca de cempessoas participaram da assembléiade fundação da Mega, que foi ao ar,pela primeira vez, em 19/6/1997.A legalização da emissora foi solicitadaao MiniCom em 7/12/1998,após vencer etapas burocráticase enfrentamentos jurídicos com aAnatel e com o ministério. Porém,mais de três anos e meio depois, aautorização foi negada. Em ofício de18/6/2002, o MiniCom comunicouque a solicitação da Mega foi arquivada.Na região onde se localiza aMega, recebeu autorização a RádioLife, cujo responsável formal é filhode um vereador pelo PSDB 2 .Essa situação foi debatida noEncontro Municipal Preparatóriopara o Fórum Social Regional (queprecedeu o Fórum Social Mundial2003), surgindo aí a proposta deencaminhar um pedido à CâmaraMunicipal para municipalizar a legislaçãodas comunitárias.Em 2003, o transmissor da Megafoi lacrado. Teve início então umaforte mobilização popular em favorda emissora, com solicitação de audiênciapública à Câmara Municipalpara discutir a questão das rádioscomunitárias. Os projetos de lei deCampinas e Belo Horizonte serviramde base para a elaboração de um projetode lei para Juiz de Fora 3 .A audiência pública realizada em23/3/2004 opôs os defensores da RádioMega — como a vereadora NairGuedes (PCdoB), autora do projeto,a Pastoral da Criança, a Posse deCultura Hip Hop Zumbi dos Palmares(PZP) e esta pesquisadora — ainteresses que, pela voz de outrosvereadores, procuraram refutar odebate sobre a municipalização, alegandoexistir lei federal e ser matériade competência da União.Os defensores da Mega perceberamque era necessário dar continuidadeà reivindicação, mesmodiante do parecer da Procuradoriada Câmara Municipal contrário aoprojeto. Foi então ampliada a mobilizaçãoem favor da emissora e doprojeto por uma lei municipal paraas rádios comunitárias. Circulouum manifesto dirigido aos vereadores,com a assinatura de dezenas dedirigentes de igrejas, da UFJF, doJaneiro 2008movimento negro e entidades diversasda cidade e com a assinaturade outras centenas de pessoas. Nodia 21/9/2004, o então diretor daFacom-UFJF, Fernando Fábio FioreseFurtado, fez uso da Tribuna Livre,falando em favor das emissorascomunitárias e de uma legislaçãomunicipal para elas.Uma nova audiência públicaocorreu na legislatura seguinte, nodia 22/3/2005, para apreciar o Projetode Lei nº 193, apresentado pelovereador Flávio Cheker (PT) 4 .Desta vez a maioria dos vereadoresmanifestou-se favoravelmente. Votadono dia 5/6/2005, o PL 193 foiaprovado. Entretanto, foi vetadopelo prefeito Alberto Bejani (PTB),um radialista que trabalhou ememissoras comerciais da cidade 5 . Oveto foi mantido pelo Legislativo,no dia 20/9/2005 6 .É oneroso demais paracomunitárias autênticaschegarem a Brasília egarantirem sua concessão,mesmo porque estão nasmãos das classes popularese muitas vezes, não obstanteo trabalho admirável quefazem, mal têm dinheiropara seu sustentoSe é difícil obter o aval do poderpara o funcionamento de emissorasdas classes populares, também épossível pressionar, com mobiliza-41


Janeiro 2008Revista <strong>Adusp</strong>ção e negociação, para se conquistaresse reconhecimento e dessaforma entender melhor como funcionamdeterminados órgãos públicos,o que pode servir para essa eoutras lutas.Se existe o sofrimento da histórianegada, também existe a possibilidadede educação para o tratocom a burocracia e o poder público,tanto na esfera municipal como nacional.Tal organização pela manutenção,respeito e ampliação dedireitos é exercício de cidadania,propiciado pela participação emuma rádio comunitária autêntica.Apesar do aprendizado, emJuiz de Fora não há uma lei municipalpara as rádios comunitárias,e a Rádio Mega FM, comunitáriaautêntica, continua sem autorização.Autorizadas estão três, comligações com o PSDB, sendo umaevangélica.Muitos dos fatos acompanhadose situações verificadas levam a avaliarque talvez seja mais convenientepassar pelo município qualquerregulamentação de comunitária. Éoneroso demais para comunitáriasautênticas chegarem a Brasília egarantirem sua concessão, mesmoporque essas emissoras verdadeiramenteestão nas mãos das classespopulares e muitas vezes, não obstanteo trabalho necessário e admirávelque fazem, mal têm dinheiropara seu sustento.Avaliamos que é preciso promovermudanças na atual forma detornar essas emissoras legalizadas,para que pessoas das classes populares,sem medo da prisão e apreensãode seus equipamentos, possamexercer seu direito à comunicação ea possibilidades de cidadania. E osmunicípios que aprovam lei municipalpara emissoras comunitárias estãose posicionando neste sentido.Sobre a autoraCláudia Regina Lahni, doutora e mestra emCiências da Comunicação pela ECA-USP, é professora dagraduação e do mestrado da Faculdade de Comunicaçãoda Universidade Federal de Juiz de Fora.Notas1 O seminário Onda Cidadã: Radiodifusão, Cultura e Educação foi realizado em SãoPaulo, no Itaú Cultural, nos dias 22 e 23 de setembro de 2003. A promoção foido Itaú Cultural, com apoio da Oboré Projetos Especiais em Comunicações eArtes. De acordo com a organização, o evento reuniu cerca de 300 pessoas, de 111entidades, das quais 67 são emissoras de rádio localizadas em 58 municípios de 16estados – São Paulo, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará,Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, SantaCatarina e Sergipe.2 Pastor Mariano.3 Diversas reuniões foi realizadas, inclusive no estúdio da Mega, para redação do PL parauma lei municipal das rádios comunitárias em Juiz de Fora. O trabalho foi coordenadopor Pedro Mourão Paiva, estudante de Direito e funcionário do gabinete de NairGuedes, e contou também com contribuições desta pesquisadora.4 Por solicitação da assessoria da vereadora Nair Guedes, que não conseguiu reeleger-se,Flávio Cheker comprometeu-se a continuar os encaminhamentos para uma lei municipalda radiodifusão comunitária em Juiz de Fora.5 Conforme o site da Prefeitura, Alberto Bejani trabalhou como radialista de 1976 a1988 e, “pela popularidade que conquistou no rádio, elegeu-se prefeito de Juiz deFora em 1988”, sendo novamente escolhido para o Executivo do município em 2002(www.pjf.mg.gov.br). A trajetória política do radialista Bejani também é comentadapor Sonia Virgínia Moreira, em Rádio palanque.6 Vale citar que, nesse meio tempo, houve uma movimentação de vereadores, incluindotroca de partidos, que acabou garantindo a maioria na Câmara para o prefeito, conformeapontado por um jornal local.Referências bibliográficasCABRAL, Eula D. Taveira. 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