13.07.2015 Views

Versão em PDF - Ministério Público de Santa Catarina

Versão em PDF - Ministério Público de Santa Catarina

Versão em PDF - Ministério Público de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Administração do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Procurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaPedro Sérgio SteilSubprocurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaNarcísio Geraldino RodriguesSecretário-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Sandro José NeisAssessoria do Procurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaFrancisco Bissoli FilhoDurval da Silva AmorimCid Luiz Ribeiro SchmitzColégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> JustiçaMoacyr <strong>de</strong> Moraes Lima FilhoAnselmo Agostinho da SilvaHipólito Luiz PiazzaValdir VieiraPaulo Antônio GüntherLuiz Fernando SirydakisD<strong>em</strong>étrio Constantino SerratineJosé Galvani AlbertonRobison WestphalOdil José CotaPaulo Roberto SpeckJobél Braga <strong>de</strong> AraújoRaul Schaefer FilhoPedro Sérgio Steil – Presi<strong>de</strong>nteVilmar José LoefJosé Eduardo Orofino da Luz FontesRaulino Jacó BrüningHumberto Francisco Scharf VieiraSérgio Antônio RizeloJoão Fernando Quagliarelli BorrelliHercília Regina L<strong>em</strong>keFrancisco <strong>de</strong> Assis FelippeMário G<strong>em</strong>inGilberto Callado <strong>de</strong> OliveiraAntenor Chinato RibeiroNarcísio Geraldino RodriguesNélson Fernando Men<strong>de</strong>sJacson CorrêaAnselmo Jerônimo <strong>de</strong> OliveiraBasílio Elias De CaroAurino Alves <strong>de</strong> SouzaPaulo Roberto <strong>de</strong> Carvalho RobergeTycho Brahe Fernan<strong>de</strong>sGuido FeuserPlínio Cesar MoreiraFrancisco José FabianoAndré CarvalhoCid José Goulart JúniorGladys AfonsoPaulo Ricardo da Silva – Secretário


Administração do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional do Meio AmbienteJacson Corrêa – Coor<strong>de</strong>nador-GeralLuciano Trierweiller Naschenweng – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional do ConsumidorAntenor Chinato Ribeiro – Coor<strong>de</strong>nador-GeralCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Cidadania e FundaçõesAurino Alves <strong>de</strong> Souza – Coor<strong>de</strong>nador-GeralSonia Maria D<strong>em</strong>eda Groisman Piardi – Coor<strong>de</strong>nadoraCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Infância e Juventu<strong>de</strong>Aurino Alves <strong>de</strong> Souza – Coor<strong>de</strong>nador-GeralHelen Crystine Corrêa Sanches – Coor<strong>de</strong>nadoraCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Ord<strong>em</strong> TributáriaSérgio Antônio Rizelo – Coor<strong>de</strong>nador-GeralErnani Guetten <strong>de</strong> Almeida – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional CriminalOdil José Cota – Coor<strong>de</strong>nador-GeralPaulo Antônio Locatelli – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional a Investigações EspeciaisFrancisco <strong>de</strong> Assis Felippe – Coor<strong>de</strong>nador-GeralCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional do Controle da Constitucionalida<strong>de</strong>Gilberto Callado <strong>de</strong> Oliveira – Coor<strong>de</strong>nador-GeralCentro <strong>de</strong> Estudos e Aperfeiçoamento FuncionalJosé Galvani Alberton – Diretor


Diretoria da Associação Catarinense do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Presi<strong>de</strong>nteLio Marcos MarinVice-Presi<strong>de</strong>nteNazareno Furtado Köche1 a SecretáriaHavah Emília P. <strong>de</strong> Araújo Mainhardt2 o SecretárioFabiano David BaldissarelliDiretor FinanceiroOnofre José Carvalho AgostiniDiretor <strong>de</strong> PatrimônioAry Capella NetoDiretor Cultural e <strong>de</strong> Relações PúblicasAndrey Cunha AmorimConselho FiscalPresi<strong>de</strong>nteCésar Augusto GrubbaSecretárioAbel Antunes <strong>de</strong> MelloM<strong>em</strong>brosCarlos Henrique Fernan<strong>de</strong>sIvens José Thives <strong>de</strong> CarvalhoJorge Orofino da Luz Fontes


SumárioDIREITO DO CONSUMIDORPrecificação <strong>de</strong> produtos (Lei 10.962/04): inconstitucionalida<strong>de</strong>................. 11Renato Franco <strong>de</strong> Almeida e Aline Bayerl CoelhoDIREITO PENAL E PROCESSUAL PENALO princípio constitucional do valor social do trabalho e aobrigatorieda<strong>de</strong> do trabalho prisional............................................................ 29João José LealDIREITO PENAL TRIBUTÁRIOO Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e os novos cenários <strong>de</strong> mitigação dopo<strong>de</strong>r jurisdicional no Brasil: o Direito Penal Tributário aplicadopela administração tributária......................................................................... 47Márcia Aguiar Arend e Analú Librelato LongoA impossibilida<strong>de</strong> da concessão <strong>de</strong> parcelamentotributário <strong>em</strong> casos <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>......................................................................... 81Marina Luz <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> d’Eça NevesDIREITOS HUMANOSImpasses e <strong>de</strong>safios dos direitos humanos na era da globalização................ 89Francisco Bissoli Filho


DIREITO DO CONSUMIDORPrecificação <strong>de</strong> Produtos (Lei 10.962/04):Inconstitucionalida<strong>de</strong>Renato Franco <strong>de</strong> AlmeidaPromotor <strong>de</strong> Justiça – MGAline Bayerl CoelhoAdvogada – MG1 IntroduçãoEm sist<strong>em</strong>as econômicos capitalistas, <strong>de</strong>vido a razões ontológicas, o capital,aqui entendido como a classe econômica que <strong>de</strong>tém os meios <strong>de</strong> produção,locupleta-se do status quo e, portanto, tenta, através do Estado ou não, conservar<strong>de</strong>terminados privilégios <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento do <strong>de</strong>senvolvimento sócio-econômico<strong>de</strong> todo corpo social. Tal fenômeno é mais claramente percebido nos países dochamado Terceiro Mundo, on<strong>de</strong> a fragilida<strong>de</strong> das Instituições políticas abreflancos pelos quais o capital cerceia a vida efetivamente d<strong>em</strong>ocrática.Não raras vezes, a metodologia aplicada pelo setor dominante para aconservação dos seus privilégios consiste na construção <strong>de</strong> um documentoconstitucional cujos preceptivos garantam a existência e a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>institutos político-jurídicos que dê<strong>em</strong> supedâneo à estratificação sócio-econômica,como é o caso das constituições que se restring<strong>em</strong> à organização doEstado, <strong>de</strong>ixando ao mercado a atribuição <strong>de</strong> sua auto-regulação. Em outras,mesmo que o documento constitucional possua caráter d<strong>em</strong>ocrático, institutosprogressistas, etc., tal <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, qual seja, a manutenção dos privilégios, seráauferido mediante a pura e simples <strong>de</strong>sobediência aos preceitos constitucionais,mediante o falacioso argumento da eficiência econômica. Trata-se aqui dasAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 11 a 28


chamadas Constituições Dirigentes on<strong>de</strong> a Ord<strong>em</strong> Econômica, segundo o textoconstitucional, será direcionada a um <strong>de</strong>terminado fim. A primeira prática s<strong>em</strong>ostra mais corriqueira nos países chamados <strong>de</strong>senvolvidos – s<strong>em</strong> <strong>em</strong>bargoda existência <strong>de</strong> cláusulas constitucionais diretivas no corpo do documentofundamental –, enquanto a segunda, nos sub<strong>de</strong>senvolvidos. Ressalte-se quea <strong>de</strong>sobediência operada ao texto constitucional não se restringe a condutasparticulares, dos atores da socieda<strong>de</strong> civil. Ao revés, o Estado, por quaisquer<strong>de</strong> suas funções, reiteradas vezes, malfere o texto constitucional, seja formal,seja materialmente. Assim é que o presente estudo t<strong>em</strong> por escopo analisara compatibilida<strong>de</strong> da Lei fe<strong>de</strong>ral n o 10.962, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004 com aConstituição da República, notadamente do inciso II do art. 2 o da mencionadalei. Isto porque supracitada norma jurídica regulamenta o direito <strong>de</strong> informaçãoque <strong>de</strong>ve ser prestada pelo fornecedor <strong>de</strong> produtos e serviços, mitigando-o,<strong>em</strong> duvidosa compatibilida<strong>de</strong> com preceitos constitucionais, mormente <strong>em</strong> setratando <strong>de</strong> uma Constituição dirigente como a <strong>de</strong> 1988.2 Da idéia <strong>de</strong> Estado e os interesses subjacentes: evoluçãoFrise-se, <strong>de</strong> início, que, por mais paradoxal que possa a vir a ser, nãoviv<strong>em</strong>os, absolutamente, no Estado tal qual ele é, porém sobre a idéia <strong>de</strong> Estado,on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> o objetivo indisfarçável <strong>de</strong> fomentar a convivência pacífica dosindivíduos <strong>em</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes sócio-econômicas diversas, s<strong>em</strong>precom predomínio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las.A filosofia do I<strong>de</strong>alismo – que v<strong>em</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> da Grécia com Platão – enten<strong>de</strong>uos objetos conhecidos como mera representação <strong>de</strong> uma idéia perfeita daquelamesma representação, conquanto inalcançável pelo intelecto humano.Com o Estado ocorre fenômeno idêntico. Já que inconcebível a coexistência<strong>de</strong> classes díspares <strong>de</strong> indivíduos, como afirmado, sob o aspecto social,econômico, financeiro, cultural, etc., imaginou-se um Estado i<strong>de</strong>al on<strong>de</strong> coexist<strong>em</strong>variegadas espécies <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s humanas, s<strong>em</strong> que, contudo, seauto<strong>de</strong>struíss<strong>em</strong>, porquanto incutiram nas mentes dos seus súditos <strong>de</strong>terminadasnoções impossíveis <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir, que, ao mesmo passo, representariam o Estado<strong>em</strong> seus objetivos, fins e conseqüências, como, e. g., o interesse público, a ord<strong>em</strong>social, a ord<strong>em</strong> jurídica e expressões outras que, n<strong>em</strong> mesmo com muito esforço,chegar-se-á a <strong>de</strong>finições concretamente aceitáveis, porquanto tais objetossó exist<strong>em</strong> no mundo das idéias, idéias estas que, como dito, são incutidas na


mente dos indivíduos s<strong>em</strong> que se pergunte o que é, s<strong>em</strong> que se questione paraque serv<strong>em</strong>, porque se assim não fosse, se assim não nos convencêss<strong>em</strong>os, avida <strong>em</strong> comunida<strong>de</strong> tornar-se-ia insuportável, até mesmo inconcebível.Tal técnica mascarava – como até hoje – o sist<strong>em</strong>a econômico capitalista,ou seja, o modo <strong>de</strong> produção capitalista (MOREIRA, 1987: 66)Anote-se, ainda, que a metodologia adotada parece (somente aparência)perfeita, qual seja, a lógica formal. Não obstante, faz-se mister, para atingirmosa essência dos institutos e princípios jurídicos, e não a mera existência, umrepensar crítico sobre esta espécie <strong>de</strong> lógica, evoluindo, conseqüent<strong>em</strong>ente,para a lógica dialética.Daí afirmar Miaille (1994: 50) que:Para que, no sist<strong>em</strong>a capitalista on<strong>de</strong> os homens estãoprofundamente divididos <strong>em</strong> classes antagónicas, uma vidasocial ainda assim seja possível, é necessário que existauma estrutura política, cuja função primeira será or<strong>de</strong>nara <strong>de</strong>sord<strong>em</strong>, reconciliar aparent<strong>em</strong>ente indivíduos quetudo separa, velar pela salvação pública. Esta instituição,sab<strong>em</strong>o-lo, é o Estado... Ora, e é o que muitos esquec<strong>em</strong> àsvezes, esta existência da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Estado é importante parao próprio funcionamento das estruturas estatais. Se cadaum <strong>de</strong> nós não estiver intimamente convencido da necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> um Estado, quer dizer, do valor <strong>de</strong>sta (aparente)função <strong>de</strong> apaziguamento e <strong>de</strong> regulamentação pacíficados conflitos, se cada um <strong>de</strong> nós não acreditar que existeum b<strong>em</strong> comum, distinto e superior aos nossos interessesparticulares, torna-se difícil fazer funcionar o Estado, istoé, concretamente a administração, os tribunais, o exércitoe, <strong>de</strong> uma maneira geral, todas as instâncias a ele ligadas.Assim se impõ<strong>em</strong>, na prática e nas consciências, noçõestais como: interesse geral, direitos e <strong>de</strong>veres do cidadão,soberania, razão do Estado, vonta<strong>de</strong> da administração eoutras tantas ‘expressões’ s<strong>em</strong> as quais, afinal, o funcionamentoda instituição estatal estaria comprometido.De efeito, resta evi<strong>de</strong>nte que a idéia <strong>de</strong> Estado produzida pelas socieda<strong>de</strong>scapitalistas t<strong>em</strong> por fim uma aparente acomodação <strong>de</strong> classes socialmentedistintas, ou seja, <strong>de</strong> interesses – muitas vezes não conscientes no seio <strong>de</strong>ssasclasses – diversos e divergentes, no universo complexo que é a Socieda<strong>de</strong>.Em razão <strong>de</strong>ssa divergência e diversida<strong>de</strong>, vislumbra-se interesses que o


aspecto histórico distingue, variando a primazia <strong>de</strong> uns sobre outros, <strong>de</strong> acordocom a i<strong>de</strong>ologia dominante da época.Assim, t<strong>em</strong>-se inaugurada <strong>em</strong> 1789 a era da primazia do interesse individual– plasmado no princípio da autonomia da vonta<strong>de</strong> e da liberda<strong>de</strong> contratual– sobrepondo-se ao interesse público 1 , com a atrofia do Estado <strong>em</strong> benefício doindivíduo como centro <strong>de</strong> toda liberda<strong>de</strong> e razão até então impensadas.Em escólio, Frias (1941: 18) traduz as relações sociais então prepon<strong>de</strong>rantes:El individualismo liberal enraiza en la filosofía kantiana,en que todo se reduce a dos términos: la libertad, objetoproprio <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho y la razón su creadora. Concibe alhombre como un fin en sí, libre respecto <strong>de</strong> los otros,pero convertido en su proprio esclavo; autor <strong>de</strong> la ley yservidor <strong>de</strong> la misma, legislador y juez, soberano y súbditoen la república <strong>de</strong> los seres razonables y libres. En últimasíntesis, todo se reduce a la autonomia <strong>de</strong> la vonluntadhumana...A autonomia da vonta<strong>de</strong> preconizada pelo Autor, juntamente com a razãohumana, era, ao apagar das luzes do século XVIII, início e fim da socieda<strong>de</strong>perfeita, <strong>em</strong> que o mercado livre (isto é, s<strong>em</strong> ingerência do Estado) se encarregaria<strong>de</strong> aparar as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s eventualmente existentes.A importância <strong>de</strong>positada no interesse individual (consubstanciado aquina autonomia da vonta<strong>de</strong> e na liberda<strong>de</strong> contratual) exagerou-se a ponto doCódigo Civil Napoleônico <strong>de</strong> 1804 dificultar sanções a figuras como a lesãocontratual, usura e o abuso do direito (FRIAS, 1941: 19).Não se diga, porém, que a noção <strong>de</strong> individualismo teria nascido poracaso. Definitivamente, não.De efeito, a i<strong>de</strong>ologia prepon<strong>de</strong>rante à época possuía seus escopos querestavam dissimulados ante a pregação do direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e da razão comoúnicos direitos inatos ao hom<strong>em</strong>.Inequivocamente, tal i<strong>de</strong>ologia tinha por fim o <strong>de</strong>smantelamento dosgrupos, criando-se, a partir <strong>de</strong> então, o atomismo, conseqüência <strong>de</strong>terminante1 Por interesse público quer<strong>em</strong>os nos referir ao interesse do Estado enquanto Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>,tão-somente.


na mudança dos meios <strong>de</strong> produção, que, <strong>de</strong> seu turno, será influenciado poroutras instâncias da superestrutura – notadamente as i<strong>de</strong>ológica e jurídica– inaugurando um novo sist<strong>em</strong>a sócio-econômico: o capitalismo-burguês.Reciprocamente, <strong>de</strong>clarar que todos os homens são sujeitos<strong>de</strong> direito livres e iguais não constitui um progresso <strong>em</strong> si.Significa tão-somente que o modo <strong>de</strong> produção da vida socialmudou. A ‘atomização’ da socieda<strong>de</strong> pelo <strong>de</strong>sfazer dosgrupos que a estruturavam não é pois um efeito evi<strong>de</strong>ntedo viver melhor ou <strong>de</strong> uma melhor consciência, exprimeapenas um outro estádio das transformações sociais. Constatá-lo-íamosfacilmente nos casos que nos apresentamactualmente os países do terceiro mundo: a introdução dadominação capitalista sob a forma colonial e neocolonialproduziu aí este efeito do <strong>de</strong>sfazer do grupo social numamultiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indivíduos isolados a partir daí... Algunsestudos interessantes <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista mostram como apouco e pouco os indivíduos se tornam mais ‘autónomos’nas suas práticas e nas suas representações i<strong>de</strong>ológicas.(MIAILLE, 1994: 117)Em conclusão, assevera, ainda, o Prof. Miaille (1994: 119-21):Fica-se, pois, com a noção <strong>de</strong> que a categoria jurídica <strong>de</strong>sujeito <strong>de</strong> direito não é uma categoria racional <strong>em</strong> si: elasurge num momento relativamente preciso da história e<strong>de</strong>senvolve-se como uma das condições da heg<strong>em</strong>onia <strong>de</strong>um novo modo <strong>de</strong> produção... Pela categoria <strong>de</strong> sujeito <strong>de</strong>direito, ele mostra-se como parte do sist<strong>em</strong>a social globalque triunfa nesse momento: o capitalismo. É preciso,pois, recusar todo o ponto <strong>de</strong> vista i<strong>de</strong>alista que ten<strong>de</strong>riaa confundir esta categoria com aquilo que ela é supostarepresentar (a liberda<strong>de</strong> real dos indivíduos). É precisotomá-la por aquilo que ela é: uma noção histórica.De efeito, divisa-se, como acima afirmamos, que a idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>t<strong>em</strong> por escopo a dissociação dos grupos como forma <strong>de</strong> isolamento humano afacilitar, no mercado <strong>de</strong> trocas, a compra da força <strong>de</strong> trabalho no novo sist<strong>em</strong>aentão instaurado: o capitalismo.Por via <strong>de</strong> conseqüência, a instância jurídica, no particular, t<strong>em</strong> relevânciad<strong>em</strong>asiada, visto criar a figura do sujeito <strong>de</strong> direito, imprescindível para aconfiguração concomitante do interesse individual, o qual chega aos códigos


liberais via autonomia da vonta<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> contratual – no que toca aodireito material; e via princípio da d<strong>em</strong>anda, antigo princípio dispositivo – noque concerne ao direito processual.Entretanto, a crise dos fundamentos do individualismo pô<strong>de</strong> ser sentida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os t<strong>em</strong>pos da Revolução francesa até os nossos dias (FRIAS, 1941: 22-23), sendo que, principalmente a partir do século XIX, o interesse individualcomeça a ser limitado pelo intervencionismo estatal.Isto porque, como acentua Moreira (1987: 44):A explicação <strong>de</strong>sta clivag<strong>em</strong> entre o mo<strong>de</strong>lo e a realida<strong>de</strong><strong>de</strong>ve ver-se <strong>em</strong> que o mo<strong>de</strong>lo liberal não pretendia, <strong>em</strong>primeiro lugar, ser uma interpretação da realida<strong>de</strong>. Foi,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, um mo<strong>de</strong>lo normativo e, <strong>de</strong>pois, um aparelhoi<strong>de</strong>ológico do capitalismo. O liberalismo clássico é efectivamente‘a i<strong>de</strong>ologia do alto capitalismo’.De efeito, já no limiar do século XX, proce<strong>de</strong>u-se a uma certa rupturacom a idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> quase total – <strong>em</strong> razão da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> inevitável queo sist<strong>em</strong>a liberal engendra – com a profunda ingerência do Estado na proteçãodos vulneráveis. Vislumbra-se, aqui, uma evi<strong>de</strong>nte preocupação com a inérciaestatal <strong>de</strong> outrora que, <strong>em</strong> parte, ensejou as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s atualmente experimentadas.Inaugura-se, <strong>de</strong> certa forma, a prepon<strong>de</strong>rância do interesse públicosobre o interesse individual.Interessa ao objeto do nosso trabalho como tal fenômeno <strong>de</strong>senvolveu-seno campo da ciência jurídica.Não obstante, pod<strong>em</strong>os, mesmo que perfunctoriamente, cogitar <strong>de</strong> outrosaspectos, mormente o social, cuja importância releva ser mencionada comoconstituinte da nova mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Estado advinda da mitigação <strong>de</strong> dogmasliberais burgueses.Com efeito, no campo social surg<strong>em</strong> grupos intermediários <strong>de</strong> expressãona <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses <strong>de</strong> mesma qualida<strong>de</strong>, ou seja, aqueles situados entre oindivíduo e o Estado, tais como os sindicatos e as associações.Em suma: a separação <strong>de</strong> princípio entre o Estado e aeconomia <strong>de</strong>u lugar à interpenetração recíproca, numprocesso <strong>de</strong> politização do económico ou <strong>de</strong> economizaçãodo político. Ao princípio liberal do primeiro capitalismo,e à efectiva não intervenção económica do Estado, suce<strong>de</strong>


o princípio intervencionista e uma ampla activida<strong>de</strong> doEstado no campo económico. Do Estado-guarda-nocturno,abstencionista e ‘negativo’ passa-se ao Estado afirmativoou positivo. Enfim, noutra perspectiva que inclui ambosos aspectos da questão, ao capitalismo <strong>de</strong> concorrência,liberal e ‘privado’, substitui-se o ‘capitalismo-monopolista-<strong>de</strong>-Estado’.(MOREIRA, 1987: 52)É o ressurgimento, mutatis mutandis, <strong>em</strong> âmbito social, dos grupos <strong>de</strong>indivíduos que a Revolução Francesa, ao argumento da instauração <strong>de</strong> umsist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, como vimos, atomizou, e que, segundo Frias (1941:34), citando Gurvitch, advém do todo social subjacente: “El <strong>de</strong>recho social– según Gurvitch – es un <strong>de</strong>recho autónomo <strong>de</strong> comunión, que integra <strong>de</strong> unamanera objetiva cada totalidad activa real, (y) que encarna un valor positivoextra-t<strong>em</strong>poral.”Assim, <strong>em</strong> um real movimento <strong>de</strong> fluxo e influxo, as comunida<strong>de</strong>s (istoé, os grupos sociais) realizam seus direitos, mesmo que à revelia do Estadolegislador. (FRIAS, 1941: 35)Por via <strong>de</strong> conseqüência, instaurar-se-á um direito fulcrado nos movimentossociais subjacentes, é dizer, nos movimentos dos grupos sociais que,como fenômenos sociais, estão alheios ao direito legislado do Estado.El <strong>de</strong>recho social se dirige, en su capa organizada, a sujetosjurídicos específicos – personas colectivas complejas – tandiferentes <strong>de</strong> los sujetos individuales aislados como <strong>de</strong> laspersonas morales – unida<strong>de</strong>s simples – que absorben lamultiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sus mi<strong>em</strong>bros en la voluntad única <strong>de</strong> lacooperación o <strong>de</strong>l estabelecimiento. (FRIAS, 1941: 35)Tal prepon<strong>de</strong>rância irá levar o Estado a uma socialização, é dizer, a umapreocupação com o aspecto social do direito, cada vez mais profunda, surgindo,conseqüent<strong>em</strong>ente, a socialização do jurismo.Como <strong>de</strong> fácil constatação, tal prepon<strong>de</strong>rância é sentida <strong>em</strong> vários ramosdo direito privado, mormente no que toca aos vulneráveis, v. g., consumidores,locatários, trabalhadores, etc.Assim, ante o extr<strong>em</strong>ismo do sist<strong>em</strong>a liberal, flui-se para o meio termocomo lugar i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> convivência humana <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>. Em conseqüência,surge, no bojo dos direitos fundamentais <strong>de</strong> terceira geração, um tertius genus,um terceiro interesse, antes inimaginável, qual seja, o interesse social. (MA-


ZZILI, 2001: 43)Vislumbrada a fraqueza <strong>de</strong> fundamento do Estado liberal, b<strong>em</strong> como aprepotência estatal nos mo<strong>de</strong>los socialista-marxistas, propugnou-se elevar ointeresse social 2 sobre os interesses individual e público, ainda como i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>se perseguir a pacífica convivência <strong>em</strong> conjunto <strong>de</strong> interesses díspares.Frise-se, ad<strong>em</strong>ais, que a aparição dos interesses sociais – longe <strong>de</strong> sera extinção dos d<strong>em</strong>ais interesses – configura a <strong>em</strong>ersão dos direitos sociaisinorganizados (FRIAS, 1941: 37) como tentativa <strong>de</strong> se estabelecer um direitoorganizado com fulcro na natural e espontânea cooperação informal dos indivíduos<strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>.No direito brasileiro, <strong>em</strong> particular, vislumbra-se a socialização do direitoprivado <strong>em</strong> várias vertentes. Sob o caráter constitucional, fez com que a ondasocializante inserisse no texto da Constituição <strong>de</strong> 1988 o aspecto da funçãosocial <strong>em</strong> institutos que na época da Revolução Francesa eram consi<strong>de</strong>radosflagrantes características do sist<strong>em</strong>a que se inaugurava, v. g., a proprieda<strong>de</strong>.Surgindo como direito absoluto e intocável pelo liberalismo burguês, no EstadoSocial o exercício <strong>de</strong>ste direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> está restrito, sendo sua realizaçãocondicionada à função social (art. 5 o , XXIII, CR/88). No mesmo sentido– socializante – <strong>de</strong>u proteção inexorável aos débeis, tais como consumidor,trabalhador, idoso, criança e adolescente, etc.Ainda <strong>em</strong> se<strong>de</strong> constitucional, o art. 170 do mesmo diploma elenca diversosprincípios que a ord<strong>em</strong> econômica brasileira <strong>de</strong>ve respeitar. De efeito,divisa-se certos limites impostos à iniciativa privada pela <strong>de</strong>fesa do consumidor,ainda pela função social da proprieda<strong>de</strong>, a busca do pleno <strong>em</strong>prego, etc.Infere-se daí a inauguração <strong>de</strong> um Estado D<strong>em</strong>ocrático-Social levado aefeito pela Constituição <strong>de</strong> 1988, o que, como adverte Moreira (1987: 38), nãoconsubstancia uma ruptura no sist<strong>em</strong>a econômico, mas na forma econômica,que advém com o escopo <strong>de</strong> ratificar o sist<strong>em</strong>a.3 A Defesa do Consumidor como Direito Fundamental: a naturezada norma do inciso XXXII do art. 5 o da CR/882 T<strong>em</strong>-se por interesse social aquele cujo titular é a socieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> disparida<strong>de</strong> ao interessepúblico, cujo titular, como diss<strong>em</strong>os, é o Estado, enquanto Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>.


Inicialmente, forçoso consignar que, na atual ambiência constitucional, a<strong>de</strong>fesa do consumidor consubstancia a assimilação do capitalismo como forma<strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a econômico adotado no seio daquele documento jurídico-político, nomomento <strong>em</strong> que reforça a atomização do ser humano, fazendo-o <strong>de</strong>sl<strong>em</strong>brar<strong>de</strong> sua situação <strong>de</strong> classe, como d<strong>em</strong>onstrado acima.Daí a aguda advertência <strong>de</strong> Grau (2003: 217):Primeiro, o atinente ao fato <strong>de</strong> que, consi<strong>de</strong>rando categoriasnão ortodoxas <strong>de</strong> interesses – interesses difusos,interesses coletivos, interesses individuais homogêneos– a <strong>de</strong>fesa do consumidor, tal qual outras proteçõesconstitucionais, carrega <strong>em</strong> si a virtu<strong>de</strong> capitalista <strong>de</strong>, aoinstitucionalizá-los, promover a atomização dos interessesdo trabalho. Essa perversão, especialmente nas socieda<strong>de</strong>ssub<strong>de</strong>senvolvidas, não po<strong>de</strong> ser ignorada.Comparato, citado por Grau (2003: 217), coteja as relações produtor xconsumidor e capital x trabalho, concluindo pela alienação da primeira:Na verda<strong>de</strong>, a dialética produtor x consumidor é b<strong>em</strong> maiscomplexa e <strong>de</strong>licada do que a dialética capital x trabalho.Esta comporta <strong>de</strong>finições claras e separações radicais, aocontrário daquela. A rigor, todos nós somos consumidores;o próprio Estado é consumidor, e dos mais importantes; egran<strong>de</strong> parte dos consumidores acha-se, também, inseridano mecanismo da produção, direta e indiretamente. Eisporque, na arbitrag<strong>em</strong> <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong>sse tipo, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>prenos <strong>de</strong>paramos com uma nítida distinção entre ‘fracos’ e‘po<strong>de</strong>rosos’ <strong>em</strong> campos opostos. Os consumidores mais<strong>de</strong>sprotegidos, diante <strong>de</strong> uma medida administrativa queafete o organismo <strong>de</strong> produção para o qual trabalham,ten<strong>de</strong>rão a tomar o partido <strong>de</strong>ste e não da ‘classe’ dosconsumidores <strong>em</strong> geral, como t<strong>em</strong> sido visto, <strong>em</strong> episódiosrecentes... A consciência <strong>de</strong> classe é fruto <strong>de</strong> uma reflexãosobre a situação dos homens no ciclo <strong>de</strong> produção econômica,não no estágio do consumo <strong>de</strong> bens e serviços. Nestaconcepção a preocupação com a tutela do consumidorrevela-se propriamente alienante.Destarte, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do po<strong>de</strong>r econômico <strong>de</strong> cada indivíduo, oumesmo pessoa moral, todos pod<strong>em</strong>os ser consumidores <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminada situaçãoconcreta frente a um fornecedor profissional <strong>de</strong> produtos ou serviços. Tal


fenômeno enseja, <strong>de</strong> seu turno, a dispersão <strong>de</strong> interesses essencialmente comuns<strong>em</strong> razão da ef<strong>em</strong>erida<strong>de</strong> da circunstância consumerista, tornando obscura adicotomia <strong>de</strong> classes. Assim, possível que ocorra a união <strong>de</strong> interesses entrepessoas, físicas e/ou jurídicas, <strong>de</strong> forma esporádica, sendo que historicamentenunca pertencerão à mesma classe sócio-econômica.Não obstante, avulta <strong>de</strong> importância o reconhecimento e a consagraçãoda <strong>de</strong>fesa do consumidor como direito fundamental, <strong>de</strong>sdobramento cristalinodo princípio da dignida<strong>de</strong> humana, a limitar o exercício da livre iniciativa comovalor protegido constitucionalmente.Com efeito, sobre não inexistir <strong>de</strong> forma absoluta hierarquia entre direitosfundamentais – s<strong>em</strong> <strong>em</strong>bargo da rigi<strong>de</strong>z concedida a algumas normas–, sua admissão, <strong>de</strong>ssarte, restringe-se a hipóteses especialíssimas (MENDES,2002: 283).Pois b<strong>em</strong>.Segundo a Constituição da República, <strong>em</strong> seu artigo 5 o , XXXII, é <strong>de</strong>verdo Estado fomentar (promover) a <strong>de</strong>fesa do consumidor, na forma da lei. Tratando-se<strong>de</strong> norma que encerra um direito fundamental, conectado ao absolutoprincípio da dignida<strong>de</strong> humana, obviamente sobrepor-se-á a dispositivo tambémconstitucional que não possua a mesma natureza, eis que, às escâncaras, não setraduz este <strong>em</strong> princípio fundamental do Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito inaugurado<strong>em</strong> 05 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988, via <strong>de</strong> conseqüência, não faz parte do núcleoconstitucional rígido. Da mesma forma, pelo princípio da hierarquia das normas,direcionará todo trabalho legislativo infraconstitucional a ser realizado.Frise-se, no entanto, tratar-se <strong>de</strong> norma <strong>de</strong> eficácia limitada à edição <strong>de</strong> leipara que sua aplicabilida<strong>de</strong> não seja comprometida. A <strong>de</strong>speito disso, somenteobe<strong>de</strong>cendo a sérias restrições contidas no corpo constitucional o legisladorordinário po<strong>de</strong>rá realizar seu trabalho <strong>de</strong> compl<strong>em</strong>entação constitucional.Nas palavras <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s (2002: 227) trata-se <strong>de</strong> uma restrição mediata,verbis:Os direitos individuais enquanto direitos <strong>de</strong> hierarquiaconstitucional somente pod<strong>em</strong> ser limitados por expressadisposição constitucional (restrição imediata) ou mediantelei ordinária promulgada com fundamento imediato naprópria Constituição (restrição mediata)Além <strong>de</strong> exigir uma restrição mediata, o preceptivo insculpido no art.


5 o , XXXII da CR/88 pressupõe uma reserva legal qualificada, que, ainda naspalavras <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>s (2002: 236):T<strong>em</strong>-se uma reserva legal ou restrição legal qualificada(qualifizierter Gesetzesvorbehalt) quando a Constituiçãonão se limita a exigir que eventual restrição ao âmbito<strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado direito seja prevista <strong>em</strong> lei,estabelecendo, também, as condições especiais, os fins aser<strong>em</strong> perseguidos ou os meios a ser<strong>em</strong> utilizados.Assim, como se extrai da simples leitura do dispositivo constitucionalreferente à <strong>de</strong>fesa do consumidor, a legislação infraconstitucional <strong>de</strong>verá seguiras vinculações estabelecidas pelo legislador constituinte originário no sentido<strong>de</strong> promover somente àquela <strong>de</strong>fesa, sob pena <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>.Dessarte, qualquer manifestação do Estado – seja administrativa, legislativaou jurisdicional – <strong>de</strong>verá ter por escopo a promoção da <strong>de</strong>fesa doconsumidor, sendo que outros fins <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>rados inconstitucionais,<strong>em</strong> razão <strong>de</strong> incompatibilida<strong>de</strong> vertical com o direcionamento ofertado pelopreceptivo da Constituição da República.A outro giro, forçoso admitir que a livre iniciativa encerra um valorconstitucionalmente protegido, consoante dispõe o artigo 5 o , caput da CR/88,o que <strong>de</strong>ixaria <strong>em</strong> rota <strong>de</strong> colisão direitos e valores igualmente protegidos pelaCarta.No entanto, trata-se, <strong>em</strong> verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> hipótese <strong>de</strong> colisão <strong>de</strong> direitos evalores fundamentais que leva o intérprete a obt<strong>em</strong>perar sobre os interessescontrapostos. Isto porque, não obstante previsão legal expressa (art. 4 o , caputCDC), a harmonia nas relações consumeristas cogitada encerra cínica utopia <strong>em</strong>se tratando <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> compostas <strong>de</strong> classes díspares, como ocorre <strong>em</strong> todasas socieda<strong>de</strong>s capitalistas, e, <strong>em</strong> se<strong>de</strong> constitucional, avulta <strong>de</strong> importância aa<strong>de</strong>quação dos princípios, s<strong>em</strong> que se esvazi<strong>em</strong> totalmente quaisquer <strong>de</strong>les.Via <strong>de</strong> conseqüência, mister fazer coro com Men<strong>de</strong>s (2002: 299) quandoafirma que:Embora o texto constitucional brasileiro não tenha privilegiadoespecificamente <strong>de</strong>terminado direito, na fixaçãodas cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4 o ), não há dúvida <strong>de</strong>que, também entre nós, os valores vinculados ao princípioda dignida<strong>de</strong> da pessoa humana assum<strong>em</strong> peculiar relevo(CF, art. 1 o , III).


Acolitando tais escólios, divisa-se que na existência <strong>de</strong> colisão entreeste direito fundamental (<strong>de</strong>fesa do consumidor) e <strong>de</strong>terminados valoresconstitucionalmente protegidos (no particular, a livre iniciativa), prepon<strong>de</strong>ráaquele direito <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento a estes valores, uma vez que se situa – o direitofundamental – estreitamente ligado ao princípio da dignida<strong>de</strong> humana, na suaface do hom<strong>em</strong>-consumidor.Neste sentido, já <strong>de</strong>cidiu o Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no RE 153.531. Rel.Ministro Marco Aurélio, como nos dá conta, ainda, Men<strong>de</strong>s (2002: 299):Na discussão sobre a legitimida<strong>de</strong> das disposições reguladorasdo preço <strong>de</strong> mensalida<strong>de</strong>s escolares, reconheceu oSupr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que, com objetivo <strong>de</strong> conciliaros princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e osda <strong>de</strong>fesa do consumidor e da redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>ssociais, <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com os ditames da justiça social,‘po<strong>de</strong> o Estado, por via legislativa, regular a política <strong>de</strong>preços <strong>de</strong> bens e serviços, abusivo que é o po<strong>de</strong>r econômicoque visa ao aumento arbitrário dos lucros.’É patente a prevalência – na hipótese <strong>de</strong> colisão entre direitos fundamentaisou entre estes e valores constitucionalmente protegidos – do princípioda dignida<strong>de</strong> humana, que se <strong>de</strong>sdobra <strong>em</strong> outros direitos, <strong>de</strong>ntre os quais, a<strong>de</strong>fesa do consumidor.Em compêndio, força é admitir que, à luz da Constituição da Repúblicae <strong>de</strong> sua hermenêutica mais mo<strong>de</strong>rna, sobrepuja <strong>de</strong> importância a <strong>de</strong>fesa doconsumidor quando <strong>em</strong> conflito com o valor da livre iniciativa, por encerrarprincípio <strong>de</strong> maior peso, qual seja, o da dignida<strong>de</strong> humana.4 Preenchimento axiológico do termo “<strong>de</strong>fesa” estampado nopreceptivo constitucional. A Lei n o 10.962, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004.Como visto, o inciso XXXII do art. 5 o da CR/88 encerra um dispositivoconstitucional <strong>de</strong> eficácia limitada à edição <strong>de</strong> norma compl<strong>em</strong>entadora.Ad<strong>em</strong>ais, enseja uma restrição legal qualificada no momento <strong>em</strong> que exige<strong>de</strong>terminado comportamento legislativo infraconstitucional, s<strong>em</strong> o qual s<strong>em</strong>ostra incompatível com o texto fundamental.Resta, portanto, oferecer um preenchimento axiológico consentâneo como nível alcançado pela ciência jurídica ao termo “<strong>de</strong>fesa”, naquele dispositivo


inserido, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>sl<strong>em</strong>brar da i<strong>de</strong>ologia constitucionalmente adotada, qual seja,o liberalismo-social.É cediço que os direitos fundamentais do hom<strong>em</strong> não são dogmas estáticosinsertos <strong>em</strong> um documento fundamental, o qual não acolha progressivasinterpretações segundo o natural <strong>de</strong>senvolvimento humano, b<strong>em</strong> como asmutações sociais inevitáveis.Ao reconhecer o paradoxo existente entre vincular o legislador e lhe daroportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oxigenar a Constituição, assevera Canotilho (2001: 63-4):Na posição aqui pressuposta, o probl<strong>em</strong>a da vinculação dolegislador não é um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> autovinculação mas <strong>de</strong>heterovinculação; a legislação não conforma a constituição,é conformada por ela... A aporia da vinculativida<strong>de</strong>constitucional insiste na contradictio: por um lado, olegislador <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar-se materialmente vinculado,positiva e negativamente, pelas normas constitucionais;por outro lado, ao legislador compete ‘actualizar’ e‘concretizar’ o conteúdo da constituição. Perante este‘paradoxo’, a proposta a antecipar é a seguinte: o direitoconstitucional é um direito não dispositivo, pelo que nãohá âmbito ou liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conformação do legislador contraas normas constitucionais n<strong>em</strong> discricionarieda<strong>de</strong> nanão actuação da lei fundamental. Todavia, a constituiçãonão é n<strong>em</strong> uma reserva total n<strong>em</strong> um bloco <strong>de</strong>nsamentevinculativo, a ponto <strong>de</strong> r<strong>em</strong>eter o legislador para simplestarefas <strong>de</strong> execução, traduzidas na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> efeitosjurídicos ou escolha <strong>de</strong> opções, cujos pressupostos <strong>de</strong> factoencontram uma normação prévia exaustiva nas normasconstitucionais. Em termos sintéticos: a não disponibilida<strong>de</strong>constitucional é o próprio fundamento material daliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conformação legislativa.Dessa forma, a compl<strong>em</strong>entação a ser operada pelo legislador infraconstitucional,a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>ver oxigenador, estará s<strong>em</strong>pre vinculadaao <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato constitucional.Com efeito, afirma ainda o constitucionalista lusitano a mutabilida<strong>de</strong> dohom<strong>em</strong> no atropologismo constitucional referente ao princípio da dignida<strong>de</strong>humana (CANOTILHO, 2001: 34-5):1 – O ‘homo clausus’ ou o ‘antropologicum fixo’. Quan-


do na Constituição Portuguesa se fala <strong>em</strong> respeito pela‘dignida<strong>de</strong> da pessoa humana’ não se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir ouconsagrar um ‘homo clausus’, n<strong>em</strong> reconhecer metafisicamentea pessoa como ‘centro do espírito’, n<strong>em</strong> imporconstitucionalmente uma ‘imag<strong>em</strong> unitária do hom<strong>em</strong> edo mundo’, n<strong>em</strong> ainda ‘amarrar’ ou encarcerar o hom<strong>em</strong>num mundo cultural específico, mas tornar claro que nadialéctica ‘processo-hom<strong>em</strong>’ e ‘processo-realida<strong>de</strong>’ oexercício do po<strong>de</strong>r e as medidas da práxis <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estarconscientes da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da pessoa com os seus direitos(pessoais, políticos, sociais e económicos), a sua dimensãoexistencial e a sua função social.Daí lícito afirmar que os direitos fundamentais não se vinculam ao serhom<strong>em</strong>antropológico fixo, e, sim, ao ser-hom<strong>em</strong> histórico-social, cujas vicissitu<strong>de</strong>sserão <strong>de</strong>terminantes para o preenchimento axiológico dos princípiosinsertos nas Cartas Fundamentais.Nesta esteira, avulta <strong>de</strong> importância o direcionamento ofertado pelaConstituição da República no que tange ao hom<strong>em</strong>-consumidor, como <strong>de</strong>sdobramentodo princípio da dignida<strong>de</strong> humana.De efeito, este – o hom<strong>em</strong>-consumidor – terá direito à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seusinteresses promovida pelo Estado – frise-se: por quaisquer <strong>de</strong> seus Po<strong>de</strong>res– quando <strong>em</strong> colisão precipuamente com os objetivos da livre iniciativa. Istoporque reconheceu a Carta a existência, diferent<strong>em</strong>ente do passado, <strong>de</strong> umasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo <strong>em</strong> massa, e, via <strong>de</strong> conseqüência, a vulnerabilida<strong>de</strong>daquele nominado consumidor nesta relação jurídico-sócio-econômica.Dessarte, <strong>de</strong>ntre os variegados conteúdos e formas que referida <strong>de</strong>fesapo<strong>de</strong> materializar, impen<strong>de</strong> ressaltar o direito à informação, por se tratar,outrossim, <strong>de</strong> direito fundamental <strong>de</strong> quarta dimensão, que, nas palavras <strong>de</strong>Bonavi<strong>de</strong>s (1997: 525):São direitos da quarta geração o direito à d<strong>em</strong>ocracia, o direito à informaçãoe o direito ao pluralismo. Deles <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a concretização da socieda<strong>de</strong>aberta do futuro, <strong>em</strong> sua dimensão <strong>de</strong> máxima universalida<strong>de</strong>, para a qual pareceo mundo inclinar-se no plano <strong>de</strong> todas as relações <strong>de</strong> convivência. (g.n.)Ora, por tratar-se <strong>de</strong> direito fundamental <strong>em</strong> si, a corroborar a <strong>de</strong>fesado consumidor que, <strong>de</strong> seu turno, também constitui direito da mesma espécie,a aludida informação, nas relações consumeristas, <strong>de</strong>verá ser completa, cuja


abrangência facilitará o reconhecimento pelo consumidor – parte reconhecidamentevulnerável naquela relação jurídica (art. 5 o , XXXII, CR/88) – doscaracteres e outras qualida<strong>de</strong>s do produto ou serviço que pretenda adquirir. Daía necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a completu<strong>de</strong> da informação – sob pena <strong>de</strong> restarfrustrado todo sist<strong>em</strong>a on<strong>de</strong> os direitos fundamentais são a diretriz.Mas não é só.A <strong>de</strong>fesa do consumidor, repetimos, como direito fundamental que é,faz avultar outro aspecto da informação, s<strong>em</strong> o qual restará ainda malferido opreceito constitucional.Trata-se do modo pelo qual a referida informação é transmitida ao consumidor.Com efeito, se há necessida<strong>de</strong> jurídica e material <strong>de</strong> a informação sercompleta, com maiores razões a transmissão ao consumidor <strong>de</strong> tal completu<strong>de</strong><strong>de</strong>verá ser total, <strong>de</strong> maneira que alcance não o hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> intelectualida<strong>de</strong> média,mas clara a ponto <strong>de</strong> incidir sobre toda universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadão-consumidorin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> sua condição intelectual. Em dizeres simples po<strong>de</strong>ríamosasseverar que a mencionada universalida<strong>de</strong> se faz necessária na medida<strong>em</strong> que não somente cidadãos <strong>de</strong> razoável intelectualida<strong>de</strong> são consumidores,porém todos o são. Tal conduta – que <strong>de</strong>ve ser do fornecedor <strong>de</strong> produtos eserviços, cuja imposição é ônus do Estado – mostra-se razoável tendo <strong>em</strong> vistaa realida<strong>de</strong> do país, on<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> maioria dos consumidores, a par <strong>de</strong> possuiralgum conhecimento <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminada área do conhecimento humano, não <strong>de</strong>témsabedoria mínima <strong>em</strong> outros aspectos.Assim é que a facilitação no transmitir a informação consubstancia-se<strong>em</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> conduta do fornecedor – e, repetimos, cuja imposição é ônus doEstado – que lança produtos ou serviços no mercado <strong>de</strong> consumo, concretizandoregra constitucional que impõe a <strong>de</strong>fesa do vulnerável.Assim, inevitável o reconhecimento <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quaisquermitigações que sofra a <strong>de</strong>fesa do consumidor como direito fundamental,seja na abrangência da informação, seja na forma pela qual esta informação étransmitida ao seu <strong>de</strong>stinatário. Isto porque, como afirmado alhures, a mutaçãosocial, acompanhada do preenchimento axiológico dos princípios constitucionais,<strong>de</strong>ve fazer o legislador <strong>de</strong> compl<strong>em</strong>entação atualizar os preceitos dodocumento fundamental. Em outras palavras: vinculado à palavra constitucional,o legislador ordinário somente po<strong>de</strong>rá agir se tiver por direção a concretu<strong>de</strong>


gradual do texto constitucional.Em razão disso, o comando normativo insculpido no inciso II (parte final)do art. 2 o da recente Lei fe<strong>de</strong>ral n o 10.962, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004, pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong>inconstitucionalida<strong>de</strong> face ao art. 5 o , inc. XXXII da CR/88, quando dispõe:Art. 2 o - São admitidas as seguintes formas <strong>de</strong> afixação <strong>de</strong> preços <strong>em</strong>vendas a varejo para o consumidor:I – omissisII – <strong>em</strong> auto-serviços, supermercados, hipermercados, mercearias ouestabelecimentos comerciais on<strong>de</strong> o consumidor tenha acesso direto ao produto,s<strong>em</strong> intervenção do comerciante, mediante a impressão ou afixação do preçodo produto na <strong>em</strong>balag<strong>em</strong>, ou a afixação <strong>de</strong> código referencial, ou ainda,com a afixação <strong>de</strong> código <strong>de</strong> barras. (g.n.)Antolha-se patente a incompatibilida<strong>de</strong> do texto legal com o comandoconstitucional <strong>de</strong> regência. Isto porque, ao criar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>código referencial ou afixação <strong>de</strong> código <strong>de</strong> barras para informação do preçodo produto, o legislador infraconstitucional estabeleceu retrocesso no que tangeà concretização do dispositivo constitucional sobre a <strong>de</strong>fesa do consumidor, navertente do modo <strong>de</strong> transmissão daquela informação.Isto porque, ao facultar a utilização <strong>de</strong> código referencial ou afixação <strong>de</strong>código <strong>de</strong> barras, praticou ato legislativo que dá ensejo à dificulda<strong>de</strong> material natransmissão da informação ao consumidor sobre o principal requisito dos atosnegociais, qual seja, o preço, fomentando a dúvida ou até mesmo o completo<strong>de</strong>sconhecimento pelo consumidor.Com efeito, <strong>de</strong>ve-se ter <strong>em</strong> mente que a concretização do dispositivoconstitucional <strong>em</strong> cotejo com o preceptivo legal exige inequívoco proce<strong>de</strong>restatal <strong>em</strong>, gradualmente, preencher a palavra constitucional segundo o <strong>de</strong>senvolvimentohumano e as mutações sociais, on<strong>de</strong> quaisquer <strong>de</strong>svios <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato,importará flagrante inconstitucionalida<strong>de</strong>, visto que o texto da Carta nãopermite que a vonta<strong>de</strong> legislativa sobreponha-se à vonta<strong>de</strong> constitucional.De efeito, uma vez reconhecida a existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>consumo <strong>em</strong> massa, on<strong>de</strong> a parte débil é o consumidor, quaisquer mitigaçõesatravés <strong>de</strong> legislação infraconstitucional restará iníqua, írrita, incapaz <strong>de</strong> provera direção ofertada pela Constituição da República.Materialmente fácil divisar a utilização <strong>de</strong> métodos não <strong>de</strong> todo imunes


à má-fé por parte <strong>de</strong> fornecedores que, no afã da obtenção <strong>de</strong> lucros a qualquercusto, não inform<strong>em</strong> ou inform<strong>em</strong> <strong>de</strong> maneira sub-reptícia o preço inci<strong>de</strong>ntesobre o produto, a dificultar a necessária transparência que <strong>de</strong>ve existir nasrelações consumeristas.5 ConclusãoÀ guisa <strong>de</strong> conclusão, lícito se mostra afirmar que, s<strong>em</strong> sombra <strong>de</strong> dúvida,a Lei Fe<strong>de</strong>ral n o 10.962, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004 pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>no seu inciso II (parte final) do seu artigo 2 o , uma vez que, às escâncaras,mitigou a forma <strong>de</strong> transmissão da informação sobre produtos que <strong>de</strong>verá serofertada pelos seus fornecedores, mormente <strong>em</strong> se tratando do preço.A cristalina inconstitucionalida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>, portanto, na negação do legisladorordinário <strong>em</strong> concretizar o princípio da <strong>de</strong>fesa do consumidor, mormentequanto à informação, subvertendo o sist<strong>em</strong>a adotado pelo Legislador ConstituinteOrdinário por mera razão <strong>de</strong> eficiência econômica, princípio que <strong>de</strong>vesucumbir quando <strong>em</strong> cotejo com aquele da dignida<strong>de</strong> humana, sendo certo,lado outro, que o sist<strong>em</strong>a econômico necessita <strong>de</strong> pessoas para sua realizaçãoe, portanto, <strong>em</strong> uma tábua <strong>de</strong> valores, a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste não po<strong>de</strong> sobrepujara existência daquelas.6 BibliografiaBONAVIDES, Paulo. Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros,1997. p. 755.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador:contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas.2. ed. Coimbra: Coimbra editora, 2001. p. 539.COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. Ensaios e pareceres <strong>de</strong> Direito Empresarial. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 1978.FRIAS, Jorge A. Lo Permanente y lo Mudable en el Derecho. 2. ed. Buenos Aires:Adsum, 1941. p. 67.GRAU, Eros Roberto. A Ord<strong>em</strong> econômica na Constituição <strong>de</strong> 1988. 8. ed. rev. e atual.São Paulo: Malheiros, 2003. p. 327.


MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos <strong>em</strong> Juízo. 13. ed. São Paulo:Saraiva, 2001. p. 576.MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo GustavoGonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1. ed. 2. tir. Brasília:Brasília Jurídica, 2002. p. 322.MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. Trad. Ana Prata. 2. ed. Lisboa:Editorial Estampa, 1994. p. 330.MOREIRA, Vital. A Ord<strong>em</strong> Jurídica do Capitalismo. 4. ed. Lisboa: Caminho, 1987.p. 196.


DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENALO Princípio Constitucional do ValorSocial do Trabalho e a Obrigatorieda<strong>de</strong>do Trabalho PrisionalJoão José LealDoutor <strong>em</strong> Direito, Professor eEx-Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça – SCSUMÁRIO: 1 Execução Penal e Obrigatorieda<strong>de</strong> do Trabalho Prisional – 1.1Doutrina Predominante: Legitimida<strong>de</strong> da Obrigatorieda<strong>de</strong> – 1.2 Trabalho Prisionalcomo Ativida<strong>de</strong> Facultativa – 1.3 Trabalho como Valor Social e PrincípiosConstitucionais – 1.4 Trabalho Prisional como Componente Indissociável doProcesso <strong>de</strong> Execução da Pena Privativa <strong>de</strong> Liberda<strong>de</strong> – 2 Trabalho Externo nosRegimes Fechado e Aberto – 2.1 Incompatibilida<strong>de</strong> do Trabalho Externo com oRegime Fechado – 2.2 Trabalho Externo como Fundamento do Regime Aberto– 3 Regime S<strong>em</strong>i-aberto e Trabalho Externo – 3.1 Destinatários e EstabelecimentoPenal – 3.2 Posição do CP – 3.3 A LEP e o Trabalho Externo <strong>em</strong> RegimeS<strong>em</strong>i-aberto – 3.4 Doutrina sobre o Trabalho Externo – 4 Consi<strong>de</strong>rações Finais.Bibliografia.1 Execução Penal e Obrigatorieda<strong>de</strong> do Trabalho Prisional1.1 Doutrina Predominante: Legitimida<strong>de</strong> da Obrigatorieda<strong>de</strong>A Lei <strong>de</strong> Execução Penal (LEP), além <strong>de</strong> visar a efetivação das disposiçõesda sentença criminal, t<strong>em</strong> por objetivo ético-político o difícil e complexo<strong>de</strong>safio <strong>de</strong> “proporcionar condições para a harmônica integração social doAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 29 a 46


con<strong>de</strong>nado e do internado” (art. 1 o ). No tocante ao trabalho penitenciário (internoou externo), compreendido como <strong>de</strong>ver social e condição <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>humana, estabelece a Lei que o mesmo terá “finalida<strong>de</strong> educativa e produtiva”(art. 28, caput).A legitimida<strong>de</strong> das normas que estabelec<strong>em</strong> a obrigatorieda<strong>de</strong> do trabalhodo preso, observadas suas aptidões e capacida<strong>de</strong> (arts. 34, § 1 o , 35, § 1 o , e 36,§ 1 o , do CP e 31 da LEP), é aceita pela maior parte da doutrina s<strong>em</strong> qualquerrestrição.Ney Moura TELES parte da pr<strong>em</strong>issa que, por meio do trabalho, ohom<strong>em</strong> se tornou um ser social e afirma que o trabalho prisional é “muitomais que um direito, pois constitui um importante método para o tratamentodo <strong>de</strong>sajustado social que é o con<strong>de</strong>nado, com vistas a obter sua reinserção navida social livre.” 1 Romeu FALCONI não discrepa <strong>de</strong>ssa posição, ao lecionarque “a laborterapia é uma das formas mais eficazes <strong>de</strong> reinserção social, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que <strong>de</strong>la não se faça uma forma vil <strong>de</strong> escravatura.” 2Jason ALBERGARIA enten<strong>de</strong> que a idéia <strong>de</strong> trabalho como <strong>de</strong>ver social“enfatiza a responsabilida<strong>de</strong> pessoal do preso, como a <strong>de</strong> todo hom<strong>em</strong>, aoassumir seu posto na socieda<strong>de</strong>”. Conclui que a “reinserção social do presocomo objetivo da pena retirou do trabalho o seu aspecto <strong>de</strong> castigo, opressãoe exploração.” 3Odir PINTO DA SILVA e José Antônio BOSCHI assinalam que o trabalhoprisional impe<strong>de</strong> que o preso venha a <strong>de</strong>sviar-se dos objetivos da pena“<strong>de</strong> caráter <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente ressocializador, <strong>em</strong>brenhando-se, cada vez maisnos túneis submersos do crime.” 4Para Júlio MIRABETE, o trabalho prisional não constitui uma agravaçãoda pena, “mas um mecanismo <strong>de</strong> compl<strong>em</strong>ento do processo <strong>de</strong> reinserçãosocial”. 5 Armida Bergamini MIOTTO escreve que “o trabalho, com seu sentidoético, suas funções e finalida<strong>de</strong>s éticas, se integra no regime <strong>de</strong> execução dapena, concomitant<strong>em</strong>ente, como um direito e um <strong>de</strong>ver”. Para a autora, a laborterapiaconstitui importante instrumento <strong>de</strong> adaptação à disciplina prisional1 Direito Penal. Parte Geral – II. São Paulo: Atlas, 1998. p. 71.2 Sist<strong>em</strong>a Presidial: Reinserção Social? São Paulo: Ícone Editora, 1998. p. 71.3 Comentários à Lei <strong>de</strong> Execução Penal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ai<strong>de</strong>, 1987. p. 544 Comentários à Lei <strong>de</strong> Execução Penal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ai<strong>de</strong>, 1987. p. 39.5 Execução Penal. Comentários à Lei n. 7.210, <strong>de</strong> 11.07.84. São Paulo: Atlas, 1987. p. 109.


e <strong>de</strong> autopreparação para a vida <strong>em</strong> liberda<strong>de</strong>. 6Heleno Cláudio FRAGOSO admite que o trabalho s<strong>em</strong>pre foi consi<strong>de</strong>rado“el<strong>em</strong>ento essencial ao tratamento penitenciário, por ser um <strong>de</strong>ver sociale condição da dignida<strong>de</strong> humana” e lamenta que a realida<strong>de</strong> penitenciária <strong>de</strong>nosso país não oferece oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho para a maioria dos con<strong>de</strong>nados.7 No entanto, admite não só a necessida<strong>de</strong> como também, implicitamente,a legitimida<strong>de</strong> da obrigatorieda<strong>de</strong> do trabalho prisional.1.2 Trabalho Prisional como Ativida<strong>de</strong> FacultativaDoutrina mais recente, no entanto, questiona a constitucionalida<strong>de</strong> do dispositivoque obriga o preso a trabalhar. Carmen Silvia BARROS, com base nosdispositivos constitucionais que asseguram a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> trabalho,ofício e profissão ou no que proíbe a pena <strong>de</strong> trabalho forçado (art. 5 o , incisosXIII e XLVII, c), afirma que “o trabalho do preso só po<strong>de</strong> ter caráter facultativo”.Enten<strong>de</strong> a autora que, como parte do processo que objetiva a reinserçãosocial do preso, cabe ao Estado oferecer a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar, mas, no quediz respeito ao con<strong>de</strong>nado “só po<strong>de</strong> ser uma oferta que ele é livre para aceitarou não”. Em nota <strong>de</strong> página, escreve <strong>de</strong> forma incisiva: “Trabalho obrigatóriocom o qual não consente o preso é, s<strong>em</strong> dúvida, trabalho forçado.” 8Ao analisar o direito português, <strong>em</strong>bora reconhecendo a existência <strong>de</strong>um <strong>de</strong>ver fundamental (constitucional) <strong>de</strong> trabalhar, que consi<strong>de</strong>ra relevantepara a posição jurídica do recluso, Anabela Miranda RODRIGUES afirmainexistir uma “consagração legal <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver específico <strong>de</strong> trabalhar”. Defen<strong>de</strong>a idéia <strong>de</strong> que existe sim um direito e não um <strong>de</strong>ver legal ao trabalho.A autora, no entanto, reconhece que o trabalho penitenciário está consagradona legislação da maioria dos países europeus “como um <strong>de</strong>ver para os reclusoscon<strong>de</strong>nados”. 9Há uma dificulda<strong>de</strong> aparente para se harmonizar a regra da obrigatorieda<strong>de</strong>6 Curso <strong>de</strong> Direito Penitenciário. São Paulo: Saraiva, 1975, v. 2,. p. 493-5.7 Lições <strong>de</strong> Direito Penal. Parte Geral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1995. p. 297.8 A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.184.9 Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.


do trabalho prisional com as normas constitucionais que asseguram a liberda<strong>de</strong><strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> laboral e a que proíbe o trabalho forçado (art. 5 o ,incisos XIII e XLVII, letra c, da CF). Além disso, o art. 6 o , caput, consagra otrabalho como um direito social e não como <strong>de</strong>ver do cidadão.Po<strong>de</strong>-se, ainda, acrescentar o argumento <strong>de</strong> que, num Estado D<strong>em</strong>ocrático<strong>de</strong> Direito, o preso, mesmo tolhido <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> física <strong>de</strong> locomoção,t<strong>em</strong> a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se auto<strong>de</strong>terminar para o trabalho e <strong>de</strong>cidir se quer ou nãoexercer uma ativida<strong>de</strong> laboral no interior <strong>de</strong> um estabelecimento penal. Aoser con<strong>de</strong>nado a uma pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, o preço éticojurídico a serpago pelo seu crime consiste na perda <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> física <strong>de</strong> locomoção.Esse seria o único b<strong>em</strong> jurídico legitimamente atingido pela sanção privativada liberda<strong>de</strong>.Além disso, o próprio CP estabelece que o “preso conserva todos osdireitos não atingidos pela perda da liberda<strong>de</strong>” (art. 38). Em conseqüência,po<strong>de</strong>r-se-ia argumentar que, mesmo privado <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoçãofísica, o preso conserva o direito <strong>de</strong> se abster do trabalho penitenciário.E mais: numa socieda<strong>de</strong> d<strong>em</strong>ocrática e plural, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não prejudiqueinteresses <strong>de</strong> terceiros ou perturbe o espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> coletivo, o cidadão t<strong>em</strong>o direito <strong>de</strong> ser diferente, <strong>de</strong> optar por uma forma comportamental divergentedaquela ditada pelos padrões ou paradigmas predominantes <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong>ética. Nessa linha <strong>de</strong> raciocínio, po<strong>de</strong>r-se-ia afirmar que a obrigatorieda<strong>de</strong> dotrabalho prisional é, à luz do Direito Penal D<strong>em</strong>ocrático, inadmissível, pois opreso po<strong>de</strong> optar por cumprir sua pena no interior da cela, s<strong>em</strong> causar qualquerprobl<strong>em</strong>a relacionado com a disciplina prisional. Portanto, o po<strong>de</strong>r estatal seressentiria da indispensável legitimida<strong>de</strong> para acrescentar à resposta punitivauma obrigação a mais a ser suportada pelo con<strong>de</strong>nado.1.3 Trabalho como Valor Social e Princípios ConstitucionaisA nosso ver, a contradição inexiste. O fato <strong>de</strong> ser obrigatório, o mo<strong>de</strong>rnotrabalho prisional não po<strong>de</strong> ser comparado à antiga prática penal do trabalhoforçado. Este consistia na própria pena, enquanto que o encarceramento representavatão-somente um indispensável instrumento <strong>de</strong> contenção do con<strong>de</strong>nado,para que a pena corporal, com toda a carga <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se revestia,pu<strong>de</strong>sse ser efetiva e compulsoriamente executada. A recusa, do con<strong>de</strong>nado,


<strong>em</strong> exercer o penoso trabalho acarretava o <strong>em</strong>prego dos meios violentos e dossuplícios que se fizess<strong>em</strong> necessários para a execução forçada do trabalho. Aprópria morte do con<strong>de</strong>nado não era <strong>de</strong>scartada.Portanto, não nos parece aceitável a idéia <strong>de</strong> que a obrigatorieda<strong>de</strong> dotrabalho prisional equivale à prática do trabalho forçado.Hodiernamente, a expressão trabalho obrigatório <strong>de</strong>ve ser interpretada àluz dos princípios político-jurídicos que <strong>em</strong>anam da Constituição e do própriosist<strong>em</strong>a normativo infraconstitucional (CP, CPP e LEP). Isso significa que, <strong>em</strong>borao Direito estabeleça o <strong>de</strong>ver ao trabalho prisional, o preso po<strong>de</strong> recusar-sea trabalhar e o aparelho estatal responsável pela condução do processo material<strong>de</strong> execução da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rá utilizar legitimamente<strong>de</strong> qualquer meio ou instrumento para compelir ao trabalho.A recusa ao trabalho, se injustificada, configura, é lógico, falta grave, eo con<strong>de</strong>nado não apresentará o necessário mérito prisional para ser beneficiadopela progressão <strong>de</strong> regime e por institutos <strong>de</strong>spenalizadores, como a r<strong>em</strong>ição,comutação <strong>de</strong> pena, indulto ou livramento condicional. Será o preço jurídico apagar por sua injustificada recusa a cumprir uma das regras mais relevantes dadisciplina prisional e por sua opção <strong>de</strong>, voluntariamente, cumprir sua pena <strong>de</strong>forma diferente daquela estabelecida pela lei <strong>de</strong> execução penal.Ainda no campo dos princípios constitucionais, não se <strong>de</strong>ve esquecer queum dos princípios fundantes da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil é o do valor socialdo trabalho, consagrado no inciso IV do art. 1 o da CF. Da mesma forma, aCarta Magna estabelece como fundamento da ord<strong>em</strong> econômica a valorizaçãodo trabalho (art. 170), enquanto que a “ord<strong>em</strong> social t<strong>em</strong> como base o primadodo trabalho” (art. 193). Ora, se o trabalho reveste-se <strong>de</strong> valor social e sea própria ord<strong>em</strong> social se constitui e se legitima a partir do trabalho, é lógicoque o trabalhar representa um inquestionável <strong>de</strong>ver cívico para todo e qualquercidadão. E se isso é válido para o cidadão livre, vale também para o cidadãocon<strong>de</strong>nadoda justiça criminal. A própria Anabela Miranda RODRIGUES, acimamencionada, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> reconhecer que “como qualquer cidadão, o reclusoencontra-se vinculado ao <strong>de</strong>ver fundamental <strong>de</strong> trabalhar.” 10Cabe ressaltar que, além <strong>de</strong> estar positivada na maioria das legislaçõespenais e penitenciárias das nações cont<strong>em</strong>porâneas, a obrigatorieda<strong>de</strong> do tra-10 Op. cit., p. 100.


alho prisional é prevista como uma das Regras Mínimas para o Tratamento doPresidiário (n o 71.2) da ONU. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver jurídico cuja font<strong>em</strong>aterial transcen<strong>de</strong> o plano do direito interno para se projetar como uma normajurídica <strong>de</strong> natureza verda<strong>de</strong>iramente internacional.Finalmente, não pod<strong>em</strong>os esquecer do discurso ético-político, vigente<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Século XVIII, fixador da idéia <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os– a nossa socieda<strong>de</strong> – é, i<strong>de</strong>ologicamente, concebida, sentida, apreendida epraticada como uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho. Somente qu<strong>em</strong> trabalha <strong>de</strong>sfruta<strong>de</strong> efetiva cidadania e t<strong>em</strong> efetiva dignida<strong>de</strong>. Conforme assinalou Josué Pereirada SILVA, historicamente, o trabalho se transformou num “princípio organizadorfundamental das relações sociais” e num importante e indispensávelinstrumento <strong>de</strong> aquisição da existência e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social. Para esse autor, asocieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os se constituiu como uma indiscutível “socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>trabalhadores”. 11Nessa mesma linha <strong>de</strong> pensamento, Wan<strong>de</strong>rley CODO et alii afirmamque a “construção do indivíduo é a história do trabalho. Inicialmente, o indivíduoaparece como um repositório dos vários outros. A dissolução da aparênciadas reposições se dá através do trabalho. O trabalho é, portanto, maneira doindivíduo existir, objetivar-se e, ao objetivar-se, se subjetivar”. 121.4 Trabalho Prisional é Componente Indissociável do Processo <strong>de</strong>Execução Material da Pena Privativa <strong>de</strong> Liberda<strong>de</strong>Cr<strong>em</strong>os que toda essa polêmica ficaria superada se entendêss<strong>em</strong>os otrabalho prisional como um componente indissociável do processo <strong>de</strong> execuçãomaterial da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, o penitenciarismo surgiuno final do Século XVIII com uma proposta <strong>de</strong>finida quanto ao fundamento eàs funções da pena: punir pelo crime praticado (função retributiva da pena),prevenir novos crimes (função preventiva da pena) e recuperar moral e socialmenteo con<strong>de</strong>nado (função utilitarista). Com base na i<strong>de</strong>ologia liberal e cristã(principalmente a doutrina protestante) da época, acreditava-se no trabalho11 A Crise da Socieda<strong>de</strong> do Trabalho <strong>em</strong> Debate. Revista <strong>de</strong> Cultura e Política Lua Nova. SãoPaulo: CEDEC, n. 35, 1985. p. 171-1.12 Indivíduo: Trabalho e Sofrimento – Uma Abordag<strong>em</strong> Interdisciplinar. 2. ed. Petrópolis:Vozes, 1992. p. 50.


como um <strong>de</strong>ver do cidadão e <strong>de</strong> todo o bom cristão. Somente os que exercess<strong>em</strong>trabalho produtivo po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>rados merecedores da condiçãohumana <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> política e religiosa.Por isso, o Penitenciarismo foi concebido e praticado para associar àperda da liberda<strong>de</strong> física (retributivismo) a oportunida<strong>de</strong> para a recuperaçãomoral e social do con<strong>de</strong>nado pelo trabalho prisional (utilitarismo). Assim, ficaevi<strong>de</strong>nte que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a orig<strong>em</strong>, a pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> pressupôs a práticado trabalho como um <strong>de</strong> seus componentes indissociáveis.Com muita proprieda<strong>de</strong>, Michel FOUCAULT assinala que a prisão teria seconstituído, antes que o Direito Criminal <strong>de</strong>la viesse a fazer uso, <strong>em</strong> uma formasist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> se punir o indivíduo. No transcorrer do Século XVIII, ela foi seconsolidando como a expressão <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>-disciplina - estrutural e i<strong>de</strong>ologicamenteorganizada -, para repartir, fixar, distribuir e classificar espacialmenteos indivíduos, tirar <strong>de</strong>les o máximo <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po e o máximo <strong>de</strong> forças, treinar seuscorpos e para mantê-los numa visibilida<strong>de</strong> s<strong>em</strong> lacuna. Para o autor, a “forma geral<strong>de</strong> uma aparelhag<strong>em</strong> para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através <strong>de</strong> umtrabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a<strong>de</strong>finisse como a pena por excelência”. 13 Quanto ao trabalho prisional propriamentedito, enten<strong>de</strong> que foi concebido para acompanhar o encarceramento <strong>de</strong>forma necessária. Aprofundando sua crítica ao penitenciarismo, o autor assinalaque a prisão <strong>de</strong>ve ser vista como uma verda<strong>de</strong>ira “máquina <strong>de</strong> que os <strong>de</strong>tentosoperáriossão ao mesmo t<strong>em</strong>po as engrenagens e os produtos”. 14Por isso, parece-nos claro que a filosofia inspiradora do penitenciarismomo<strong>de</strong>rno fundamentava-se na pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> que o encarceramento do indivíduo<strong>de</strong>linqüentesomente se justifica ética e politicamente se concomitante com oexercício <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> laboral, visando transformá-lo <strong>em</strong> cidadão socialmenteútil. Assim, o conceito <strong>de</strong> prisão como pena com função ressocializadorapressupõe necessariamente a prática do trabalho prisional. Ainda recorrendoà arguta e perspicaz crítica <strong>de</strong> Michel FOUCAULT, por meio do trabalho, “oladrão é requalificado <strong>em</strong> operário dócil”. 15Hoje, sab<strong>em</strong>os que a função recuperatória é altamente questionávelquanto aos seus resultados práticos, enquanto que a função retributiva per<strong>de</strong>força e, <strong>em</strong> seu lugar, acentua-se a função preventiva individual. Acredita-se13 Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 207.14 Id<strong>em</strong>, p. 216.15 Ibid<strong>em</strong>, p. 217.


que a pena se justifica para evitar que o indivíduo infrator cometa mais crimese para garantir-lhe, ao final do processo executório penal, o direito <strong>de</strong> inserçãosocial. Mesmo assim, os estabelecimentos penais não pod<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ofereceraos con<strong>de</strong>nados as condições mínimas <strong>de</strong> assistência material, à saú<strong>de</strong>, jurídica,educacional, social e religiosa, conforme preconiza a ONU <strong>em</strong> suas RegrasMínimas para Tratamento do Presidiário e se encontra positivado na própriaa Lei <strong>de</strong> Execução Penal (art. 11). Não obstante a gran<strong>de</strong> frustração quantoaos resultados positivos da função ressocializadora da pena, é preciso mantera firme crença na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se garantir ao preso a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> optarvoluntariamente por uma futura reinserção social, que represente a expectativa<strong>de</strong> uma vida <strong>em</strong> liberda<strong>de</strong> com o mínimo <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>.Se assim não fosse, os estabelecimentos penais não precisariam ser concebidose construídos para o fim <strong>de</strong> oferecer, nas diversas áreas acima mencionadas,o mínimo <strong>de</strong> assistência ao preso. Em conseqüência, teríamos que admitir a valida<strong>de</strong><strong>de</strong> um retorno à função estritamente retributiva da pena e isto contraria opróprio processo histórico <strong>de</strong> humanização do sist<strong>em</strong>a punitivo. Por isso mesmoa pena <strong>de</strong> prisão não po<strong>de</strong> ser dissociada da idéia <strong>de</strong> trabalho.Portanto, se o trabalho prisional é parte integrante do processo <strong>de</strong> execuçãomaterial da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, não v<strong>em</strong>os razão para se questionara sua legitimida<strong>de</strong> jurídica e, muito menos, a constitucionalida<strong>de</strong> das regrasque estabelec<strong>em</strong> a sua obrigatorieda<strong>de</strong>. Se a própria Constituição admite a penaprivativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> como uma das formas legítimas <strong>de</strong> resposta punitivaestatal (art. 5 o , inciso XLVI, letra a) e se o trabalho é uma ativida<strong>de</strong> inerente aoprocesso <strong>de</strong> execução da pena <strong>de</strong> prisão, não pod<strong>em</strong>os negar valida<strong>de</strong> à normaque prevê a obrigatorieda<strong>de</strong> do trabalho prisional. Este, a nosso ver, constitui-senum componente indissociável e uma prática inerente do mo<strong>de</strong>rno processo <strong>de</strong>cumprimento da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.Cabe reiterar, no entanto, que não obstante a regra da obrigatorieda<strong>de</strong>,o preso po<strong>de</strong> se recusar ao trabalho prisional e preferir cumprir sua pena cominfração a essa regra da disciplina prisional. Isso d<strong>em</strong>onstra que se trata <strong>de</strong> um<strong>de</strong>ver jurídico dotado da respectiva sanção, que se consubstancia na perda <strong>de</strong>benefícios legais previstos na legislação penal e <strong>de</strong> execução penal.Por último, é preciso reconhecer que ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> trabalhar por partedo con<strong>de</strong>nado correspon<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> proporcionar ao preso a oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> exercer, com dignida<strong>de</strong>, um tipo <strong>de</strong> trabalho compatível com suaaptidão física e inteletiva e que seja viável <strong>em</strong> face dos limites da realida<strong>de</strong>


penitenciária.2 Trabalho Externo nos Regimes Fechado e Aberto2.1 Incompatibilida<strong>de</strong> do Trabalho Externo com o Regime FechadoQuando nos referimos ao trabalho penitenciário, estamos tratando dotrabalho interno, que é a regra nos regimes s<strong>em</strong>i-aberto e fechado. Aliás, nesteúltimo, como ver<strong>em</strong>os adiante, não <strong>de</strong>veria ser admitida a modalida<strong>de</strong> do trabalhoexterno, que é o objeto específico <strong>de</strong> nosso estudo. A nosso ver, o trabalhoexterno somente t<strong>em</strong> sentido nos regimes s<strong>em</strong>i-aberto e aberto. Este último,vale ressaltar, somente é concebível com base no trabalho externo.Nosso Código Penal, a ex<strong>em</strong>plo da gran<strong>de</strong> maioria dos países mo<strong>de</strong>rnos,adotou o sist<strong>em</strong>a progressivo no que diz respeito ao processo executório dapena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Em conseqüência e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do quantum aplicadona sentença con<strong>de</strong>natória e das condições jurídicopenais do con<strong>de</strong>nado,a pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> será cumprida <strong>de</strong> forma progressiva, iniciandopelo regime fechado, passando pelo regime s<strong>em</strong>i-aberto até o regime aberto,antes do livramento condicional. No caso <strong>de</strong> falta disciplinar cometida duranteo processo <strong>de</strong> execução, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> progressão, po<strong>de</strong>rá ocorrer a regressão aoregime mais grave.O regime fechado, aplicado <strong>em</strong> regra aos con<strong>de</strong>nados a uma pena <strong>de</strong>reclusão superior a 8 anos ou aos reclusos-reinci<strong>de</strong>ntes (neste caso não importao quantum da pena aplicada), <strong>de</strong>ve ser cumprido <strong>em</strong> Penitenciária <strong>de</strong> SegurançaMáxima ou Média (arts. 33, § 1 o , letra a, do CP e 87 da LEP). O trabalhoprisional diurno <strong>de</strong>ve ser realizado no interior do estabelecimento penal, <strong>em</strong>oficinas ou locais especialmente preparados para tal fim.Excepcionalmente, o trabalho externo é admitido “<strong>em</strong> serviços ou obraspúblicas”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tomadas as cautelas contra eventual fuga (arts. 34, § 3 o , doCP e 36 caput da LEP). Para exercer o trabalho externo, o con<strong>de</strong>nado <strong>de</strong>veráter cumprido 1/6 <strong>de</strong> sua pena. Sua execução, no entanto, torna-se muito difícile dispendiosa, pois requer o <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> vigilantes ou guardas <strong>em</strong> número suficientepara garantir a segurança dos d<strong>em</strong>ais trabalhadores e funcionários daobra pública e para evitar possíveis evasões dos presos. Por isso, essa forma <strong>de</strong>trabalho extramuros praticamente não t<strong>em</strong> sido utilizada no Brasil.


Além do mais, é preciso ter <strong>em</strong> mente a realida<strong>de</strong> socioeconômica brasileira,marcada por uma massa <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>pregados ou sub<strong>em</strong>pregados:seria um inconcebível contraste ocupar eventuais postos <strong>de</strong> trabalho externocom a mão-<strong>de</strong>-obra penitenciária, <strong>de</strong>ixando trabalhadores livres, cidadãos quenão cometeram nenhum tipo <strong>de</strong> infração penal, s<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego.Por essas e outras razões, entend<strong>em</strong>os que o trabalho externo torna-seincompatível com a execução da pena <strong>em</strong> regime fechado e <strong>de</strong>veria ser admitidoapenas nos regimes s<strong>em</strong>i-aberto e aberto. Com isso, estaríamos evitandoa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>parar com cenas <strong>de</strong>gradantes e plastificadas nasfiguras <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nados trabalhando <strong>em</strong> meio externo, juntamente com outros“trabalhadores livres”, mas todos submetidos ao olhar fiscalizador <strong>de</strong> agentespenitenciários e sob a mira <strong>de</strong> fuzis <strong>em</strong>punhados por guardiões <strong>de</strong> uma segurançaimposta a céu aberto.Basta l<strong>em</strong>brar da cena aviltante e atentatória à dignida<strong>de</strong> humana, veiculadapelos meios <strong>de</strong> comunicação social, dos con<strong>de</strong>nados do Estado norte-americanodo Alabama, quase todos negros, trajando uniforme branco, acorrentados e trabalhandoao longo <strong>de</strong> rodovias sob a vigilância implacável <strong>de</strong> guardas armadoscom fuzis e metralhadoras. Expressão <strong>de</strong> uma obsessiva cultura da severida<strong>de</strong>punitiva, que massificou a prisão como instrumento <strong>de</strong> controle social – a populaçãocarcerária norte-americana dos últimos anos t<strong>em</strong> atingido a assombrosacifra <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> internos –, a prática <strong>de</strong> acorrentar con<strong>de</strong>nadospara trabalhar <strong>em</strong> obras externas ao presídio, profundamente repugnante e<strong>de</strong>gradante, não é exclusivida<strong>de</strong> da justiça criminal daquele Estado, mas umaprática comum, lamentavelmente, <strong>em</strong> outros Estados daquele país.2.2 Trabalho Externo como Fundamento do Regime AbertoQuanto ao regime aberto, a execução da pena “baseia-se na autodisciplinae senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do con<strong>de</strong>nado” (art. 36 do CP). O trabalho externo,<strong>em</strong> ativida<strong>de</strong> pública ou privada <strong>de</strong>svinculada da administração penitenciária,constitui-se no fundamento <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> cumprimento da pena privativa <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> a prestação efetiva <strong>de</strong> trabalho externo com liberda<strong>de</strong>e <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com os d<strong>em</strong>ais trabalhadores, <strong>de</strong>saparece opressuposto do regime aberto.Portanto, o trabalho externo é inerente ao regime aberto.


3 Regime S<strong>em</strong>i-aberto e Trabalho Externo3.1 Destinatários e Estabelecimento Penal <strong>de</strong> Cumprimento doRegime S<strong>em</strong>i-abertoSe a pena aplicada for <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção superior a 4 anos e primário o con<strong>de</strong>nado;se este for reinci<strong>de</strong>nte e a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, seja qual for o seu quantum;se for <strong>de</strong> reclusão superior a 4 e não superior a 8 anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não reinci<strong>de</strong>nteo con<strong>de</strong>nado, <strong>em</strong> todos esses casos, o regime inicial será o s<strong>em</strong>i-aberto (art.33, caput e § 2 o , letra b, do CP). O regime s<strong>em</strong>i-aberto <strong>de</strong>ve ser cumprido <strong>em</strong>Colônia Penal Agrícola ou Industrial ou estabelecimento similar (art. 33, §1 o , letra b, do CP).Nesse regime, o con<strong>de</strong>nado cumpre sua pena s<strong>em</strong> ficar submetido às regrasrigorosas do regime fechado, isto é, s<strong>em</strong> ficar sujeito ao isolamento penitenciário.Por isso, a Colônia Penal é estabelecimento que não possui dispositivose equipamentos ostensivos <strong>de</strong> segurança contra fuga do con<strong>de</strong>nado: gra<strong>de</strong>s,muros, cercas, vigilância ostensiva com guardas armados, etc. Num sentidoamplo da expressão, as colônias penais pod<strong>em</strong> ser classificadas como estabelecimentospenais abertos, principalmente, as agrícolas, on<strong>de</strong> os con<strong>de</strong>nadostrabalham a céu aberto, nos afazeres próprios da agricultura ou da pecuária. Asativida<strong>de</strong>s são ali <strong>de</strong>senvolvidas s<strong>em</strong> a vigilância ostensiva <strong>de</strong> funcionários ouguardas. O cumprimento da pena se <strong>de</strong>senvolve num regime <strong>de</strong> confiança entreo con<strong>de</strong>nado e o pessoal da administração penitenciária, regime este que <strong>de</strong>vecaraterizar-se como uma categoria intermediária entre o fechado e o aberto. Adisciplina prisional <strong>de</strong>ve ser observada pelo con<strong>de</strong>nado s<strong>em</strong> a necessida<strong>de</strong> d<strong>em</strong>ecanismos rígidos <strong>de</strong> controle, como no caso do regime fechado.Estando o con<strong>de</strong>nado internado numa Colônia Penal, o trabalho prisional<strong>de</strong>ve ali ser realizado. Essa é a regra e isso torna prejudicada toda e qualquerdiscussão a respeito do trabalho externo. No entanto, no caso <strong>de</strong> inexistência<strong>de</strong> Colônia Penal, fato comum na práxis da execução penal brasileira, caberessaltar que o regime s<strong>em</strong>i-aberto não po<strong>de</strong> ser cumprido <strong>em</strong> Penitenciária, queé o estabelecimento penal a<strong>de</strong>quado para o cumprimento <strong>de</strong> pena reclusiva <strong>em</strong>regime fechado. Tampouco <strong>em</strong> “pavilhões” “alas” ou espaços anexos <strong>de</strong> umaPenitenciária. Isto também parece não comportar qualquer dúvida.


3.2 Posição do CP sobre o Regime S<strong>em</strong>i-aberto e Trabalho ExternoAo traçar as regras gerais <strong>de</strong> direito material sobre o regime s<strong>em</strong>i-aberto,o § 2 o do art. 35 do CP estabelece que o “trabalho externo é admissível, b<strong>em</strong>como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, <strong>de</strong> instrução <strong>de</strong>segundo grau ou superior”. Verificamos que a norma penal, ao criar o direito,não estabelece qualquer condição objetiva <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> t<strong>em</strong>poral para o seu exercíciopelo con<strong>de</strong>nado. E é regra el<strong>em</strong>entar <strong>de</strong> hermenêutica que, on<strong>de</strong> a lei nãorestringe, não cabe ao intérprete restringir <strong>em</strong> prejuízo do indivíduo.Dessa forma, po<strong>de</strong>-se concluir que o Direito Penal vigente, levando <strong>em</strong>consi<strong>de</strong>ração os males inevitáveis causados pelo encarceramento, as dificulda<strong>de</strong>sverificadas <strong>em</strong> nosso país para a construção e manutenção <strong>de</strong> estabelecimentospenais a<strong>de</strong>quados <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com a lei positiva e, <strong>em</strong> especial, visandoa efetivar a harmônica integração social do con<strong>de</strong>nado, autoriza o trabalhoexterno <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto. Quanto a esse direito do con<strong>de</strong>nado, não háqualquer divergência na doutrina ou na jurisprudência. A divergência se manifestaapenas no tocante aos requisitos e às hipóteses <strong>em</strong> que o trabalho externopo<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser autorizado.3.3 A Lei <strong>de</strong> Execução Penal e o Trabalho Externo <strong>em</strong> Regime S<strong>em</strong>iabertoAo fixar as regras para a disciplina do trabalho externo, a LEP admiteessa modalida<strong>de</strong> laboral para os con<strong>de</strong>nados <strong>em</strong> regime fechado, “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> quetomadas as cautelas contra a fuga” (art. 36, caput). O dispositivo seguinte(art. 37) estabelece que o trabalho externo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> aptidão, disciplina eresponsabilida<strong>de</strong>, “além do cumprimento mínimo <strong>de</strong> um sexto da pena”. Umacorreta interpretação lógico-sistêmica conduz ao entendimento <strong>de</strong> que essesdois dispositivos são aplicáveis unicamente ao trabalho externo dos con<strong>de</strong>nados<strong>em</strong> regime fechado. Isso porque, pela natureza mais rigorosa quanto àdisciplina prisional e à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, a regra nesse regime consiste<strong>em</strong> se cumprir a pena <strong>de</strong> forma segregada do meio externo, no interior <strong>de</strong> umestabelecimento penal dotado <strong>de</strong> mecanismos ostensivos contra a fuga.Portanto, no regime fechado, a regra é o trabalho interno, e a exceção,o trabalho externo ao estabelecimento penal. Conforme assinalamos acima,


cr<strong>em</strong>os que o trabalho externo é incompatível com o regime fechado. Aomenos <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os reconhecer a extr<strong>em</strong>a dificulda<strong>de</strong> material e a inconveniênciapolítico-jurídica <strong>de</strong> sua efetiva execução.Quanto ao trabalho externo dos con<strong>de</strong>nados <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto, aLEP não estabelece qualquer condição ou requisito para o exercício <strong>de</strong>sse direito.Aliás, a LEP é omissa na disciplina do trabalho externo <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto.Não cr<strong>em</strong>os que o direito contido no art. 36 da LEP seja aplicável, por meio<strong>de</strong> um oblíquo processo <strong>de</strong> interpretação, às hipóteses <strong>de</strong> trabalho externo dospresos <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto. Parece-nos que as regras ali positivadas refer<strong>em</strong>seexclusivamente aos casos <strong>de</strong> trabalho externo dos presos <strong>em</strong> regime fechadoe, portanto, não há como ser<strong>em</strong> aplicadas aos presos <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto,o que justifica um tratamento menos rigoroso.Tanto é que, nos artigos já mencionados e nos arts. 122 a 125, que tratamda saída t<strong>em</strong>porária, direito este assegurado aos con<strong>de</strong>nados <strong>em</strong> regimes<strong>em</strong>i-aberto, não há qualquer referência à saída para o exercício <strong>de</strong> trabalhoexterno. Diante da omissão da Lei <strong>de</strong> Execução, mas tendo-se <strong>em</strong> vista a normaexpressa <strong>de</strong> direito material (art. 35, § 2 o , do CP), torna-se indiscutível odireito do preso, <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto, ao trabalho externo, direito este queprecisa ser judicialmente garantido, para que a justiça seja efetivada <strong>em</strong> nível<strong>de</strong> execução penal.3.4 A Doutrina sobre Trabalho Externo <strong>em</strong> Regime S<strong>em</strong>i-abertoDiante da taxativida<strong>de</strong> da norma contida no art. 35, § 2 o , do CP, os doutrinadorestêm posição unânime <strong>em</strong> reconhecer o direito ao trabalho externo pelocon<strong>de</strong>nado <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto. Em síntese, os autores pesquisados faz<strong>em</strong>referência ao disposto na lei positiva, que é expressa para garantir o direito aotrabalho externo pelo con<strong>de</strong>nado <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto.Os comentadores <strong>de</strong> nosso CP 16 , no entanto, não questionam as condiçõese circunstâncias <strong>em</strong> que o con<strong>de</strong>nado no regime s<strong>em</strong>i-aberto po<strong>de</strong>rá16 JESUS, Damásio <strong>de</strong>. Direito Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 462; TELES, NeyMoura. Direito Penal. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998. p.52. MIRABETE, Júlio F. Manual <strong>de</strong>Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 259; COSTA JÚNIOR, Paulo José da.Comentários ao Código Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 259; FRAGOSO,Heleno Cláudio. Lições <strong>de</strong> Direito Penal – Parte Geral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1995. p.297; LEAL, João José. Direito Penal Geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 333.


exercer o direito ao trabalho externo. Questões, por ex<strong>em</strong>plo, não abordadaspela doutrina: a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprimento da pena <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto <strong>em</strong>estabelecimento penal que não seja a Colônia Penal; o direito <strong>de</strong> o con<strong>de</strong>nadoque iniciar o cumprimento <strong>de</strong> sua pena nesse regime prisional mais brandotrabalhar fora do presídio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo do processo executório; o exercício<strong>de</strong> trabalho externo mesmo se houver oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho no interior doestabelecimento penal a<strong>de</strong>quado, no caso, a Colônia Penal.Por outro lado, há entendimento doutrinário e jurispru<strong>de</strong>ncial no sentido<strong>de</strong> que o trabalho externo somente po<strong>de</strong> ser autorizado ao con<strong>de</strong>nado <strong>em</strong> regimes<strong>em</strong>i-aberto, após o cumprimento <strong>de</strong> um sexto da pena. A nosso ver, a exigência<strong>de</strong>sse requisito só t<strong>em</strong> sentido e procedência jurídica quando o con<strong>de</strong>nadoiniciar a execução da pena <strong>em</strong> regime fechado e, por mérito, progredir para oregime s<strong>em</strong>i-aberto. Nessa hipótese, o con<strong>de</strong>nado já terá cumprido um sextoda pena e, assim, po<strong>de</strong>rá satisfazer esse requisito objetivo para ser beneficiadocom o trabalho externo.No entanto, se o con<strong>de</strong>nado iniciar o cumprimento da pena <strong>em</strong> regimes<strong>em</strong>i-aberto e preencher os requisitos <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> subjetiva (boa conduta social,personalida<strong>de</strong> sensível à função motivadora da norma penal e compatível como trabalho fora do estabelecimento penal, garantia <strong>de</strong> trabalho externo lícito ea<strong>de</strong>quado à condição <strong>de</strong> trabalhador-con<strong>de</strong>nado), cr<strong>em</strong>os que po<strong>de</strong>rá exercertrabalho externo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros dias do processo executório penal, s<strong>em</strong>ter <strong>de</strong> cumprir um sexto da pena, basta inexistir Colônia Penal ou vaga nesseestabelecimento. A razão é simples: ao cumprir um sexto <strong>de</strong> sua pena e apresentarmérito prisional, quando o con<strong>de</strong>nado exercitar o seu direito subjetivojá não mais será apenas para o trabalho externo <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto, maspara a progressão ao regime aberto, b<strong>em</strong> mais favorável. Portanto, não t<strong>em</strong>sentido a exigência <strong>de</strong>sse lapso t<strong>em</strong>poral <strong>em</strong> relação aos con<strong>de</strong>nados <strong>em</strong> regimes<strong>em</strong>i-aberto.Vale ressaltar, mais uma vez, que o art. 35, § 2 o , do CP não estabelecenenhum requisito, seja <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> objetiva ou subjetiva, para a concessão dotrabalho externo no regime s<strong>em</strong>i-aberto. Por sua vez, como o requisito contidono art. 37 da LEP só se refere ao trabalho externo no regime fechado, acreditamosque a exigência <strong>de</strong>sse lapso t<strong>em</strong>poral é inaplicável ao regime s<strong>em</strong>i-aberto.Não nos parece admissível que a norma <strong>de</strong> conteúdo material, asseguradora<strong>de</strong> um direito que trata da liberda<strong>de</strong>, seja inútil, vazia <strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong>spida<strong>de</strong> qualquer aplicabilida<strong>de</strong>. Além disso, não seria admissível, como a melhor


interpretação para a questão <strong>em</strong> exame, que o disposto no art. 37 da LEP, queé norma procedimental e que está inserida numa seção disciplinadora do trabalhoexterno <strong>em</strong> regime fechado, prevaleça sobre o disposto no art. 35, § 2 o ,do CP, que é norma substantiva. Seria admitir-se uma inversão nos valores dahierarquia normativa consagrada por nosso sist<strong>em</strong>a jurídico.Em conclusão, cr<strong>em</strong>os que a questão po<strong>de</strong> ser assim resumida: existindovaga <strong>em</strong> Colônia Agrícola ou Industrial ou estabelecimento similar (art. 33, §1 o , letra b, do CP e 91 da LEP), o trabalho no regime s<strong>em</strong>i-aberto <strong>de</strong>ve ser realizadono interior <strong>de</strong>sse estabelecimento penal. Essa <strong>de</strong>ve ser a regra. Somente<strong>em</strong> caso excepcional, po<strong>de</strong>ria ser justificado o trabalho externo.Na hipótese <strong>de</strong> inexistência <strong>de</strong> vaga ou da própria Colônia Penal – o queé muito comum <strong>em</strong> nosso país -, cr<strong>em</strong>os que o con<strong>de</strong>nado <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>iaberto<strong>de</strong>ve ser autorizado a exercer trabalho externo, s<strong>em</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cumprimento <strong>de</strong> 1/6 da pena. O que não é admissível é <strong>de</strong>nominar “pavilhões”,“espaços anexos” ou “alas” <strong>de</strong> penitenciárias com o rótulo oficial <strong>de</strong> ColôniaPenal Agrícola ou Industrial, para ali improvisar um espaço penal <strong>de</strong>stinadoaos con<strong>de</strong>nados <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto. Lamentavelmente, é o que v<strong>em</strong> ocorrendo<strong>em</strong> muitos Estados brasileiros, o que representa um verda<strong>de</strong>iro “<strong>de</strong>svio<strong>de</strong> execução” (art. 185 da LEP), institucionalizado com a chancela <strong>de</strong> muitosjuízes da execução penal.Havendo estabelecimento a<strong>de</strong>quado e a necessária vaga, além da oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> trabalho interno, é lógico que não há qualquer sentido<strong>em</strong> se falar <strong>de</strong> direito ao trabalho externo.4 Consi<strong>de</strong>rações FinaisDo estudo que realizamos sobre a obrigatorieda<strong>de</strong> do trabalho prisionale, <strong>de</strong> forma mais específica, sobre as regras jurídicas que disciplinam o trabalhoexterno no regime s<strong>em</strong>i-aberto, chegamos a algumas conclusões que a seguirserão <strong>de</strong>stacadas.1. As normas contidas no CP (arts. 34, § 1 o , 35, § 1 o , e 36, § 1 o , do CP)e na LEP (art. 28), estabelecendo a obrigatorieda<strong>de</strong> do trabalho prisional, nosregimes fechado, s<strong>em</strong>i-aberto e aberto, estão <strong>em</strong> consonância com as recomendaçõescontidas nas Regras Mínimas para o Tratamento do Presidiário,aprovadas pela ONU.


2. Essas normas foram recepcionadas pela CF/88 e, portanto, não contrariamprincípios ali consagrados: individualização da pena; dignida<strong>de</strong> dapessoa humana; humanida<strong>de</strong> da pena; liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> profissão ofícioou ativida<strong>de</strong>, entre outros. Na verda<strong>de</strong>, as normas infraconstitucionais queobrigam ao trabalho prisional pod<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas como a expressão dasnormas constitucionais que consagram o “valor social do trabalho” e o trabalho“como primado da ord<strong>em</strong> social”.3. Essas normas se i<strong>de</strong>ntificam, também, com a legislação penitenciáriada maioria das nações cont<strong>em</strong>porâneas e representam o compromisso éticopolíticocom a adoção, no plano do direito interno, das Regras Mínimas para oTratamento do Presidiário (art. 71, 2). Por isso, pod<strong>em</strong>os afirmar que a normaque estabelece a obrigatorieda<strong>de</strong> jurídica ao trabalho prisional, além <strong>de</strong> se encontraralicerçada <strong>em</strong> princípios constitucionais, repousa numa autêntica font<strong>em</strong>aterial <strong>de</strong> direito internacional.4. O trabalho prisional é um componente indissociável do processo <strong>de</strong>execução material da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e sua obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>corredo <strong>de</strong>ver maior <strong>de</strong> o con<strong>de</strong>nado se submeter ao cumprimento da própria sançãoe ao regime disciplinar que lhe é inerente.5. O trabalho externo, pelas condições <strong>em</strong> que necessariamente se<strong>de</strong>senvolve, torna-se incompatível ou, ao menos, inconveniente no âmbito<strong>de</strong> cumprimento da pena <strong>em</strong> regime fechado. O Estado t<strong>em</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> criaras condições materiais necessárias para oferecer ao preso a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>a<strong>de</strong>quado exercício <strong>de</strong> trabalho no interior da Penitenciária. Esse é o preçopolítico-jurídico a ser pago pela adoção do sist<strong>em</strong>a penitenciário progressivo.6. O trabalho externo, no entanto, é essencial ao regime aberto. S<strong>em</strong> agarantia <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> trabalho externo, nas mesmas condições dos d<strong>em</strong>aistrabalhadores, não há que se falar <strong>em</strong> regime aberto.7. No regime s<strong>em</strong>i-aberto, pressupondo-se a existência <strong>de</strong> estabelecimentopenal a<strong>de</strong>quado – Colônia Penal -, o trabalho interno <strong>de</strong>ve ser a regra.No entanto, o trabalho externo não só é legalmente admissível (art. 35, § 2 o , doCP) como perfeitamente compatível com esse regime penitenciário, haja vista,<strong>em</strong> regra, o perfil favorável <strong>de</strong> seus con<strong>de</strong>nados.8. A LEP, no entanto, só se refere expressamente ao trabalho externo noregime fechado, admitindo-o <strong>de</strong> forma excepcional e sujeito a <strong>de</strong>terminadascondições e requisitos (arts. 36 e 37). Um <strong>de</strong>sses requisitos é o que exige o


cumprimento mínimo <strong>de</strong> 1/6 da pena.9. Parte da doutrina e da jurisprudência enten<strong>de</strong> que, também no regimes<strong>em</strong>i-aberto, o trabalho externo só será admissível se o con<strong>de</strong>nado cumprir 1/6da pena. Cr<strong>em</strong>os que a exigência <strong>de</strong>sse requisito <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> t<strong>em</strong>poral somente sejustifica se o con<strong>de</strong>nado progredir do regime fechado para o s<strong>em</strong>i-aberto.10. O con<strong>de</strong>nado <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto <strong>de</strong>ve cumprir a pena <strong>em</strong> “ColôniaPenal Agrícola ou Industrial ou estabelecimento similar”. Esse é mandamentocontido na norma legal. “Estabelecimento similar”, no entanto, não <strong>de</strong>veser sinônimo <strong>de</strong> “pavilhão”, “ala” ou “espaço” anexo <strong>de</strong> uma Penitenciária ou<strong>de</strong> Ca<strong>de</strong>ia Pública.11. A nosso ver, o con<strong>de</strong>nado que iniciar o cumprimento <strong>de</strong> sua pena <strong>em</strong>regime s<strong>em</strong>i-aberto po<strong>de</strong>rá exercer trabalho externo s<strong>em</strong> o cumprimento <strong>de</strong> 1/6da pena. Para tanto, basta inexistir Colônia Penal ou vaga nesse estabelecimento.Embora a doutrina consultada seja omissa sobre a matéria, as <strong>de</strong>cisões dostribunais parec<strong>em</strong> se encaminhar para consolidar esse entendimento.12. O cumprimento <strong>de</strong> pena <strong>em</strong> regime s<strong>em</strong>i-aberto, que não seja ColôniaPenal ou estabelecimento penal rigorosamente s<strong>em</strong>elhante, constitui<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> execução e atenta contra o princípio da individualização da pena.Em conseqüência, <strong>de</strong>ve ser evitado pelos operadores jurídicos que atuam naárea da execução penal.ReferênciasALBERGARIA, Jason. Comentários à Lei <strong>de</strong> Execução Penal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ai<strong>de</strong>,1987.BARROS, Carmen Sílvia. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001.BOSHI, José Antônio; SILVA, Odir Pinto da Silva. Comentários à Lei <strong>de</strong> ExecuçãoPenal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ai<strong>de</strong>, 1987.CODO, Wan<strong>de</strong>rley et alii. Indivíduo: Trabalho e Sofrimento – Uma Abordag<strong>em</strong> Interdisciplinar.2. ed. Petrópolis: Vozes, 1992.COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. Parte Geral. SãoPaulo: Saraiva, 1986.


FALCONI, Romeu. Sist<strong>em</strong>a Prisional: Reinserção Social. São Paulo: Ícone Editora,1998.FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977.FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições <strong>de</strong> Direito Penal. Parte Geral. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1995.JESUS, Damásio <strong>de</strong>. Direito Penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1991.LEAL, João José. Direito Penal Geral. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004.MIOTTO, Armida Bergamini. Curso <strong>de</strong> Direito Penitenciário. São Paulo: Saraiva,1975, v. 2.MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. Comentários à Lei 7.210, <strong>de</strong> 11.7.84.São Paulo: Atlas, 1987.RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2001.SILVA, Josué Pereira da. A Crise da Socieda<strong>de</strong> do Trabalho <strong>em</strong> Debate. Revista <strong>de</strong>Cultura e Política Lua Nova. São Paulo: CEDEC, n. 35, 1985.SILVA, Odir Pinto da; BOSCHI, José Antônio. Comentários à Lei <strong>de</strong> Execução Penal.Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ai<strong>de</strong>, 1987.


DIREITO PENAL TRIBUTÁRIOO Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e os NovosCenários <strong>de</strong> Mitigação do Po<strong>de</strong>r Jurisdicionalno Brasil: o Direito Penal TributárioAplicado pela Administração TributáriaMárcia Aguiar ArendPromotora <strong>de</strong> Justiça e Coor<strong>de</strong>nadora do Centro <strong>de</strong> ApoioOperacional da Moralida<strong>de</strong> Administrativa – SCMestre <strong>em</strong> Direito pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Analú Librelato LongoPromotora <strong>de</strong> Justiça – SCSUMÁRIO: 1 Objeto e estrutura do trabalho – 2 Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Jurisdição – 2.1Jurisdição no Direito Romano – 2.2 O mo<strong>de</strong>lo francês – 2.3 O sist<strong>em</strong>a al<strong>em</strong>ão– 2.4 A jurisdição no Direito italiano – 2.5 Caracteres do sist<strong>em</strong>a do CommonLaw – 2.6 O sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> jurisdição no Brasil – 3 Escorço histórico da LegislaçãoPenal Tributária a partir da Lei 4.729/65 – 4 Análise da <strong>de</strong>cisão do Supr<strong>em</strong>ono HC n o 81611-8 – 5 Consi<strong>de</strong>rações finais – 6 – Referências.1 Objeto e método do trabalhoConcentra-se o objeto <strong>de</strong>ste estudo nos antece<strong>de</strong>ntes e nas conseqüências<strong>de</strong>correntes da <strong>de</strong>cisão do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que elevou as <strong>de</strong>cisões daesfera administrativa tributária a ostentar<strong>em</strong> o status <strong>de</strong> condição objetiva <strong>de</strong>punibilida<strong>de</strong> indispensável para respaldar o ingresso <strong>de</strong> ações penais relacionadasà prática <strong>de</strong> crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária, previstos na Lei 8.137/90.Consi<strong>de</strong>rando-se a mitigação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dizer o direito <strong>em</strong> matériaAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 47 a 80


penal – então exclusivo do Po<strong>de</strong>r Judiciário da República – e parecendo adotara Corte Superior mo<strong>de</strong>lo jurisdicional não recepcionado pela Carta Constitucional,preten<strong>de</strong>-se enfrentar a atualíssima questão com as contribuições do direitocomparado, ramo da ciência jurídica <strong>de</strong> inegável potencial pedagógico, para quese compreenda o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisdição brasileiro (que parece <strong>em</strong> crise), relacionando-ocom a citada <strong>de</strong>cisão, e as implicações nas possibilida<strong>de</strong>s da persecuçãopenal <strong>em</strong> matéria penal tributária.Para tanto, o trabalho incursionará, brev<strong>em</strong>ente, sobre as característicasbasilares dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> jurisdição adotados por alguns países, especialmente omo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisdição adotado pelo Brasil. Na seqüência, <strong>de</strong>stacará excertos doacórdão que indicam mutações no mo<strong>de</strong>lo jurisdicional brasileiro e, ao final, firmena pretensão <strong>de</strong> provocar o <strong>de</strong>bate, registrará as conclusões das autoras.2 Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> JurisdiçãoHá qu<strong>em</strong> diga que o século passado po<strong>de</strong>ria ser também caracterizadocomo tendo sido o século das comparações jurídicas. Para análise do t<strong>em</strong>a, t<strong>em</strong>se,portanto, <strong>de</strong> enfrentar, sobretudo, as comparações e diferenças existentes entreos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> jurisdição adotados por alguns países. De forma sintética, po<strong>de</strong>-sepromover a classificação dos diversos sist<strong>em</strong>as jurídicos cont<strong>em</strong>porâneos <strong>em</strong>três gran<strong>de</strong>s famílias: a família romano-germánica, a família do Common Lawe ainda a família dos Direitos Socialistas.A família romano-germânica agrupa os países <strong>em</strong> que a formação dofenómeno jurídico erigiu-se sob a inspiração do Direito Romano. Em ditos países,as normas jurídicas são concebidas como normas <strong>de</strong> conduta, estreitamentevinculadas a preocupações <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> moral. A ciência jurídica t<strong>em</strong> a tarefafundamental <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o conteúdo <strong>de</strong>ssas normas. Forte no envolvimento<strong>de</strong>ssa pr<strong>em</strong>issa, a “doutrina” muito pouco se interessa pela aplicação do direito,<strong>de</strong>ixando esse aspecto para os práticos do direito e da administração. Outra característicaque <strong>de</strong>sponta da família romano-germânica <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> que osdireitos são instituídos, antes <strong>de</strong> tudo, por razões históricas, com o fim <strong>de</strong> or<strong>de</strong>naras relações entre os cidadãos; os outros ramos do direito que abarcam soluções<strong>de</strong> conflitos entre o indivíduo e o Estado <strong>de</strong>senvolveram-se posteriormente, d<strong>em</strong>odo não tão perfeito, a partir dos princípios do “direito civil”, que continua aser o centro solar da ciência jurídica.


2.1 Jurisdição no Direito RomanoEncontra-se aí, a reconhecida inaptidão do Direito Romano para o direitopúblico. Por isso, entre os romanos, <strong>em</strong>bora o direito e a jurisdição penais, assimcomo a administração do Estado, foss<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rados matérias públicas, estavamsubmetidos ao jogo das forças políticas, nunca aos critérios exclusivamente jurídicos.É por essa característica que se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as razões pelas quais osjuristas romanos não costumavam posicionar-se sobre tais matérias e tampoucoestendiam seus ensinamentos para enfrentá-las. Somente no período clássico tardio,é que se assiste à incursão da literatura jurídica romana, mesmo com certas limitações,ao Direito Penal e a <strong>de</strong>terminados ramos do Direito Administrativo.Certamente <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa prevalência do direito privado sobre opúblico, própria do direito romano, t<strong>em</strong>-se o registro histórico <strong>de</strong> que no continenteeuropeu, durante séculos, privilegiou-se o direito privado.As jurisdições instituídas ou reconhecidas pelo Estado só podiam <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penharsuas funções na esfera do direito privado se a administração figurassecomo parte do litígio, falseando, tanto no plano da teoria quanto no da prática.Na teoria, porque interesse público e interesse particular encontravam-se, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> tal concepção, <strong>em</strong> planos distintos, não po<strong>de</strong>ndo ser medidos com o mesmopadrão; na prática, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituir sério probl<strong>em</strong>a po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> os juízesproferir suas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> modo imparcial e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> litígio tendo comopartes o Estado e o particular. Somente o trabalho dos séculos foi capaz <strong>de</strong> diluirtais inconvenientes, possibilitando a organização prática do procedimento contencioso-administrativo,<strong>de</strong> modo a oferecer garantias suficientes aos particulares.2.2 O mo<strong>de</strong>lo francêsDecorrente <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> foi sendo erigida, gradativamente, a jurisdiçãoadministrativa que culminou com a excessiva atribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res à administração,<strong>de</strong>spojando o Judiciário da função exclusiva <strong>de</strong> dizer o direito. Especialmente<strong>em</strong> função das circunstâncias que cercaram a história da França e mesmo comas contribuições da doutrina <strong>de</strong> Montesquieu, houve o fortalecimento do po<strong>de</strong>rexecutivo inclusive no que tange à prestação <strong>de</strong> jurisdição. Cumpre ressaltar quea doutrina <strong>de</strong> Montesquieu erigiu-se na pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> que os juízes da nação seriamapenas a boca que pronuncia as palavras da lei; seriam seres inanimados que


não pod<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rar seja a força, seja o rigor do direito.Dessa maneira, a doutrina da tripartição do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Montesquieu, recepcionadapela Revolução <strong>de</strong> 1789, envolta no manto retórico <strong>de</strong> constituir-seartefato garantidor da <strong>de</strong>fesa do hom<strong>em</strong> contra a tirania do po<strong>de</strong>r, acabou porassegurar aos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong>le a gestão e as doses da tirania, resultado evi<strong>de</strong>nte dasupr<strong>em</strong>acia do po<strong>de</strong>r executivo e do legislativo sobre o po<strong>de</strong>r judiciário.Apenas para gizar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisdição francês ao t<strong>em</strong>po da Revolução,<strong>de</strong>staca-se a histórica Lei Revolucionária 16-24, <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1790, que erigia oscontornos da chamada “organização judiciária”, cujos princípios tornaram-se osfundamentos do sist<strong>em</strong>a judicial daquele país e <strong>de</strong> muitos outros sist<strong>em</strong>as do direitocontinental europeu que recepcionaram o mo<strong>de</strong>lo francês. O referido diploma legislativoexcluiu, expressamente, do controle do po<strong>de</strong>r judiciário os atos e as ações dopo<strong>de</strong>r legislativo e os da administração, dispondo o seu art. 13 do Título 1112:Les tribunaux ne peuvent ni s’immiscer dans l’exercice duPouvoir législatif, ou suspendre l’exécution <strong>de</strong>s bis, ni entreprendresur les fonctions administratives, ou citer <strong>de</strong>vanteux les administrateurs pour raison <strong>de</strong> leurs fonctions.Na mesma trilha, o art. 3 o da Constituição Francesa, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>1791, vedou aos Tribunais qualquer interferência nas funções administrativas,proibindo, inclusive, o chamamento a juízo dos administradores, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong><strong>de</strong> seu <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>em</strong> tais funções.2.3 O sist<strong>em</strong>a al<strong>em</strong>ãoJá o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> jurisdição vigente no t<strong>em</strong>po do Império, na Al<strong>em</strong>anha, aindano século XIX, caracterizava-se pela ausência <strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong> na distribuição<strong>de</strong> tarefas entre jurisdição e a administração. N<strong>em</strong> mesmo a edição da Or<strong>de</strong>nançaProcessual Civil (Ziveprocessordnung), <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1877, ou da Lei <strong>de</strong>Organização dos Tribunais (Gerichtsverfassungsgesetz), <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1877, implicaram melhoria no sist<strong>em</strong>a jurisdicional que, por vezes, conferiamaior prevalência aos tribunais jurisdicionais, outras vezes, privilegiava cortesadministrativas, permitindo reconhecer-se a prevalência da jurisdição administrativaquando <strong>em</strong> conflito interesses dos cidadãos diante do Estado.A Lei Fundamental <strong>de</strong> Bonn, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1949, já t<strong>em</strong>perada pelasdrásticas transformações no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> estado resultantes da Gran<strong>de</strong> Guerra,


<strong>em</strong> seu art. 14, IV, d<strong>em</strong>onstra, <strong>em</strong> certa medida, a prevalência da jurisdiçãoaplicada pela autorida<strong>de</strong> judiciária, apenas quando inexistente competênciajurisdicional diversa. É do texto do citado diploma germânico: “Se alguém élesado nos seus direitos pelo po<strong>de</strong>r público, po<strong>de</strong> recorrer à autorida<strong>de</strong> judiciária.Enquanto não haja uma diversa competéncia, é competente a autorida<strong>de</strong>judiciária ordinária”.Impõe-se acrescentar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência inclinam-seno sentido <strong>de</strong> estabelecer referenciais para que seja compreensível aexpressão “direitos” (Rechte), <strong>em</strong>pregada <strong>em</strong> tal dispositivo, não só os direitossubjetivos (ou seja, os direitos constitucionalmente garantidos) como tambémos interesses consi<strong>de</strong>rados legítimos e ocasionalmente protegidos (berechtigesInteresse). Há, no mo<strong>de</strong>lo germânico, rigorosa qualificação formal <strong>de</strong> mol<strong>de</strong>a estabelecer e precisar os el<strong>em</strong>entos que caracterizam os “atos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>pública”, <strong>de</strong> maneira a não afastar do controle judicial os atos <strong>de</strong> império (justiziösehoheitsakte). Constata-se que, o âmbito <strong>de</strong> aplicação do preceito encontras<strong>em</strong>pre preciso limite objetivo, aplicado exclusivamente quando relativo aoscomportamentos <strong>de</strong>correntes do po<strong>de</strong>r público, lesivos a uma situação subjetiva<strong>de</strong> vantag<strong>em</strong>, e, <strong>em</strong> tal sentido, visa exatamente a proteger o indivíduo peranteo Estado. Permite-se, no máximo, o alargamento do conceito <strong>de</strong> “po<strong>de</strong>r público”para aí enquadrar também a ativida<strong>de</strong> privada da administração pública eos atos dos organismos sociais (Verbandsmacht). O art. 19, IV, não assegura,contudo, a tutela das relações inter cives 1 .Há que se ressaltar que os tribunais administrativos (Verwaltungsgerichte) foramtotalmente isolados das autorida<strong>de</strong>s administrativas (Verwaltungsbehör<strong>de</strong>n),sendo providos por juízes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes (GG. art. 97.1), <strong>de</strong>signados, vitaliciamente,como m<strong>em</strong>bros permamentes e unidos aos tribunais ordinários no“po<strong>de</strong>r jurisdicional” (rechtsprechen<strong>de</strong>n Gewalt) (GG, art. 92).1 Conforme a percuciente abordag<strong>em</strong> do Professor Carlos Alberto Álvaro <strong>de</strong> Oliveira (inRevista <strong>de</strong> Informação legislativa. n o 119. jul./set. Brasília, 1993. p.221) acrescenta-se atradução dos seguintes artigos da Lei Fundamental <strong>de</strong> Bonn:art. 97.1: Os juízes são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e sujeitos apenas à lei.art. 92: O po<strong>de</strong>r .lurisdicional é confiado aos juízes: ele é exercido pelo Tribunal Constitucional,pelos tribunais fe<strong>de</strong>rais previstos na presente lei fundamental e pelos tribunais dosLän<strong>de</strong>r. (É importante notar que o art. 95.1, institui como Corte Supr<strong>em</strong>a para a jurisdiçãoadministrativa o Tribunal Administrativo Fe<strong>de</strong>ral).art. 93.1, n o 4: O Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral julga: <strong>em</strong> outras controvérsias <strong>de</strong> direitopúblico entre o Bund e os Län<strong>de</strong>r, ou entre diversos Län<strong>de</strong>r, ou internamente ao Land, quandonão se po<strong>de</strong> recorrer a outra autorida<strong>de</strong> judiciária.


No que diz respeito à competência (Zuständigkeit), <strong>de</strong>termina-se pela introdução<strong>de</strong> uma cláusula geral (Generalklausel), que tornou quase completa atutela jurídica administrativa (Verwaltungsrechtsschutz). Desta forma, o sist<strong>em</strong>aassegura as bases e as fronteiras entre a jurisdição civil (Zivilgerichtsbarkeit)e a jurisdição administrativa (Verwaltungsgerichtsbarkeit). Aliás, a isso correspon<strong>de</strong>também a própria maneira <strong>de</strong> se expressar da Lei Fundamental <strong>de</strong>Bonn, quando fala <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego da via judicial não só <strong>em</strong> relação aos tribunaisordinários (ou especiais) mas também no que se refere aos administrativos. Nofundo, portanto, os tribunais administrativos (Verwaitungsgerichte) pod<strong>em</strong> serconsi<strong>de</strong>rados tribunais ordinários (or<strong>de</strong>ntilichen Gerichte), como os tribunaiscivis (Zivilgerichte), no âmbito do Direito Civil (Bürgerlichen Rechts), constitu<strong>em</strong>tribunais ordinários.Convém acrescentar que, na Al<strong>em</strong>anha, o processo civil é o processoperante o Tribunal da jurisdição ordinária nas li<strong>de</strong>s civis (Zivilprozess ist dasVerfahren <strong>de</strong>r Gerichte <strong>de</strong>r or<strong>de</strong>ntlichen Gerichtsbarkeit in bürgelichen Rechtsstreitigkeiten).Compondo-se o seu contrário dos litígios <strong>de</strong> direito públicos(offentlichrechtlichen Streitigkeiten). Enquanto os litígios civis (bürgerlicheRechetsstreitigkeiten) <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong> relações jurídicas, estando diante <strong>de</strong>las, nomesmo plano, os direitos subjetivos, os litígios <strong>de</strong> direito público brotam <strong>de</strong>relações jurídicas entre autorida<strong>de</strong> e cidadão, nas quais o direito subjetivoaponta a posição <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> da primeira e a relação <strong>de</strong> subordinação doúltimo.Logo, o processo civil presta-se à realização da ord<strong>em</strong> jurídica privada,à medida que são acionados os tribunais da jurisdição ordinária (Gerichte <strong>de</strong>ror<strong>de</strong>ntlichen Gerichtsbarkeit). Apenas uma pequena parte dos litígios civis edos litígios trabalhistas sujeitam-se à competência dos tribunais da jurisdiçãotrabalhista (Arbeitsgerichtsbarkeit).Há ainda os tribunais <strong>de</strong> jurisdição administrativa (Verwaltungsgerichtbarkeit),<strong>de</strong> jurisdição social (Sozialgerichtsbarkeit) e <strong>de</strong> jurisdição financeira(Finanzgerichtsbarkeit), para os quais foram criados or<strong>de</strong>namentos processuais,que, a b<strong>em</strong> da verda<strong>de</strong>, norteiam-se nos princípios fundamentais do direitoprocessual civil. Conseqüent<strong>em</strong>ente, a lei dos tribunais administrativos <strong>de</strong>1960, a lei dos tribunais sociais <strong>de</strong> 1953 e a lei dos tribunais financeiros <strong>de</strong>1965 atribu<strong>em</strong> um valor subsidiário ao Or<strong>de</strong>namento Processual Civil (ZPO),como também ocorre com a legislação brasileira, que s<strong>em</strong>pre realça o carátersubsidiário do Código <strong>de</strong> Processo Civil no disciplinamento do or<strong>de</strong>namentoprocessual. Cumpre acrescentar que, tanto lá quanto cá, há reclamações preco-


nizando a uniformização mais ampla possível <strong>de</strong> todas as leis processuais.2.4 A jurisdição no Direito italianoEm relação ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisdição adotado na Itália, impõe-se consi<strong>de</strong>rarque os excessos vivenciados durante o período fascista, <strong>em</strong> certa medida, moldaramo mo<strong>de</strong>lo concebido pelo Constituinte italiano <strong>de</strong> 1947, extratado no textodo art. 113 do atual or<strong>de</strong>namento constitucional, assim vazado:Contro gli atti <strong>de</strong>lla pubblica amministrazione è s<strong>em</strong>preammesa la tutela giurisdizionale <strong>de</strong>i diritti e <strong>de</strong>gli interessilegittimi dinanzi agli organi di giurisdizione ordinaria oamministrativa.E, segundo a alínea 2 do mesmo dispositivo:tale tutela giurisdizionale non puó essere esclusa o limitataa particolari mezzi di impugnazione o per <strong>de</strong>terminatecategorie di atti.Já, na alínea 3 do art. 113, estabeleceu o Constituinte:La legge <strong>de</strong>termina quali organi di giurisdizione possonoannullare gli atti <strong>de</strong>lla pubblica amministrazione nei casie con gli effetti previsti dalla legge stessa.Antes, porém, no art. 24, caput, assegurou a Carta italiana que:Tutti possono agire in giudizio per la tutela <strong>de</strong>i propri dirittie interessi legittimi.Percebe-se que o mo<strong>de</strong>lo italiano é marcadamente original, se comparado,especialmente, aos sist<strong>em</strong>as al<strong>em</strong>ão e francês. Verifica-se, pois, que o sist<strong>em</strong>a al<strong>em</strong>ãoconcentrou o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> das controvérsias entre cidadão e administração <strong>em</strong> umaord<strong>em</strong> <strong>de</strong> juízes especiais (os tribunais administrativos). Já o sist<strong>em</strong>a francês constituiuuma ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> competência <strong>em</strong> juízes especiais para esse tipo <strong>de</strong> litígio, agindocom amparo <strong>em</strong> normas que estabelec<strong>em</strong> tipos processuais diferenciados, restandoao juiz civil apenas uma competência residual, <strong>em</strong> certa medida marginal.Desse modo, a originalida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a italiano resi<strong>de</strong> no critério <strong>de</strong> distinçãoentre a tutela dos direitos subjetivos e a tutela dos chamados interesses legítimos. Aprimeira atribuída aos órgãos da jurisdição civil, e a segunda, à jurisdição dos órgãosda justiça administrativa (ou jurisdição administrativa <strong>em</strong> sentido subjetivo).


Exatamente <strong>em</strong> função <strong>de</strong>sta dupla jurisdição, a doutrina incr<strong>em</strong>enta estudospara estabelecer critérios distintivos entre direitos subjetivos e interesseslegítimos. No direito subjetivo, o interesse vincula-se diretamente ao indivíduo,e a sua proteção constitui exclusiva <strong>de</strong>corrência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> asseguraresse direito. No interesse legítimo, afirma a corrente majoritária, o interessenão se liga imediatamente ao indivíduo, só o afetando como integrante da coletivida<strong>de</strong>.Em hipóteses tais, a proteção visa ao interesse geral, beneficiandoo indivíduo apenas “na sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bro do Estado”. A competênciada autorida<strong>de</strong> administrativa, <strong>de</strong> outra face, alinha-se também como critériodistintivo: o direito subjetivo surge, para o administrado, <strong>em</strong> face <strong>de</strong> competênciavinculada, enquanto o interesse legítimo <strong>de</strong>sponta com a competênciadiscricionária. O interesse legítimo, sob o ponto <strong>de</strong> vista da tutela, po<strong>de</strong> revestirdois aspectos: interesses ocasionalmente protegidos e direitos imperfeitos ouenfraquecidos (affievoliti).De qualquer forma, os tribunais civis italianos não só estão impedidos <strong>de</strong>exercer algum po<strong>de</strong>r cautelar <strong>de</strong> suspensão do ato administrativo, impugnado porlesão <strong>de</strong> direitos subjetivos, como n<strong>em</strong> mesmo pod<strong>em</strong> anular o ato administrativo,mesmo se <strong>de</strong>clarado lesivo a um direito fundamental, <strong>de</strong>vendo limitar-se àcon<strong>de</strong>nação ao ressarcimento dos danos.2.5 Caracteres do sist<strong>em</strong>a do Common LawChega-se agora à abordag<strong>em</strong> do mo<strong>de</strong>lo adotado na Inglaterra, on<strong>de</strong> não set<strong>em</strong> notícia dos sentimentos agudos <strong>de</strong> irresignação popular contra o Po<strong>de</strong>r Judiciário.Po<strong>de</strong>-se mesmo dizer que, <strong>em</strong> certa medida, o po<strong>de</strong>r judiciário <strong>de</strong>u conta<strong>de</strong> cumprir seu múnus na proteção das liberda<strong>de</strong>s individuais, sendo respeitadopelos cidadãos ingleses. Logo, diferent<strong>em</strong>ente da França, a revisão judicial daação administrativa nenhum obstáculo sério sofreu na Grã-Bretanha. Aliás, naInglaterra, não prosperou a doutrina francesa da separação dos po<strong>de</strong>res, mesmodistando <strong>em</strong> quase um século a chamada Revolução Inglesa <strong>de</strong> 1688, com a qualrestara absoluta a supr<strong>em</strong>acia do Parlamento. É <strong>de</strong> tal matiz a supr<strong>em</strong>acia do legislativoque chancelou a cunhag<strong>em</strong> do conhecido provérbio inglês, “tudo po<strong>de</strong>fazer, exceto transformar um hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> mulher ou uma mulher <strong>em</strong> hom<strong>em</strong>.”Teorizador da chamada Revolução Gloriosa, John Locke <strong>de</strong>fendia a supr<strong>em</strong>aciado Legislativo, concebendo-o como the Soul that gives Form, Life, andUnity to the Commonwealth, fortalecendo o princípio fundamental (Grundnorm)


da supr<strong>em</strong>acia parlamentar. Decorrente <strong>de</strong>sse princípio, verifica-se que, naprática do direito público inglês, t<strong>em</strong>-se evi<strong>de</strong>nciado o ciclo evolutivo <strong>de</strong>ssecontrole jurisdicional sobre a administração pública, pois daí po<strong>de</strong> ele se dizeroriginário. É possível perceber, na história da Inglaterra, que à medida que seafirma a in<strong>de</strong>pendência e autonomia do Judiciário, o controle jurisdicional dosatos da administração pública vai se tornando mais efetivo, constituindo-se, b<strong>em</strong>por isto, <strong>em</strong> princípio do common law, perante os tribunais comuns, a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> se responsabilizar a administração por seus atos, <strong>em</strong>bora restringidaa competência originária <strong>de</strong> tais órgãos judicantes por lei escrita. 2Oportuna a citação que ora se <strong>de</strong>staca e que caracteriza o significado dalei ordinária e tradicional no Reino da Inglaterra:[...] aqui, todo hom<strong>em</strong> seja qual for sua classe ou condiçãosujeita-se à lei ordinária do reino e à jurisdição dos tribunaisordinários”. Daí a razão por que “o império da lei,neste sentido, exclui a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> qualquer exceção para osfuncionários e outras pessoas, no concernente ao respeito<strong>de</strong> obediência à lei que rege os outros cidadãos, ou relativamenteà jurisdição dos tribunais ordinários; não po<strong>de</strong> haverentre nós nada correspon<strong>de</strong>nte ao direito administrativo ouaos Tribunais administrativos <strong>de</strong> França. A noção que jazno fundo do “direito administrativo”, conhecido nos paísesestrangeiros, é que as questões ou controvérsias referentesao governo e a seus agentes escapam à esfera dos tribunaiscivis e <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser tratadas por corporações especiais, maisou menos oficiais. Esta idéia é totalmente alheia ao direitoinglês e é, <strong>em</strong> realida<strong>de</strong>, fundamentalmente oposta a nossatradição e costumes. 32 Seabra Fagun<strong>de</strong>s (in O Controle dos Atos Administrativos, cit., nota 60, p. 97-99, e nota 61. p.100-104, e respectivas notas <strong>de</strong> rodapé) anota “[...] que o sist<strong>em</strong>a inglês foi também adotadopela Constituição Fe<strong>de</strong>ral dos Estados Unidos da América do Norte, seção 2 o , do art. III, epela Constituição Belga <strong>de</strong> 1831, arts. 92, 93 e 106. Houve, entretanto, forte influência dasdoutrinas francesas sobre a própria Justiça belga as quais têm contribuído para a restriçãoda sua competência. Já <strong>em</strong> relação à Constituição americana, verifica-se jamais ter adotadoa mesma espécie <strong>de</strong> separação feita e corrente <strong>em</strong> França: Separation of powers in Americais better <strong>de</strong>scribed as checks and balances; un<strong>de</strong>r this principle, as extr<strong>em</strong>ely important roleof review of both administrative and legislative action was to be reserved to the courts.”3 Dicey, constitucionalista britânico, apud Carlos Alberto Álvaro <strong>de</strong> Oliveira. Revista <strong>de</strong>Informação legislativa. n o 119, jul./set. Brasília, 1993 p. 225.


2.6 O sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> jurisdição no BrasilTendo por pr<strong>em</strong>issa as limitações <strong>de</strong>ste estudo e reconhecendo a brevidadaeda comparação até aqui operada entre os sist<strong>em</strong>as, passa-se a relevar ascaracterísticas do mo<strong>de</strong>lo brasileiro <strong>de</strong> jurisdição, sendo induvidosa a adoção dospostulados do sist<strong>em</strong>a inglês, assim como também aconteceu <strong>em</strong> outros paíseshispano-americanosNo período colonial e também no imperial, o sist<strong>em</strong>a jurídico brasileiroafeiçoou-se ao sist<strong>em</strong>a dúplice, com <strong>em</strong>prego freqüente do contencioso administrativo.Com a Constituição Republicana <strong>de</strong> 1891, foi introduzido o sist<strong>em</strong>auno, <strong>em</strong>bora isso só viesse a ocorrer, <strong>de</strong> forma explícita, com a Constituição<strong>de</strong> 1946, art. 141, § 4 o .Sob enfoque histórico, é interessante ressaltar que a primeira tentativa clarae inequívoca no sentido <strong>de</strong> garantir o cidadão contra o Estado, surgiu com a Lei n o221, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1894, ao instituir ação especial <strong>de</strong>stinada a invalidaratos ou <strong>de</strong>cisões da administração fe<strong>de</strong>ral, lesivos aos direitos individuais. Atentativa, porém, estava fadada ao insucesso, já que os interessados, por meio<strong>de</strong> construção jurispru<strong>de</strong>ncial, buscavam obviar os inconvenientes da d<strong>em</strong>orado processo, <strong>em</strong>pregando meios mais expeditos, a ex<strong>em</strong>plo dos interditos, <strong>em</strong>que se invocava a proteção da chamada “posse dos direitos”, ou do habeas corpus,consi<strong>de</strong>ravelmente ampliado <strong>em</strong> seu objeto, <strong>de</strong> modo a abranger não só aliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir como a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência, pensamento e reunião. 4Ao se analisar a Constituição Fe<strong>de</strong>ral vigente, ressumbra evi<strong>de</strong>nte aampliação operada no controle jurisdicional da administração, impensável,com certeza, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> continente europeu. Aos juízes fe<strong>de</strong>rais competeprocessar e julgar “as causas <strong>em</strong> que a União, entida<strong>de</strong> autárquica ou <strong>em</strong>presapública for<strong>em</strong> interessadas na condição <strong>de</strong> autoras, rés, assistentes ou oponentes,exceto as <strong>de</strong> falência, as <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitorale à Justiça do Trabalho” (art. 109, 1), ou “as causas fundadas <strong>em</strong> tratado oucontrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional” (art.109, III). Igual competência é ressalvada relativamente “aos crimes políticose às infrações penais praticadas <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> bens, serviços ou interesses4 Nesse sentido: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro <strong>de</strong>. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa.n o 119, Jul./Set. Brasília, 1993. p. 226.


da União ou <strong>de</strong> suas entida<strong>de</strong>s autárquicas ou <strong>em</strong>presas públicas, excluídas ascontravenções e ressalvadas as competências da Justiça Militar e da JustiçaEleitoral” (art. 109, IV) e “aos crimes contra a organização do trabalho e, noscasos <strong>de</strong>terminados por lei, contra o sist<strong>em</strong>a financeiro e a ord<strong>em</strong> econômicofinanceira”(art. 109, VI).Do mesmo modo, é competente o juiz fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar“os mandados <strong>de</strong> segurança e os habeas data contra ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral,excetuados os casos <strong>de</strong> competência dos Tribunais fe<strong>de</strong>rais” (art. 109, VIII). Jáo art. 108, II, confere aos tribunais regionais fe<strong>de</strong>rais competência para julgar,<strong>em</strong> segundo grau <strong>de</strong> jurisdição, as causas <strong>de</strong>cididas pelos juízes fe<strong>de</strong>rais e pelosjuízes estaduais no exercício da competência fe<strong>de</strong>ral da área <strong>de</strong> sua jurisdição.Ao Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral compete julgar, nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,os Ministros <strong>de</strong> Estado, os m<strong>em</strong>bros dos Tribunais Superiores e osdo Tribunal <strong>de</strong> Contas da União (art. 102, I, c). À mesma Corte incumbe ojulgamento <strong>de</strong> litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e aUnião, o Estado, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou o Território (art. 102, I, e), ou as causase os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, ou entreuns e outros, inclusive as respectivas entida<strong>de</strong>s da administração indireta (art.102, I, f).O Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral julgará, <strong>em</strong> recurso extraordinário, as causas<strong>de</strong>cididas <strong>em</strong> única ou última instância, quando a <strong>de</strong>cisão recorrida “julgar válida leiou ato do governo local contestado <strong>em</strong> face <strong>de</strong>sta Constituição” (art. 102, III, c).Po<strong>de</strong>res paralelos foram atribuídos ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (art.105, 1, a, b, d, g, c, II, b), o que seria impensável e inadmissível caso se estivessesob o sist<strong>em</strong>a dúplice.Importante realçar que o or<strong>de</strong>namento constitucional brasileiro optou,firme e forte, no art. 5 o , XXXV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, pela forma republicana<strong>de</strong> Estado, <strong>de</strong>stacando-se como <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>a comprobatório <strong>de</strong>ssa opçãorepublicana o princípio textualmente inserido na Carta que indica a natureza eo po<strong>de</strong>r da jurisdição exclusiva do Po<strong>de</strong>r Judiciário (art. 5 o , XXXV).É <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>sse arranjo <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>issas que ao cidadão brasileiroforam conferidos direitos <strong>de</strong> writs constitucionais próprios do sist<strong>em</strong>a do commonlaw, como o mandado <strong>de</strong> segurança, o habeas corpus e, agora, o habeasdata, além do mandado <strong>de</strong> injunção, artefato exclusivo do direito constitucionalpátrio, não encontrado <strong>em</strong> nenhum outro or<strong>de</strong>namento constitucional.


Por outro lado, o sist<strong>em</strong>a jurídico brasileiro confere à ação popular muitomaior amplitu<strong>de</strong> do que na Europa continental, como se extrai dos termos doart. 5 o , LXXIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral: “qualquer cidadão é parte legítimapara propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou<strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o Estado participe, à moralida<strong>de</strong> administrativa, ao meioambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovadamá-fé, isento <strong>de</strong> custas judiciais e do ônus da sucumbência.”Contando com essa moldura, o sist<strong>em</strong>a jurisdicional nacional consagrou,nitidamente, a unicida<strong>de</strong> da jurisdição e, inclusive, v<strong>em</strong> aceitando a expansãodos controles por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário, assimilando o controle do méritodo ato administrativo. O próprio sist<strong>em</strong>a parece implicar essa extensão, pois aConstituição coloca entre os limites <strong>de</strong> atuação da administração pública direta,indireta ou fundacional, <strong>de</strong> quaisquer dos po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, doDistrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, a obediência aos princípios da legalida<strong>de</strong>,da impessoalida<strong>de</strong>, da moralida<strong>de</strong> e da publicida<strong>de</strong> (art. 37, caput).Não bastasse isso, mesmo no processo administrativo, são asseguradoso contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa, com os meios e os recursos a ela inerentes(art. 5 o , LV), não prescindindo <strong>de</strong> motivação as <strong>de</strong>cisões administrativas dosTribunais (art. 93, X).Com tais aportes, resta evi<strong>de</strong>nte o acerto da abalizada doutrina administrativa,no sentido <strong>de</strong> que “o Judiciário po<strong>de</strong>, assim, anular atos administrativosdiscricionários, fundados <strong>em</strong> inexistência <strong>de</strong> motivo, insuficiência <strong>de</strong> motivo,ina<strong>de</strong>quabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivo, incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivo, <strong>de</strong>sproporcionalida<strong>de</strong>do motivo, impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetivo, <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetivoe ineficiência <strong>de</strong> objeto, apenas controlando os limites objetivos do exercíciodiscricionário.” 5Assim, o or<strong>de</strong>namento nacional confere ao juiz brasileiro, <strong>em</strong> relação aosseus colegas da Europa continental, expandidos po<strong>de</strong>res jurisdicionais, po<strong>de</strong>ndo-seassinalar que, até mesmo <strong>em</strong> face dos países do common law, a jurisdição brasileiraostenta maior amplitu<strong>de</strong>. É muito importante ressaltar que, mesmo que <strong>em</strong>alguns sist<strong>em</strong>as a administração pública permaneça sujeita ao controle do juiz5 MOREIRA NETO, Diogo <strong>de</strong> Figueiredo. Legitimida<strong>de</strong> e Discricionarieda<strong>de</strong> (Novas Reflexõessobre os Limites e Controle da Discricionarie<strong>de</strong>i<strong>de</strong>). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1989.p. 62. A esse respeito acentua Nagib Slaibi Filho (in Ação Popular Mandatária, 2. ed., Rio<strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1989. p. 58) que “[...] a discricionarieda<strong>de</strong> não significa que a escolhaseja <strong>de</strong>sarrazoada, inconveniente, imprópria ou mesmo contrária à finalida<strong>de</strong> do ato.”


ordinário, exist<strong>em</strong> limitações ao exercício <strong>de</strong>sse controle, po<strong>de</strong>ndo-se mesmoafirmar haver uma tríplice limitação assim sintetizada: 1) circunscreve-se aovício da violação da lei e ao vício <strong>de</strong> incompetência mas, <strong>em</strong> regra, não seesten<strong>de</strong> ao excesso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; 2) não comporta o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> anular ou suspen<strong>de</strong>ro ato administrativo e, assim, <strong>de</strong> proferir sentença constitutiva, mas apenas opo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> proferir sentença con<strong>de</strong>natória, para ressarcimento dos prejuízos oupara adimpl<strong>em</strong>ento específico; 3) não se admite <strong>em</strong> relação a matérias passíveis<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> julgadas por órgãos contenciosos administrativos, aos quais se atribuam,mediante procedimento contencioso, a solução das controvérsias entreindivíduos e a administração.Encontra-se neste último ponto, com certeza, a gran<strong>de</strong> diferença entreo mo<strong>de</strong>lo adotado pelos brasileiros e os d<strong>em</strong>ais. O exame do sist<strong>em</strong>a jurídiconacional claramente evi<strong>de</strong>ncia 6 : a) a ausência <strong>de</strong> qualquer óbice ao exame doexcesso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pelo Judiciário. Como comprovam, ex<strong>em</strong>plificativamente,o mandado <strong>de</strong> segurança e o habeas corpus, cabíveis contra ilegalida<strong>de</strong> ouabuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r por parte da autorida<strong>de</strong> pública (CF, art. 5 o , LXVIII e LXIX) 7 ;b) <strong>em</strong>bora raro o <strong>em</strong>prego da ação constitutiva positiva (v.g., constituição <strong>de</strong>servidão <strong>de</strong> passag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> luz etc., sobre b<strong>em</strong> do patrimônio público, <strong>em</strong> favor<strong>de</strong> imóvel particular), não se verifica vedação <strong>de</strong> espécie alguma para a <strong>de</strong>sconstituiçãodos atos.Pontes <strong>de</strong> Miranda já assinalava que “ainda se não chegou à concepçãodo pleito civil, lato sensu, que é a do sist<strong>em</strong>a jurídico brasileiro, <strong>em</strong> que setratam pretensões <strong>de</strong> direito público, às vezes constitucional, como se tratamas pretensões <strong>de</strong> direito privado, só se reconhecendo a hierarquia das regrasjurídicas (Constituição, leis ordinárias, leis, regulamentos, avisos, portariasetc), mas estabelecida a justiça igual sob lei processual igual, salvo exceções6 Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, 15. ed., atualizada pela Constituição<strong>de</strong> 1988, São Paulo: RT. 1991, p. 185, e nota 18) doutrina que: “Os atos administrativosnulos ficam sujeitos à invalidação não só pela própria Administração, como também peloPo<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que levados à sua apreciação pelos meios processuais cabíveis quepossibilit<strong>em</strong> o ato anulatório.”7 Como assinala Milton Flaks (in Mandado <strong>de</strong> Segurança - Pressupostos da Impetração. Rio<strong>de</strong> Janeiro : Forense, 1980, n. 100. p. 85): “[...] no direito brasileiro admite-se, inclusive, oexame do ato administrativo sob a ótica do <strong>de</strong>svio da finalida<strong>de</strong>, a forma mais sutil do abuso<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, lato sensu consi<strong>de</strong>rado.”8 Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil. Tomo I. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1974. p. 469 Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil. v. VIII. 13. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1987. p.172 e 173.


insignificantes, como a relativa ao processo executivo pelo Estado, no tocantea dívidas fiscais.” 8O Professor Galeno Lacerda 9 ilustra, com precisão, que “[...] há um setorda mais alta relevância que d<strong>em</strong>onstra quanto nosso processo dito “civil” é maisvasto do que o dos países da Europa continental: o importantíssimo campo dodireito público. A instituição do contencioso administrativo, lá vigorante,elimina, <strong>em</strong> regra, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle dos atos da administraçãopública pela Justiça comum. Estão presos, ainda, os países do chamadosist<strong>em</strong>a romano-germânico, <strong>em</strong> termos quase absolutos, ao dogma da separaçãodos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> MONTESQUIEU, a tal ponto que o clássico RENEDAVID, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criticar a atuação do Conselho <strong>de</strong> Estado na França,chega a afirmar que “o direito administrativo, como o direito penal, é, <strong>em</strong>larga medida, afinal <strong>de</strong> contas, aplicado ou não aplicado segundo a discriçãoda administração, fora <strong>de</strong> todo o controle jurisdicional, mesmo interno àadministração.” (negritado para <strong>de</strong>stacar a precisão com que o mestre expôso ensinamento)No mesmo sentido, manifesta-se o jurista Cândido Rangel Dinamarco 10 ,para qu<strong>em</strong> “[...] a ord<strong>em</strong> político-constitucional republicana brasileira tevea inspiração no mo<strong>de</strong>lo norte-americano e não nos da Europa-Continental, oque <strong>de</strong>via levar-nos a haurir preferencialmente o espírito do direito público dospaíses <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> e dos seus sist<strong>em</strong>as, para a construção, análise e utilização doinstrumento processual. Dos países europeus componentes da ‘família romano-germânica’do direito, receb<strong>em</strong>os o direito privado e o penal, sendo muitonatural que a nossa ciência se construísse segundo os parâmetros e mesmo oespírito europeu-continental, nessas áreas específicas. O que não é natural é ocomprometimento cultural tão profundo como o que o nosso guarda com todoo espírito do direito processual civil <strong>de</strong> países on<strong>de</strong> são diferentes as basespolíticas do direito público.”Pela clareza impõe-se transcrever a lição do Professor Carlos AlbertoÁlvaro <strong>de</strong> Oliveira 11 :A verda<strong>de</strong> é que países que ignoram o controle jurisdicionalda administração pública, que <strong>de</strong>sconhec<strong>em</strong> institutoscomo o mandado <strong>de</strong> segurança e o habeas corpus, nãoestão <strong>em</strong> condições <strong>de</strong> orientar-nos <strong>em</strong> direito processual.10 A Instrumentalida<strong>de</strong> do Processo. São Paulo: RT, 1987. p. 62.11 Op.cit. p. 229.


Sob este ponto <strong>de</strong> vista, t<strong>em</strong> sido nociva para os processualistasbrasileiros a extraordinária influência dos mestresitalianos. Não nos d<strong>em</strong>os conta, até hoje, <strong>de</strong> que eles teorizaramum processo civil tão-só para o direito privado e,que, assim, sob a ótica estreita do princípio dispositivo,não pod<strong>em</strong> enten<strong>de</strong>r um sist<strong>em</strong>a que, como o nosso, b<strong>em</strong>mais próximo do anglo-americano, confere ao Po<strong>de</strong>r Judiciáriomaior relevo constitucional, com conseqüente enecessária atuação do processo dito “civil” nos domíniosdo direito público, on<strong>de</strong> os princípios e os horizontes sedilatam, muito mais vastos e arejados.Consi<strong>de</strong>radas as características com as quais o constituinte moldou o sist<strong>em</strong>ajurisdicional pátrio, não há como ficar inerte diante das últimas <strong>de</strong>cisões doSupr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que se encontra <strong>em</strong> agudo processo <strong>de</strong> flexibilização domo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisdição, para se submeter às conclusões <strong>de</strong> processos administrativos<strong>em</strong> curso nas esferas da administração pública. Ora criando metáforas para nãoevi<strong>de</strong>nciar a própria mutação que v<strong>em</strong> sendo operada, ora <strong>de</strong>bruçando-se sobreacervos doutrinais próprios dos ramos do Direito, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando a unicida<strong>de</strong>do mo<strong>de</strong>lo jurisdicional pátrio.3 Escorço histórico da legislação penal tributária a partir da Lei n o4.729/65É necessário não <strong>de</strong>sprezar o momento político <strong>em</strong> meio ao qual veio a lumea Lei 8137/90, que r<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lou e renomeou os crimes <strong>de</strong> sonegação fiscal então<strong>de</strong>scritos na Lei 4.729/65. R<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lou, porque instituiu tipos novos e promoveuampliação das penas. Renomeou a objetivida<strong>de</strong> jurídica da norma repressora,porque admitiu ostentar um conjunto normativo penal para tutelar penalmente ob<strong>em</strong> jurídico ord<strong>em</strong> tributária.Firmes na crença <strong>de</strong> que a ampliação <strong>de</strong> tipos penais e o aumento daspenas acabariam com o impulso sonegador, seguiu-se abundante modificação nocomportamento das instituições fazendárias e nos <strong>Ministério</strong>s <strong>Público</strong>s do País,os quais passaram, uns mais, outros menos, a dar efetivida<strong>de</strong> à lei, por meio dosmilhares <strong>de</strong> processos penais que passaram a ser <strong>de</strong>flagrados.É possível que se tenha acreditado d<strong>em</strong>ais na transformação da socieda<strong>de</strong>brasileira, consi<strong>de</strong>rando-a renovada eticamente, a ponto <strong>de</strong> criminalizar as camadassociais superiores com a mesma contundência com que são criminalizados os


chamados crimes comuns, praticados por gente comum. Mas, <strong>de</strong> fato, o incr<strong>em</strong>entona criminalização dos sonegadores, comumente pessoas <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> elevadostatus social e econômico, perturbou d<strong>em</strong>ais o sist<strong>em</strong>a e, da perturbação, foramerupcionando, aqui e ali, os artefatos legislativos para obstaculizar a aplicaçãoda lei penal <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> sonegação fiscal.Po<strong>de</strong>-se mesmo reconhecer que, comparando-se com a legislação anterior(Lei n o 4.729/65), a própria Lei n o 8137/90 dificultou a caracterização das condutas<strong>de</strong>litivas, à medida que adotou <strong>de</strong>scrição típica apta a ensejar à dogmáticapenal, mas antes <strong>de</strong>la à dogmática tributária, toda uma retórica que foi ditandotratar-se <strong>de</strong> crimes materiais ou <strong>de</strong> resultado. A doutrina foi dando interpretaçãono sentido da indispensabilida<strong>de</strong> do resultado supressão <strong>de</strong> tributo, ou reduçãodo tributo, como circunstância <strong>de</strong>finidora da consumação do crime.A Lei n o 4.729/65, ao contrário, ostentava tipos penais <strong>em</strong> que a consumaçãodo crime ocorria com a própria prática <strong>de</strong>fraudatória, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>entedo recolhimento ou não do tributo <strong>de</strong>vido. Resi<strong>de</strong> nesse fato, talvez,o sustentáculo com o qual os tributaristas foram erigindo influente discursivano sentido da necessida<strong>de</strong> da conclusão do processo administrativo tributário,como condição <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> das ações penais, assim como toda a retóricaque foi sendo trabalhada para garantir a suspensão da pretensão punitiva pormeio dos chamados planos <strong>de</strong> refinanciamento fiscal.Mas, seguindo o traçado histórico pretendido neste tópico, seguiu-se aLei n o 9.249/95, que, <strong>em</strong> seu artigo 34, previu o pagamento como forma <strong>de</strong>extinção da punibilida<strong>de</strong>, o que significou, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, enorme vantag<strong>em</strong>aos sonegadores. Comparando-se com o artigo 16 do Código Penal, aplicávelaos d<strong>em</strong>ais crimes, que cont<strong>em</strong>pla apenas a redução <strong>de</strong> pena pela reparaçãodo dano, os sonegadores foram agraciados com a extinção da punibilidad<strong>em</strong>ediante o pagamento do tributo <strong>de</strong>vido.Mas não ficou por aí. A jurisprudência tratou <strong>de</strong> alargar o benefício, d<strong>em</strong>odo que vários julgados extinguiram a punibilida<strong>de</strong> pelo pagamento parcial(parcelamento) do débito, e outros, ainda mais benevolentes, extinguiram apunibilida<strong>de</strong> pelo simples pedido <strong>de</strong> parcelamento.Posteriormente, o artigo 83 da Lei 9.430/96 trouxe uma aparente condição<strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> para a ação penal, nos crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária,o que suscitou enorme perturbação até que o Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nojulgamento da ADIN n o 1571, <strong>de</strong>cidiu que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não estavasubmetido à representação fiscal para dar início à Ação Penal.


Dando um salto t<strong>em</strong>poral, <strong>em</strong> 2003, a Lei n o 10.684, <strong>em</strong> seu art. 9 o ,disciplinou a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimesprevistos nos arts. 1 o e 2 o da Lei 8.137, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1990, e nos arts.168-A e 337-A do Código Penal, durante o período <strong>em</strong> que a pessoa jurídicarelacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime <strong>de</strong>parcelamento, b<strong>em</strong> como alargou, ainda mais, o benefício trazido pelo artigo 34da Lei n o 9249/95, ao admitir a extinção da punibilida<strong>de</strong> quando a pessoa jurídicarelacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos <strong>de</strong>tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, s<strong>em</strong> fixar qualquer fase paraque o agente realize o pagamento e usufrua do privilégio penal.Se já se convivia com legalizado abrandamento do controle penal tributário,por meio da legislação habilmente mutacionada, seja por discursos privilegiadoresda arrecadação, seja pela força não inquestionável <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos sonegadores,passou-se à quase impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir penalmente a partir da <strong>de</strong>cisão doSupr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a seguir enfocada.4 Análise da <strong>de</strong>cisão do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no HC n o 81611-8Em t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> prevalência da estética corporal <strong>em</strong> certa medida adotouseinédita ginástica hermenêutica <strong>em</strong> prol dos sonegadores e <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento dacoletivida<strong>de</strong>, vítima da sonegação fiscal. Embora no julgamento do já referidoHC n o 81611-8 tenha-se <strong>de</strong>cidido pela suspensão da fluência do prazo daprescrição penal, durante o trâmite do Procedimento Administrativo Recursal,faz-se necessário refletir acerca da utilida<strong>de</strong> e da viabilida<strong>de</strong> da apuração dosfatos <strong>de</strong>lituosos anos <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>cisão na esfera administrativa 12 . Com efeito,a pr<strong>em</strong>issa do controle formal <strong>de</strong> condutas pela via dos princípios da prevençãogeral e especial da pena – discurso germinal do Direito Penal – foi completamentetoldada <strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> tributária.Para enfrentar o assunto cumpre repassar algumas lições <strong>de</strong> Direito Tributário,distinguindo-se o que seja obrigação tributária e crédito tributário.Nos termos do artigo 113, § 1 o , do Código Tributário Nacional a obrigaçãoprincipal surge com a ocorrência do fato gerador e t<strong>em</strong> por objeto opagamento <strong>de</strong> tributo ou penalida<strong>de</strong> pecuniária e extingue-se juntamente com12 Por fontes informais sabe-se que <strong>em</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> os Processos Administrativos FiscaisRecursais tramitam, <strong>em</strong> médio, por cerca <strong>de</strong> seis anos.


o crédito <strong>de</strong>la <strong>de</strong>corrente.Em compl<strong>em</strong>ento, o artigo 139, do mesmo diploma legal, preceitua queo crédito tributário <strong>de</strong>corre da obrigação principal e t<strong>em</strong> a mesma natureza<strong>de</strong>sta.Com clareza <strong>de</strong>fine Rubens Souza Gomes:Criação da obrigação tributária <strong>em</strong> sentido formal: esta éa conseqüência do lançamento: a obrigação <strong>em</strong> seu sentidosubstancial, isto é, <strong>em</strong> sua essência, já surgiu com asimples ocorrência do fato gerador: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momentojá é <strong>de</strong>vido o tributo. 13O artigo 140 do Código Tributário Nacional também <strong>de</strong>ixa clara a diferençaentre a obrigação tributária e o crédito tributário, ao ditar que as circunstânciasque modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantiasou os privilégios a ele atribuídos, ou que exclu<strong>em</strong> sua exigibilida<strong>de</strong>, não afetama obrigação tributária que lhe <strong>de</strong>u orig<strong>em</strong>.Os crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária têm como el<strong>em</strong>entar o tributo, queé o objeto da obrigação tributária nos termos do já citado artigo 113, § 1 o , doCTN.O crédito tributário, por sua vez, <strong>de</strong>corre da obrigação tributária e seconcretiza com o lançamento.Constata-se, pois, que a existência do crédito, que sob o aspecto t<strong>em</strong>poral,surge após a obrigação tributária, não é el<strong>em</strong>entar dos crimes previsto na Lein o 8137/90. Pressuposto dos crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária, na verda<strong>de</strong>, é aexistência da obrigação tributária. E é exatamente este ponto que v<strong>em</strong> sendo ignoradopela dogmática penal tributária e pela jurisprudência correspon<strong>de</strong>nte.Nesse sentido Andreas Eisele:O núcleo dos tipos (penais <strong>em</strong> branco) que <strong>de</strong>screv<strong>em</strong>os crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária <strong>de</strong> conteúdo material(que apenas se consumam com a ocorrência do resultadoconsistente na evasão tributária), é estruturado mediantea indicação <strong>de</strong> condutas que impl<strong>em</strong>ent<strong>em</strong> a irregularinadimplência da prestação <strong>de</strong> uma obrigação tributária(<strong>de</strong> forma fraudulenta ou não), in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da13 Compêndio <strong>de</strong> legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1982. p. 87.


eventual constituição posterior do crédito correspon<strong>de</strong>ntea essa relação jurídica (eis que o crime se consuma coma ocorrência do dano e a ativida<strong>de</strong> da vítima imediata nabusca <strong>de</strong> sua reparação é uma hipótese que pressupõe aexistência <strong>de</strong>ssa conseqüência do fato).Dessa forma, a existência da obrigação tributária é umpressuposto para a tipicida<strong>de</strong> da conduta (pois a el<strong>em</strong>entartributo é o objeto <strong>de</strong> sua prestação), mas a existência docrédito tributário com aquela relacionado é irrelevante noâmbito da tipicida<strong>de</strong> penal do fato. 14Tal linha <strong>de</strong> pensamento v<strong>em</strong> corroborada pela natureza <strong>de</strong>claratória dolançamento, conforme ensinamento <strong>de</strong> Aliomar Baleeiro:O CTN po<strong>de</strong> induzir <strong>em</strong> equívoco qu<strong>em</strong> lê na testa doCapitulo II, do Título III, a rubrica “Constituição do CréditoTributário” e no art. 142: “Compete privativamenteà autorida<strong>de</strong> administrativa constituir o crédito tributário[...]”Constituir o crédito tributário e não a obrigação tributária.Daí não <strong>de</strong>corre que o legislador brasileiro haja reconhecido caráter constitutivoe não <strong>de</strong>claratório, ao lançamento. O disposto nos arts. 143 e 144 do CTNevi<strong>de</strong>ncia que ele próprio atribui ao lançamento efeitos <strong>de</strong> ato <strong>de</strong>claratório. E ostrabalhos da Comissão do Projeto Aranha – R e G. Sousa são claros a esse respeito,não obstante as perplexida<strong>de</strong>s atribuídas por Falcão a seu ilustre autor [...].Já o ato <strong>de</strong>claratório não cria, não extingue, n<strong>em</strong> alteraum direito. Ele apenas <strong>de</strong>termina, faz certo, apura, oureconhece um direito preexistente, espancando dúvidase incertezas [...]. 15Partindo <strong>de</strong>ssa pr<strong>em</strong>issa, qual seja, <strong>de</strong> que o pressuposto dos crimes previstosna Lei n o 8137/90 é a obrigação tributária e não o lançamento, necessárioanalisar quais as conseqüências da existência e da revisão do lançamento, sejaesse último <strong>de</strong> ofício ou por iniciativa do contribuinte (art. 145 do CTN), parao Processo Penal, tendo por norte a já referida <strong>de</strong>cisão do Supr<strong>em</strong>o tribunalFe<strong>de</strong>ral.14 Crimes contra a Ord<strong>em</strong> Tributária. 2. ed. São Paulo: Dialética. 2002, p. 234.15 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Forense, 1996. p.503.


8:Assim conclui o Ministro Sepúlveda Pertence, relator do HC n o 81611-64. O ponto é indagar dos reflexos penais <strong>de</strong>ssa eficáciapreclusiva da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do procedimento administrativodo lançamento, <strong>em</strong> favor do contribuinte oucontra ele.65. Se é contra ele – <strong>de</strong> modo a reafirmar a evasão fiscal–, para não acen<strong>de</strong>r a grita da corrente majoritária dos“<strong>de</strong>clarativistas”, que, por isso, <strong>de</strong> regra, atribu<strong>em</strong> retroativida<strong>de</strong>ao lançamento –, convém não ir até o ponto <strong>de</strong>enxergar nessa hipótese, na <strong>de</strong>cisão administrativa, umel<strong>em</strong>ento essencial do tipo, que só com o advento <strong>de</strong>lase consumaria.66. O que verda<strong>de</strong>iramente ili<strong>de</strong> o juízo positivo <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong>– quando se cogita <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> dano –,é a eficáciapreclusiva da <strong>de</strong>cisão administrativa favorável ao contribuinte:irreversível essa, corolário iniludível da harmoniado or<strong>de</strong>namento jurídico impe<strong>de</strong> que a alguém – <strong>de</strong> qu<strong>em</strong><strong>de</strong>finitivamente se <strong>de</strong>clarou, na esfera competente para aconstituição do crédito tributário, não haver suprimidoou reduzido <strong>de</strong>vido – se possa imputar ou con<strong>de</strong>nar porcrime que t<strong>em</strong>, na supressão ou redução do mesmo tributo,el<strong>em</strong>ento essencial do tipo.67. Se a recíproca é verda<strong>de</strong>ira, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong>,não cabe, entretanto, levá-la às últimas conseqüências.68. É dizer: admitir – <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à alegada retroativida<strong>de</strong>do lançamento – que a <strong>de</strong>cisão final adversa aocontribuinte não é el<strong>em</strong>ento do tipo – que só com ela seconsumaria, não vale, <strong>em</strong> contrapartida, por afirmar que,antes <strong>de</strong>la, se possa instaurar o processo por crime <strong>de</strong> danocontra a ord<strong>em</strong> tributária [...].Pela leitura do it<strong>em</strong> <strong>de</strong> número 64 constata-se que o ministro do Supr<strong>em</strong>oTribunal Fe<strong>de</strong>ral iniciou a análise da matéria partindo do pressuposto <strong>de</strong> que jáexiste <strong>de</strong>cisão na esfera administrativa favorável ao contribuinte.Em seguida, no it<strong>em</strong> 65, conclui que se a <strong>de</strong>cisão na esfera administrativaé <strong>de</strong>sfavorável ao contribuinte “[...] convém não ir até o ponto <strong>de</strong> enxergar nessahipótese, na <strong>de</strong>cisão administrativa, um el<strong>em</strong>ento essencial do tipo, que só com


o advento <strong>de</strong>la se consumaria.”Prosseguindo, no it<strong>em</strong> 66, diz que o que verda<strong>de</strong>iramente ili<strong>de</strong> o juízopositivo <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong> é a eficácia preclusiva da <strong>de</strong>cisão favorável ao contribuintena esfera administrativa.Resi<strong>de</strong> exatamente aqui a assunção, por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>sua submissão, e <strong>de</strong> forma incondicional, à <strong>de</strong>cisão oriunda da esfera administrativa.Para situar melhor este estudo impõe-se incursionar, mesmo que brev<strong>em</strong>ente,sobre os reflexos das <strong>de</strong>cisões administrativas, especialmente sobre achamada coisa julgada administrativa:A <strong>de</strong>nominada coisa julgada administrativa, que, na verda<strong>de</strong>,é apenas uma preclusão <strong>de</strong> efeitos internos, não t<strong>em</strong>o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato jurisdicionalda Administração não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um simples atoadministrativo <strong>de</strong>cisório, s<strong>em</strong> a força conclusiva do atojurisdicional do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Falta ao ato jurisdicionaladministrativo aquilo que os publicistas norte-americanoschamam the final enforcing power e que se traduz livr<strong>em</strong>entecomo o po<strong>de</strong>r conclusivo da Justiça Comum.[...] Realmente, o que ocorre nas <strong>de</strong>cisões administrativasfinais é, apenas, preclusão administrativa, ou a irretratabilida<strong>de</strong>do ato perante a própria administração. É suaimodificabilida<strong>de</strong> na via administrativa, para estabilida<strong>de</strong>das relações entre as partes. Por isso, não atinge n<strong>em</strong> afetasituações ou direitos <strong>de</strong> terceiros, mas permanece imodificávelentre a Administração e o administrado <strong>de</strong>stinatárioda <strong>de</strong>cisão interna do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>.[...] Exauridos os meios <strong>de</strong> impugnação administrativa, torna-seirretratável, administrativamente, a última <strong>de</strong>cisão,mas n<strong>em</strong> por isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser atacável por via judicial. 16S<strong>em</strong> abordar neste momento o Princípio da In<strong>de</strong>pendência das Instâncias,o que se fará mais tar<strong>de</strong>, convém reforçar as últimas linhas da citação acima, queb<strong>em</strong> esclarece a questão: “[...] Exauridos os meios <strong>de</strong> impugnação administrativa,torna-se irretratável, administrativamente, a última <strong>de</strong>cisão, mas n<strong>em</strong> por isso16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros,2003. p. 652.


<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser atacável por via judicial.”A eficácia preclusiva da <strong>de</strong>cisão favorável ao contribuinte reflete administrativamente,impedindo a retratação do fisco (administração). Todavia nãot<strong>em</strong> o condão <strong>de</strong> impedir que o ato seja revisto judicialmente e, muito menos, <strong>de</strong>impedir a formação do juízo positivo <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong>, nos casos, por ex<strong>em</strong>plo, quea <strong>de</strong>cisão administrativa <strong>de</strong>cidiu pela existência <strong>de</strong> vício formal.Assim, refoge à sensatez e à técnica, concordar com a conclusão expostano it<strong>em</strong> 68.Basta imaginar, por ex<strong>em</strong>plo, que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, por conta do artigo16 da Lei 8137/90, receba notícia crime revelando a ocorrência <strong>de</strong> redução<strong>de</strong> tributo pelo instituto da Nota Fiscal Calçada, acompanhada, inclusive, dasvias das notas fiscais <strong>em</strong>itidas com valores diferentes, <strong>em</strong> completo <strong>em</strong>preendimento<strong>de</strong>fraudatório. Nesse caso, mesmo estando diante <strong>de</strong> farta materialida<strong>de</strong>e <strong>de</strong> justa causa para d<strong>em</strong>andar a jurisdição penal, <strong>de</strong>verá ao invés <strong>de</strong> exercera função constitucionalmente <strong>de</strong>terminada diante da robustez das provas <strong>de</strong> atocriminoso, requerer ao Fisco a efetivação do lançamento <strong>de</strong> ofício? E se a autorida<strong>de</strong>fiscal, <strong>em</strong>bora sua ativida<strong>de</strong> seja vinculada, não efetuar o lançamento(prevaricação/corrupção etc)?Continuando no voto proferido no HC n o 81.611-8, o relator redireciona aanálise do t<strong>em</strong>a dando enfoque, agora, às questões objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>:76. Cuida-se, sim, <strong>de</strong> hipótese extraordinária – posto quenão única –, <strong>em</strong> que, quando não a tipicida<strong>de</strong>, a punibilida<strong>de</strong>da conduta do agente – malgrado típica – estásubordinada à <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> diversa do juiz daação penal.77. Por isso – se não se quer, para fugir <strong>de</strong> polêmica<strong>de</strong>snecessária, inserir a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do processoadministrativo <strong>de</strong> lançamento entre os el<strong>em</strong>entos do tipodo crime contra a ord<strong>em</strong> tributária – a questão apenasse <strong>de</strong>sloca da esfera da tipicida<strong>de</strong> para a das condiçõesobjetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> [...].79. Não obstante, penso – afastados os casos <strong>em</strong> que seriapossível a sua inserção no tipo, para, conseqüent<strong>em</strong>ente,reclamar-se a sua compreensão nas raias da culpa do agente–, que há sim, espaço para a admissão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>irascondições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, inconfundíveis com


os el<strong>em</strong>entos do tipo [...].83. Mas – porque, na hipótese aventada, o tipo é <strong>de</strong> meraconduta – prefiro recordar outro caso <strong>de</strong> condição objetiva<strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, geralmente indicado pela doutrina e melhorassimilável à espécie: o da sentença <strong>de</strong> falência, <strong>em</strong>relação aos crimes falimentares, inclusive os <strong>de</strong> dano.84. A equação é s<strong>em</strong>elhante à da espécie: nesta – s<strong>em</strong>pre nosuposto <strong>de</strong> sua retroativida<strong>de</strong> –, à data do fato gerador daobrigação tributária ou, pelo menos, àquela do lançamentooriginário, o crime material contra a ord<strong>em</strong> tributária,<strong>de</strong>s<strong>de</strong>então, estaria consumado.85. Não obstante, a sua punibilida<strong>de</strong> – pelas razões sist<strong>em</strong>áticasantes apontadas – estará subordinada à superveniênciada <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do processo administrativo <strong>de</strong>revisão do lançamento, instaurado <strong>de</strong> ofício ou <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong>da impugnação do contribuinte ou responsável: só entãoo fato – <strong>em</strong>bora, na hipótese consi<strong>de</strong>rada, já aperfeiçoadasua tipicida<strong>de</strong> – se tornará punível.86. Até então, por conseguinte, a <strong>de</strong>núncia será <strong>de</strong> rejeitarse,nos termos do artigo 43, III, C. Pr. Pen., por “faltar condiçãoexigida pela lei para o exercício da ação penal”.87. É certo que, <strong>em</strong> conseqüência, se estará a erigir uma<strong>de</strong>cisão administrativa <strong>em</strong> condicionante da instauração<strong>de</strong> um processo judicial.Chega-se então ao ponto central da análise do julgado para enfrentar-se as<strong>em</strong>ântica adotada pela dogmática penal para as chamadas condições <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong>e questões objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, já que no tópico 86 da <strong>de</strong>cisãoestudada, falou-se <strong>em</strong> rejeição da <strong>de</strong>núncia com fulcro no artigo 43,III, do Código<strong>de</strong> Processo Penal.Antes, porém, cabe ressaltar que na transcrição do excerto acima, maisespecificamente no it<strong>em</strong> 84, constata-se o acolhimento da idéia que persegueesta pesquisa, acerca das el<strong>em</strong>entares dos crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária. Com17 A esquizofrenia enquanto moléstia psíquica é entendida como uma síndrome <strong>de</strong> duplo <strong>de</strong>sejo.O verbete no Dicionário Aurélio <strong>de</strong> Sinônimos está assim vazado: afecção mental caracterizadapelo relaxamento das formas usuais <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> idéias, baixa <strong>de</strong> afetivida<strong>de</strong>, autismo eperda <strong>de</strong> contato vital com a realida<strong>de</strong>; d<strong>em</strong>ência precoce. O signo esquizofrenia foi aqui adotadono sentido <strong>de</strong> aludir ao duplo norte interpretativo adotado simultaneamente no julgado.


economia <strong>de</strong> frases, mas como que evi<strong>de</strong>nciando uma esquizofrenia hermenêutica17 , a <strong>de</strong>cisão estampa:[...] 84. A equação é s<strong>em</strong>elhante à da espécie: nesta – s<strong>em</strong>preno suposto <strong>de</strong> sua retroativida<strong>de</strong> –, à data do fatogerador da obrigação tributária ou, pelo menos, àquela dolançamento originário, o crime material contra a ord<strong>em</strong>tributária, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, estaria consumado [...].A doutrina, <strong>de</strong> modo geral, cuida das condições <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> comosendo condições específicas da ação penal – porque somente exigíveis para <strong>de</strong>terminadasações – enquanto as d<strong>em</strong>ais, comuns a qualquer ação (interesse <strong>de</strong> agir,legitimida<strong>de</strong> para a causa e possibilida<strong>de</strong> jurídica do pedido) seriam condiçõesgenéricas da ação penal.As condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, por outro lado, constitu<strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadascircunstâncias às quais está subordinada à punibilida<strong>de</strong>.No dizer <strong>de</strong> Damásio <strong>de</strong> Jesus 18 , as referidas circunstâncias situam-seentre o preceito primário e o preceito secundário da norma penal incriminadora,condicionando a existência da pretensão punitiva do Estado. Arr<strong>em</strong>ata,apontando duas características peculiares às chamadas condições objetivas <strong>de</strong>punibilida<strong>de</strong>: situam-se fora do crime e estão fora do dolo do agente.Os crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária são apurados mediante ação penalpública incondicionada, conforme já restou d<strong>em</strong>onstrado no Julgamento <strong>de</strong>ADIN n o 1571 que, posto julgada improce<strong>de</strong>nte, cujo acórdão foi publicado<strong>em</strong> 30/4/2004, elucidou a questão, b<strong>em</strong> como pelo teor do artigo 15 da Lei n o8.137/90 e, ainda, pela Súmula 600 do STF.Então se a ação é pública incondicionada não é correto afirmar que o términodo Procedimento Administrativo Fiscal Recursal é condição <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong>.E assim sendo, não há como rejeitar-se a <strong>de</strong>núncia “[...] nos termos do artigo43, III, C. Pr. Pen. por faltar condição exigida pela lei para o exercício da açãopenal”, conforme conclui-se no it<strong>em</strong> 86 no voto proferido no HC 81.611-8.Por outro lado, como dizer que o Procedimento Administrativo Fiscal18 A esquizofrenia enquanto moléstia psíquica é entendida como uma síndrome <strong>de</strong> duplo <strong>de</strong>sejo. Overbete no Dicionário Aurélio <strong>de</strong> Sinônimos está assim vazado: Afecção mental caracterizadapelo relaxamento das formas usuais <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> idéias, baixa <strong>de</strong> afetivida<strong>de</strong>, autismo eperda <strong>de</strong> contato vital com a realida<strong>de</strong>; d<strong>em</strong>ência precoce. O signo esquizofrenia foi aqui adotadono sentido <strong>de</strong> aludir ao duplo norte interpretativo adotado simultaneamente no julgado


Recursal é condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> se não existe dispositivo legal queassim preceitue?Comparar os crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária com os falimentares e, mais,igualar a sentença <strong>de</strong> falência à <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva no Processo Administrativo,consi<strong>de</strong>rando-as, ambas, condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, significa <strong>de</strong>sprezaros Princípios da Reserva Legal e da Legalida<strong>de</strong> 19 .Nos casos dos crimes falimentares existe o artigo 507 do Código <strong>de</strong>Processo Penal e o artigo 180 da Lei 11.101, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005, queamparam tal conclusão. 20Ao contrário, <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária inexistelegislação nesse sentido.Retornando à <strong>de</strong>cisão estudada, prossegue o Relator:87. É certo que, <strong>em</strong> conseqüência, se estará a erigir uma<strong>de</strong>cisão administrativa <strong>em</strong> condicionante da instauração<strong>de</strong> um processo judicial.88. Autores <strong>de</strong> vulto chegam, por isso, a i<strong>de</strong>ntificar, naespécie, uma questão prejudicial obrigatória.89. S<strong>em</strong> tomar <strong>de</strong> logo compromisso com a equiparaçãoda <strong>de</strong>cisão administrativa discutida às questões prejudiciaisstricto sensu (C. Pr. Pen., arts. 92-94), a s<strong>em</strong>elhançaé patente: a diferença é que, nessas últimas, a <strong>de</strong>cisãosubordinante está também confiada ao Po<strong>de</strong>r Judiciário,ao passo que aqui se cuidaria <strong>de</strong> subordinar a abertura doprocesso a uma <strong>de</strong>cisão do Po<strong>de</strong>r Executivo.90. A circunstância não me parece <strong>de</strong>cisiva: tenho a pretensão<strong>de</strong> haver d<strong>em</strong>onstrado no voto-vista proferido na19 Alexandre <strong>de</strong> Moraes (in Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002. p.201) ensina que a doutrina não raro confun<strong>de</strong>, ou não distingue suficient<strong>em</strong>ente o princípioda legalida<strong>de</strong> e o da reserva legal. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ouatuação <strong>de</strong>ntro da esfera estabelecida pela legislador. O segundo consiste <strong>em</strong> estatuir quea regulamentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas matérias há <strong>de</strong> fazer-se necessariamente por lei formal.Encontramos o princípio da reserva legal quando a Constituição reserva conteúdo específico,caso a caso, à lei. Por outro lado, encontramos o princípio da legalida<strong>de</strong> quando a Constituiçãooutorga po<strong>de</strong>r amplo e geral sobre qualquer espécie <strong>de</strong> relação.20 A sentença que <strong>de</strong>creta a falência, conce<strong>de</strong> a recuperação judicial ou conce<strong>de</strong> a recuperaçãoextrajudicial <strong>de</strong> que trata o art. 163 <strong>de</strong>sta Lei é condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> das infraçõespenais <strong>de</strong>scritas nesta Lei.


Extr 793-QO – que, <strong>de</strong> tais situações, não resulta ofensaao princípio fundamental da separação e in<strong>de</strong>pendênciados po<strong>de</strong>res, mas, ao contrário, o respeito a ele.91. Assim, no caso, trata-se, na verda<strong>de</strong>, é <strong>de</strong> não usurpara competência privativa da Administração para o ato <strong>de</strong>constituição do crédito tributário (CNT, art. 142), sujeitoele mesmo, <strong>de</strong> resto, ao controle judicial <strong>de</strong> sua valida<strong>de</strong>,quando se lhe anteponha pretensão <strong>de</strong> direito subjetivoviolado do contribuinte.Com todo o respeito, a s<strong>em</strong>elhança referida (it<strong>em</strong> 89) constitui, justamente,a <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ática diferença, a ponto <strong>de</strong>, do contrário, criar-se hipótese única<strong>de</strong> questão prejudicial. É que subordinar-se a <strong>de</strong>cisão penal a outra oriunda doPo<strong>de</strong>r Executivo – e não do Po<strong>de</strong>r Judiciário – conforme dispõ<strong>em</strong> os artigos 92e 93 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, impe<strong>de</strong> o reconhecimento da <strong>de</strong>cisão final doProcedimento Administrativo Fiscal Recursal como sendo questão prejudicial.Seguindo o norte <strong>de</strong>ste estudo, colhe-se <strong>em</strong> Fernando Capez os subsídiosque nomina <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos essenciais da prejudicialida<strong>de</strong>: a) Anteriorida<strong>de</strong> lógica;b) Necessarieda<strong>de</strong>; c) Autonomia; d) Competência na apreciação.Dentre eles, para fins do trabalho merec<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>stacadas as alíneas “a”e “d”. A anteriorida<strong>de</strong> lógica (a) traduz-se no fato <strong>de</strong> que a prejudicial <strong>de</strong>ve consistirnuma el<strong>em</strong>entar do tipo penal. Com relação ao el<strong>em</strong>ento competência paraapreciação (d) diz que as prejudiciais, geralmente, são julgadas pelo próprio juízopenal, mas po<strong>de</strong>rão ser julgadas excepcionalmente pelo juízo cível.Já Vicente Greco Filho <strong>de</strong>fine:[...] infração penal ou relação jurídica civil cuja existênciaou inexistência condiciona a existência ou inexistência dainfração que está sob julgamento do Juiz.21Os postulados da doutrina penal e processual penal firmam as el<strong>em</strong>entarespara orientar o intérprete indicando quais são os requisitos necessários para queum fato seja consi<strong>de</strong>rado prejudicial e, <strong>de</strong>sta forma, implique condição sobre aexistência ou inexistência da infração que está sob julgamento do Juiz penal:O primeiro requisito para que um fato ou circunstância constitua umaquestão prejudicial é que ele <strong>de</strong>va também constituir el<strong>em</strong>entar do tipo. Em21 GRECO FILHO, Vicente. Manual do Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.


matéria <strong>de</strong> Crime contra a Ord<strong>em</strong> Tributária, tal requisito é possível <strong>de</strong> verificarsequando as razões do contribuinte estejam relacionadas com a existência daobrigação tributária e não, por ex<strong>em</strong>plo, acerca da incidência <strong>de</strong> juros e/ou dopercentual da multa imposta.O segundo requisito <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> que a referida el<strong>em</strong>entar seja objeto<strong>de</strong> discussão <strong>em</strong> outro processo.Assim, sendo o tributo objeto da obrigação tributária e essa, por sua vez,el<strong>em</strong>entar do tipo, a discussão acerca da existência ou não da referida obrigação,s<strong>em</strong> sombra <strong>de</strong> dúvidas, constitui-se questão prejudicial heterogênea, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queesteja sendo discutida na esfera judicial.Ora, no caso enfrentado pelo acórdão estudado, a existência <strong>de</strong> discussãona esfera do Po<strong>de</strong>r Executivo, por si mesma, evi<strong>de</strong>ncia não se tratar <strong>de</strong> questãoprejudicial. Logo, a inteligência do acórdão não encontra amparo nos já citadosartigos 92 e 93 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, constituindo afronta à ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral que, entre outras garantias, assegura a inafastabilida<strong>de</strong> do controlejurisdicional, e, também, por condicionar o exercício do Po<strong>de</strong>r Jurisdicional aoesgotamento prévio da esfera administrativa. 22Embora o art. 5 o , LV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral tenha cont<strong>em</strong>plado o processoadministrativo, subordinando-o, inclusive, aos princípios do contraditórioe da ampla <strong>de</strong>fesa, manteve o monopólio da jurisdição.Condicionar o início da Ação Penal ao esgotamento da esfera administrativasignifica mais que limitar a função constitucional dada ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>titular da Ação penal, significa subtrair do Po<strong>de</strong>r Judiciário a exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>prestar a jurisdição, <strong>de</strong> dizer o direito.Não se está admitindo mera limitação t<strong>em</strong>poral ao exercício da jurisdiçãodo Po<strong>de</strong>r Judiciário, já que só após a <strong>de</strong>cisão administrativa <strong>de</strong>finitiva admite-seo acesso do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> ao Judiciário para exercício do jus puniendi. Estásendo admitida a limitação material, na atuação do Estado Juiz, na medida dagrave e perversa assimilação <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão do Judiciário está condicionadaàquela proferida pelo Fisco.Em perfeita reflexão, o próprio Ministro Sepúlveda Pertence, <strong>em</strong>boratenha chego à conclusão diversa, admitiu que não é certo confiar à burocraciafazendária o arbítrio para <strong>de</strong>cidir da persecução ou não dos crimes contra a22 É o teor do artigo 5 o , XXXV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral: “A lei não excluirá do Po<strong>de</strong>r Judiciáriolesão ou ameaça a direito”.


ord<strong>em</strong> tributária.T<strong>em</strong>-se que admitir que um mesmo fato po<strong>de</strong> sim <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar conseqüênciastanto na esfera tributária como na esfera penal. No caso dos crimescontra a ord<strong>em</strong> tributária a uma esfera cumpre julgar a existência do créditoe ao Judiciário cumpre apreciar e julgar a ocorrência <strong>de</strong> crime para ulteriorimposição da reprimenda penal.O Princípio da In<strong>de</strong>pendência das Instâncias está erigido sobre a pr<strong>em</strong>issa<strong>de</strong> respeito ao término do Procedimento Administrativo a fim <strong>de</strong> não se retirar daautorida<strong>de</strong> fiscal a função privativa <strong>de</strong> constituir o crédito tributário, como b<strong>em</strong> analisouo próprio Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do HC n o 81.611-8.Ora, <strong>em</strong> nenhum momento preten<strong>de</strong>u-se usurpar a competência privativada autorida<strong>de</strong> fiscal <strong>de</strong> fazer o lançamento, afinal não se preten<strong>de</strong> comeventual sentença con<strong>de</strong>natória constituir o crédito tributário. Vale l<strong>em</strong>brarque ao Direito Penal, na esfera dos crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária, importa aocorrência da evasão e não o quantun evadido. E este parece ser o ponto que<strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>cifrado para que não se <strong>de</strong>vore ou se <strong>de</strong>strua as bases da jurisdiçãodo Po<strong>de</strong>r Judiciário.Zelar pela in<strong>de</strong>pendência das instâncias, nesse caso, não significa que oórgão do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> esteja se imiscuindo nas ativida<strong>de</strong>s exclusivas dasautorida<strong>de</strong>s fiscais. Na verda<strong>de</strong>, o que se afirma, é que se o órgão do parquet,mesmo s<strong>em</strong> <strong>de</strong>finição administrativa do quantum <strong>de</strong>vido, possuir el<strong>em</strong>entossuficientes para a promoção da ação penal, diante da existência <strong>de</strong> indícios suficientes<strong>de</strong> materialida<strong>de</strong> e autoria <strong>de</strong> prática <strong>de</strong>fraudatória exitosa <strong>em</strong> <strong>de</strong>sfavordo erário público, po<strong>de</strong> dispensar o processo-administrativo-fiscal, da mesmaforma que, <strong>em</strong> algumas vezes, o inquérito policial apresenta-se <strong>de</strong>snecessáriopara o oferecimento da <strong>de</strong>núncia.Frisa-se: o máximo que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> uma sentença con<strong>de</strong>natória é acerteza da existência da obrigação tributária, cujo objeto é o tributo. E aquela,a constituição da obrigação tributária que se perfectibiliza pela ocorrência dofato gerador, não é atributo da autorida<strong>de</strong> fiscal, que <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> ICMS, etambém para outras espécies tributárias, no mais das vezes apenas promove afiscalização após a efetiva ocorrência dos fatos geradores da obrigação tributáriae que não tendo sido adimplida mediante o correto recolhimento dos valores<strong>de</strong>vidos, respalda o exercício da ação fiscal do lançamento <strong>de</strong> ofício.A estas reflexões acrescenta-se o cânone in dubio pro societate que <strong>de</strong>ve


nortear o parquet quando da formação da opinio <strong>de</strong>licti e, ato contínuo, inícioda Ação Penal.Para o oferecimento da <strong>de</strong>núncia o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>ve d<strong>em</strong>onstrarindícios suficientes <strong>de</strong> autoria e materialida<strong>de</strong> e não prova cabal suficiente paracon<strong>de</strong>nação. Essa surgirá, ou não, após a instrução. È o que a legislação prevê<strong>de</strong> forma expressa no artigo 28, § 1 o , da Lei n o 10.409/2002:Para efeito da lavratura do auto <strong>de</strong> prisão <strong>em</strong> flagrante e estabelecimentoda autoria e materialida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito, é suficienteo laudo <strong>de</strong> constatação da natureza e quantida<strong>de</strong> do produto,da substância ou da droga ilícita, firmado por perito oficialou, na falta <strong>de</strong>sse, por pessoa idônea, escolhida, preferencialmente,entre as que tenham habilitação técnica.Subordinar o oferecimento da <strong>de</strong>núncia, nos crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária,à existência da <strong>de</strong>cisão final do processo administrativo, importa, sim,subordinar a <strong>de</strong>núncia à prévia certeza <strong>de</strong> todos os el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> fato necessáriosà sua procedência. Situação que acarreta, induvidosamente, conforme já seconcluiu, imperdoável retrocesso relativamente à autonomia do direito <strong>de</strong> ação,pilar <strong>de</strong> todo o Direito Processual mo<strong>de</strong>rno.A doutrina há muito t<strong>em</strong>po preleciona:Caso o fato narrado aparent<strong>em</strong>ente configure fato típicoe ilícito, a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>ve ser recebida, pois, nessa fase,há mero juízo <strong>de</strong> prelibação. O juiz não <strong>de</strong>ve efetuar umexame aprofundado <strong>de</strong> prova, <strong>de</strong>ixando para enfrentar aquestão por ocasião da sentença. A existência ou não <strong>de</strong>crime passará a constituir o próprio mérito <strong>de</strong> d<strong>em</strong>anda, ea <strong>de</strong>cisão fará, por conseguinte, coisa julgada material. 23Em sintonia está a <strong>de</strong>cisão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>:[...] a <strong>de</strong>núncia é <strong>de</strong>stinada a iniciar o processo <strong>de</strong> formaçãoda culpa, por meio da qual se verificaram a existência, anatureza e circunstâncias do <strong>de</strong>lito e quais sejam os seusautores e cúmplices. Não exige a lei, para o seu recebimento,provas rigorosas, como as que são necessárias para apronúncia ou para a con<strong>de</strong>nação. (TJSC, HC 11.653).Logo, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não <strong>de</strong>ve permanecer vinculado à ativida<strong>de</strong>23 CAPEZ, Fernando. Curso <strong>de</strong> Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. p.


fiscalizatória. Obviamente, se quando do oferecimento da <strong>de</strong>núncia já existir olançamento <strong>de</strong> ofício (Notificação Fiscal), ainda que pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> recurso, maisevi<strong>de</strong>nciados estarão os indícios <strong>de</strong> autoria e materialida<strong>de</strong>, substancializandoa justa causa para a propositura da Ação Penal, por conta da presunção <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>,da qual são dotados os atos administrativos, inclusive os fiscais, b<strong>em</strong>como pela natureza vinculada da ativida<strong>de</strong> fiscal, adstrita, portanto, aos princípiosconstantes no artigo 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.8.Resta ainda, abordar um último tópico do voto proferido no HC 81.611-(...) Acontece que o gran<strong>de</strong> probl<strong>em</strong>a, posto com uma clarezae uma dramaticida<strong>de</strong> invejáveis no voto do MinistroNelson Jobim, é que, mal ou b<strong>em</strong>, a lei <strong>de</strong>u ao contribuinteo direito potestativo <strong>de</strong> impedir a ação penal pelopagamento do tributo antes do recebimento da <strong>de</strong>núnciae suspensão do processo para aguardar solução, <strong>em</strong>borano âmbito administrativo – isso não me causa espécie –,<strong>de</strong> questão prejudicial heterogênea e implica suspensão <strong>de</strong>processo incurso, consequent<strong>em</strong>ente, prévio recebimentoda <strong>de</strong>núncia. De tal modo que, se ao final <strong>de</strong>sta prejudicialadministrativa heterogênea se concluir que o contribuinte<strong>de</strong>ve um décimo daquilo que, inicialmente, lhe fora lançado,está ele impedido <strong>de</strong> exercer o direito potestativo,que, mal ou b<strong>em</strong>, lhe <strong>de</strong>u a lei, <strong>de</strong> impedir, <strong>de</strong> extinguira punibilida<strong>de</strong> antes do processo pelo pagamento. Parcelamentot<strong>em</strong> por suposta a condição. O pressuposto doparcelamento é a confissão do débito tributário [...].Assimila-se o resguardo <strong>de</strong> um benefício como condição para a consumação<strong>de</strong> um crime <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, como que se expungindo do Direito Penal asdisposições do artigo 16 do Código Penal.Nesse sentido Fábio Bittencourt da Rosa:O que se impõe enfatizar é que a tipicida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r serafetada por uma causa <strong>de</strong> extinção da pena. Se a ação é típicaa conseqüência será a punição. A dificulda<strong>de</strong> eventualmenteexistente para fazer subsumir a regra extintiva da punibilida-24 Anulação do Lançamento: Efeitos no Processo Penal. www.mundojurídico.com.br


<strong>de</strong> nada po<strong>de</strong> influenciar na incriminação. O crime é condutatípica e antijurídica. Se o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> recebe a notíciaatestando sua existência, t<strong>em</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar, porqueo acesso ao judiciário é incondicionado. 245. Consi<strong>de</strong>rações finaisO caminho até aqui percorrido entre axiomas e interrogantes que <strong>de</strong>linearama pesquisa, enseja as seguintes conclusões:a) A ação Penal não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> lançamento <strong>de</strong> ofício(Notificação Fiscal).b) Não é necessário o término do Procedimento Administrativo FiscalRecursal (revisão do Lançamento) para a propositura da Ação Penal.c) A existência <strong>de</strong> Processo Judicial que discute a existência da obrigaçãotributária po<strong>de</strong> constituir questão prejudicial heterogênea (art. 93 do CPP).O vocábulo “po<strong>de</strong>”, justifica-se pela existência das condicionantespreceituadas pelo artigo 93 do Código <strong>de</strong> Processo Penal: “[...] o juiz criminalpo<strong>de</strong>rá, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essa questão seja <strong>de</strong> difícil solução e não verse sobre direitocuja prova a lei civil limite, suspen<strong>de</strong>r o curso do processo, após a inquiriçãodas test<strong>em</strong>unhas e a realização das outras provas <strong>de</strong> natureza grave.”d) O Procedimento Administrativo Fiscal Recursal <strong>de</strong>ve e po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong>convencimento ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na formação da opinio <strong>de</strong>licti, b<strong>em</strong> como<strong>de</strong> suporte probatório para a prolação da sentença, <strong>em</strong> nome, principalmente,da busca da verda<strong>de</strong> real disciplinada pelo Processo Penal.d) A <strong>de</strong>cisão na esfera administrativa, concluindo pela inexistência dodébito, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre, influenciará no Processo Penal.A solução do probl<strong>em</strong>a exige o exame <strong>de</strong> cada situação <strong>em</strong> concreto.d.1) Se a conclusão <strong>de</strong> inexistência do crédito tributário, pela Fazenda,por ex<strong>em</strong>plo, fundar-se <strong>em</strong> eventual compensação tributária, ou <strong>em</strong> vício <strong>de</strong>lançamento, também conhecido por vício formal do lançamento <strong>de</strong> ofício, ou<strong>em</strong> vício <strong>em</strong> qualquer fase da constituição do crédito, enfim <strong>em</strong> situações <strong>em</strong>que não se discute a existência da obrigação tributária, nenhuma conseqüênciatrará ao Processo Penal.


Nessas situações, acima ex<strong>em</strong>plificadas, a conclusão do fisco no sentidoda inexistência do crédito tributário não t<strong>em</strong> qualquer relação com a natureza<strong>de</strong>lituosa do ato praticado pelo agente-contribuinte. E <strong>de</strong> qualquer maneira, as<strong>de</strong>fraudações perpetradas pelo agente <strong>de</strong>vedor dos tributos e pelas quais <strong>de</strong>ixouele <strong>de</strong> promover o <strong>de</strong>vido recolhimento, perfectibilizaram a conduta <strong>de</strong>ufraudatóriae ainda assim, no plano administrativo fiscal, fruirá do privilégio <strong>de</strong>só recolher ao <strong>de</strong>pois da correção do ato <strong>de</strong> ofício, que cabe à administraçãorefazer.d.2) Se a conclusão <strong>de</strong> inexistência do crédito tributário, pela Fazenda,motivar-se <strong>em</strong> situação que <strong>de</strong>sconstitua a obrigação tributária, quase que, namaioria das vezes, influenciará <strong>de</strong>cisivamente do Processo Penal, <strong>de</strong>vendo ojuiz, inclusive conce<strong>de</strong>r Hábeas Corpus <strong>de</strong> ofício, ao <strong>de</strong>tectar a atipicida<strong>de</strong> daconduta.d.3) Se o juiz convencer-se que a <strong>de</strong>cisão administrativa foi equivocada,pelos mais variados motivos (erro, improibida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ficiência probatória da esferaadministrativa, etc), po<strong>de</strong>rá dar ao Processo Penal <strong>de</strong>cisão diversa, limitandose,obviamente, ao caso concreto, s<strong>em</strong> que tal sentença, se con<strong>de</strong>natória, porex<strong>em</strong>plo, também obviamente, tenha força <strong>de</strong> constituir o crédito tributário.d.4) Analisando o Procedimento Administrativo Recursal que concluiupela inexistência do crédito tributário, po<strong>de</strong>rá o magistrado convencer-se nomesmo sentido, nada impedindo que, respeitado o Princípio da Correlação 25 , asolução no Processo Penal aponte para a <strong>de</strong>sclassificação, con<strong>de</strong>nando-se o réupelos <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológica ou material, conforme o caso, ou ainda,qualquer outro que restar narrado na <strong>de</strong>núncia.e) Nas práticas <strong>de</strong>fraudatórias Contra a Ord<strong>em</strong> Tributária, referentes aoImposto <strong>de</strong> Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços, o momento da consumaçãodos ilícitos não ocorre a partir do lançamento <strong>de</strong> ofício realizado pelo agentefiscal. A supressão ou redução do tributo <strong>de</strong>vido acontece ao longo do t<strong>em</strong>po<strong>em</strong> que o agente não promove o <strong>de</strong>vido recolhimento do que <strong>de</strong>veria fazer. Aativida<strong>de</strong> fiscal apenas constata, <strong>em</strong> momento posterior, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tributosuprimido ou reduzido.25 Por Princípio da Correlação enten<strong>de</strong>-se que <strong>de</strong>ve haver uma correlação entre o fato <strong>de</strong>scrito na<strong>de</strong>núncia ou queixa e o fato pelo qual o réu é con<strong>de</strong>nado. Nesse sentido: CAPEZ, Fernando.Curso <strong>de</strong> Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. p. 364.


f) A jurisprudência foi dando guarida aos posicionamentos doutrinários<strong>de</strong> que a consumação da conduta criminosa erupciona no momento do lançamento<strong>de</strong> ofício, o que v<strong>em</strong> provocando tanta cizânia entre os postulados doDireito Tributário e uma certa flaci<strong>de</strong>z teórica no que tange aos princípios doDireito Penal.g) O entendimento <strong>de</strong> que para a consumação do crime exige-se a confirmaçãodo lançamento fiscal <strong>de</strong> ofício, como condição constituinte da prova dasupressão ou da redução do recolhimento do tributo, ou como agora eleva-se àcondição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, instaura uma <strong>de</strong>formação jurídica na naturezado próprio tributo do ICMS, <strong>de</strong>finido como <strong>de</strong> autolançamento, submetido àfiscalização posterior.h) A <strong>de</strong>cisão do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral instaura perigosa inovação nomo<strong>de</strong>lo jurisdicional brasileiro por submeter a jurisdição do Po<strong>de</strong>r Judiciário àjurisdição administrativa do Po<strong>de</strong>r Executivo, condicionando aquele a este.6 ReferênciasBALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Forense,1996.CAPPELLETTI, Mauro. El Derecho Comparado y su enseñanza en relación con Iasnecesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> la sociedad mo<strong>de</strong>rna, in Proceso, I<strong>de</strong>ologías, Sociedad. Trad. <strong>de</strong>Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974.CAPEZ, Fernando. Curso <strong>de</strong> Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva,2001.DINAMARCO, Cândido R. A Instrumentalida<strong>de</strong> do Processo, São Paulo: RT, 1987.EISELE, Andreas. Crimes contra a Ord<strong>em</strong> Tributária. 2. ed. São Paulo: Dialética,2002.FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário,6. ed. (rev. e atual.) São Paulo: Saraiva, 1984.FLAKS, Milton. Mandado <strong>de</strong> Segurança (Pressupostos da Impetração), Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1980.GRECO FILHO, Vicente. Manuel do Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva,1999.JESUS, Damasio <strong>de</strong>. Direito Penal. Volume 1. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.


LACERDA, Galeno. Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil, 3. ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1987, v. VIII, t. 1.MOREIRA NETO, Diogo <strong>de</strong> Figuetredo. Legitimida<strong>de</strong> e Discricionarieda<strong>de</strong> (novasreflexões sobre os limites e controle da discricionarieda<strong>de</strong>). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense,1989.


DIREITO PENAL TRIBUTÁRIOA Impossibilida<strong>de</strong> da Concessão <strong>de</strong>Parcelamento Tributário <strong>em</strong> Casos <strong>de</strong> Frau<strong>de</strong>Marina Luz <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> d’Eça NevesAssessora Jurídica do MPSC junto ao Centro<strong>de</strong> Apoio Operacional da Ord<strong>em</strong> TributáriaA matéria a ser tratada neste artigo diz respeito à ilegalida<strong>de</strong> da concessão<strong>de</strong> parcelamentos tributários aos contribuintes que <strong>em</strong>pregam dolo, frau<strong>de</strong> ousimulação para abster-se <strong>de</strong> pagar os <strong>de</strong>vidos tributos, procurando manifestarque o art. 155-A do Código Tributário Nacional, com redação dada pela LeiCompl<strong>em</strong>entar n o 104/2001, expõe indubitavelmente que a irrestrita concessão<strong>de</strong> parcelamentos por parte do Fisco é ilícita, afrontando o dispositivo legalantes mencionado.O parcelamento <strong>de</strong> créditos tributários é um benefício concedido pelaautorida<strong>de</strong> administrativa fazendária para os contribuintes restituír<strong>em</strong> ao Fiscoos tributos <strong>de</strong>vidos, levando <strong>em</strong> conta o montante do débito e o porte da <strong>em</strong>presa,entre outras circunstâncias, mas também é s<strong>em</strong> dúvida benéfico ao Erário, quearrecada valores visando aten<strong>de</strong>r aos gastos públicos, necessários diante dasaspirações dos cidadãos, que segundo os princípios do Estado D<strong>em</strong>ocrático sãoiguais <strong>em</strong> oportunida<strong>de</strong>s e direitos.O parcelamento t<strong>em</strong> dois principais objetivos: incr<strong>em</strong>entar a arrecadaçãoestatal, para elevar o nível <strong>de</strong> vida coletivo, concretizando um padrão mínimoessencial <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong> a todos os indivíduos e possibilitar a regularização doscontribuintes junto ao Fisco.A moratória quando concedida suspen<strong>de</strong> a exigibilida<strong>de</strong> do tributo, segundoo art. 151, I, do CTN 1 , isso significa dizer que durante o período <strong>em</strong> queAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 81 a 88


o contribuinte estiver incluso e adimplente no parcelamento, o Estado <strong>de</strong>ve,<strong>em</strong> contrapartida, abster-se <strong>de</strong> cobrá-lo.O legislador atribuiu ao parcelamento a mesma particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>ra exigibilida<strong>de</strong> do tributo. Para Hugo <strong>de</strong> Brito Machado, a moratória éa prorrogação concedida pelo credor ao <strong>de</strong>vedor, do prazo para pagamento dadívida, <strong>de</strong> uma única vez ou parceladamente 2 , concluindo-se que, o parcelamentoé uma espécie <strong>de</strong> moratória, quiçá a mais importante.Se a moratória suspen<strong>de</strong> a exigibilida<strong>de</strong> do pagamento do tributo e oparcelamento também, o legislador <strong>de</strong>u o mesmo tratamento aos dois institutos,isso é, as regras aplicam-se a ambos, o que se coaduna com as normasinterpretativas e com o princípio da isonomia, se observados os institutos damoratória e do parcelamento separadamente.Depois <strong>de</strong> muito se contestar, o parcelamento tributário ganhou forma<strong>de</strong> instituto autônomo, e como tal mereceu um artigo exclusivo, hoje o art.155-A do CTN, com redação dada pela Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 104/2001, quealém <strong>de</strong> traçar os princípios básicos para sua concessão, <strong>de</strong>terminou <strong>em</strong> seu §2 opara resolução <strong>de</strong> quaisquer dúvidas que, ante a ausência <strong>de</strong> normas, aplica-sesubsidiariamente as disposições relativas à moratória ao parcelamento.Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma econdição estabelecidas <strong>em</strong> lei específica§ 1 o Salvo disposição <strong>de</strong> lei <strong>em</strong> contrário, o parcelamentodo crédito tributário não exclui a incidência <strong>de</strong> juros <strong>em</strong>ultas.§ 2 o Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamentoas disposições <strong>de</strong>sta Lei, relativas à moratória. (grifo1 Art. 151. Suspend<strong>em</strong> a exigibilida<strong>de</strong> do crédito tributário:I – moratória;II – o <strong>de</strong>pósito do seu montante integral;III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributárioadministrativo;IV – a concessão <strong>de</strong> medida liminar <strong>em</strong> mandado <strong>de</strong> segurança;V – a concessão <strong>de</strong> medida liminar ou <strong>de</strong> tutela antecipada, <strong>em</strong> outras espécies <strong>de</strong> ação judicial;VI – o parcelamento.Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórias<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou <strong>de</strong>la conseqüentes.2 MACHADO, Hugo <strong>de</strong> Brito. Curso <strong>de</strong> Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Ed. Malheiros.


nosso)Visto que se trata <strong>de</strong> norma recente, vigente a partir <strong>de</strong> 10.1.2001, o institutodo parcelamento durante muito t<strong>em</strong>po causou inúmeras controvérsias, tanto pelasua natureza jurídica, como pela sua concessão <strong>de</strong>senfreada, sendo hoje luzentesua concepção e seus efeitos.A própria exposição <strong>de</strong> motivos da Lei Compl<strong>em</strong>entar <strong>em</strong> questão d<strong>em</strong>onstroua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal distinção: “[...] a inclusão do art. 155 <strong>de</strong>ve-se à necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> se estabelecer, com maior precisão e clareza, o instituto do parcelamento <strong>de</strong>débitos fiscais, distinguindo-o, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>finitiva, da moratória”. 3Dessa forma, após a vigência da Lei Compl<strong>em</strong>entar <strong>em</strong> questão, o parcelamentosó po<strong>de</strong> ser concedido nos <strong>de</strong>vidos termos da previsão legal específica,sendo essas as regras básicas e gerais necessárias à orientação e observaçãoobrigatória pelas unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração, não po<strong>de</strong>ndo contrariar as disposições<strong>de</strong>scritas nos arts. 151 e 155-A do CTN, observando todas as regras da moratóriareferidas nos arts. 152 a 155 do CTN.Resta claro, então, que a concessão <strong>de</strong> parcelamento <strong>em</strong> casos <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego<strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong> ou simulação é ilegal, pois não se está esten<strong>de</strong>ndo a interpretaçãoda norma vigente, e sim dando a ela seu real <strong>de</strong>sígnio, que é não conce<strong>de</strong>r benefíciofiscal a contribuintes que <strong>de</strong> forma consciente agiram com dolo, frau<strong>de</strong> ousimulação na tentativa <strong>de</strong> escapar do adimpl<strong>em</strong>ento da obrigação tributária.O artigo 154 do CTN especifica quais créditos são abrangidos pela moratória,e <strong>em</strong> seu parágrafo único o legislador excluiu do campo concessionárioda moratória os sujeitos passivos que tenham agido, antes <strong>de</strong>la, com dolo,frau<strong>de</strong> e simulação.Veja-se:Art. 154. Salvo disposição <strong>de</strong> lei <strong>em</strong> contrário, a moratóriasomente abrange os créditos <strong>de</strong>finitivamente constituídosà data da lei ou do <strong>de</strong>spacho que a conce<strong>de</strong>r, ou cujo lançamentojá tenha sido iniciado àquela data por ato regularmentenotificado ao sujeito passivo.Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos<strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong> ou simulação do sujeito passivo ou do3 Mensag<strong>em</strong> do Po<strong>de</strong>r Executivo n. 1459 (LC n. 104/2001), DCD 14.10.99, P.48326 ApudLEMOS, Rubin. Parcelamento <strong>de</strong> Débito Tributário. Enfoque atualizado pela LC 104/2001.Brasília: Brasília Jurídica, 2002.


terceiro <strong>em</strong> benefício daquele. (grifo nosso)Na área tributária, a frau<strong>de</strong> fiscal, que analisando o art. 72 4 da Lei n o4.502/64 chega-se à <strong>de</strong>dução que é sinônimo <strong>de</strong> evasão fiscal, é o meio <strong>em</strong>pregadopor contribuintes para sonegar<strong>em</strong> impostos, tratando-se <strong>de</strong> uma açãoou omissão dolosa que visa impedir ou retardar a ocorrência do fato geradorda obrigação principal, através <strong>de</strong> simulação, dissimulação, conluio e outraspráticas <strong>de</strong>fraudadoras que objetivam enganar e causar prejuízo ao Erário,conseqüent<strong>em</strong>ente à socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral.Pedro Roberto Decomain 5 <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> brilhant<strong>em</strong>ente que:A evasão fiscal t<strong>em</strong> a conotação <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, sendo práticaengendrada com o fito <strong>de</strong>, uma vez ocorrido o fato gerador,subtrair o seu conhecimento aos agentes fazendários, ou levara eles um conhecimento quantitativa ou qualitativamentedistorcido <strong>de</strong>sse fato, <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a eximir-se in<strong>de</strong>vidamenteo sujeito passivo da obrigação tributária (fato geradorocorrido) do pagamento do tributo <strong>de</strong>vido, mediante esseartifício fraudulento.A frau<strong>de</strong> é uma ação ou omissão s<strong>em</strong>pre dolosa do contribuinte, intentadacontra a Fazenda Pública, após a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária,ou no curso <strong>de</strong> sua ocorrência, através <strong>de</strong> simulação, conluio, dissimulaçãoe figuras afins, induzindo a erro a autorida<strong>de</strong> fazendária, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>servir <strong>de</strong> meio para atingir um objetivo perseguido pelo agente e participante:sonegar ou facilitar terceiros a fazê-lo.Essas referências feitas pela legislação às práticas dolosas, fraudulentas esimuladas, que consequent<strong>em</strong>ente supr<strong>em</strong> o recolhimento <strong>de</strong> tributos <strong>de</strong>vidos,são cont<strong>em</strong>pladas como evasão e sonegação fiscal, previstas na Lei n o 8.137/90,que as <strong>de</strong>fine como crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária.Assim, inconcebível que um contribuinte que teve primitivamente oobjetivo <strong>de</strong> suprimir ou reduzir tributo, sonegar impostos, posteriormente àconsumação e comprovação dolosa <strong>de</strong> sua conduta, obtenha do mesmo órgãoda administração que o inquiriu, o próprio parcelamento, tendo ainda a possi-4 Frau<strong>de</strong> é toda ação ou omissão dolosa ten<strong>de</strong>nte a impedir ou retardar, total ou parcialmente,a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar assuas características essenciais, <strong>de</strong> modo a reduzir o montante do imposto <strong>de</strong>vido a evitar oudiferir o seu pagamento.5 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes Contra a Ord<strong>em</strong> Tributária. 3. ed. Florianópolis: ObraJurídica, 1997. p. 25.


ilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ação penal ser trancada pela suspensão da pretensão punitivado Estado, baseada no art. 151 do CTN.Sendo mais que habitual, que esse mesmo contribuinte que teve o ânimoinicial <strong>de</strong> fraudar, volte, após concessão do parcelamento, a inadimplir comsuas obrigações reassentadas, tendo tido sua introdução <strong>em</strong> programas <strong>de</strong> recuperaçãofiscal caráter meramente protelatório.Pedro Roberto Decomain 6 adverte:Po<strong>de</strong> acontecer, contudo que o pedido <strong>de</strong> parcelamentoapenas se constitua, <strong>em</strong> engodo, <strong>de</strong>stinado a obter precisamentea <strong>de</strong>claração da extinção da punibilida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> queo réu tenha mesmo o firme propósito <strong>de</strong> pagar as parcelas<strong>em</strong> que foi dividido seu débito.Deferido então o parcelamento, paga ele a primeira parcela e tão logotransitada <strong>em</strong> julgado a <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>clarou extinta a punibilida<strong>de</strong>, susta opagamento das parcelas das parcelas posteriores.Também é inadmissível que programas instituídos pelos Estados comobjetivo prepon<strong>de</strong>rant<strong>em</strong>ente arrecadatórios possam suplantar regras cont<strong>em</strong>pladasno Código Tributário Nacional, diploma que, aplicado <strong>em</strong> consonânciacom as regras contidas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, especialmente as relacionadasao Sist<strong>em</strong>a Tributário Nacional (art. 145 e seguintes), forma a matriz do or<strong>de</strong>namentotributário brasileiro.As concessões <strong>de</strong> parcelamentos nos casos <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, dolo e simulaçãocontrariam frontalmente a lei, ocasionando <strong>de</strong>vastadores efeitos civis, penais eadministrativos.Ad<strong>em</strong>ais, com lastimáveis julgamentos dos Tribunais Superiores 7 , muitasvezes extinguindo a punibilida<strong>de</strong> pelo simples parcelamento, estes casos <strong>de</strong> concessões<strong>em</strong> ações comprovadamente dolosas, <strong>em</strong> que houve <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>,acabam se tornando um incentivo a tentativas - muitas vezes b<strong>em</strong> sucedidas - <strong>de</strong>ludibriar duplamente o Fisco, até se chegar ao objetivo final, suprimir ou reduzirtributos <strong>de</strong>vidos, e ainda não ser <strong>de</strong>vidamente responsabilizado por isso.É sabido que o el<strong>em</strong>ento essencial da frau<strong>de</strong> é o dolo, aliado à má-fé,significando que o contribuinte t<strong>em</strong> total consciência <strong>de</strong> que os atos praticados6 Op. cit., p. 150.7 RHC 16079/PR; 2004/0063319-9. HC 34844/SC; 2004/0051919-7. RHC 13047/SP;2002/0075825-7


por ele ou pelos responsáveis da <strong>em</strong>presa estão <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com as normasespecificadas na legislação tributária.Ora, se não se conce<strong>de</strong> a moratória ao <strong>de</strong>vedor que agiu com frau<strong>de</strong> dolosa,o parcelamento <strong>de</strong> débitos tributários na Fazenda Pública, igualmente nãopo<strong>de</strong> ser concedido a contribuintes que tenham sonegado imposto utilizando-se<strong>de</strong> artifícios ardilosos, <strong>em</strong>pregados com o ânimo <strong>de</strong> enganar, ou obter vantag<strong>em</strong>ilícita para si ou outr<strong>em</strong>, causando dano extraordinário ao Erário, conforme seextrai indiscutivelmente do novo art 155-A do CTN.Essa norma sobre o benefício da moratória é tão ética quanto moral, tantoque caso tenha sido concedida e, posteriormente verificado que o contribuintenão preenche ou <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> preencher os requisitos para sua concessão, po<strong>de</strong> serrevogada <strong>de</strong> ofício 8 , anulada cobrando-se a penalida<strong>de</strong>, já que o prazo prescricionalnão é contabilizado.Hugo <strong>de</strong> Brito Machado, com ênfase, comentando a moratória afirmaque “provado o vício é como se não houvesse sido concedido o favor”. 9Contribuintes que fraudam o Fisco são na maioria das vezes, os qu<strong>em</strong>ovimentam somas mais vultosas, suprimindo da mesma maneira valoresexorbitantes, que se tornam proventos particulares <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> toda umapopulação.Esses contribuintes contam com a estrutura <strong>de</strong>ficitária do Fisco, presumindoque este não conseguirá alcançá-lo, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> recolher os valores<strong>de</strong>vidos e esperando que se uma casual atuação ocorra, po<strong>de</strong>rá s<strong>em</strong> restriçõesparcelar a dívida e sair impune <strong>de</strong> um crime praticado contra a administraçãofazendária, beneficiando-se <strong>de</strong> sua própria torpeza.É nefasto, socialmente injusto e acima <strong>de</strong> tudo ilegal, que um contribuinte8 Art. 155. A concessão da moratória <strong>em</strong> caráter individual não gera direito adquirido e serárevogada <strong>de</strong> ofício, s<strong>em</strong>pre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>satisfazer as condições ou não cumpriria ou <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> cumprir os requisitos para a concessãodo favor, cobrando-se o crédito acrescido <strong>de</strong> juros <strong>de</strong> mora:I - com imposição da penalida<strong>de</strong> cabível, nos casos <strong>de</strong> dolo ou simulação do beneficiado,ou <strong>de</strong> terceiro <strong>em</strong> benefício daquele;II - s<strong>em</strong> imposição <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>, nos d<strong>em</strong>ais casos.Parágrafo único. No caso do inciso I <strong>de</strong>ste artigo, o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>corrido entre a concessão damoratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrançado crédito; no caso do inciso II <strong>de</strong>ste artigo, a revogação só po<strong>de</strong> ocorrer antes <strong>de</strong> prescritoo referido direito. (grifo nosso)9 MACHADO, Hugo <strong>de</strong> Brito. Curso <strong>de</strong> Direito Tributário. 12.ed. Malheiros. 1997. p. 127


que tentou ludibriar o Fisco, e que habitualmente consegue chegar a esse objetivo,obtenha do próprio ente estatal, a autorização para parcelar débito oriundo<strong>de</strong> recursos públicos que se apropriou.Não se trata <strong>de</strong> contribuintes probos, e sim dos que utilizam artimanhaspara retirar do Estado os valores, que já cobraram dos contribuintes <strong>de</strong> fato,apropriando-se ilicitamente <strong>de</strong>les.A concessão <strong>de</strong>sses parcelamentos incentiva a prática da sonegação fiscale o <strong>de</strong>scumprimento das normas tributárias, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestimular contribuintes<strong>de</strong> boa-fé que <strong>de</strong>vidamente pagaram seus tributos na data pré-fixada, cumprindofielmente suas obrigações tributárias, já que a concessão <strong>de</strong>scomedida <strong>de</strong>parcelamentos, além <strong>de</strong> ilegal, fere o princípio da igualda<strong>de</strong> (art. 150, II, CF),que trata os iguais <strong>de</strong> forma igual e os <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sigual.Ad<strong>em</strong>ais, a norma <strong>em</strong> questão não é a única que proíbe benefícios aoscontribuintes que agiram com dolo, frau<strong>de</strong> ou simulação. Esse tipo <strong>de</strong> contribuintehá muito t<strong>em</strong>po é observado pelo legislador, provando-se que são atitu<strong>de</strong>snão muito esporádicas, tanto que o art. 150, § 4 o10 , não consi<strong>de</strong>ra homologada eextinta a obrigação <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> expirado o prazo <strong>de</strong> cinco anos, também a isençãotratada no art. 179 11 , a anistia do art. 180 12 e a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lançamento<strong>de</strong> ofício, art 149 13 , todos do Código Tributário Nacional.O Estado não t<strong>em</strong> objetivo meramente arrecadador, como muitos cogitam.Através dos impostos, a primazia é a <strong>de</strong> nivelar a vida da socieda<strong>de</strong>, melhorandoprogressivamente as condições socioculturais <strong>de</strong> todos as pessoas, e não hácomo assentir que a concessão <strong>de</strong> parcelamento nesses casos <strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong>10 Art. 150. [...]§ 4 o Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele <strong>de</strong> cinco anos, a contar da ocorrência dofato gerador; expirado esse prazo s<strong>em</strong> que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, consi<strong>de</strong>ra-sehomologado o lançamento e <strong>de</strong>finitivamente extinto o crédito, salvo se comprovadaa ocorrência <strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong> ou simulação.11 Art. 179. [...]§ 2 o O <strong>de</strong>spacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível,o disposto no artigo 155.12 Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigênciada lei que a conce<strong>de</strong>, não se aplicando: I - aos atos qualificados <strong>em</strong> lei como crimes oucontravenções e aos que, mesmo s<strong>em</strong> essa qualificação, sejam praticados com dolo, frau<strong>de</strong>ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro <strong>em</strong> benefício daquele;13 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto <strong>de</strong> ofício pela autorida<strong>de</strong> administrativa nosseguintes casos. [...]VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro <strong>em</strong> benefício daquele, agiu comdolo, frau<strong>de</strong> ou simulação;


ou simulação esteja cumprindo a função social do Estado D<strong>em</strong>ocrático, já queesse <strong>de</strong>scumpre escancaradamente a ord<strong>em</strong> jurídica vigente.O próprio CTN <strong>em</strong> seu art. 111 or<strong>de</strong>na:Interpreta-se literalmente a legislação tributária quedisponha sobre:I – suspensão ou exclusão do crédito tributário. (grifonosso)Rubin L<strong>em</strong>os, Promotor <strong>de</strong> Justiça no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, gran<strong>de</strong> estudiosodo direito tributário, <strong>em</strong> sua obra que trata <strong>de</strong>ste assunto corrobora:[...] o benefício fiscal, que <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> política tributáriaparece incentivar o pagamento do tributo, <strong>de</strong>ixa na mesmasituação contribuintes que agiram com dolo, frau<strong>de</strong> ou simulaçãopara não pagar<strong>em</strong> o tributo e os que assim não agiram,transformando o parcelamento <strong>em</strong> incentivo a sonegaçãofiscal e ao <strong>de</strong>scumprimento da legislação tributária.A concessão <strong>de</strong> parcelamento busca dar ao contribuinte virtuoso, quese encontra <strong>em</strong> circunstância <strong>de</strong>licada, a chance <strong>de</strong> se manter <strong>em</strong> dia com suasobrigações para com o Fisco.Rubin L<strong>em</strong>os 14 cita Antônio Bianchini Neto que assenta <strong>de</strong> forma perspicaz,Portanto, ao invés <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r parcelamento <strong>de</strong> formaindiscriminada melhor é fazê-lo apenas aos contribuintesrealmente merecedores do favor legal, que possam provere garantir a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua obtenção, on<strong>de</strong>, s<strong>em</strong>acréscimos abusivos, pod<strong>em</strong> recompor suas finanças, paraevitar, muitas vezes, a própria sucumbência da <strong>em</strong>presa,que fatalmente levará consigo <strong>de</strong> roldão direitos <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregados,créditos representados por quirógrafos e inclusiveos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> obrigações tributárias.Assim, analisando s<strong>em</strong> esforço algumas normas dantes apresentadas,conclui-se que não há mais como admitir que o Estado, mesmo precisando epo<strong>de</strong>ndo cobrar e parcelar débitos tributários, o faça <strong>de</strong> maneira ilícita, ilegal econtrária às normas jurídico-tributárias, tão cristalinas quando se refer<strong>em</strong> a esse14 LEMOS, Rubin. Parcelamento <strong>de</strong> Débito Tributário. Enfoque atualizado pela LC 104/2001.Brasília: Brasília Jurídica, 2002.


DIREITOS HUMANOSImpasses e Desafios dosDireitos Humanos na Era da GlobalizaçãoFrancisco Bissoli FilhoPromotor <strong>de</strong> Justiça – SCMestre <strong>em</strong> Direito pela Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 Direitos humanos fundamentais: conceitos, distinções,enfoques e teorias – 3 O Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito e os direitoshumanos – 4 A internacionalização dos direitos humanos – 5 A d<strong>em</strong>ocratizaçãodo Brasil e a expansão normativa dos direitos humanos – 6 Impasses no tratamentodos direitos humanos – 7 Desafios <strong>em</strong> relação aos direitos humanos– 8 Conclusões.1 IntroduçãoNão é difícil falar sobre direitos humanos, mas, nos dias atuais, dianteda banalização do fenômeno da violência, da falta <strong>de</strong> indignação <strong>em</strong> relação àexclusão social e da baixa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos comentários jornalísticos sobreo t<strong>em</strong>a, tornou-se esse um t<strong>em</strong>a árduo.A t<strong>em</strong>ática será abordada <strong>em</strong> seis tópicos: primeiramente, buscar-se-áconceituar os direitos humanos, distingui-los das garantias fundamentais e exporsobre os seus enfoque ou dimensões b<strong>em</strong> como sobre as principais teorias queestão com eles relacionadas; no segundo tópico, far-se-á uma pequena abordag<strong>em</strong>sobre o papel do Estado, especialmente do Estado brasileiro, na garantiados direitos humanos; no terceiro momento, comentar-se-á sobre o fenômeno daAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 89 a 113


internacionalização dos direitos humanos, do papel do Direito Internacional nesseprocesso e das suas relações com o Direito Interno; no quarto tópico, procurarse-ádiscorrer sobre a d<strong>em</strong>ocratização do Brasil e a expansão das normas sobredireitos humanos no Direito Constitucional brasileiro; no quinto tópico, far-se-áuma breve alusão àquilo que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como impasse no tratamentodas questões relacionadas com os direitos humanos; e por fim, serão expostos os<strong>de</strong>safios que se apresentam não somente no campo do conhecimento científicorelativo aos direitos humanos mas também sobre a sua operacionalização.2 Direitos humanos fundamentais: conceito, distinções, enfoques eteoriasMuitas são as concepções acerca dos direitos humanos. Uns prefer<strong>em</strong> reduziros direitos humanos à esfera penal, relacionando-os com os direitos dos presosou dos con<strong>de</strong>nados. Outros, no entanto, procuram um conceito mais ampliado.Adotar-se-á, nessa exposição, a concepção mais ampliada, contribuindo-se, assim,para que sejam <strong>de</strong>sfeitos os equívocos que mutilam a abrangência <strong>de</strong>sses direitos,<strong>em</strong>bora se reconheça que a d<strong>em</strong>anda social, na área dos direitos humanos, estejaligada mais à questão penal, <strong>em</strong> face do apelo midiático e da não atualização <strong>de</strong>alguns profissionais ligados à área jurídica.Dito isso, po<strong>de</strong>r-se-á afirmar que os direitos humanos fundamentais traduz<strong>em</strong>as concepções filosófico-jurídicas aceitas por uma <strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> umcerto momento histórico. Esses valores, que se constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> fundamentos doEstado são, ao mesmo t<strong>em</strong>po, fins <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> e direitos dos seus indivíduos.Há distinção entre direitos humanos e garantias fundamentais? Ruy Barbosa,referido por José Afonso da Silva já fazia essa distinção. Dizia ele:Uma coisa são os direitos, outra as garantias, pois <strong>de</strong>v<strong>em</strong>osseparar, “no texto da lei fundamental”, as disposiçõesmeramente <strong>de</strong>claratórias, que são as que imprim<strong>em</strong>existência legal aos direitos reconhecidos, das disposiçõesassecuratórias, que são as que, <strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos,limitam o po<strong>de</strong>r. 1As disposições meramente <strong>de</strong>claratórias institu<strong>em</strong> os direitos; as disposi-1 Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 185.


ções assecuratórias institu<strong>em</strong> as garantias. Ocorre, não raramente, juntar<strong>em</strong>se,na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia e a<strong>de</strong>claração do direito.Os direitos humanos pod<strong>em</strong> ser vistos sob enfoque ou na dimensão objetivaou institucional, que realça o sentido do comum <strong>em</strong> face do individual,ou sob o enfoque ou na dimensão subjetiva ou individual, que realça o sentidoindividual, conectada à realização da dignida<strong>de</strong> humana dos indivíduos.O Direito Constitucional brasileiro, ao recepcionar o princípio da dignida<strong>de</strong>da pessoa humana, como sustentáculo do Estado brasileiro (CF, art. 1 o ,III), e ao propugnar pelo princípio da prevalência dos direitos humanos nasrelações internacionais (CF, art. 4 o , II), <strong>de</strong>u aos direitos humanos fundamentaisuma dimensão subjetiva ou individual.Isso significa dizer que o indivíduo não po<strong>de</strong>rá ser sacrificado <strong>em</strong> face docoletivo, mas sim que, observado o princípio da proporcionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> seratendidos os interesses individuais e, por meio da soma <strong>de</strong>sses, os interesses gerais.Assim, o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana não prejudica os interessescoletivos ou sociais, mas, sim, indica que esses somente serão atendidos quandofor<strong>em</strong> atendidos os interesses individuais, e que é pela soma do atendimento<strong>de</strong>sses interesses que se satisfarão os interesses gerais.Muitos são os autores que se <strong>de</strong>dicaram ao estudo dos direitos humanos.Serão utilizados conceitos apenas <strong>de</strong> três que, <strong>de</strong>ntre outros, são consi<strong>de</strong>radosoportunos para a presente abordag<strong>em</strong>. São eles: Georg Jellinek, Robert Alexy eAlessandro Baratta.Georg Jellinek estudou os direitos humanos e procurou conceituá-los,sobretudo, à luz da teoria dos status. Os direitos fundamentais, segundo a suadoutrina, asseguram aos indivíduos diversas posições jurídicas <strong>em</strong> relação aoEstado, posições estas <strong>de</strong>nominadas status, que qualificam o sujeito.Esse status po<strong>de</strong>rá ser negativo, positivo, passivo ou ativo. O statusnegativo correspon<strong>de</strong> à esfera das liberda<strong>de</strong>s, na qual os interesses essencialmenteindividuais encontram sua satisfação. É, pois, uma esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>individual, cujas ações são livres, porque não estão or<strong>de</strong>nadas ou proibidas, valedizer, tanto sua omissão como sua realização estão permitidas. Nesse status, oindivíduo é merecedor da não-intervenção estatal na sua esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s.O status positivo, por outro lado, correspon<strong>de</strong> à posição que dota o indivíduo<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> jurídica para exigir do Estado prestações positivas, para recla-


mar para si o que o Estado está obrigado. Já o status passivo correspon<strong>de</strong> àesfera <strong>em</strong> que o indivíduo se encontra <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> sujeição ao Estado; é aesfera <strong>de</strong> obrigações. Por fim, o status ativo correspon<strong>de</strong> à esfera <strong>em</strong> que ocidadão recebe competências para participar do Estado (direito <strong>de</strong> votar ou <strong>de</strong>participar da elaboração das políticas públicas e na fiscalização dos atos dosagentes públicos) 2 .Robert Alexy não difere muito <strong>de</strong> Jellinek, no entanto, procura apresentarum conceito estrutural dos direitos fundamentais. Segundo esse autor, os direitoshumanos compreend<strong>em</strong> o direito a algo, ou seja, o direito a ações negativas eo direito a ações positivas; as liberda<strong>de</strong>s; e as competências.O direito a algo é representado por uma relação tría<strong>de</strong>. A t<strong>em</strong> diante <strong>de</strong>B uma pretensão P. Se o indivíduo A t<strong>em</strong> diante do Estado B o direito à vida,A t<strong>em</strong> o direito a que B não o mate e que B o proteja contra possíveis agressõesdos outros, ou seja, A t<strong>em</strong> o direito a ações negativas e a ações positivas.O direito a ações negativas compreen<strong>de</strong> os direitos da esfera das liberda<strong>de</strong>sindividuais (não-intervenção estatal) e o direito a que B não crie obstáculos aoexercício do direito. O direito a ações positivas compreen<strong>de</strong> os direitos a umaprestação <strong>de</strong> natureza fática ou <strong>de</strong> natureza normativa por parte do Estado, nosentido da proteção <strong>de</strong> um direito ou da pretensão P.Segundo Alexy, também as liberda<strong>de</strong>s estão inseridas no campo da proteçãodos direitos humanos. Nesse contexto, a liberda<strong>de</strong> estaria protegida pelodireito, ou seja, estaria garantida por uma norma que permite o exercício dasfaculda<strong>de</strong>s inerentes a um comportamento, como a que garante a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>resposta, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> ofensa (CF, art. 5 o , V), ou liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação (CF, art.5 o , XVII). É necessário um tipo <strong>de</strong> norma <strong>de</strong> direito fundamental que garanta aliberda<strong>de</strong> do indivíduo <strong>em</strong> relação a uma questão x ou y para que uma normainfraconstitucional não possa vir a proibir ou a prescrever como obrigatóriosesses comportamentos.Por fim, Robert Alexy inclui as competências no campo dos direitos fundamentais.A norma <strong>de</strong> direito fundamental que atribui uma competência nãoestá permitindo, proibindo ou or<strong>de</strong>nando algo. Por isso, diz ele, tal norma é umanorma <strong>de</strong> estrutura e não <strong>de</strong> comportamento. Ela é <strong>de</strong> suma importância para acompreensão dos direitos fundamentais, porque as competências, quando garanti-2 apud BARROS, Suzana <strong>de</strong> Toledo. O princípio da proporcionalida<strong>de</strong> e o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>das leis restritivas <strong>de</strong> direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica,2003. p. 135-8.


das pela Constituição, limitam a ação do legislador, que não as po<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrogar. Soboutro enfoque, essas normas impõ<strong>em</strong>-lhe responsabilida<strong>de</strong>s, segundo a idéia <strong>de</strong>realização dos direitos fundamentais mediante a organização e os procedimentos,subsumida no status activus processualis 3 .Alessandro Baratta, no artigo intitulado “Direitos Humanos: entre aviolência estrutural e a violência penal 4 ”, faz uma relação entre os direitoshumanos e a violência, especialmente com a violência estrutural e com a violênciainstitucional.O que são, para esse autor, “direitos humanos”? Segundo AlessandroBaratta, qualquer raciocínio que se faça sobre “direitos humanos” passa,necessariamente, por duas vertentes: a idéia <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> e a <strong>de</strong> direito. A idéia<strong>de</strong> hom<strong>em</strong> é <strong>de</strong>finida <strong>em</strong> relação à esfera das liberda<strong>de</strong>s (entendida como autonomia)e com os recursos que, na história dos or<strong>de</strong>namentos políticos, sãoreconhecidos como direitos dos indivíduos e dos grupos. Já a idéia <strong>de</strong> direito,isto é, do direito justo ou da justiça, é <strong>de</strong>finida <strong>em</strong> relação às liberda<strong>de</strong>s e aosrecursos que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser reconhecidos às pessoas e aos grupos para que elespossam satisfazer as suas necessida<strong>de</strong>s.As idéias <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> e <strong>de</strong> direito, segundo Baratta, r<strong>em</strong>et<strong>em</strong>-nos a duassituações: às injustiças do direito e às ilegalida<strong>de</strong>s dos fatos. As injustiças dodireito reflet<strong>em</strong> a possível divergência entre o direito que é e o que <strong>de</strong>veria ser,ou seja, o direito justo ou as normas <strong>de</strong> justiça. As ilegalida<strong>de</strong>s dos fatos, porsua vez, diz<strong>em</strong> respeito à possível divergência entre o direito que é (as normasvigentes) e os fatos. Compreend<strong>em</strong>-se, nesse tipo <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>, também, asações e as <strong>de</strong>cisões dos órgãos competentes para produzir<strong>em</strong> outras normas,isto é, as ações e as <strong>de</strong>cisões dos legisladores, dos juízes, do ministério públicoe dos órgãos do executivo encarregados da administração pública, que, algumasvezes, contrastam com normas <strong>de</strong> grau superior do or<strong>de</strong>namento jurídico,violando regras que tutelam direitos fundamentais.O estudo da realida<strong>de</strong> e do direito, contudo, leva-nos a constatar que háuma tensão entre a esfera dos fatos e a esfera das normas. Isso ocorre porquehá normas que prevê<strong>em</strong> sanções e confer<strong>em</strong> faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos aos inte-3 Teoria <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos fundamentales.Tradução do Al<strong>em</strong>ão para o Espanhol por ErnestoGarzón Valdés. 3. ed. Madrid: Centro <strong>de</strong> Estudos Políticos e Constitucionais, 2002. p. 186-245.4 Tradução por Ana Lúcia Saba<strong>de</strong>ll. Saarland: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saarland, Al<strong>em</strong>anha, 1993.


essados (pessoas, grupos ou estados) com o fim <strong>de</strong> convalidar as pretensõeslegítimas perante os órgãos <strong>de</strong> controle jurisdicional ou político, no caso <strong>de</strong>violações <strong>de</strong> direitos humanos. Isso ocorre, também, porque, para garantir aeficácia <strong>de</strong>ssas normas, há que existir estruturas a<strong>de</strong>quadas para impedir ousancionar a violação <strong>de</strong> direitos humanos e respon<strong>de</strong>r às exigências das vítimas<strong>de</strong> tais violações.Na história dos direitos humanos, há uma contínua discordância entreas normas e os fatos, porque a idéia do hom<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ete à realida<strong>de</strong> do direitoe, por outro lado, a idéia do direito r<strong>em</strong>ete à realida<strong>de</strong> concreta das pessoas,dos grupos e dos povos, consi<strong>de</strong>rados na sua concreta existência <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><strong>de</strong>terminadas relações <strong>de</strong> produção.A realida<strong>de</strong> concreta das pessoas r<strong>em</strong>ete, também, à idéia <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>sreais <strong>de</strong>ssas pessoas. O ser humano, quando consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminadafase do <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>, é “portador” <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>sreais. As necessida<strong>de</strong>s reais pod<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>finidas como as potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>existência e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das pessoas, dos grupos e dos povos, as quaiscorrespond<strong>em</strong> a um <strong>de</strong>terminado grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>produção material e cultural numa formação econômico-social.É a partir <strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s que Baratta constrói um conceito <strong>de</strong> “direitoshumanos”, concebidos como a projeção normativa, <strong>em</strong> termos do <strong>de</strong>verser, das necessida<strong>de</strong>s reais e das potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> existência e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida das pessoas, dos grupos e dos povos.O conteúdo normativo dos direitos humanos, entendidos numa concepçãohistórico-social, sobrepõe-se, como se vê, às suas transcrições nos termos dodireito nacional e das convenções internacionais, assim como a idéia da justiças<strong>em</strong>pre ultrapassa as suas realizações <strong>de</strong>ntro do direito e indica o caminho à realizaçãoda idéia do hom<strong>em</strong>, orientado pelo princípio da dignida<strong>de</strong> humana.Definindo as necessida<strong>de</strong>s reais <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> esferas <strong>de</strong> autonomia erecursos, Baratta classifica <strong>em</strong> dois grupos fundamentais <strong>de</strong> direitos humanos:ao primeiro pertenc<strong>em</strong> os direitos à vida, à integrida<strong>de</strong> física, à liberda<strong>de</strong> pessoal,à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opinião, à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião e,também, os direitos políticos; ao segundo, os <strong>de</strong>nominados direitos econômicosociais,ou seja, o direito ao trabalho, à educação, à segurança etc.


3 O Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito e os direitos humanosOs direitos humanos não pod<strong>em</strong> ser vislumbrados dissociados da idéia<strong>de</strong> Estado.Dentre os estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da organização estatal, o único querecepciona a<strong>de</strong>quadamente as concepções sobre os direitos humanos é o EstadoD<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito.O Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito, consoante o ensinamento <strong>de</strong> Lenio LuizStreck e José Luis Bolzan <strong>de</strong> Morais,[...] t<strong>em</strong> um conteúdo transformador da realida<strong>de</strong>, não serestringindo, como o Estado Social <strong>de</strong> Direito, a uma adaptaçãomelhorada das condições sociais <strong>de</strong> existência.Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material <strong>de</strong>concretização <strong>de</strong> uma vida digna ao hom<strong>em</strong> e passa aagir simbolicamente como fomentador da participaçãopública [...]. 5A idéia <strong>de</strong> d<strong>em</strong>ocracia contém e implica, necessariamente, a questão dasolução do probl<strong>em</strong>a das condições materiais <strong>de</strong> existência, razão pela qual todoEstado D<strong>em</strong>ocrático é também Social.Nesse mo<strong>de</strong>lo, o Estado não age sozinho, mas permite (requer) a participaçãodo indivíduo e da socieda<strong>de</strong> civil na obtenção dos seus objetivos.São princípios do Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito, no dizer <strong>de</strong> J. J. GomesCanotilho e Vital Moreira, a constitucionalida<strong>de</strong>; a organização d<strong>em</strong>ocrática dasocieda<strong>de</strong>; o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> direitos fundamentais individuais e coletivos; a justiçasocial; a igualda<strong>de</strong>; a divisão dos po<strong>de</strong>res ou <strong>de</strong> funções; a segurança e a certezajurídicas. A constitucionalida<strong>de</strong> indica que há uma vinculação do Estado D<strong>em</strong>ocrático<strong>de</strong> Direito a uma constituição como instrumento básico <strong>de</strong> garantia jurídica.A organização d<strong>em</strong>ocrática da socieda<strong>de</strong> requer a participação dos indivíduos eda coletivida<strong>de</strong> (socieda<strong>de</strong> civil) na escolha dos governantes, na estruturação doEstado e na <strong>de</strong>finição das políticas públicas. O sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> direitos fundamentaisindividuais e coletivos concebe o Estado <strong>em</strong> duas dimensões, ou seja, comoEstado <strong>de</strong> distância: porque os direitos fundamentais asseguram ao hom<strong>em</strong> uma5 Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.p. 93.


autonomia perante os po<strong>de</strong>res públicos; e como Estado antropologicamente amigo,pois respeita a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e <strong>em</strong>penha-se na <strong>de</strong>fesa e garantiada liberda<strong>de</strong>, da justiça e da solidarieda<strong>de</strong>. A justiça social está relacionada àinstituição <strong>de</strong> mecanismos corretivos da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social. Esses mecanismoscompreend<strong>em</strong> as obrigações dos indivíduos para com o Estado para que este possaagir <strong>em</strong> relação a todos, privilegiando os que estão <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong>(justiça distributiva). A igualda<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong> a garantia da igualda<strong>de</strong> formal eda diminuição das diferenças materiais, sobretudo garantindo oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vida para os que estão <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong>. A divisão dos po<strong>de</strong>res ou<strong>de</strong> funções t<strong>em</strong> <strong>em</strong> vista o fracionamento do po<strong>de</strong>r e das funções, facilitando ocontrole e a pluralida<strong>de</strong>. A segurança e a certeza jurídicas buscam a previsibilida<strong>de</strong>das ações e conseqüências, isto é, a evitação do arbítrio. 6Consta do preâmbulo e do art. 1 o da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que a RepúblicaFe<strong>de</strong>rativa do Brasil constitui um Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito, fundado nasoberania, na cidadania, na dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, nos valores do trabalhoe da livre iniciativa e no pluralismo político.A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, <strong>em</strong>bora seja minuciosa na enumeraçãodos direitos fundamentais individuais e sociais, não prima por uma boa sist<strong>em</strong>atizaçãoe por uma clara disciplina da matéria.O Título II, <strong>de</strong>dicado aos direitos e às garantias fundamentais, é dividido<strong>em</strong> cinco capítulos, a saber: I – dos direitos e <strong>de</strong>veres individuais e coletivos; II– dos direitos sociais; III – da nacionalida<strong>de</strong>; e IV – dos direitos políticos.Não há, no texto, uma distinção entre normas <strong>de</strong> direitos e normas <strong>de</strong>garantias dos direitos fundamentais. O constituinte não levou <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração aestrutura <strong>de</strong> direitos para separá-los nas categorias utilizadas, preferindo catalogá-lossegundo o valor-fim a ser protegido: hom<strong>em</strong>-indivíduo, hom<strong>em</strong>-m<strong>em</strong>broda coletivida<strong>de</strong>, hom<strong>em</strong>-social, hom<strong>em</strong>-nacional e hom<strong>em</strong>-cidadão.Dessa forma, no caput do art. 5 o da CF, foram relacionados os seguintesdireitos individuais: vida, liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong>, segurança e proprieda<strong>de</strong>. Já, nocaput do art. 6 o da CF, foram relacionados os seguintes direitos sociais: educação,saú<strong>de</strong>, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteçãoà maternida<strong>de</strong> e à infância e assistência aos <strong>de</strong>samparados. Isso não significadizer que não tenham sido estabelecidos, <strong>em</strong> outros capítulos da constituição,6 Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 83.


direitos e garantias individuais e sociais, tais como: o meio ambiente (art. 225),a celebração gratuita do casamento civil (art. 226, § 1 o ), o direito origináriodos índios sobre as terras tradicionalmente ocupadas (art. 231), somente paraex<strong>em</strong>plificar.Diversos autores, <strong>de</strong>ntre eles Norberto Bobbio e José Alcibía<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Oliveira Júnior, sist<strong>em</strong>atizam os direitos humanos <strong>em</strong> gerações. Assim, t<strong>em</strong>osos direitos <strong>de</strong> primeira, <strong>de</strong> segunda, <strong>de</strong> terceira, <strong>de</strong> quarta e <strong>de</strong> quinta geração.Os direitos <strong>de</strong> primeira geração são os direitos individuais, que pressupõ<strong>em</strong>igualda<strong>de</strong> formal perante a lei e consi<strong>de</strong>ram o sujeito abstratamente. Os direitos<strong>de</strong> segunda geração são os direitos sociais, nos quais o sujeito <strong>de</strong> direito é vistoenquanto está inserido no contexto social, ou seja, analisado <strong>em</strong> uma situaçãoconcreta. Os direitos <strong>de</strong> terceira geração são os direitos transindividuais, tambémchamados <strong>de</strong> direitos coletivos e difusos, que, basicamente, compreend<strong>em</strong> osdireitos do consumidor e os relacionados à questão ecológica. Os direitos <strong>de</strong>quarta geração são os direitos <strong>de</strong> manipulação genética, relacionados à biotecnologiae à bioengenharia, e que tratam <strong>de</strong> questões sobre a vida e a morte, eque requer<strong>em</strong> uma discussão ética prévia. Os direitos <strong>de</strong> quinta geração são osdireitos advindos com a chamada realida<strong>de</strong> virtual e compreend<strong>em</strong> o gran<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento da cibernética na atualida<strong>de</strong>, implicando o rompimento dasfronteiras, estabelecendo conflitos entre países com realida<strong>de</strong>s distintas, viaInternet. 7É importante <strong>de</strong>stacar que a norma do art. 5 o , § 1 o , da CF prevê a aplicabilida<strong>de</strong>imediata dos direitos e das garantias fundamentais. Destaca-se,também, que a norma do art. 5 o , II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral confere especialrelevo ao princípio geral da reserva legal, expresso sob a fórmula “ninguémserá obrigado a fazer ou a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong><strong>de</strong> lei”. Essa norma consagra a idéia <strong>de</strong> que qualquer intervenção permitidaconstitucionalmente na disciplina dos direitos fundamentais há <strong>de</strong> ocorrer mediantelei formal, isto é, por força <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão do legislador. Essa intervenção,quando <strong>de</strong> caráter restrito ao âmbito das liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ve estar autorizada pelaConstituição. Assim, a Constituição prevê direitos fundamentais que requer<strong>em</strong>uma prestação material (positiva) por parte do Estado (ex. segurida<strong>de</strong> social,educação, saú<strong>de</strong>) ou uma prestação negativa (ex. não intervenção na liberda<strong>de</strong>7 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução <strong>de</strong> Carlos Nelson Coutinho. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Campus, 1992. p. 5-6 e 69; BRANDÃO, Paulo <strong>de</strong> Tarso. Ações constitucionais. Florianópolis:Habitus, 2001. p. 123-4.


<strong>de</strong> expressão, na liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção etc.)Outro aspecto a ser enfatizado é que o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoahumana encontra-se inserido no inciso III do art. 1 o da Constituição Fe<strong>de</strong>ralcomo um dos fundamentos do Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito.O princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana espelha o respeito ao serhumano, no sentido ôntico (relativo ao ser), o existente múltiplo e concreto, oque se realiza não só pelo reconhecimento mas também pela garantia <strong>de</strong> umconjunto <strong>de</strong> bens ou valores imprescindíveis, essenciais mesmo, ao indivíduoe à comunida<strong>de</strong> da qual faz parte, <strong>de</strong>nominados direitos sociais.É possível <strong>de</strong>limitar um núcleo material mínimo <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> pessoal,indissociavelmente ligado à autonomia individual e ao direito ao livre <strong>de</strong>senvolvimentoda personalida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>va constituir uma garantia irredutível numEstado <strong>de</strong> Direito.Discorrendo sobre a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, Eduardo Novoa Monrealsustenta que o hom<strong>em</strong> não apareceu[...] no mundo como um ser a mais, que possa ser usadopara a utilida<strong>de</strong> e proveito <strong>de</strong> outros. De sua racionalida<strong>de</strong> ein<strong>de</strong>pendência interior resulta que ele se conhece e governaa si mesmo e que é um ente autônomo, que não po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rado como um puro objeto, como coisa que outroser possa possuir ou <strong>de</strong>stinar para um fim qualquer. 8A dignida<strong>de</strong>, nesse sentido, será violada quando a pessoa for <strong>de</strong>gradadaao nível <strong>de</strong> coisa ou <strong>de</strong> um objeto do atuar estatal, à medida que <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rada um fim autônomo, para ser tratada como instrumento ou meio <strong>de</strong>realização <strong>de</strong> fins alheios.A perspectiva até aqui exposta dos direitos humanos levou <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>raçãoos conceitos, as teorias e o Direito Constitucional brasileiro, ou seja, nessaperspectiva, os direitos humanos são vistos como pertencentes ao campo dodireito interno.O tópico seguinte tratará do fenômeno da globalização dos direitos humanos,do papel do Direito Internacional nesse processo e das suas relações como Direito Interno.8 O direito como obstáculo à transformação social. Tradução <strong>de</strong> Gérson Pereira dos Santos.Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988. p. 84.


4 A internacionalização dos direitos humanosAntes <strong>de</strong> qualquer referência à internacionalização dos direitos humanos,é importante ressaltar a visão <strong>de</strong> Boaventura Souza Santos sobre o fenômenoda “globalização”. Segundo esse autor, no artigo intitulado “Uma ConcepçãoMulticultural dos Direitos Humanos” 9 , é muito difícil <strong>de</strong>finir globalização. Maisque isso, afirma inexistir, estritamente, uma entida<strong>de</strong> única chamada “globalização”.Globalização, para esse autor, seria “o processo pelo qual <strong>de</strong>terminadacondição ou entida<strong>de</strong> local consegue esten<strong>de</strong>r a sua influência a todo o globoe, ao fazê-lo, <strong>de</strong>senvolve a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar como local outra condiçãosocial ou entida<strong>de</strong> rival” 10 . Essa visão traz ínsita a idéia <strong>de</strong> supr<strong>em</strong>acia <strong>de</strong> umpovo ou <strong>de</strong> uma cultura e a idéia <strong>de</strong> submissão <strong>de</strong> outro.Ocorre que a idéia <strong>de</strong> direitos humanos não po<strong>de</strong> estar e, <strong>de</strong> fato, nãoestá circunscrita às fronteiras <strong>de</strong> cada país.As experiências vividas no século XX, sobretudo durante a SegundaGran<strong>de</strong> Guerra, fizeram com que a idéia <strong>de</strong> direitos humanos ultrapassasse asfronteiras dos diversos países, para que se produzisse uma concepção ampliada,que muitos <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> direitos humanos internacionais.A Carta das Nações Unidas, adotada e aberta à assinatura pela Conferência<strong>de</strong> São Francisco, <strong>em</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1945, e ratificada pelo Brasil, <strong>em</strong> 21 <strong>de</strong>set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1945, é o gran<strong>de</strong> marco na produção <strong>de</strong> uma concepção universalou global dos direitos humanos. Também a Declaração Universal dos Direitosdo Hom<strong>em</strong>, adotada e proclamada pela Resolução 217 da Ass<strong>em</strong>bléia Geral dasNações Unidas, <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1948, e assinada pelo Brasil na mesma data,especificou os direitos humanos universalmente reconhecidos, isto é, que todos ospaíses passaram a ter o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> respeitar e/ou garantir, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente dassuas fronteiras. São eles: a vida, a liberda<strong>de</strong>, a segurança, a integrida<strong>de</strong> física <strong>em</strong>ental, a presunção da inocência, a privacida<strong>de</strong>, a nacionalida<strong>de</strong>, a proprieda<strong>de</strong>,o matrimônio, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião, <strong>de</strong> opinião, <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> reunião, aeducação, a saú<strong>de</strong> etc.Seguiram-se vários tratados e convenções internacionais sobre direitoshumanos, que pod<strong>em</strong> ser sist<strong>em</strong>atizados conforme sejam <strong>de</strong> interesse universal9 Revista Lua Nova. n. 39. 1997. p. 105-123.10 Op. cit. p. 108.


ou <strong>de</strong> interesse regional.T<strong>em</strong>-se, assim, segundo Flávia Piovesan, um sist<strong>em</strong>a global <strong>de</strong> direitoshumanos, consistentes nos seguintes diplomas: Carta das Nações Unidas (1945);Declaração Universal dos Direitos do Hom<strong>em</strong> (1948); Pacto Internacional dosDireitos Civis e Políticos (1992); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,Sociais e Culturais (1992); Convenção sobre a Prevenção e a Sanção do Crime<strong>de</strong> Genocídio (1951); Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou PenasCruéis, Desumanos ou Degradantes (1989); Convenção sobre a Eliminação <strong>de</strong>todas as Formas <strong>de</strong> Discriminação contra a Mulher (1984); Convenção sobrea Eliminação <strong>de</strong> todas as Formas <strong>de</strong> Discriminação Racial (1968); Convençãosobre Direitos da Criança (1990). 11Segundo essa mesma autora, há, também, um sist<strong>em</strong>a regional interamericano,composto pelos seguintes diplomas: Convenção Americana <strong>de</strong> DireitosHumanos (Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica) (1992); Protocolo Adicional à ConvençãoAmericana <strong>de</strong> Direitos Humanos <strong>em</strong> Matéria <strong>de</strong> Direitos Econômicos,Sociais e Culturais (1996); Convenção Interamericana para Prevenir e Punir aTortura (1989); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar aViolência contra a Mulher (1995). 12Importante avanço no campo do Direito Penal Internacional é o que dizrespeito à criação do Tribunal Penal Internacional, na Conferência Diplomáticaocorrida <strong>em</strong> Roma, no período <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> junho a 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998, com acompetência para julgar as graves violações <strong>de</strong> direitos humanos, tais como:os crimes <strong>de</strong> genocídio, contra a humanida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> guerra e <strong>de</strong> agressão. Emborativess<strong>em</strong> ocorrido 7 (sete) votos contrários e 21 (vinte e uma) abstenções 13 eesteja, ainda, <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> adaptação diante das legislações internas <strong>de</strong> cada paísfirmatário, inclusive o Brasil, esse Tribunal já é consi<strong>de</strong>rado um significativoavanço na internacionalização dos direitos humanos e, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> pouco t<strong>em</strong>po,constituir-se-á, seguramente, no principal instrumento <strong>de</strong> controle dos governantes<strong>em</strong> face das graves violações <strong>de</strong>sses direitos.11 Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad,2003. p. 337-8.12 Op. Cit. p. 339.13 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionacionalizaçãodo Direito Penal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 34.


5 A d<strong>em</strong>ocratização do Brasil e a expansão normativa dos direitoshumanosA experiência brasileira, sobretudo nos anos dos governos militares, e a exposiçãodo Brasil aos olhos internacionais, <strong>em</strong> face das graves violações <strong>de</strong> direitoshumanos ocorridas nesse período, permitiram uma reflexão profunda e, especialmente,a busca pela constitucionalização dos direitos humanos fundamentais.Por isso, a Constituição <strong>de</strong> 1988 representa um importante marco no reconhecimentodos direitos humanos no âmbito do Direito brasileiro.A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 não somente previu, no seu texto, umamplo rol <strong>de</strong> direitos consi<strong>de</strong>rados fundamentais do ser humano como tambémpermitiu que esse mesmo rol fosse aumentado <strong>em</strong> face dos tratados internacionaisdos quais o Brasil seja firmatário. Segundo o art. 5 o , parágrafo 2 o , da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral, “Os direitos e garantias expressas nesta constituição não exclu<strong>em</strong>outros <strong>de</strong>correntes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais <strong>em</strong> que a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil seja parte”.Havia, no entanto, até a vigência da Emenda Constitucional n o 45, <strong>de</strong> 8<strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, divergências acerca da integração dos direitos humanosinternacionais ao campo do Direito Interno. Sobre a integração ou a influênciados tratados sobre direitos e garantias individuais no Direito Interno, haviaduas teorias: a teoria dualista e a teoria monista. Segundo a teoria dualista,existe uma separação radical entre o or<strong>de</strong>namento jurídico internacional e onacional, pois as relações que regulamentam ambos os direitos são distintas, jáque o internacional é <strong>de</strong>dicado a regular as relações entre os estados e o direitointerno as relações entre os indivíduos. Além disso, enquanto o direito internacional,por sua posição voluntarista, proce<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> comum <strong>de</strong> váriosestados, o direito interno proce<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> unilateral do Estado. Por isso, odireito internacional não obriga o indivíduo, enquanto não transformadas <strong>em</strong>norma <strong>de</strong> direito interno. Por outro lado, para a teoria monista, existe uma unida<strong>de</strong>no or<strong>de</strong>namento jurídico, não se admitindo uma dicotomia entre os doisor<strong>de</strong>namentos, já que, <strong>de</strong> um lado, o Estado firma tratados no exercício <strong>de</strong> suasoberania – soberania esta que só existe se reconhecida no direito internacional– e, <strong>de</strong> outro, o tratado obrigaria não só o Estado, mas também os súditos14 STEINER, Sylvia Helena <strong>de</strong> Figueiredo. A convenção americana sobre direitos humanos esua integração ao processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 61-66.


<strong>de</strong>sse Estado, criando-lhes direitos e obrigações 14 . Assim, ao firmar tratados, oEstado estaria fazendo ingressar automaticamente no seu sist<strong>em</strong>a normativo asnormas pelas quais se obrigou, sendo <strong>de</strong>snecessária a edição <strong>de</strong> norma internapara que os tribunais passass<strong>em</strong> a aplicar o tratado na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> conflitos.Esta é a teoria seguida pela maioria dos autores do direito internacional e pelosupr<strong>em</strong>o tribunal fe<strong>de</strong>ral.Para os que se sustentam na teoria monista, ou seja, que permit<strong>em</strong> ainfluência dos tratados no campo do direito interno, o status das normas dodireito internacional <strong>em</strong> relação a esse po<strong>de</strong> ser: status superior ao das normasconstitucionais; status <strong>de</strong> norma constitucional; ou status <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral.Para os que admit<strong>em</strong> que as normas <strong>de</strong> direito internacional possu<strong>em</strong>um status superior ao das normas constitucionais, entre os quais estão Pontes<strong>de</strong> Miranda, Hil<strong>de</strong>brando Accioly, João Gracindo Rodas, Oliveiros Litrento,Fábio Comparato, o fundamento estaria na noção <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e na unida<strong>de</strong>do gênero humano. Para a corrente que admite que as normas <strong>de</strong> direito internacionalgozam <strong>de</strong> parida<strong>de</strong> com as normas constitucionais, quando versar<strong>em</strong>sobre direitos fundamentais, à qual pertence a maioria dos autores, o fundamentoestaria na norma do art. 5 o , § 2 o , da CF. Por fim, há a corrente que sustenta queos tratados e as convenções internacionais têm status <strong>de</strong> lei ordinária, à qualpertenc<strong>em</strong> Francisco Rezek e a linha adotada pelo Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral 15 .No campo do Direito brasileiro, essa discussão foi superada após a vigência daEmenda Constitucional n o 45, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, que acrescentou oparágrafo 3 o ao art. 5 o da Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, como seguinte teor:Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos quefor<strong>em</strong> aprovados, <strong>em</strong> cada Casa do Congresso Nacional, <strong>em</strong> dois turnos, portrês quintos dos votos dos respectivos m<strong>em</strong>bros, serão equivalentes às <strong>em</strong>endasconstitucionais.Portanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aprovados, <strong>em</strong> cada Casa do Congresso Nacional,<strong>em</strong> dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos m<strong>em</strong>bros, os tratadose as convenções internacionais sobre direitos humanos, terão status <strong>de</strong> normaconstitucional.14 STEINER, Sylvia Helena <strong>de</strong> Figueiredo. A convenção americana sobre direitos humanos esua integração ao processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 61-66.15 STEINER, Sylvia Helena <strong>de</strong> Figueiredo. Op. cit. p. 69-80.


Assim, levando <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração a Constituição Fe<strong>de</strong>ral e os tratadosinternacionais sobre direitos humanos, Flávia Piovesan classifica os direitoshumanos <strong>em</strong> três grupos: o dos direitos expressos na Constituição; o dos direitosexpressos <strong>em</strong> tratados internacionais <strong>de</strong> que o Brasil seja parte; e o dos direitosimplícitos 16 .6 Impasses no tratamento dos direitos humanosPassa-se, agora, ao quinto tópico <strong>de</strong>sta abordag<strong>em</strong>, ou seja, sobre aquiloque po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado impasse no tratamento das questões relacionadas comos direitos humanos.Segundo Baratta, no mesmo artigo antes referido, a história da humanida<strong>de</strong>é a história da violação dos direitos humanos. A história dos povos e da socieda<strong>de</strong>apresenta-se, diz ele, como a história dos contínuos obstáculos encontradosnesse caminho, a história da contínua violação dos direitos humanos, isto é, dapermanente tentativa <strong>de</strong> reprimir<strong>em</strong>-se as necessida<strong>de</strong>s reais das pessoas, dosgrupos e dos povos. Essa história da violação dos direitos humanos refere-se àdiscrepância entre as condições potenciais da vida e as condições atuais. As condiçõespotenciais são aquelas que seriam possíveis para a maioria dos indivíduosna medida do <strong>de</strong>senvolvimento da capacida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> produção. As condiçõesatuais se <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ao <strong>de</strong>sperdício e à repressão <strong>de</strong>ssas potencialida<strong>de</strong>s.A satisfação das necessida<strong>de</strong>s, segundo Baratta, po<strong>de</strong> dar-se consoanteuma “maneira humana” ou conforme uma “maneira <strong>de</strong>sumana”. A “maneirahumana” <strong>de</strong> satisfação das necessida<strong>de</strong>s está ligada ao <strong>de</strong>senvolvimento das forçasprodutivas da socieda<strong>de</strong>. Por outro lado, na “maneira <strong>de</strong>sumana”, a satisfaçãodas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uns produz-se à custa da satisfação das necessida<strong>de</strong>s dosoutros. A história da violação dos direitos humanos, segundo esse autor, <strong>de</strong>corre,também, da imposição da “maneira <strong>de</strong>sumana” à “maneira humana” <strong>de</strong> satisfaçãodas necessida<strong>de</strong>s. Daí <strong>de</strong>corre o que se <strong>de</strong>nomina violência <strong>em</strong> todas as suasformas, <strong>de</strong>ntre as quais se <strong>de</strong>staca a violência estrutural. A violência estrutural éa repressão das necessida<strong>de</strong>s reais e, portanto, dos direitos humanos no seu conteúdohistórico-social. É a forma geral <strong>de</strong> violência <strong>em</strong> cujo contexto costumamoriginar-se, direta ou indiretamente, todas as outras formas <strong>de</strong> violência. Nessesentido, violência estrutural é sinônimo <strong>de</strong> “injustiça social”.16 Ob. cit. p. 321.


Dentre as formas <strong>de</strong> violência originárias da violência estrutural estão: aviolência individual, quando o agente é o indivíduo; a violência grupal, quandoo agente é um grupo social, que, por sua vez, serve-se <strong>de</strong> indivíduos particulares,como, por ex<strong>em</strong>plo, os grupos paramilitares; a violência institucional, quando oagente é um órgão do Estado; por fim, a violência internacional, quando o agenteé a administração <strong>de</strong> um Estado, que se dirige com <strong>de</strong>terminadas ações por meio<strong>de</strong> órgãos próprios ou <strong>de</strong> agentes mantidos por aquela contra o governo e contrao povo <strong>de</strong> outro Estado, como, por ex<strong>em</strong>plo, nos casos <strong>de</strong> mercenarismo e sabotag<strong>em</strong>econômica. Há, ainda, outras formas <strong>de</strong> violência, relacionadas ao modocomo é praticada e aos sujeitos contra qu<strong>em</strong> se pratica. Mas qualquer que seja asua forma, a violência é s<strong>em</strong>pre repressão <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s e, portanto, violaçãoou suspensão <strong>de</strong> direitos humanos.Dentre as formas <strong>de</strong> violência mencionadas, a que está relacionada diretamentecom o t<strong>em</strong>a <strong>em</strong> estudo é a violência institucional, que po<strong>de</strong> ter formaslegais, quando está <strong>de</strong> acordo com as leis vigentes <strong>de</strong> um Estado, ou, como acontece<strong>em</strong> muitos casos, po<strong>de</strong> ter formas ilegais. Alessandro Nepomoceno sustentaque, <strong>em</strong> face do código i<strong>de</strong>ológico, os agentes do Estado <strong>de</strong>cid<strong>em</strong> “além da lei” 16 .São ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> violência institucional, também, o terrorismo <strong>de</strong> Estado e asdistintas formas <strong>de</strong> ditadura e <strong>de</strong> repressão militar.O envolvimento do Estado na violação <strong>de</strong> direitos humanos r<strong>em</strong>etea um t<strong>em</strong>a que parece constituir <strong>em</strong> verda<strong>de</strong>iro impasse: o do direito comoinstrumento <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> direitos (violência legal). É que a noção <strong>de</strong> normajurídica, na qual se ampara o Direito, segundo Norberto Bobbio, traz consigoa noção <strong>de</strong> sanção 17 , que nada mais é do que a privação <strong>de</strong> direito. Por isso, háum impasse <strong>em</strong> se buscar o respeito aos direitos humanos pelo sancionamento,ou seja, pela privação <strong>de</strong> direitos.É evi<strong>de</strong>nte que o estágio atual do <strong>de</strong>senvolvimento humano não permiteque se abstenha da idéia <strong>de</strong> direito, no entanto, há que buscar formas <strong>de</strong> sancionamentoque agridam, com menos gravida<strong>de</strong>, os direitos humanos, e issonão é uma tarefa fácil.Dentre as formas <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> direitos humanos por meio do próprioDireito, o sist<strong>em</strong>a penal é o instrumento por meio do qual essa violação se16 Além da lei: a face obscura da sentença penal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Revan, 2004. p. 232.17 Teoria do or<strong>de</strong>namento jurídico.Tradução <strong>de</strong> Maria Celeste Cor<strong>de</strong>iro Leite dos Santos.Brasília: Polis e Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1991. p. 27.


manifesta <strong>de</strong> forma mais intensa. Baratta respon<strong>de</strong> essa questão utilizando-se<strong>de</strong> uma fenomenologia global da violência, compreendida como a repressãodas necessida<strong>de</strong>s reais e dos direitos humanos, que se apresenta na perspectivada Criminologia Crítica. Nessa perspectiva, apresentam-se quatro categorias <strong>de</strong>consi<strong>de</strong>rações que têm relação com o papel do Direito Penal e as alternativas aesse: a primeira refere-se aos limites do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> justiça criminal como reaçãoà violência e à <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos; a segunda refere-se ao sist<strong>em</strong>a punitivocomo sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> violência institucional; a terceira diz respeito ao controlesocial alternativo da violência; e a quarta relaciona-se à concepção da violênciae da <strong>de</strong>fesa dos direitos humanos no contexto dos conflitos sociais.Como se vê, a violência é percebida ou “construída” como probl<strong>em</strong>asocial <strong>de</strong> maneira parcial pelo sist<strong>em</strong>a do Direito Penal. A partir do ponto <strong>de</strong>vista das previsões legais, a violência criminal é somente uma ínfima parte daviolência na socieda<strong>de</strong> e no mundo. Somente alguns tipos <strong>de</strong> violência individualsão levados <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração pelo sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> justiça criminal (a violênciado pagamento <strong>de</strong> um salário mínimo para um operário chefe <strong>de</strong> família nãointeressa ao sist<strong>em</strong>a penal, por ex<strong>em</strong>plo).A violência <strong>de</strong> grupos e a violência institucional, por outro lado, sãoconsi<strong>de</strong>radas, apenas, <strong>em</strong> relação às ações <strong>de</strong> pessoas individuais e não nocontexto do conflito social <strong>em</strong> que elas se expressam (pune-se o soldado daPolícia Militar que persegue <strong>em</strong> alta velocida<strong>de</strong> um veículo suspeito e atropelaculposamente outra pessoa, mas não se questiona o próprio sist<strong>em</strong>a que oobrigou a agir daquela forma).A violência estrutural e, <strong>em</strong> sua maior parte, a violência internacionalsão excluídas do horizonte do conceito <strong>de</strong> crime.O modo como o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> justiça criminal intervém sobre esse limitadosetor da violência “construído” por meio dos conceitos <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> éestruturalmente seletivo. Essa é uma característica <strong>de</strong> todos os sist<strong>em</strong>as penais:há uma enorme disparida<strong>de</strong> entre o número <strong>de</strong> situações <strong>em</strong> que o sist<strong>em</strong>aé chamado a intervir e aquelas <strong>em</strong> que este t<strong>em</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervir eefetivamente intervém. É o que Vera Andra<strong>de</strong> <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> seletivida<strong>de</strong> quantitativa18 . Estudos criminológicos já d<strong>em</strong>onstraram que o sist<strong>em</strong>a penal estáintegralmente <strong>de</strong>dicado a administrar uma reduzidíssima porcentag<strong>em</strong> das18 Ilusão <strong>de</strong> segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1997. p. 263-66.


infrações, seguramente inferior a 10%.A regra é a “imunida<strong>de</strong>” no modo <strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong>sse sist<strong>em</strong>a enão a “criminalização” como normalmente se imagina. Essa imunida<strong>de</strong> e essacriminalização são realizadas geralmente segundo a lógica das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>snas relações <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, isto é, os grupos po<strong>de</strong>rosos possu<strong>em</strong>capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir uma quase que total impunida<strong>de</strong> das próprias açõescriminais, e impor uma ação do sist<strong>em</strong>a direcionada às infrações praticadaspelos segmentos mais frágeis e marginalizados da população. É a seletivida<strong>de</strong><strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> qualitativa por Vera Andra<strong>de</strong> 19 .Assim sendo, a resposta penal passa a ser, sobretudo, uma resposta“simbólica” e não “instrumental” (real e eficaz), isso porque o controle penalintervém sobre os efeitos e não sobre as causas da violência; sobre as pessoase não sobre as situações; <strong>de</strong> maneira reativa e não preventiva; e não imediatamenteposterior ao <strong>de</strong>lito.Também no que diz respeito aos fins da resposta penal, são eles quaseque impossíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> alcançados. Ao discorrermos sobre os antece<strong>de</strong>ntes ea reincidência criminal como Estigmas da Criminalização, tiv<strong>em</strong>os a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> d<strong>em</strong>onstrar que a prevenção geral positiva (integração) não se verifica,pois os criadores das normas penais estão dissociados da realida<strong>de</strong> social. Aprevenção geral negativa (intimidação) não está comprovada cientificamentecomo meio <strong>de</strong> contramotivação dos infratores potenciais e, quando ocorre,alcança <strong>de</strong> modo diferente tais pessoas. A prevenção especial positiva (ressocialização)é promessa que não se cumpre por meio da privação da liberda<strong>de</strong>,realizando, sim, funções invertidas <strong>de</strong> estigmatização e <strong>de</strong>ssocialização. Aprevenção especial negativa (neutralização e intimidação especial) também nãoocorre, pois a pena não impe<strong>de</strong> novas práticas <strong>de</strong>litivas, ao contrário, estimulamnas,sobretudo no que diz respeito às agressões contra os próprios <strong>de</strong>tentos oufuncionários dos estabelecimentos prisionais, levados a efeito, muitas vezes,por quadrilhas ou bandos a mando <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res existentes no interior das prisões,b<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstradas pela crescente cifra <strong>de</strong> rebeliões a partir da lei dos crimeshediondos (lei no 8.072/90). A função retributiva é alcançada, muitas vezes, <strong>de</strong>forma <strong>de</strong>sproporcional e, como já dito, <strong>em</strong> cifras reduzidíssimas 20 .Diante disso, Baratta sustenta que, <strong>em</strong>bora o sist<strong>em</strong>a penal quase s<strong>em</strong>pre19 Ob. cit. p. 266-76.20 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização: dos antece<strong>de</strong>ntes à reincidênciacriminal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998. p. 205-14.


não cumpra as suas funções <strong>de</strong>claradas, não significa dizer que ele não produzefeitos reais e não cumpre funções latentes, não <strong>de</strong>claradas. Tais efeitos e funçõesincid<strong>em</strong> negativamente na existência dos indivíduos e contribu<strong>em</strong> parareproduzir as relações <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r na socieda<strong>de</strong>. A pena,<strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, apresenta-se como violência institucional que cumpre afunção <strong>de</strong> um instrumento <strong>de</strong> reprodução da violência estrutural. É, assim, umaviolência institucional, ou seja, a repressão das necessida<strong>de</strong>s reais. A suspensãodos correspon<strong>de</strong>ntes direitos humanos <strong>em</strong> relação às pessoas consi<strong>de</strong>radas responsáveispenalmente é justificada <strong>de</strong>ntro da teoria tradicional do jus puniendipelas funções instrumentais e simbólicas que a pena <strong>de</strong>ve cumprir <strong>em</strong> face dainfração realizada pelo sujeito <strong>de</strong>clarado responsável.Sabe-se muito b<strong>em</strong> que as funções <strong>de</strong>claradas da pena, na maioria dasvezes, não se realizam e que a pena, assim, não é “útil”. Sabe-se, também, quea suspensão <strong>de</strong> direitos, num elevado número <strong>de</strong> casos, dá-se com imputados àespera <strong>de</strong> julgamento e que, <strong>em</strong> muitos sist<strong>em</strong>as punitivos, o indiciado cumpreuma pena extralegal ou, <strong>de</strong> outro modo, antecipada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua primeira relaçãocom a polícia, via <strong>de</strong> regra <strong>em</strong> relação a acusados oriundos <strong>de</strong> grupos sociaisvulneráveis e marginalizados da população.Em face das limitações que o direito apresenta como sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> normas<strong>de</strong> conduta, cuja eficácia <strong>de</strong>corre do sancionamento, t<strong>em</strong>os que apenas a éticaespontânea (e não a ética moralista) 21 po<strong>de</strong> constituir-se <strong>em</strong> um a caminho quepossibilite um conjunto <strong>de</strong> normas que, s<strong>em</strong> ser<strong>em</strong> sancionadas, e, por isso, s<strong>em</strong>lesar<strong>em</strong> direitos, uma direção a ser seguida.A ética somente é possível <strong>em</strong> um estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento socialelevado, pois somente po<strong>de</strong> ser praticada por qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> a consciência, ou seja,por qu<strong>em</strong> atingiu níveis elevados <strong>de</strong> consciência e, por isso, por pessoas que sãoguiadas pela idéia <strong>de</strong> certo e <strong>de</strong> errado que brote da consciência e não por idéiasmoralistas ou impostas pelo sist<strong>em</strong>a jurídico. Essas pessoas dispensam um sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> fiscalização, <strong>de</strong> policiamento, <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> normas.Esse estágio somente po<strong>de</strong> ser alcançado por meio da educação, <strong>em</strong>boran<strong>em</strong> todas as pessoas que tenham sido submetidas a um processo educacionalnecessariamente sejam éticas. Esse estágio avançado é algo que se alcançará, quese está <strong>em</strong> busca, razão pela qual o sist<strong>em</strong>a jurídico não po<strong>de</strong> ainda ser dispensado.Um dia, qu<strong>em</strong> sabe, o mundo será regido pela ética.21 WEIL, Pierre. A nova ética. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rosa dos T<strong>em</strong>pos, 2002. p. 16-22.


7 Desafios <strong>em</strong> relação aos direitos humanosSegue-se, assim, para o sexto e último momento, ou seja, sobre alguns<strong>de</strong>safios que se apresentam não somente no campo do conhecimento científicorelativo aos direitos humanos mas também sobre a sua operacionalização, o queestá na esfera, <strong>de</strong>ntre outros, dos operadores do Direito.7.1 Desafios do campo do conhecimentoOs <strong>de</strong>safios do campo do conhecimento são os da esfera da Ciência Jurídica,ou seja, o que a Ciência po<strong>de</strong>, ainda, fazer <strong>em</strong> relação aos direitos humanos.Para tal, far-se-á uso <strong>de</strong> algumas consi<strong>de</strong>rações feitas por Antônio AugustoCançado Trinda<strong>de</strong>, ao prefaciar a obra “Direitos Humanos e o Direito ConstitucionalInternacional”, da autora Flávia Piovesan, as quais, para o propósito<strong>de</strong>sta abordag<strong>em</strong>, são por d<strong>em</strong>ais suficientes.7.1.1 A superação da divisão entre direito público e direitoprivadoO primeiro <strong>de</strong>safio diz respeito à superação da divisão rígida entre o direitopúblico e o direito privado, pois essa divisão atenta contra a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> proteção do ser humano, ante a atual diversificação das fontes <strong>de</strong> violação <strong>de</strong>seus direitos.Essa divisão não resiste aos imperativos <strong>de</strong> proteção dos direitos humanos,por ex<strong>em</strong>plo, nas relações interindividuais (ex.: violência doméstica) e nos atentadosperpetrados por agentes não-i<strong>de</strong>ntificados, meios <strong>de</strong> comunicação, gruposeconômicos, e ouros entes não-estatais.7.1.2 A superação da polêmica entre monistas e dualistasOutro <strong>de</strong>safio, no campo científico, diz respeito à superação da clássica,estéril e ociosa polêmica entre os dualistas e monistas, pois o ser humano é su-


jeito tanto do direito interno quanto do Direito Internacional. Esses dois Direitos,longe <strong>de</strong> operar<strong>em</strong> <strong>de</strong> modo estanque ou compartimentalizado, mostram-se <strong>em</strong>constante interação, <strong>de</strong> modo a assegurar a proteção eficaz do ser humano. Nãomais cabe insistir na primazia da norma <strong>de</strong> direito internacional ou <strong>de</strong> direitointerno, porquanto o primado é s<strong>em</strong>pre da norma – <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> internacional ouinterna – que melhor proteja os direitos humanos. O direito dos direitos humanosefetivamente consagra o critério da primazia da norma mais favorável às vítimas.No campo do Direito brasileiro, essa polêmica está superada, com a vigência danorma do § 3 o do art. 5 o da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, acrescentado pela EmendaConstitucional n o 45, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004.7.1.3 A superação da divisão <strong>em</strong> categorias <strong>de</strong> direitoO terceiro <strong>de</strong>safio a ser enfrentado na esfera do conhecimento é o que tratada superação das categorias <strong>de</strong> direito, pois, ao contrário do que comumente sesupõe, muitos dos direitos econômicos e sociais, ou componentes <strong>de</strong>sses, são, aex<strong>em</strong>plo dos direitos civis e políticos, perfeitamente justificáveis.As necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção do ser humano novamente se insurg<strong>em</strong>contra construções teóricas nefastas que, invocando a pretensa natureza jurídica<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas categorias <strong>de</strong> direitos, buscam negar-lhes meios eficazes <strong>de</strong>impl<strong>em</strong>entação, e separar o econômico do social e do político, como se o serhumano, titular <strong>de</strong> todos os direitos humanos, pu<strong>de</strong>sse dividir-se nas diferentesáreas <strong>de</strong> sua atuação.7.1.4 A superação do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> direitosPor fim, o quarto <strong>de</strong>safio do campo científico é o que diz respeito à fantasiadas chamadas “gerações <strong>de</strong> direitos”, que correspon<strong>de</strong> a uma visão atomizada oufragmentada <strong>de</strong>sses últimos no t<strong>em</strong>po.A noção simplista das chamadas “gerações <strong>de</strong> direitos”, histórica e juridicamenteinfundada, t<strong>em</strong> prestado um <strong>de</strong>sserviço ao pensamento mais lúcido ainspirar a evolução do direito internacional dos direitos humanos.Distintamente do que a infeliz invocação da imag<strong>em</strong> analógica da “sucessãogeneracional” parecia supor, os direitos humanos não se “suced<strong>em</strong>” ou


“substitu<strong>em</strong>” uns aos outros, mas antes se expand<strong>em</strong>, acumulam-se e fortalec<strong>em</strong>se,interagindo os direitos individuais e os direitos sociais, tendo estes últimos,inclusive, precedido os primeiros no plano internacional, a ex<strong>em</strong>plo das primeirasconvenções internacionais do trabalho.Assim, o que test<strong>em</strong>unhamos é o fenômeno não <strong>de</strong> uma sucessão, mas,antes, da expansão, da acumulação e do fortalecimento dos direitos humanosconsagrados, a revelar a natureza compl<strong>em</strong>entar <strong>de</strong> todos os direitos humanos.Contra as tentações dos po<strong>de</strong>rosos a fragmentar os direitos humanos <strong>em</strong>categorias, postergando, sob pretextos diversos, a realização <strong>de</strong> alguns daqueles(ex.: os direitos econômicos e sociais) para um amanhã in<strong>de</strong>finido, insurge-se odireito dos direitos do humanos, afirmando a unida<strong>de</strong> fundamental <strong>de</strong> concepção,a indivisibilida<strong>de</strong> e a justiciabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os direitos humanos.7.2 Desafios do campo da operacionalização (Política)No campo da operacionalização dos direitos humanos, ressaltam-se, <strong>de</strong>ntr<strong>em</strong>uitos, os seguintes <strong>de</strong>safios:7.2.1 A transformação do conceito <strong>de</strong> direitos humanosno senso comum: dos “humanos direitos” aos “direitoshumanos”O primeiro dos <strong>de</strong>safios do campo da operacionalização diz respeito àtransformação das concepções acerca <strong>de</strong> direitos humanos no senso comum, noqual prepon<strong>de</strong>ra uma visão maniqueísta, ou seja, <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> está dividida<strong>em</strong> dois grupos: o grupo dos homens bons ou dos “humanos direitos” e o grupodos homens maus.Essa divisão já está superada diante da concepção <strong>de</strong> que todos nós t<strong>em</strong>osvícios e virtu<strong>de</strong>s e, por isso, não somos somente bons ou somente maus.No entanto, algumas pessoas, que se arvoram <strong>em</strong> pertencer ao grupo dosbons, procuram <strong>de</strong>scaracterizar os direitos humanos, a fim <strong>de</strong> que as pessoas,supostamente pertencentes ao grupo dos maus, não possam <strong>de</strong>les ser sujeitos<strong>de</strong> direitos.Faz-se necessário <strong>de</strong>sconstruir essa visão maniqueísta, para que as pessoas


que pensam pertencer ao grupo dos bons ou humanos direitos também não <strong>de</strong>ix<strong>em</strong><strong>de</strong> ser sujeitos <strong>de</strong> direitos.7.2.2 O fortalecimento do Estado como um instrumento <strong>de</strong>garantia <strong>de</strong> direitosO segundo <strong>de</strong>safio, no campo da operacionalização dos direitos humanos,refere-se ao fortalecimento do Estado como instrumento <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong>direitos.O Estado, na sua concepção d<strong>em</strong>ocrática e social, é um importante instrumentona busca da igualda<strong>de</strong> social. É ele que po<strong>de</strong> colocar-se entre o fortee o fraco e oferecer oportunida<strong>de</strong>s a este, garantindo que não seja submetido àmaneira <strong>de</strong>sumana <strong>de</strong> satisfação das necessida<strong>de</strong>s dos mais fortes.Por isso, <strong>de</strong>ve o Estado ser fortalecido e não enfraquecido, minimizandose,tão-somente, a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer o mal.7.2.3 A transformação do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> penas (da repressão àprevenção por meio <strong>de</strong> políticas públicas)Por fim, vê-se como um <strong>de</strong>safio aos operadores <strong>de</strong> direito e a todos osagentes públicos, a transformação do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> penas.O Estado <strong>de</strong>ve ser um prestador <strong>de</strong> serviços coletivos, sobretudo umaestrutura <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> políticas sociais e <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> direitos. A pena <strong>de</strong>veser o último instrumento a ser utilizado por ele, que <strong>de</strong>ve buscar, prioritariamente,a solução dos conflitos, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> exercer o seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> punir. O direito penal<strong>de</strong>ve ser um instrumento que possibilite o Estado punir, apenas, como ultimaratio e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que observadas as formalida<strong>de</strong>s legais. Como nos ensina LoukHulsman,[...] o “mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> punição” é somente uma das maneiras <strong>de</strong>construir uma responsabilida<strong>de</strong> do ator. Ao lado <strong>de</strong>la, t<strong>em</strong>osoutros mo<strong>de</strong>los para responsabilizá-lo, tais como o educa-22 T<strong>em</strong>as e conceitos numa abordag<strong>em</strong> abolicionista da justiça criminal. In. PASSETI, Edson eSILVA, Roberto Baptista Dias (Org.). Conversações abolicionistas: uma crítica do sist<strong>em</strong>apenal e da socieda<strong>de</strong> punitiva.São Paulo: IBCCrim, 1997. p. 210.


cional, o compensatório, o terapêutico e o conciliatório. 22A justiça consensual <strong>de</strong>ve ser a tônica no enfrentamento das questões<strong>de</strong>correntes dos conflitos individuais e coletivos.As sanções <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser as que menos agridam os direitos humanos e quepossibilit<strong>em</strong> às pessoas envolvidas enten<strong>de</strong>r a razão da intervenção estatal,isto é, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser úteis e ter um caráter meramente pedagógico e inclu<strong>de</strong>nte enunca exclu<strong>de</strong>nte.8 ConclusõesA luta da humanida<strong>de</strong> é a luta pelo respeito à individualida<strong>de</strong>, às diferenças,à liberda<strong>de</strong>. É uma luta, também, para que todos possam ter o mínimo para a suasubsistência, isto é, a luta pelo atendimento das necessida<strong>de</strong>s reais.Como disse Baratta, não po<strong>de</strong> mais a luta pela sobrevivência estar baseadano sacrifício do direito <strong>de</strong> alguns para garantir-se o direito <strong>de</strong> outros. Por isso,a luta pelos direitos humanos <strong>de</strong>ve levar <strong>em</strong> conta que todos <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os fazer umpouco, ou seja, uma luta <strong>em</strong> que todos têm as suas parcelas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s,<strong>de</strong> obrigações. Deve ser uma luta <strong>em</strong> que todos merec<strong>em</strong>, também,um pouco, do produto <strong>de</strong>sse trabalho, ou seja, uma luta que garanta a todos umpouco do que for produzido. Por isso, essa luta <strong>de</strong>ve contar com a participação<strong>de</strong> todos, tanto no ônus quanto no bônus, tanto no <strong>de</strong>ver quanto no direito, tantona divisão da responsabilida<strong>de</strong> quanto na divisão dos frutos.Solidarieda<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong> e participação são os três pilares sobre osquais <strong>de</strong>ve apoiar-se a luta pelos direitos humanos.ReferênciasALEXY, Robert. Teoria <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos fundamentales. Trad. Ernesto Garçon Valdés,da edição te<strong>de</strong>sca <strong>de</strong> 1986. Madri: Centro <strong>de</strong> Estudos Constitucionales, 1993.ANDRADE, Vera Regima Pereira <strong>de</strong>. Ilusão <strong>de</strong> segurança jurídica: do controle daviolência à violência do controle. Porto Alegre: Advogado, 1997.BARATTA, Alessandro. Direitos humanos: entre a violência estrutural e a violênciapenal. Tradução por Ana Lúcia Saba<strong>de</strong>ll. Saarland: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saarland,


Al<strong>em</strong>anha, 1993.BARROS, Suzana <strong>de</strong> Toledo. O princípio da proporcionalida<strong>de</strong> e o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>das leis restritivas <strong>de</strong> direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: BrasíliaJurídica, 2003. p. 226.BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antece<strong>de</strong>ntes à reincidência.Florianópolis: Obra Jurídica, 1998.BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução <strong>de</strong> Carlos Nelson Coutinho. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Campus, 1992. p. 5-6 e 69.BOBBIO, Norberto. A teoria do or<strong>de</strong>namento jurídico. Tradução <strong>de</strong> Maria CelesteCor<strong>de</strong>iro Leite dos Santos. Brasília: Polis e Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1991.BRANDÃO, Paulo <strong>de</strong> Tarso. Ações constitucionais. Florianópolis: Habitus, 2001. p.123-124.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da constituição. Coimbra : Coimbra,1991, p. 83.HULSMAN, Louk. T<strong>em</strong>as e conceitos numa abordag<strong>em</strong> abolicionista da justiça criminal.In PASSETI, Edson; SILVA, Roberto Baptista Dias (Org.). Conversaçõesabolicionistas: uma crítica do sist<strong>em</strong>a penal e da socieda<strong>de</strong> punitiva. São Paulo:IBCCrim, 1997.JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O tribunal penal internacional: a internacionalizaçãodo Direito Penal. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lúmen Júris, 2004.MONREAL, Eduardo Novoa. O direito como obstáculo à transformação social. Tradução<strong>de</strong> Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,1988. p. 84.NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a face obscura da sentença penal. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Revan, 2004.WEIL, Pierre. A nova ética. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rosa dos T<strong>em</strong>pos, 2002.PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 5. ed.São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 481.SANTOS, Boaventura Souza. Uma concepção multicultural dos direitos humanos.Revista Lua Nova. n. 39. 1997, p. 105-123.SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo:Malheiros, 2003.


FILOSOFIA DO DIREITOO Suicídio <strong>de</strong> Werther(e algumas consi<strong>de</strong>rações sobre o Princípioda Dignida<strong>de</strong> da Pessoa Humana)Isaac Sabbá GuimarãesPromotor <strong>de</strong> Justiça – SCMestre <strong>em</strong> Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> CoimbraAo meu pai, Newton, humanista par excellence.“A natureza humana [...] t<strong>em</strong> seus limites: po<strong>de</strong> suportara alegria, o sofrimento, a dor até certo ponto, arruina-se,porém, mal ele seja ultrapassado. Assim, a questão não éser-se fraco ou forte, mas conseguir suportar a medida doseu sofrimento, seja moral ou físico. E acho tão estranhochamar covar<strong>de</strong> a qu<strong>em</strong> põe fim à própria vida como aqu<strong>em</strong> morre <strong>de</strong> febre maligna”.Goethe, A paixão do jov<strong>em</strong> Werther1. A fase Romântica t<strong>em</strong> como um <strong>de</strong> seus traços marcantes o diálogoquase constante entre o amor impossível e a renúncia. As limitações provocadaspelo pudor permit<strong>em</strong> apenas a i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> amores e os personagens n<strong>em</strong>s<strong>em</strong>pre passam da condição <strong>de</strong> apaixonados para a <strong>de</strong> amantes. E a aghonía<strong>de</strong> ter-<strong>de</strong>-viver-o-impossível conduz, às vezes, ao ato extr<strong>em</strong>o, como que antecipandoa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Chrónos, o <strong>de</strong>us T<strong>em</strong>po, a qu<strong>em</strong> compete estabelecer oinício e o fim das coisas – e que implacavelmente <strong>de</strong>vora as coisas. No romanceA paixão do jov<strong>em</strong> Werther, produzido pelo gênio <strong>de</strong> Goethe, cognominadopor seus coetâneos <strong>de</strong> <strong>de</strong>r göttlich, esse paroxismo Romântico ganhou novosAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 115 a 131


matizes. Goethe – <strong>de</strong>r göttlich - não trata apenas da história <strong>de</strong> um amor impossível:faz, antes, a exaltação apologética do suicídio.O jov<strong>em</strong> artista Werther, pertencente ao mundo blasé da alta burguesia,refugia-se numa bucólica vila, on<strong>de</strong> busca o modo <strong>de</strong> vida cont<strong>em</strong>plativo. Cercasedos clássicos gregos, passeia pelos campos e quase que rejeita as frivolida<strong>de</strong>sburguesas, inclusive arengando contra alguns cânones daquela socieda<strong>de</strong>.Mas ele próprio está preso àquela condição: sua existência revela a caricaturadaquele savoir-vivre burguês: freqüenta bailes das altas rodas, relaciona-secom a aristocracia e nunca revela a que veio, é apenas a potência <strong>de</strong> um artistaque não se manifesta. Pois essa figura <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> acaba por vergar-se à paixão(impossível) por Lotte. A menina agrada-lhe por seus modos e pelas feiçõespintadas <strong>em</strong> tons pastel pelo Romântico Goethe. Mas é noiva <strong>de</strong> Albert, o quese torna barreira intransponível a Werther: a lealda<strong>de</strong> e correção imped<strong>em</strong>-nodo ato mais verda<strong>de</strong>iramente sincero. E é <strong>em</strong> meio a esse enredo <strong>de</strong> amor-i<strong>de</strong>ale renúncia que permeiam os conceitos <strong>de</strong> suicídio <strong>de</strong> Werther.O anti-herói, que põe fim à sua vida por causa do amor impossível, é,aparent<strong>em</strong>ente, contraditório. Num <strong>de</strong> seus diálogos, refere que “Se tivéss<strong>em</strong>oss<strong>em</strong>pre um coração aberto para gozar o b<strong>em</strong> que Deus nos reserva a cada dia,teríamos também força suficiente para suportar o mal que viesse” 1 , para, <strong>em</strong>outro momento e numa <strong>de</strong> suas cartas, perguntar se será con<strong>de</strong>nável a falta <strong>de</strong>corag<strong>em</strong> daquele que, grav<strong>em</strong>ente enfermo, não teve corag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pôr termoà vida. Mas o lóghos <strong>de</strong> Goethe 2 , transportado para Werther, prega-nos umapeça, porque transcen<strong>de</strong> às impressões menos fundadas. A lógica <strong>de</strong> Werthernão é contraditória <strong>em</strong> si, mas alicerça um alto edifício no qual cada piso abrigaos muitos <strong>de</strong>partamentos da natureza humana. Há, pois, o limite extr<strong>em</strong>oda resistência às dores morais e físicas; há a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma moça que sesuicida porque não daria seu amor senão ao noivo; por fim, há o rompimento1 Goethe, Johann Wolfgang. Die Lei<strong>de</strong>n <strong>de</strong>s jungen Werther, trad. port. A paixão do jov<strong>em</strong>Werther, por Teresa Seruya, et all, Lisboa: Relógio d’Àgua, 1998. p. 161.2 T<strong>em</strong>os aqui <strong>de</strong> fazer uma breve nota para l<strong>em</strong>brar que <strong>de</strong>r göttlich era um artista da palavraescrita como poucos porque, l<strong>em</strong>brando a lição <strong>de</strong> Sabbá Guimarães, “[...] no campo lingüísticoexalça a língua, lexis + verbum para <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bocar no lóghos, no fazer literário –,<strong>em</strong> t<strong>em</strong>as eternos [...]”, diferente, concluímos nós, dos “magos” oportunistas, vestidos <strong>em</strong>roupas <strong>de</strong> esotérico para alcançar<strong>em</strong> uma fama fácil, mas cuja obra, pod<strong>em</strong>os já predizer,jamais será eterna, porque inconsistente. Cfr. Sabbá Guimarães, Newton. A poesia <strong>de</strong> VioletaBranca. Revista da Acad<strong>em</strong>ia Amazonense <strong>de</strong> Letras, Manaus, ano LXXXIII, n. 23, p. 29,


com o impossível no último ato <strong>de</strong> Werther.Mas a questão que perpassa pela análise do suicídio <strong>de</strong> Werther e quedoravante ocupará nossa atenção relaciona-se com a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana,princípio maior do Direito, e que está intrinsecamente ligado aos bensjurídicos ditos fundamentais, como a honra, a integrida<strong>de</strong> física, a liberda<strong>de</strong>e... a vida. Tentando melhor dispô-la <strong>em</strong> outras questões correlatas: haverá umanegação da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana quando se admite como altaneiro ogesto do suicídio? Por outro lado, haverá graus <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> quando se outorgaLiberda<strong>de</strong> - (com “L” maiúsculo, para <strong>de</strong>signar sua ampla latitu<strong>de</strong>), também umvalor presidido por aquele princípio – <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre a vida, inclusive para asuprimir? E, numa última reflexão, os interesses <strong>de</strong> Estado pod<strong>em</strong> justificar oseu domínio sobre o b<strong>em</strong> jurídico vida?2. Numa primeira aproximação aos probl<strong>em</strong>as sugeridos, recorramos aGoethe, <strong>de</strong>r göttlich, para qu<strong>em</strong> o hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> uma especial dignida<strong>de</strong>, quaseo aproximando <strong>de</strong> D’us 3 . Deix<strong>em</strong>o-lo falar:O que é afinal o hom<strong>em</strong>, este s<strong>em</strong>i<strong>de</strong>us tão enaltecido?!Não lhe faltam as forças precisamente quando mais necessita<strong>de</strong>las? E quando se eleva <strong>em</strong> alegria ou se afunda <strong>em</strong>sofrimento, não é refreado <strong>em</strong> ambos os casos e trazido<strong>de</strong> volta à consciência <strong>em</strong>botada e fria, no momento <strong>em</strong>que aspirava a per<strong>de</strong>r-se na plenitu<strong>de</strong> do infinito? 4O hom<strong>em</strong> goethiano, portanto, estava a um nível abaixo <strong>de</strong> D’us, muitopróximo d’Ele, mas acima <strong>de</strong> outros seres. T<strong>em</strong> a razão para (po<strong>de</strong>r) refreáloà beira do precipício das paixões. Mas, também, é humano, ser imperfeitoe suscetível <strong>de</strong> falhas: “o hom<strong>em</strong> é hom<strong>em</strong>, e o entendimento reduzido quecada um possa ter pouco ou nada vale quando a paixão <strong>de</strong>senfreada bate noslimites da humanida<strong>de</strong>” 5 . É <strong>de</strong>vido ao caráter <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong> do Hom<strong>em</strong> queGoethe <strong>de</strong>sculpa qu<strong>em</strong> não consegue extirpar seu sofrimento com o suicídioperguntando: “E não será que o mal [o sofrimento] 6 , consumindo-lhe as forças,lhe rouba ao mesmo t<strong>em</strong>po a corag<strong>em</strong> para <strong>de</strong>le se libertar?” 7 .3 Por nós assim grafado por respeito judaico ao Bendito Nome, íùä êåøá.4 Op. cit. p. 240. Os grifos são nossos.5 Op. cit., p. 183.6 A interpolação é nossa.7 Op. cit., p. 175.


Pelo que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>, para Goethe, o suicídio não nega a dignida<strong>de</strong> dapessoa humana, ao contrário, é o aturar-se o sofrimento <strong>de</strong>gradante que po<strong>de</strong>diminuir sua dignida<strong>de</strong>, só <strong>de</strong>sculpável se for invencível, por roubar ao hom<strong>em</strong>a corag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pôr termo à vida.Mas <strong>de</strong> que dignida<strong>de</strong> estava a falar Goethe (e a cujo sentido estamosrecorrendo com freqüência nesta análise <strong>em</strong> que se tenta respon<strong>de</strong>r se é harmonizávelcom o direito <strong>de</strong> dispor-se da vida)? Por outro lado, essa tensão entredignida<strong>de</strong> da pessoa humana e direito à vida (inclusive <strong>de</strong> <strong>de</strong>la dispor-se) serás<strong>em</strong>pre invencível, daí surgindo uma verda<strong>de</strong>ira antinomia?Ora b<strong>em</strong>, parece-nos oportuno aqui l<strong>em</strong>brarmos que o conceito <strong>de</strong>Dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (escrito assim mesmo, com “D” maiúsculo) édos mais amplos, no entanto, tangenciado pelo Direito Natural 8 . Não o DireitoNatural da iluminura setecentista, <strong>de</strong> após, portanto, Tomás <strong>de</strong> Aquino e SantoAgostinho, que ten<strong>de</strong>u para o reducionismo do Direito divino – Direito que,segundo os escolásticos, é dado pronto e acabado, alicerçado <strong>em</strong> princípioseternos e universais – ao plano i<strong>de</strong>al e distinto do plano do direito positivo;mas o Direito Natural <strong>de</strong> raiz clássica, no qual se po<strong>de</strong>rá encontrar um caráterdialético e metodológico 9 , que integrará o processo <strong>em</strong>brionário dos direitospositivos. Quer dizer, essa Dignida<strong>de</strong>, que se relaciona aos valores mais carosdo hom<strong>em</strong>, é princípio a que se recorre <strong>em</strong> várias instâncias do Direito, para aproteção da honra, da integrida<strong>de</strong> física, da liberda<strong>de</strong> e da vida. E, para além<strong>de</strong>sses direitos <strong>de</strong> primeiro grau, todos os d<strong>em</strong>ais <strong>de</strong>les <strong>de</strong>correntes reconduz<strong>em</strong>-se,<strong>em</strong> última análise, ao princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana,8 Dev<strong>em</strong>os <strong>de</strong>stacar, <strong>em</strong> atenção ao rigor metodológico, a expressão por nós aqui utilizada.É que o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana não é, <strong>em</strong> si, Direito Natural, mas umateoria jusfilosófica que b<strong>em</strong> po<strong>de</strong> ser enquadrada no jusnaturalismo, mas que serve, indubitavelmente,<strong>de</strong> justificação aos direitos ditos naturais.9 Como refere Michel Villey, citado por Ferreira da Cunha. Este autor esclarece, ainda, que“o Direito Natural funcionará não como chave-gazua <strong>de</strong> abertura fácil <strong>de</strong> todas as portas <strong>em</strong>todo o hic et nunc, mas como permanente interrogação, instância probl<strong>em</strong>atizante, críticado direito positivo”. E, mais adiante, arr<strong>em</strong>ata: “É portanto possível conceber-se o DireitoNatural não como um conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> um outro direito (e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “um conjunto<strong>de</strong> regras” é tipicamente positivista), mas como um diferente olhar sobre a realida<strong>de</strong>, uminstrumento <strong>de</strong> trabalho na criação do direito positivo, comportando, antes <strong>de</strong> mais, umapreocupação, um escopo: a busca constante e perpétua do justo, uma realida<strong>de</strong> principal,um legado histórico e teórico (que, não se confundindo com a realida<strong>de</strong>, ajuda a vê-la, nassuas diferentes facetas), etc”. Cunha, Paulo Ferreira da. O ponto <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s. Naturezahumana, Direito Natural, Direitos Humanos. Coimbra: Almedina, 2001. p. 95.


como o direito <strong>de</strong> reunião, direito ao trabalho, direito <strong>de</strong> associação, direito aprofessar uma religião, direitos políticos, etc. A verda<strong>de</strong> é que o Direito, comofenômeno cultural e indissociável do hic et nunc histórico, não po<strong>de</strong>rá abarcartoda a ampla acepção, ou melhor, o lóghos da Dignida<strong>de</strong>. E, muitas vezes, aopreten<strong>de</strong>r preservá-la, faz concessões que acabam, tout court, por negá-la 10 . Éo que nos diz, talvez <strong>de</strong> uma forma mais pessimista, Ferreira da Cunha:Estabelecer parâmetros muito rígidos sobre ela [a Dignida<strong>de</strong>]não parece ser boa política. Mas a verda<strong>de</strong> é queo preço da dignida<strong>de</strong> anda actualmente muito por baixo.Não há, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, respeito pela dignida<strong>de</strong> do Hom<strong>em</strong>quando ele é rebaixado e funcionalizado. Quando o Hom<strong>em</strong>passa a ser mero contribuinte (por vezes espoliado),pagador, espectador, consumidor, acrítico leitor, etc..., nãohá respeito por essa dignida<strong>de</strong>. Não há dignida<strong>de</strong> quandoa integrida<strong>de</strong> física e moral das pessoas é violada peloEstado, ou quando os próprios particulares abdicam da sua,a troco da fama ou <strong>de</strong> uns tostões, maiores ou menores,como <strong>em</strong> alguns programas televisivos. E o público queos vê comunga <strong>de</strong>sse rebaixamento 11 .Devido a essas dificulda<strong>de</strong>s, a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, que, na LeiFundamental, foi elevada à condição <strong>de</strong> princípio maior que presi<strong>de</strong> aos direitosfundamentais, <strong>de</strong>verá ser entendida segundo duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as dapessoa humana, e a elas conformar-se: “1) O probl<strong>em</strong>a da sua posição peranteo ser, na existência (o probl<strong>em</strong>a metafísico); 2) o probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> sua relação como outro, na acção (o probl<strong>em</strong>a ético)”. Probl<strong>em</strong>as que, conforme CastanheiraNeves, causam dois graves perigos: “Quanto ao probl<strong>em</strong>a metafísico, o perigo10 Ocorre-nos à l<strong>em</strong>brança a lei brasileira, já revogada, que <strong>de</strong>terminava a doação <strong>de</strong> órgãos,<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando certas convicções religiosas. E, mais recent<strong>em</strong>ente, t<strong>em</strong>os constatado umapolítica simbólica e falaciosa <strong>de</strong> promoção da população negra, aventando-se a hipótese <strong>de</strong>criar<strong>em</strong>-se vagas especiais nas universida<strong>de</strong>s para negros e, por conseqüência, fundando oque Ferreira da Cunha chama <strong>de</strong> “discriminação positiva”. A este respeito, o jusfilósofoconimbricense afirma: “A discriminação positiva, que raramente cont<strong>em</strong>pla os pobres, masfavorece sobretudo as camadas <strong>de</strong> elite <strong>de</strong> certas “minorias” (os activistas políticos e sociaisque <strong>de</strong>las se possam reivindicar por razões <strong>de</strong> sexo, raça, cultura, activida<strong>de</strong>, etc.), estabeleceuma nova hierarquia <strong>de</strong> pessoas, <strong>em</strong> que o hom<strong>em</strong> comum, <strong>de</strong>sprotegido, fica prejudicado, <strong>em</strong>uito mais prejudicadas as minorias não cont<strong>em</strong>pladas”, rompendo – completamos nós – comos princípios que vão atrelados ao da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, que são o da igualda<strong>de</strong>e o da universalida<strong>de</strong>. Cfr. Cunha, Paulo Ferreira da. Op. cit., p. 185.11 Op. cit., p. 212.


<strong>de</strong> entregarmos (abdicarmos) a solução aos i<strong>de</strong>ólogos. Quanto ao probl<strong>em</strong>aético, o perigo <strong>de</strong> aceitarmos unicamente para ele a solução dos políticos” 12 .Ao que parece, a gran<strong>de</strong> virag<strong>em</strong> histórico-político-jurídica do após SegundaGran<strong>de</strong> Guerra Mundial, quando o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humanapassou a ser inscrito nas Constituições, armou-nos uma cilada. E agora, comoresolver todos os probl<strong>em</strong>as ligados à Dignida<strong>de</strong>?3. Retrocedamos um pouco à questão axial <strong>em</strong> relação à ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>asproposta: o direito sobre a vida e, <strong>em</strong> seu <strong>de</strong>sdobramento, o direito sobrea morte. Que, apesar <strong>de</strong> fragmentar-se <strong>em</strong> muitas outras questões (históricas,políticas, culturais, sociais, religiosas, etc.), po<strong>de</strong> ser analisada a partir dotronco <strong>de</strong> cariz judaico-cristão formador das socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais mo<strong>de</strong>rnas;da ciência política; e do atual apelo jusfilosófico a uma classe <strong>de</strong> valores ontológico-axiológicos,quando voltamos ao ponto <strong>de</strong> partida fixado no princípioda dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.A) Com efeito, a formação ético-religiosa judaica <strong>de</strong>termina que a vida éum valor supr<strong>em</strong>o do hom<strong>em</strong>. Mas um valor enraizado no respeito a D’us e àsSuas leis. Quer dizer, o dom da vida não foi entregue ao Hom<strong>em</strong> s<strong>em</strong> qualquerfinalida<strong>de</strong>: o Hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>ve ter uma direção, <strong>de</strong>ve cumprir um papel. É um sermessiânico, mas que também atua, cumprindo as leis e as úååöî (mitzvot) 13 . E énisso que se lhe reconhece uma especial dignida<strong>de</strong>. No entanto, parece-nos quea dignida<strong>de</strong>, como princípio ao qual vai intrinsecamente ligado o valor Vida,encerra-se <strong>de</strong>ntro dos estritos limites das leis religiosas escritas na äøåú (Torá) 14e no ãåîìú (Talmud). 15 É o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> quando Barylko menciona: “Lospreceptos fueron dados a los hebreos para que vivan con ellos y no para qu<strong>em</strong>ueran. Por eso está escrito: “Lo que el hombre <strong>de</strong>be hacer, y vivirá con ellos”(Levítico XVIII, 5). Vivir y no morir”. E, <strong>de</strong> maneira mais clara, arr<strong>em</strong>ata:Pero cuando se trata <strong>de</strong> una imposición exterior para convertirnosa otra religión (sh<strong>em</strong>ad), entonces está por encima <strong>de</strong>todo el valor <strong>de</strong> la santificación <strong>de</strong>l nombre <strong>de</strong> Dios (Ki-12 Neves, A. Castanheira. Dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e direitos do hom<strong>em</strong>. In Digesta: Escritosacerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. Coimbra:Coimbra Editora, 1995. p. 426.13 Plural <strong>de</strong> äååöî (mitzvá) – preceito.14 Pentateuco.15 Obra composta pelos sábios após o período bíblico.


E, ainda:dush Hash<strong>em</strong>), y por él cabe morir, como está escrito: “Noprofanaréis el nombre <strong>de</strong> Mi santidad, y Seré santificado<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los hijos <strong>de</strong> Israel” (Levítico XVIII, 5).Elegir a la vida, ese es el precepto maximo. Elegir a Dios eselegir la vida. Por otra parte se establece en estos términosla base <strong>de</strong>l judaísmo, que rechaza el culto a los muertos, lamortificación, el ascetismo y d<strong>em</strong>ás ten<strong>de</strong>ncias subjetivistasque alejan al hombre <strong>de</strong> la vida real y concreta, con elprójimo, en sociedad. Los preceptos (mitzvot) fueron dados,pues, con esta finalidad: educar para la vida. 16Por aí já se po<strong>de</strong> ver que o suicídio é con<strong>de</strong>nável, porque é ato que representa,ao mesmo t<strong>em</strong>po, a renúncia ao maior dom entregue por D’us e ao<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> viver para cumprir os mandamentos.A cultura cristã herdou boa parte da base filosófica judaica, adjudicando parasi os <strong>de</strong>z mandamentos, on<strong>de</strong> se encontra o per<strong>em</strong>ptório “não matarás”. A fraternida<strong>de</strong>,que envolve a idéia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> humana, também se radica no judaísmoe, a nosso ver, é um daqueles traços especiais do ser hominal que <strong>de</strong>terminam aDignida<strong>de</strong> do Hom<strong>em</strong> – ser distinto, que merece respeito <strong>em</strong> seus predicativos eque t<strong>em</strong> valores quase que intransigíveis 17 . E é essa idéia <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> que,prima facie, impediria certas concessões sobre direito, lato sensu, à vida.Santo Agostinho, no entanto, ao con<strong>de</strong>nar o suicídio, estrutura seuraciocínio a partir <strong>de</strong> uma pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> direito: se não há rei que permita aexecução da pena <strong>de</strong> morte contra o culpado por iniciativa privada, sendo essaa hipótese <strong>de</strong> um homicídio, então qu<strong>em</strong> tira a própria vida é um verda<strong>de</strong>irohomicida. O teólogo estabelece, ainda, que a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> censura ao ato éinversamente proporcional à dimensão <strong>de</strong> sua causa. “E é tanto mais culpadoao suicidar-se quanto mais inocente era a causa que o levou à morte” 18 . Não16 Barylko, Jaime. La sabiduria <strong>de</strong>l Talmud. Buenos Aires: Editorial Sigal, 1998, p. 85. Naäøåú äðùî (Mishné Torá), <strong>de</strong> Maimôni<strong>de</strong>s, há preceitos rigorosos para qu<strong>em</strong> transgri<strong>de</strong> osmandamentos da Torá, inclusive com a <strong>de</strong>terminação da pena <strong>de</strong> morte, mas com o especialensinamento <strong>de</strong> preservar a vida. Cfr. Maimôni<strong>de</strong>s. Mishné Torá: o livro da sabedoria. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1992. p. 136 e ss.17 Diz<strong>em</strong>os “quase que intransigíveis” porque, como se verá adiante, uma ord<strong>em</strong> superior <strong>de</strong>interesses po<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a redução ou a relativização <strong>de</strong>sses valores.18 SANTO AGOSTINHO. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, v. I. trad., ao português por J. Dias Pereira. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, liv. I, cap. XVII, p. 149.


há, pois, para Santo Agostinho, justificativa para o suicídio, n<strong>em</strong> mesmo paraa preservação da honra e do pudor, quando recrimina o suicídio <strong>de</strong> Lucrécia,estuprada pelo filho do rei Tarquínio 19 . Ad<strong>em</strong>ais, consi<strong>de</strong>ra que o suicida nãogoza <strong>de</strong> boa saú<strong>de</strong> mental, quando refere queTodos os que contra si próprios perpetraram este crime,talvez sejam dignos <strong>de</strong> admiração pela sua fortaleza <strong>de</strong>ânimo, mas não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser louvados pela sanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suarazão. [...] Antes se reconhece neste caso um alma débilque não é capaz <strong>de</strong> suportar a dura servidão do seu corpon<strong>em</strong> a estulta opinião do vulgo. 20No entanto, Santo Agostinho não terá se insurgido contra a pena d<strong>em</strong>orte, a qual é justificada pelo recurso ao princípio da razão do Estado, comofacilmente se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> ao referir quePor isso não violaram o preceito não matarás os homensque, movidos por Deus, levaram a cabo guerras, ou os que,investidos <strong>de</strong> pública autorida<strong>de</strong> e respeitando a sua lei,isto é, por imperativo <strong>de</strong> uma razão justíssima, puniramcom a morte os criminosos. 21Por muito t<strong>em</strong>po, aliás, perdurou um <strong>de</strong>scompasso entre a essência filosóficado cristianismo e a atitu<strong>de</strong> passiva da igreja católica.B) Por uma outra perspectiva, a da ciência política, po<strong>de</strong>ríamos dizer quecertos direitos solidificaram-se no corpus iuris <strong>em</strong> meio a um constante diálogoentre o po<strong>de</strong>r político e (as reivindicações do) o povo, <strong>em</strong> que sobressaía a barganha(<strong>de</strong> certas imposições e a contrapartida <strong>de</strong> certas concessões) <strong>de</strong> índolecontratualista. Não se po<strong>de</strong> esquecer do lídimo ex<strong>em</strong>plo do habeas corpus,que nasceu <strong>de</strong>ssa tensão entre o po<strong>de</strong>r absoluto, cada vez mais questionado porapaniguar os altos estratos sociais e o clero, e as exigências <strong>de</strong> um povo, cioso<strong>de</strong> suas liberda<strong>de</strong>s e que buscava maiores garantias. De outro vértice, predominavanos países da Europa continental – e <strong>de</strong>staqu<strong>em</strong>os aqui o velho Estadoportuguês – a figura do soberano magnânime, capaz <strong>de</strong> garantir a liberda<strong>de</strong>individual <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> estivesse sob ameaça <strong>de</strong> perdê-la com a Carta <strong>de</strong> Seguro:esse era o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado centralizador e personificado na pessoa do soberano,cujos atos – alguns dos quais penetrando a esfera da liberda<strong>de</strong> pessoal,19 Op. cit., liv. I, cap. XIX, p. 153 e ss.20 Op. cit., liv. I, cap. XXII, p. 163.21 Op. cit., liv. I, cap. XXI, p. 161.


como imaginara Hobbes, para o b<strong>em</strong> <strong>de</strong> todos – tinham por escopo garantir apax publica, mas a<strong>de</strong>quada às conveniências do po<strong>de</strong>r político absoluto.É esse diálogo, <strong>de</strong> regras pre<strong>de</strong>terminadas e impostas verticalmente <strong>de</strong>cima para baixo, que atribuía ao soberano o direito sobre a vida e a morte. Eque não podia ser tomado ao po<strong>de</strong>r absoluto. Tanto é assim que a tentativa <strong>de</strong>suicídio era punida como crime, “[...] pois era um modo <strong>de</strong> usurpar o direito d<strong>em</strong>orte que somente os soberanos, daqui <strong>de</strong>baixo ou do além, tinham o direito<strong>de</strong> exercer [...]” 22 . É também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação da estabilida<strong>de</strong> e dasinstituições políticas que vão autorizar, no Código Filipino, a aplicação da pena<strong>de</strong> morte para qu<strong>em</strong> cometesse, v.g., o crime <strong>de</strong> Lesa Majesta<strong>de</strong> (título VI); <strong>de</strong>dizer mal <strong>de</strong>l-Rey (título VII); <strong>de</strong> abrir as cartas <strong>de</strong>l-Rey ou da Rainha. Maistar<strong>de</strong>, o Código Criminal do Império do Brasil viria prever a pena <strong>de</strong> mortepor forca (art. 38), impondo, no entanto, um ritual expressivo daquele diálogotravado entre o po<strong>de</strong>r e o (<strong>de</strong>ver-obe<strong>de</strong>cer do) povo, já que “O réo, com o seuvestido ordnario, e preso, será conduzido pelas ruas mais publicas até á forca,acompanhado do juiz criminal do lugar on<strong>de</strong> estiver, com seu Escrivão e daforça militar que se requisitar. Ao acompanhamento prece<strong>de</strong>rá o porteiro, lendo<strong>em</strong> voz alta a sentença que se fôr executar” (art. 40).Uma tal concepção contratualista da pena <strong>de</strong> morte é, para Beccaria,in<strong>de</strong>fensável. Na sua pequena gran<strong>de</strong> obra Dos <strong>de</strong>litos e das penas, o jusfilósofo<strong>de</strong> Milão admite a tese contratualista <strong>de</strong> formação do Estado, posto que “Asoberania e as leis não são mais do que a soma das pequenas porções <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>que cada um ce<strong>de</strong>u à socieda<strong>de</strong>. Representam a vonta<strong>de</strong> geral, resultadoda união das vonta<strong>de</strong>s particulares”. Mas enten<strong>de</strong> que a pena <strong>de</strong> morte entra<strong>em</strong> contradição com o contrato social, pois “qu<strong>em</strong> já pensou <strong>em</strong> dar aos outroshomens o direito <strong>de</strong> tirar-lhe a vida? Será o caso <strong>de</strong> supor que, no sacrifício quefaz <strong>de</strong> uma pequena parte <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong>, tenha cada indivíduo querido arriscara própria existência, o mais precioso <strong>de</strong> todos os bens?” 23 . E, avançando maisum pouco na sua refutação da tese <strong>de</strong> conciliação da pena <strong>de</strong> morte ao contratosocial, Beccaria pergunta: “Se assim fosse, como conciliar esse princípio coma máxima que proíbe o suicídio? Ou o hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> direito <strong>de</strong> se matar, ou nãopo<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r esse direito a outr<strong>em</strong> n<strong>em</strong> à socieda<strong>de</strong> inteira” 24 .22 Foucault, Michel. História da sexualida<strong>de</strong>: a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber. Tradução Maria Therezada Costa Albuquerque e J. A Guilhon Albuquerque. 14. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 2001. p.130.23 Beccaria. Dos <strong>de</strong>litos e das penas. São Paulo: Atena, s/d, § XVI, p. 91.


É o ponto <strong>de</strong> partida para que Radbruch manifeste, num primeiro momento,apoiando-se <strong>em</strong> Kant, que a pena <strong>de</strong> morte só po<strong>de</strong>ria ser admitida,nesse Estado formado pelo contrato social, com o racional “assentimento docriminoso na sua própria morte” 25 . Num segundo momento, concordando comBeccaria e sublinhando o fato <strong>de</strong> que o criminoso, mesmo que consi<strong>de</strong>radocomo simples expressão racional, jamais assentiria com sua morte, porquelhe faltaria interesse 26 , refuta, <strong>de</strong> uma vez por todas, a legitimida<strong>de</strong> da pena d<strong>em</strong>orte no Estado <strong>de</strong> concepção individualista (que consi<strong>de</strong>ra o hom<strong>em</strong> comoser individual). Contudo, admite que a pena capital po<strong>de</strong> ser melhor justificadanuma construção jurídica supra-individualista, como foi preconizada no Estadofascista italiano.Em suma, nessa área <strong>em</strong> que se abordou o probl<strong>em</strong>a, o direito sobre avida (e morte) só po<strong>de</strong>rá ser justificado, entend<strong>em</strong>os nós, apoiando-nos <strong>em</strong>Radbruch, por interesses supra-individuais (próprios a um organismo funcionalistae que, portanto, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra o hom<strong>em</strong> como ser individual), como oda preservação do Estado 27 . Mas já ter<strong>em</strong>os dúvidas <strong>em</strong> justificá-lo no DireitoPenal, porque, por mais que consi<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os o risco social que se corre com ofenômeno do crime, seu âmbito não se comparará aos riscos que um Estadoenfrenta, v.g., numa guerra.C) Não t<strong>em</strong>os dúvida <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>posição do Ancien Régime e sua substituiçãopor um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong>finido como Estado <strong>de</strong> direito, jános alvores do século XIX, concebido durante o iluminismo oitocentista, quese abeberou da experiência inglesa (com pelo menos mais <strong>de</strong> um século <strong>de</strong>vantag<strong>em</strong>), das teorias políticas <strong>de</strong> Locke e, mais tar<strong>de</strong>, da in<strong>de</strong>pendência norte-americana,foi um importante divisor <strong>de</strong> águas na história política oci<strong>de</strong>ntal.E aquele mo<strong>de</strong>lo incipiente <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> direito, que recebeu tantos influxosdo liberalismo, serviu <strong>de</strong> transição suave (diríamos, mesmo, s<strong>em</strong> gran<strong>de</strong>srupturas), para o Estado <strong>de</strong> direito material. Mas as diferenças são evi<strong>de</strong>ntese sua compreensão importante para uma tentativa <strong>de</strong> solução aos probl<strong>em</strong>asaqui propostos.25 Radbruch, Gustav. Filosofia do direito. Tradução Cabral <strong>de</strong> Moncada, 6. ed. Coimbra:Arménio Amado, 1997. p. 328.26 Ibid<strong>em</strong>, p. 330/331.27 Veja-se b<strong>em</strong> que <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> fora a legítima <strong>de</strong>fesa, porque ela não se constitui <strong>em</strong> <strong>de</strong>creto<strong>de</strong> morte, mas numa hipótese apenas concretizável daquele fato.


Como é sabido, no Estado <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> feição liberal, houve a d<strong>em</strong>arcação,<strong>de</strong> um lado, da esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s dos cidadãos, <strong>de</strong> outro, da esfera<strong>de</strong> atuação do po<strong>de</strong>r político, rompendo drasticamente com a prática políticaadotada no Estado do Ancien Régime. A propósito, Carl Schmitt i<strong>de</strong>ntifica doisprincípios fundamentais inerentes ao que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> burguesa, e queb<strong>em</strong> expressam o Estado liberal: o princípio da distribuição, <strong>em</strong> que “la esfera<strong>de</strong> libertad <strong>de</strong>l individuo se supone como un dato anterior al Estado, quedandola libertad <strong>de</strong>l individuo ilimitada en principio, mientras que la facultad <strong>de</strong>lEstado para invadirla es limitada en principio”; e o princípio da organização, quepõe <strong>em</strong> prática o princípio da distribuição, segundo o qual “el po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>l Estado(limitado en principio) se divi<strong>de</strong> y se encierra en un sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> competenciascircunscritas” 28 . Aquele princípio é representado pelos direitos fundamentais ou<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, enquanto que este consiste na separação dos po<strong>de</strong>res. Em idênticosentido, vai a lição <strong>de</strong> Magalhães Filho, ao ressaltar que “Durante a fase liberaldo velho Estado <strong>de</strong> direito, predominou o individualismo, sendo afirmada aliberda<strong>de</strong> humana perante o Estado”. E, mais adiante, conclui: “Assim, o enteestatal <strong>de</strong>veria recuar diante da esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um, assegurandoapenas a ord<strong>em</strong> e a segurança, ou simplesmente a não-interferência da liberda<strong>de</strong><strong>de</strong> um na liberda<strong>de</strong> do outro” 29 .É <strong>em</strong> meio a esse caudal do i<strong>de</strong>ário liberal que Mill vai produzir o pequenogran<strong>de</strong> livro On Liberty. Em seu trabalho capital, o filósofo do liberalismotenta estabelecer alguns dos fundamentos da natureza humana, que confere aoHom<strong>em</strong> a individualida<strong>de</strong> e a diversida<strong>de</strong>. Seu <strong>de</strong>senvolvimento – do Hom<strong>em</strong>,como ser individual – processa-se <strong>de</strong> acordo com as forças interiores, sendoessa uma das razões para que o reconhecimento <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong> passe pelorespeito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> expressão. Afirma, ainda, que há umaesfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve ser respeitada e que é reconhecida, tout court,naqueles atos que não provoqu<strong>em</strong> danos a terceiros (e que é, <strong>em</strong> nosso enten<strong>de</strong>r,essencial para a auto<strong>de</strong>terminação e o aperfeiçoamento do Hom<strong>em</strong>). Leiamo-lo<strong>em</strong> suas próprias palavras:28 Shmitt, Carl. Teoría <strong>de</strong> la constitución, trad. castelhana <strong>de</strong> Francisco Ayala. Madri: AlianzaEditorial, 1982, p. 138. (os grifos são do original). Sobre a matéria, cfr. uma análise mais<strong>de</strong>tida <strong>em</strong> nosso Habeas corpus: crítica e perspectivas (um contributo para o entendimento daliberda<strong>de</strong> e sua garantia à luz do Direito constitucional), 2ª ed. revista e ampliada. Curitiba:Juruá, 2001. maxime p 51/90.29 Magalhães Filho, Glauco Barreira. Hermenêutica e unida<strong>de</strong> axiológica da constituição.Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. p. 118.


Acts, of whatever kind, wich without justifiable cause doharm to others, may be, and in the more important casesabsolutely require to be, controlled by the unfavorablesentiments, and, when needful, by the active interferenceof mankind. The liberty of the individual must be thusfar limited; he must not make himself a nuisance to otherpeople. But if he refrains from molesting others in whatconcerns th<strong>em</strong>, and merely acts according to his own inclinationand judg<strong>em</strong>ent in things which concern himself,the same reasons which show that opinion should be free,prove also that should be allowed, without molestation, tocarry his opinions into practice at his own cost 30 .A d<strong>em</strong>arcação <strong>de</strong>sses âmbitos <strong>de</strong> atuação não é, contudo, suficientepara se propiciar o <strong>de</strong>senvolvimento do Hom<strong>em</strong> – <strong>de</strong> cada hom<strong>em</strong>, como serindividual e dotado <strong>de</strong> especial dignida<strong>de</strong>. Não bastam ao Hom<strong>em</strong>, como serpolítico, os direitos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, que vão constituir a esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> negativa,ou seja, aquela esfera <strong>de</strong> não interferência estatal: o <strong>de</strong>senvolvimentodo Hom<strong>em</strong> requererá meios a<strong>de</strong>quados para o gozo das liberda<strong>de</strong>s: requererágarantias para a autopromoção, que Isaiah Berlin chamou, <strong>em</strong> seu Two conceptsof liberty, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> positiva. Esqu<strong>em</strong>aticamente, a primeira zona <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> (negativa) po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>nominada “liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>” (liberty from), ou seja,liberda<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação a algo, <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar-se sobre algum objeto, pertencente ànorma jurídica ou não. A segunda zona <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> (positiva) é <strong>de</strong>nominada“liberda<strong>de</strong> para” (liberty to), ou seja, liberda<strong>de</strong> para a auto-realização, para setraçar um projeto <strong>de</strong> vida.Essas duas zonas compl<strong>em</strong>entárias, como facilmente se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>,formam o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Welfare State, dominante <strong>em</strong> boa parte da Europa eque serviu <strong>de</strong> inspiração para a nossa Constituição <strong>de</strong> 1988. E é na busca dob<strong>em</strong>-estar social que se opera a transição do Estado <strong>de</strong> direito formal para oEstado <strong>de</strong> direito material. Nesse Estado, já não será suficiente a <strong>de</strong>claraçãodo princípio da igualda<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong>verá ser alcançada uma igualda<strong>de</strong> materialpor uma catalogação mais extensa <strong>de</strong> direitos fundamentais, incluindo os <strong>de</strong>índole social e os difusos.No segundo pós-guerra mundial, há como que um retorno humanístico,s<strong>em</strong> dúvida alguma <strong>de</strong> índole jusnaturalista, na normatização da nova ord<strong>em</strong>30 Mill, John Stuart. On liberty. In Man & the State: the political philosophers. Nova Iorque:Washington Square Press, 1966. p. 194.


mundial, expresso enfaticamente na Declaração Universal dos Direitos do Hom<strong>em</strong>que, no seu art. 1 o , <strong>de</strong>clara “que todos os seres humanos nasc<strong>em</strong> livres eiguais <strong>em</strong> dignida<strong>de</strong> e <strong>em</strong> direitos”, aí reconhecendo o princípio da dignida<strong>de</strong>da pessoa humana. Logo após, a Lei Fundamental da Al<strong>em</strong>anha Fe<strong>de</strong>ral (1949)vai positivar este princípio já no seu art. 1 o , repetindo as idéias fundamentais danatureza humana, que se fincam no tripé da dignida<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong>.Aliás, estes dois valores estão intrinsecamente ligados à dignida<strong>de</strong> da pessoahumana 31 , <strong>de</strong> todos os homens portanto, sendo essenciais ao livre <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> e ao seu aperfeiçoamento.É claro que o Estado que tenha <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração o Hom<strong>em</strong> como serindividual e, pois, que eleja o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana comofonte ética dos direitos fundamentais, ao mesmo t<strong>em</strong>po, conferindo-lhes unida<strong>de</strong>e coerência filosófica, não po<strong>de</strong>rá ater-se a um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> pureza científicakelseniano, que se radica numa abstrata Grundnorm. É por isso que, ao tratarda força normativa da Constituição, Hesse propugnava a procura <strong>de</strong> valoresnão só nas bases puramente políticas e sociais. Para esse autor, a Constituição<strong>de</strong>via também expressar a “situação espiritual” da época. Assim se referiu oconstitucionalista:La Constitución – aquí en el sentido <strong>de</strong> “constitución jurídica”– no pue<strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> construir el Estado <strong>de</strong> modopor así <strong>de</strong>cir teórico-abstracto, sin consi<strong>de</strong>ración a lascircunstancias y fuerzas históricas, si no quiere permanecer“eternamente estéril”. La Constitución no es capaz <strong>de</strong> engendrarnada que no se halle ya en la disposición individual<strong>de</strong>l presente. Don<strong>de</strong> estos presupuestos faltan, la Constituciónno pue<strong>de</strong> dar “forma y modificación”; don<strong>de</strong> no esposible <strong>de</strong>spertar ninguna fuerza asentada en la naturaleza<strong>de</strong> las cosas, no es posible tampoco orientar dicha fuerza;don<strong>de</strong> la Constitución ignora las leyes espirituales, sociales,políticas o económicas <strong>de</strong> su época, carecerá <strong>de</strong>l germenimprescindible <strong>de</strong> fuerza vital, siendo incapaz <strong>de</strong> hacer quellegue a producirse el estado que norma en contradiccióncon dichas leyes 32 .Essa condição harmonizadora que <strong>de</strong>ve representar a Constituição – e31 Cfr. Martínez, Miguel Angel Alegre. La dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> la persona como fundamento <strong>de</strong>lor<strong>de</strong>namento constitucional español. León: Universidad <strong>de</strong> León, 1996. p. 19.32 Hesse, Konrad. Escritos <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho constitucional, trad. ao espanhol por Pedro Cruz Villalón.Madri: Centro <strong>de</strong> Estudios Constitucionales, 1992. p. 65.


que se vai projetar num corpus iuris harmonioso – só será alcançada por meioda correta leitura dos valores axiológicos mais representativos da comunida<strong>de</strong>e que no mundo oci<strong>de</strong>ntal será i<strong>de</strong>ntificado nos traços da cultura <strong>de</strong> raiz judaico-cristã.Daí que se pod<strong>em</strong> nos dizer respeito, v.g., os valores da fraternida<strong>de</strong>,harmonia social (preâmbulo da CR) e a promoção <strong>de</strong> todos s<strong>em</strong> discriminações(art. 3 o , IV, CR).Com essas idéias básicas, pod<strong>em</strong>os já afirmar que durante a vigênciado Estado <strong>de</strong> feição liberal não seria lícita a intervenção estatal ao ponto <strong>de</strong>punir-se a tentativa <strong>de</strong> suicídio, porque invadiria uma competência que nãolhe diria respeito. Pelo mesmo motivo, ou seja, <strong>de</strong>vido ao princípio <strong>de</strong> nãointerferência à auto<strong>de</strong>terminação pessoal, é punido o induzimento ou o auxílioao suicídio, <strong>em</strong>bora o b<strong>em</strong> jurídico aí tutelado pelo Direito Penal seja a vida(art. 122, CP).Já nos Estados d<strong>em</strong>ocráticos sociais que se arrimaram no princípioda dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, a missão <strong>de</strong> respeito ao b<strong>em</strong> jurídico vida émais ampla, porque jungida à idéia <strong>de</strong> inalienabilida<strong>de</strong> da dignida<strong>de</strong>, ao ponto<strong>de</strong> repelir-se uma posição funcionalista <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>sse b<strong>em</strong> jurídico, não sefazendo concessões à pena <strong>de</strong> morte. No entanto, há situações críticas <strong>em</strong> quea pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> certas circunstâncias será con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte com a abreviaçãoda vida. E será a hora <strong>de</strong> tentarmos uma resposta ao último probl<strong>em</strong>a aquiproposto: haverá graus <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>?4. A opinião <strong>de</strong> Goethe vai no sentido <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar indigna uma condição<strong>de</strong> vida enfraquecida por males físicos ou morais e que só <strong>de</strong>ve ser sustentadase ela rouba as forças (ou a corag<strong>em</strong>) da pessoa para o cometimento do atofinal. Por outras palavras, o suicídio, antes <strong>de</strong> configurar um ato indigno, seráuma maneira corajosa e, pois, digna <strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> por termo à vida: não tendo,<strong>de</strong>ssa forma, o significado <strong>de</strong> negação da dignida<strong>de</strong>. Pelo contrário: seria asua afirmação. Mas qual a posição a ser adotada pelo corpus iuris fundado noprincípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana?Ao tratar dos valores e princípios que dão corpo a um sist<strong>em</strong>a jurídico,Ferreira da Cunha <strong>de</strong>staca a vida como pressuposto ou fundamento dos valores,referindo:Para cada pessoa individualmente consi<strong>de</strong>rada, a vida é,s<strong>em</strong> dúvida, pressuposto <strong>de</strong> efectiva imputação <strong>de</strong> direitose <strong>de</strong>veres, e <strong>de</strong> compreensão e acção conforme os valores.


Para a socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral, a vida <strong>de</strong> qualquer dos seusm<strong>em</strong>bros, ainda que apenas potencial, é um valor, e é,se não o valor primeiro, ao qual se <strong>de</strong>v<strong>em</strong> <strong>em</strong> princípiosacrificar os outros, pelo menos um dos primeiros 33 .E, mais adiante, ao tratar da aparente antinomia entre vida e dignida<strong>de</strong>,quando aquele b<strong>em</strong> jurídico é posto <strong>em</strong> causa, ressalta que o suicídio po<strong>de</strong> ser aúnica forma <strong>de</strong> manter... a dignida<strong>de</strong> 34 . Do que conclui estar a dignida<strong>de</strong> acimado valor vida, erigindo-se <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira Grundnorm 35 . Da formacomo a situação é-nos colocada, será fácil concluirmos que:a) um corpus iuris fundado no respeito à dignida<strong>de</strong> dapessoa humana não punirá a tentativa do suicídio, porqueé ato que está <strong>de</strong>ntro da esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da pessoa e,pois, expressão <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong> (já para não falarmos <strong>de</strong>questões mais pragmáticas aliadas à política criminal e <strong>de</strong>criminologia, pois que a punição <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> tentou o suicídionão alcançará os objetivos do Direito Penal – prevençãogeral e especial -, além <strong>de</strong> que o ato não é fonte criminógena,não carecendo <strong>de</strong> intervenção penal);b) por respeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e ao valordos valores – a vida –, que se constitui <strong>em</strong> explicitação <strong>de</strong>1 o grau da idéia <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> 36 , não se punirá qualquer atoten<strong>de</strong>nte a impedir o suicídio, mesmo que violento (art.146, § 3 o , II, CP); ec) não existe, no caso <strong>em</strong> apreço, a hierarquização <strong>de</strong> grausdiferentes <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> mas, tão-somente, a pon<strong>de</strong>raçãoentre o b<strong>em</strong> jurídico vida e a condição da dignida<strong>de</strong> (que,salientamos, se consi<strong>de</strong>ra uma categoria ontológica, quetranscen<strong>de</strong> às contingências da existência –as mais variadas–, porque é atributo incondicional <strong>de</strong> todos os homense <strong>de</strong> cada hom<strong>em</strong>, estabelecendo-se segundo as diretivas<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong>. Não há, pois, graus <strong>de</strong>dignida<strong>de</strong>).33 Cunha, Paulo Ferreira da, op. cit., p. 211.34 Ibid<strong>em</strong>, pp. 211/212.35 Ibid<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.36 Vieira <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> refere que há bens jurídicos que exerc<strong>em</strong> um apelo mais forte nummo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Constituição d<strong>em</strong>ocrática e que se constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> “explicitações <strong>de</strong> 1º grau daidéia <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>”. Daí que se consi<strong>de</strong>re coerente a tutela da vida e da liberda<strong>de</strong> física ou<strong>de</strong> consciência. Cfr. Andra<strong>de</strong>. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa <strong>de</strong> 1976.Coimbra: Livraria Almedina, 1983. p. 102.


Mas o respeito à dignida<strong>de</strong> não é exigido apenas nas relações interpessoais:é, na organização <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong> direito material, ponto essencial notrato do po<strong>de</strong>r político para com o cidadão. Não é por outro motivo que o art.1 o , n. o 1, da Constituição da Al<strong>em</strong>anha Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> 1949, prescreve que “Adignida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong> é inviolável. Constitui obrigação <strong>de</strong> todas as autorida<strong>de</strong>sdo Estado o seu respeito e proteção”. Vai no mesmo sentido o art. 19 o , n.2, da Constituição da República D<strong>em</strong>ocrática Al<strong>em</strong>ã, ao estabelecer que “Orespeito e a proteção da dignida<strong>de</strong> da pessoa são comandos que se impõ<strong>em</strong> atodos os órgãos do Estado, a todas as forças sociais e a todos os cidadãos”. AConstituição espanhola (1978), que também abrigou o princípio, <strong>de</strong>ixa implícitoque seu respeito compete aos cidadãos e ao po<strong>de</strong>r político, quando, no art. 10,n. o 1, menciona que “A dignida<strong>de</strong> da pessoa, os direitos invioláveis que lhessão inerentes, o livre <strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong>, o respeito à lei e aosdireitos dos d<strong>em</strong>ais são fundamentos da ord<strong>em</strong> política e da paz social”.A Constituição portuguesa (1976) estabeleceu um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> direitos egarantias fundamentais presidido pelo princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana,que vai prescrito <strong>em</strong> posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque já no seu art. 1 o . E obe<strong>de</strong>cendo umalinha filosófica metódica e coerente, que se <strong>de</strong>nota pela ord<strong>em</strong> do estabelecimentodos princípios fundamentais que dão contorno aos direitos e <strong>de</strong>veresfundamentais <strong>em</strong> lugar que antece<strong>de</strong> aos direitos, às liberda<strong>de</strong>s e garantias.Este capítulo – dos direitos, das liberda<strong>de</strong>s e garantias (I, do título II) – é abertopela <strong>de</strong>scrição do direito à vida (art. 24 o ), <strong>de</strong>corrente do b<strong>em</strong> jurídico, afinal,primeiro. Sob esse aspecto <strong>de</strong> importância que ele é tratado, <strong>de</strong> forma a explicitarseus vínculos com o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. Assim, on. o 1 do referido artigo estipula que “A vida humana é inviolável” e o n. o 2 que“Em caso algum haverá pena <strong>de</strong> morte”.A nossa Constituição (1988) insere-se nesse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ord<strong>em</strong>política d<strong>em</strong>ocrático-social, fundando-se nas aspirações humanísticas <strong>de</strong> valorizaçãoe respeito do Hom<strong>em</strong> – não como mero homo juridicus, i<strong>de</strong>al ou, pior,i<strong>de</strong>ologizado segundo as tendências funcionalistas que tanto causam t<strong>em</strong>or aum Castanheira Neves, mas como ser individual e com valores irrenunciáveispróprios do que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong> natureza humana. É por isso que recepcionao princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana que, tal como na Constituiçãoportuguesa, ocupa lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, no art. 1 o , III. São, ainda, aqueles princípioshumanísticos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração do Hom<strong>em</strong>, que faz<strong>em</strong> rechaçar <strong>de</strong> nossocorpus iuris as penas <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong> caráter perpétuo, <strong>de</strong> trabalhos forçados, <strong>de</strong>banimento e as cruéis. No entanto, a Constituição abre uma brecha – uma con-


cessão, vamos dizer assim – à pena <strong>de</strong> morte, admitindo-a nos casos <strong>de</strong> guerra<strong>de</strong>clarada (art. 5 o , XLVII, “a”) e, ao que parece, abandonando, ao menos nessecaso específico, um dos vínculos com o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana:o princípio da igualda<strong>de</strong>. Expondo <strong>de</strong> forma mais clara, o criminoso <strong>de</strong>guerra que, v.g., abandonar seu posto ou <strong>de</strong>sertar estará sujeito à pena <strong>de</strong> morte,enquanto que o criminoso comum, que tirou a vida <strong>de</strong> uma ou várias pessoas,estará sujeito à pena que não exce<strong>de</strong> a trinta anos <strong>de</strong> reclusão. O que significaisso? O criminoso <strong>de</strong> guerra terá menos dignida<strong>de</strong> que o criminoso comum?Parece-nos que não, ao menos no plano ontológico. Apenas o constituinte fezuma concessão <strong>de</strong> caráter iminent<strong>em</strong>ente funcionalista, <strong>de</strong>ixando implícita aprimazia do Estado sobre o Hom<strong>em</strong> como ser individual.Mas alguém objetará nossa posição referindo que o po<strong>de</strong>r político fazinúmeras outras concessões que agrid<strong>em</strong> diretamente o princípio da dignida<strong>de</strong>da pessoa humana, v.g., quando permite a restrição da liberda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> culpaformada. E não po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os simplesmente discordar disso. O Estado t<strong>em</strong>, sim,<strong>de</strong> assumir certas posições que violam a ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> valores ontológicos <strong>em</strong> nomeda segurança pública, da ord<strong>em</strong> pública, enfim, para preservar o mínimo <strong>de</strong> paxpublica. Mas <strong>de</strong>verá eleger tais posições segundo os critérios <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>e <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração. Daí que se nos pareçam razoáveis e necessárias as medidas<strong>de</strong> restrição da liberda<strong>de</strong>, inclusive as cautelares, enquanto que o b<strong>em</strong> jurídicovida <strong>de</strong>veria ocupar lugar cimeiro e intransigível.


PEÇAS PROCESSUAISApagão <strong>em</strong> Florianópolis e DesdobramentosJurídicos – Ação Civil Pública com PedidoCon<strong>de</strong>natório <strong>de</strong> Obrigação <strong>de</strong> Fazer e <strong>de</strong>Não Fazer <strong>em</strong> face <strong>de</strong> Concessionária <strong>de</strong>Energia Elétrica e Agência Reguladora pelaInterrupção no Fornecimento <strong>de</strong> EnergiaMarcelo <strong>de</strong> Tarso ZanellatoÍNDICE - TÓPICOS DA INICIAL1 PRÓLOGO E OBJETO DA AÇÃO2 FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO2.1 Histórico - Da <strong>em</strong>enda termo-contrátil realizada nas galerias da Ponte ColomboMachado Salles e do incêndio/explosão ali ocorrido.2.2 Dos <strong>de</strong>sdobramentos do incêndio/explosão ocasionado pela operação <strong>de</strong> <strong>em</strong>enda– Florianópolis às escuras por 55 horas.2.3 Do restabelecimento do fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica e investigações para aAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 5, jan./abr. 2005 – Florianópolis – pp 133 a 269


apuração das causas – responsabilida<strong>de</strong> da CELESC2.3.1 Do Laudo Pericial da Delegacia Regional do Trabalho <strong>em</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>2.3.2 Do Laudo Pericial do Corpo <strong>de</strong> Bombeiros2.3.3 Do Relatório <strong>de</strong> Fiscalização elaborado pela Agência Nacional <strong>de</strong> EnergiaElétrica - ANEEL2.3.3.1 Inobservância das normas e procedimentos a<strong>de</strong>quados2.3.3.1.1 Do não uso dos equipamentos necessários e inobservância dos procedimentosobrigatórios para a operação2.3.3.1.2 Da inexistência <strong>de</strong> um plano prévio <strong>de</strong> trabalho2.3.3.1.3 Da falta <strong>de</strong> treinamento para a execução do serviço daquela natureza2.3.3.2 Da ausência <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência e do reiterado <strong>de</strong>scaso com a segurança2.3.3.2.1 Da ausência <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência – omissão da CELESC2.3.3.2.2 Da ausência <strong>de</strong> seguro das linhas <strong>de</strong> transmissão2.3.3.2.3 Da infração às normas <strong>de</strong> segurança constatadas <strong>em</strong> relatórios <strong>de</strong> fiscalizaçãoanteriores2.3.3.3 Do conhecimento da vulnerabilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a2.4 Da responsabilida<strong>de</strong> da ANEEL – legitimida<strong>de</strong> passiva2.5 Da responsabilida<strong>de</strong> civil - requisitos e ônus probatório2.6 Natureza da tutela perseguida2.6.1 Tutela reparatória2.6.1.1 Con<strong>de</strong>nação <strong>em</strong> valor pre<strong>de</strong>terminado x con<strong>de</strong>nação genérica2.6.1.2 Antecipação <strong>de</strong> tutela (parcial) in<strong>de</strong>nizatória – pagamento <strong>de</strong> valor pre<strong>de</strong>terminado2.6.1.3 In<strong>de</strong>nização por danos morais2.6.2 Tutela Preventiva – antecipação <strong>de</strong> tutela2.6.2.1 Construção da subestação Mauro Ramos e interligação da subestação IlhaCentro com a Subestação Trinda<strong>de</strong> – fechamento da re<strong>de</strong> <strong>em</strong> anel2.6.2.2 Treinamento para aperfeiçoamento <strong>de</strong> pessoal2.6.2.3 Elaboração <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência2.6.2.4 Contratação <strong>de</strong> seguro das linhas <strong>de</strong> transmissão2.6.2.5 Monitoramento por câmeras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o do acesso às galerias da ponte ColomboMachado Salles e outras medidas protetivas3 REVERSÃO DA MULTA IMPOSTA PELA ANEEL A CELESC3.1 Da Inconstitucionalida<strong>de</strong> Formal do art. 1 o da Resolução n o 459/2003, com a alteraçãoprocedida pelo art. 1 o da Resolução Normativa n o 46/04, ambas da ANEEL3.2 Da Inconstitucionalida<strong>de</strong> Material do art. 1 o da Resolução n o 459/2003, com a alteraçãoprocedida pelo art. 1 o da Resolução Normativa n o 46/04, ambas da ANEEL4 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA5 PEDIDOS AFETOS À ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA


EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃOJUDICIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS EM SANTA CATARINAO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINAe o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seus respectivos órgãos <strong>de</strong>execução, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral; art. 25,IV, “a” da Lei 8.625/93; art. 5 o , caput e § 3 o e art. 12, ambos da Lei da AçãoCivil Pública – Lei n o 7.347/85; art. 81, art. 82, I e art. 84, todos do Código <strong>de</strong>Defesa do Consumidor – Lei n o 8.078/90, propõ<strong>em</strong> a presenteAÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOSEFEITOS DA TUTELA<strong>em</strong> face das CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S/A– CELESC, pessoa jurídica <strong>de</strong> direito privado, Concessionária da Exploraçãodo Serviço <strong>Público</strong> <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Energia Elétrica para o Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong>, na pessoa <strong>de</strong> seu Presi<strong>de</strong>nte, Carlos Rodolfo Schnei<strong>de</strong>r, com se<strong>de</strong> naAvenida Itamarati, 160, Itacorubi, Florianópolis SC, CNPJ n o 83.878.892/0001-55 e daAGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL, AutarquiaEspecial integrante da Administração Pública Fe<strong>de</strong>ral Indireta, vinculadaao <strong>Ministério</strong> das Comunicações, na pessoa <strong>de</strong> seu Diretor-Presi<strong>de</strong>nte, JoséMario <strong>de</strong> Miranda Abdo, com se<strong>de</strong> na SGAN, Quadra 603, Módulos “I” e “J”,Brasília DF, CEP 70880-030, pelos fatos e fundamentos que passam a expor:1 PRÓLOGO E OBJETO DA AÇÃONo dia 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003, por volta das 13h15min, foi interrompidaa distribuição <strong>de</strong> energia elétrica da capital catarinense <strong>de</strong>vido a um incêndio/explosãoocorrido na galeria situada no interior da ponte Colombo Machado Salles,por on<strong>de</strong> passam os dois únicos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica paraa ilha, no momento <strong>em</strong> que uma equipe <strong>de</strong> funcionários das Centrais Elétricas<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> S/A - CELESC estava realizando uma <strong>em</strong>enda termocontrátil<strong>em</strong> um dos circuitos <strong>de</strong> média tensão que possibilita o r<strong>em</strong>anejamento <strong>de</strong> carga


entre as subestações que fornec<strong>em</strong> energia elétrica à Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>.Esse evento, que <strong>de</strong>ixou às escuras e levou ao caos a porção insular <strong>de</strong>Florianópolis por cerca <strong>de</strong> 55 horas, segundo informações da própria CELESC(doc. 1) afetou 135.432 (cento e trinta e cinco mil quatrocentos e trinta e duas)unida<strong>de</strong>s consumidoras <strong>de</strong> energia elétrica, ou seja, 79,5% dos consumidores<strong>de</strong> Florianópolis, os quais suportaram vultosos prejuízos <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> patrimoniale extrapatrimonial, danos esses que ora se busca judicialmente a reparação,juntamente com a pretensa imposição <strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong> fazer às Rés com oobjetivo <strong>de</strong> evitar a repetição <strong>de</strong> eventos similares, uma vez que as tratativasextrajudiciais não lograram o êxito pretendido.2 FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO2.1 Histórico - Da <strong>em</strong>enda termocontrátil realizada nas galeriasda Ponte Colombo Machado Salles e do incêndio/explosão aliocorrido.Naquele dia (29/10/03), anteriormente aos fatos, uma equipe <strong>de</strong> técnicosda CELESC foi <strong>de</strong>signada por intermédio da Ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> Serviço n o 2814/03 (doc.2) – que estranhamente só foi disponibilizada dias após a ocorrência do evento– para efetuar <strong>em</strong>endas <strong>em</strong> um cabo isolado <strong>de</strong> alumínio, <strong>de</strong> 400mm2, <strong>de</strong> umdos alimentadores <strong>de</strong> 13,8Kv (CQS-12), que havia sido recém instalado na PonteColombo Machado Salles, <strong>em</strong> substituição ao cabo até então existente que foidanificado por uma <strong>de</strong>scarga atmosférica <strong>em</strong> março <strong>de</strong> 2003, a qual causou danosao seu isolamento elétrico.A equipe era composta pelos seguintes funcionários da <strong>em</strong>presa: MárioCésar <strong>de</strong> Matos, Sydney Vasques, João Terba dos Santos, Evaldo Rocha Florianoe Jacques W. Naschenweng.Tornou-se necessária, <strong>de</strong>ssa forma, a realização <strong>de</strong> três operações distintase sucessivas <strong>de</strong> <strong>em</strong>endas do cabo para a sua reposição. A tarefa <strong>de</strong>senvolvidapela equipe <strong>de</strong> técnicos naquela oportunida<strong>de</strong>, portanto, consistia justamente narealização <strong>de</strong>ssas três <strong>em</strong>endas termocontráteis 1 no novo cabo, possibilitandoa sua posterior energização.Note-se que não havia uma escala <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong> serviço, organizaçãoe planejamento dos trabalhos a ser<strong>em</strong> executados, muito menos um plano <strong>de</strong>


<strong>em</strong>ergência para a hipótese <strong>de</strong> algo sair <strong>em</strong> <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> ao planejado.Dessa forma, para facilitar a compreensão dos fatos, po<strong>de</strong>-se afirmarque a execução do serviço foi dividida <strong>em</strong> duas etapas. Na primeira <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>reposição do cabo, foram realizadas duas <strong>em</strong>endas fora da galeria da PonteColombo Machado Sales, nas quais foi utilizado um soprador térmico para a“solda” do cabo, o qual foi alimentado <strong>em</strong> 220V por extensão elétrica ligada aum gerador posicionado no solo, tendo a operação sido realizada com sucessopela equipe.Já a segunda etapa, referente à última <strong>em</strong>enda <strong>de</strong>stinada a finalizar aoperação, foi realizada no interior da galeria da ponte. Como a equipe não conseguiulevar mencionado soprador térmico <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do espaço reduzido dotúnel <strong>de</strong> acesso à aludida galeria 2 , os técnicos optaram por levar um maçaricoalimentado por GLP (Gás Liquefeito <strong>de</strong> Petróleo), vulgarmente <strong>de</strong>nominado“liquinho”, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetuar a “solda” daquela última <strong>em</strong>enda termocontrátil.1 Vê-se, abaixo, uma imag<strong>em</strong> ilustrativa <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>enda termocontrátil GBDT da <strong>em</strong>presaPower Syst<strong>em</strong> Inc.2 Como se po<strong>de</strong> verificar da foto abaixo, tirada no local:


À guisa <strong>de</strong> esclarecimento, a operação <strong>de</strong> <strong>em</strong>enda termocontrátil consistiano aquecimento <strong>de</strong> quatro tubos <strong>de</strong> material termocontrátil, os quais são colocadosum a um, sucessivamente, sobre a <strong>em</strong>enda dos segmentos do cabo a serunido e aquecido até que, <strong>de</strong>vido a sua retração operada pelo calor fornecidopor uma fonte externa, oper<strong>em</strong> a união dos segmentos do cabo 3 .De acordo com as <strong>de</strong>clarações dos funcionários prestadas ao <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> na presença <strong>de</strong> seus advogados (doc. 3/7), ao Corpo <strong>de</strong> Bombeiros ea própria CELESC 4 , os procedimentos para realização <strong>de</strong>ssa última <strong>em</strong>endatermocontrátil (segunda etapa), ocorrida no interior da galeria, iniciaram-ses<strong>em</strong> maiores dificulda<strong>de</strong>s, tendo sido efetuado com sucesso o aquecimento dosdois primeiros tubos daquela <strong>em</strong>enda, estando os funcionários Sydney Vasquese Jacques W. Naschenweng segurando os segmentos do cabo a ser unido, enquantoo funcionário Evaldo Rocha Florianos efetuava movimentos rítmicoscom a chama do maçarico, o qual estava regulado para apresentar uma chama<strong>de</strong> coloração vermelha para efetuar essa ativida<strong>de</strong>.Quando o funcionário Evaldo Rocha Florianos efetuava o aquecimentoda terceira camada da <strong>em</strong>enda termocontrátil, surgiu, segundo suas <strong>de</strong>clarações(p. 3 do doc.6), “o fogo do lado esquerdo do <strong>de</strong>poente” “<strong>de</strong> baixo para cima”“ente os cabos e a pare<strong>de</strong>” e que o fogo “parecia uma bola”.A reação instintiva <strong>de</strong> Evaldo Rocha Florianos, segundo consta, foi a <strong>de</strong>alertar seus companheiros ao gritar: “vai explodir” (p. 5 do doc. 6). Ness<strong>em</strong>omento tanto Evaldo quanto os d<strong>em</strong>ais funcionários <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>ram fuga,tendo nesse processo abandonado o “liquinho” aceso no local <strong>em</strong> que estavamtrabalhando.No processo <strong>de</strong> fuga, Evaldo Rocha Floriano acabou encontrando JaquesW. Naschweng <strong>em</strong> uma das aberturas que divi<strong>de</strong> as galerias da ponte on<strong>de</strong> estavam,tendo ambos concordado que <strong>de</strong>veriam retornar ao local do incêndio para quefizess<strong>em</strong> alguma coisa, já que concluíram que “a Ilha po<strong>de</strong>ria ficar no escuro”.No entanto, no momento <strong>em</strong> que olharam pela abertura da galeria, verificaramque o fogo havia aumentado e que nada po<strong>de</strong>riam fazer - notadamente porquenão haviam levado extintor <strong>de</strong> incêndio para o local.Nesse momento os funcionários Mário César <strong>de</strong> Matos e João Terba dosSantos vinham da direção da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, tendo o funcionário Evaldo3 Como d<strong>em</strong>onstrado na nota <strong>de</strong> rodapé n o 1.4 Docs. juntados na seqüência da petição.


Rocha Floriano e Jaques W. Naschweng alertado-os do incêndio, orientando-osque corress<strong>em</strong> pois iria explodir.Em seguida, a fumaça produzida pelo incêndio e o risco <strong>de</strong> curto-circuitono local fez Evaldo Rocha Floriano e Jaques W. Naschweng saltar<strong>em</strong> da pontepor um buraco estreito <strong>de</strong> 60cm <strong>de</strong> diâmetro localizado <strong>em</strong> outra galeria, a umaaltura <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 12m do pilar da ponte, on<strong>de</strong> caíram antes <strong>de</strong> escorregar paraas águas da Baia Sul, até ser<strong>em</strong> resgatados pelos Bombeiros após 1h15min.2.2 Dos <strong>de</strong>sdobramentos do incêndio/explosão ocasionadopela operação <strong>de</strong> <strong>em</strong>enda – Florianópolis às escuras por 55horas.O incêndio transformou <strong>em</strong> realida<strong>de</strong> uma das maiores preocupações dosengenheiros elétricos da CELESC: a interrupção do fornecimento <strong>de</strong> energiaelétrica na capital catarinense, <strong>de</strong>vido a fragilida<strong>de</strong>s do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong>energia elétrica, que, por não estar fechado <strong>em</strong> anel (interligado), corria o risco<strong>de</strong> ter a sua distribuição totalmente interrompida, <strong>em</strong> face da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>transferência da carga da Subestação (SE) Ilha Centro para a subestação Trinda<strong>de</strong>(ou vice-versa), caso ocorresse qualquer anomalia nas linhas <strong>de</strong> transmissão daSE Coqueiros para a SE Ilha Cento 5 .As conseqüências do incêndio/explosão que causou a interrupção doserviço <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica foram aquelas já previstas pela CE-LESC e cuja ciência da ANEEL era inequívoca - a interrupção no fornecimento<strong>de</strong> energia elétrica a 79,5% população <strong>de</strong> Florianópolis, atingindo a totalida<strong>de</strong>dos consumidores localizados na porção insular da capital catarinense.Na realida<strong>de</strong>, duas foram as interrupções no fornecimento <strong>de</strong> energia,já que a primeira, iniciada às 13h 30min do dia 29/10/03 perdurou até às 20h30min do dia 31/10/03 (cerca <strong>de</strong> 55h), e a segunda se <strong>de</strong>u das 19h 30min atéàs 23h do dia 1 o <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro (cerca <strong>de</strong> 3h 30min.).As imagens da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> na noite <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003 e apóso “apagão” d<strong>em</strong>onstram <strong>de</strong> forma dramática as conseqüências <strong>de</strong>sse evento:5 O funcionamento do sist<strong>em</strong>a e seu fechamento <strong>em</strong> anel po<strong>de</strong>rão ser mais b<strong>em</strong> compreendidospela leitura do tópico 2.3.3.3. abaixo.


Nas cinqüenta e cinco horas seguintes ao início <strong>de</strong> blecaute a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> viu-se imersa no caos generalizado que seguiu as trevas oriundas da falta<strong>de</strong> luz: serviços públicos inoperantes, falta <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> água, segurançae necessida<strong>de</strong>s básicas comprometidas, trânsito caótico, hospitais <strong>em</strong> regime<strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência, prejuízos no comércio, transtornos para os turistas que visitamFlorianópolis nos dias <strong>em</strong> que seriam realizados dois eventos internacionais – umcampeonato <strong>de</strong> surf e uma feira <strong>de</strong> telecomunicações; enfim todos os transtornos<strong>de</strong>correntes da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização das mais corriqueiras tarefas dodia-a-dia, cuja execução ficou absolutamente comprometida pela total ausência<strong>de</strong> energia elétrica.Não foi por outro motivo que a prefeita municipal <strong>de</strong> Florianópolis, porvia do Decreto n o 2.067/2003 (doc. 8 e 8A), <strong>de</strong>cretou “estado <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergênciano Município <strong>de</strong> Florianópolis”, cujos “consi<strong>de</strong>randos” abaixo transcritos,extraídos do aludido Decreto, dão mostras da situação crítica vivenciada naquelaocasião:[...]Consi<strong>de</strong>rando que o aci<strong>de</strong>nte provocou “blackout” no


abastecimento <strong>de</strong> energia elétrica na parte insular da Ilha,culminando com suspensão <strong>de</strong> serviços essenciais à comunida<strong>de</strong>florianopolitana, tais como: congestionamentosno trânsito e tendo como conseqüência afetado o Sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> Transporte Coletivo, atendimento nos hospitais, centros<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, escolas, comércio e serviços, abastecimento <strong>de</strong>água e, ainda, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência a suspensão dos serviçosnos órgãos públicos;Consi<strong>de</strong>rando que os serviços atingidos, os danos provocados,b<strong>em</strong> como, os prejuízos causados são <strong>de</strong> grand<strong>em</strong>onta e incalculáveis colocando <strong>em</strong> risco a população doMunicípio <strong>de</strong> Florianópolis:[...]Os jornais estaduais que circularam nos dias do “apagão” <strong>de</strong>talham nãoapenas o caos acima retratado, mas também perplexida<strong>de</strong>, angústia e sofrimentodos catarinenses e turistas que se encontravam na Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> naquelesdias, s<strong>em</strong> saber ao certo quando o serviço <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> energia elétricaseria restabelecido e, por conseqüência, a ord<strong>em</strong> restaurada.É o que se po<strong>de</strong> observar <strong>de</strong> notícias jornalísticas que constam do inclusoCD, produzido pela ELETROSUL (doc. 8B), b<strong>em</strong> como das reportagenspublicadas no Jornal A Notícia que circulou nos dias 30 <strong>de</strong> outubro a 1 o <strong>de</strong>nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003 6 :Explosão provocada por um botijão <strong>de</strong> gás <strong>de</strong> um aparelho<strong>de</strong> solda rompeu um cabo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> energiaelétrica sob a ponte Colombo Salles, às 13h16 <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>, e<strong>de</strong>ixou a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> s<strong>em</strong> energia. A interrupçãotransformou <strong>em</strong> caos a vida na parte insular <strong>de</strong>Florianópolis, com um congestionamento completodo trânsito, fechamento do comércio e paralisaçãodos serviços públicos. Até o fechamento <strong>de</strong>sta edição,às 23 horas, a energia ainda não havia sido restabelecida.A previsão mais otimista é <strong>de</strong> que o abastecimento sejanormalizado a partir das 6 horas <strong>de</strong> hoje, mas é provávelque a energia não seja restabelecida antes das 12 horas.No final da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> ont<strong>em</strong> foi iniciada uma operaçãopara instalar um cabo aéreo, fixado entre os guard rails6 A Notícia Empresa Jornalística S/A.


das pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos, até queo novo cabo chegue <strong>de</strong> São Paulo.O aci<strong>de</strong>nte ocorreu durante uma operação <strong>de</strong> manutençãodos cabos <strong>de</strong> energia elétrica. Dois funcionários da Celescescaparam do fogo atirando-se ao mar, mas foramresgatados e passam b<strong>em</strong>. Estudantes e trabalhadoresforam dispensados a partir do meio da tar<strong>de</strong> para evitarmaiores transtornos no trânsito. Mas mesmo assimfoi impossível evitar que o tráfego <strong>de</strong> automóveis ficassecompletamente congestionado. A situação ficou ainda piora partir das 17 horas, quando duas pistas da ponte ColomboSalles, que dá acesso ao Continente, foram fechadas. Amedida foi tomada porque o calor no local do incêndiorompeu o asfalto da pista. Até as 19 horas, os bombeirosnão haviam conseguido chegar ao local da explosão efazer uma avaliação da extensão do probl<strong>em</strong>a e haviaainda muita fumaça sendo expelida.A prefeita Ângela Amin, que estava ont<strong>em</strong> <strong>em</strong> São Paulorecebendo um prêmio pela receptivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Florianópolisno segmento <strong>de</strong> turismo, disse que <strong>de</strong>terminou aos órgãos<strong>de</strong> segurança que fizess<strong>em</strong> um esforço concentrado paragarantir a integrida<strong>de</strong> da população. A Prefeitura, o governodo Estado e a Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa <strong>de</strong>cretaram pontofacultativo para hoje. (s<strong>em</strong> grifos no original)SEGURANÇAA Polícia Militar <strong>de</strong>stacou policiais para o controle dotráfego <strong>em</strong> pelo menos c<strong>em</strong> cruzamentos <strong>em</strong> Florianópolis,já que os s<strong>em</strong>áforos estavam <strong>de</strong>sligados. No túnelAntonieta <strong>de</strong> Barros, no Saco dos Limões, o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>circulação <strong>de</strong> ar não foi suficiente para dar vazão ao gáscarbônico expelido pelos automóveis e algumas pessoaspassaram mal. Para evitar o caos nos hospitais, a DefesaCivil do município provi<strong>de</strong>nciou ligações alternativas <strong>de</strong>água e monitorou o abastecimento <strong>de</strong> combustível para osgeradores <strong>de</strong> energia elétrica. No Complexo Penitenciárioda Trinda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> há uma população carcerária <strong>de</strong> 1,2 mil<strong>de</strong>tentos, foi reforçado o policiamento e os presos foramrecolhido mais cedo às celas.Os telefones celulares começaram a sofrer probl<strong>em</strong>as jáno início da tar<strong>de</strong>. Já os telefones fixos, segundo a Brasil


Telecom, não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser atingidos pelo blecaute porqueas subestações possu<strong>em</strong> uma autonomia <strong>de</strong> 24 horas s<strong>em</strong>abastecimento <strong>de</strong> energia elétrica.O Exército ficou <strong>de</strong> sobreaviso para qualquer <strong>em</strong>ergênciana noite <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>. Segundo o superinten<strong>de</strong>nte do AeroportoHercílio Luz, Benigno Matias <strong>de</strong> Almeida, não houveinterrupção dos serviços, porque eles possu<strong>em</strong> um geradorpara garantir a iluminação da pista.(Jeferson Lima, comcolaboração <strong>de</strong> Carla Pessotto) (s<strong>em</strong> grifos no original)TRÂNSITO SÓ FUNCIONOU COM A AJUDA DAPMS<strong>em</strong>áforos <strong>de</strong>sativados, aglomeração <strong>de</strong> pessoas, alteraçãonas direções <strong>de</strong> tráfego, congestionamentos, ânimosexaltados dos motoristas, pistas escorregadias por causada chuva. Assim po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrito o trânsito na ilha natar<strong>de</strong> <strong>de</strong> ont<strong>em</strong> por conta do blecaute. A confusão nasruas <strong>de</strong> uma das capitais com maior número <strong>de</strong> carrospor habitante começou logo <strong>de</strong>pois do aci<strong>de</strong>nte queinterrompeu a transmissão <strong>de</strong> energia elétrica. Um dosmomentos mais críticos foi no final da tar<strong>de</strong>, quandoa frota <strong>de</strong> veículos particulares e ônibus teve <strong>de</strong> passarpor um afunilamento no acesso à Ponte Colombo Sales.O motorista, no entanto, teve <strong>de</strong> ter paciência durantetoda a tar<strong>de</strong> à medida <strong>em</strong> que as instituições <strong>de</strong> ensino erepartições públicas foram interrompendo os trabalhose liberando alunos e funcionários. Com o cair da noiteaumentou a preocupação com a segurança. O comandoda Polícia Militar se reuniu algumas vezes e uma dasprimeiras medidas foi reforçar o efetivo da Capital comhomens do Batalhão <strong>de</strong> Operações Especiais (BOE) do7 o Batalhão, <strong>de</strong> São José.Durante a tar<strong>de</strong>, porém, vários trechos acabaram ficandos<strong>em</strong> policiamento por conta da transferência <strong>de</strong> guarniçõespara os mais <strong>de</strong> c<strong>em</strong> cruzamentos que ficaram s<strong>em</strong> energiaelétrica e para alguns trechos consi<strong>de</strong>rados mais críticos,como as entradas das favelas. Uma das alterações feitasno trânsito da Capital foi a interdição do túnel Antonieta<strong>de</strong> Barros, que dá acesso ao Sul da Ilha. Os túneis vãocontinuar fechados hoje. Por conta da lentidão no trânsito,os condutores começaram a <strong>de</strong>scer <strong>de</strong> seus veículos


e <strong>de</strong>ixar o motor ligado. Por causa do gás, monóxido <strong>de</strong>carbono, algumas pessoas acabaram ficando intoxicadas- algumas <strong>de</strong>smaiaram e precisaram receber atendimentodos bombeiros. O fluxo <strong>de</strong> carros foi então <strong>de</strong>sviado pararuas secundárias.Outra medida adotada durante a tar<strong>de</strong> foi o fechamento<strong>de</strong> duas pistas da ponte Colombo Salles, para o tráfego <strong>de</strong>veículos, e facilitar a locomoção <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres que precisass<strong>em</strong>ir para o continente e não quisess<strong>em</strong> ficar na filaesperando um ônibus já que o transporte coletivo tambémfoi bastante prejudicado. Também duas pistas da Pedro Ivo,que faz a ligação continente-ilha, foram alteradas para amão inversa <strong>de</strong> direção e dar fluxo <strong>de</strong> volta ao continente.O tráfego começou a ser normalizado por volta das 19h30.(Fabiana <strong>de</strong> Liz) (s<strong>em</strong> grifos no original)HOSPITAIS IMPROVISAMO clima <strong>de</strong> improviso tomou conta dos estabelecimentoshospitalares <strong>de</strong> Florianópolis. Os hospitais foramos principais atingidos e obrigados a adotar<strong>em</strong> medidas<strong>em</strong>ergenciais para superar a falta <strong>de</strong> energia elétrica. NoHospital Infantil Joana <strong>de</strong> Gusmão, a direção estava preocupadacom o estoque <strong>de</strong> alimentos. O motivo maior <strong>de</strong>preocupação era que o gerador seria utilizado somente paraas áreas <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência, UTI, berçário e UTI neonatal.No final da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>, no meio <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> correria,a direção do hospital acabou transferindo o estoque <strong>de</strong> alimentosperecíveis para outros hospitais da cida<strong>de</strong>. O HospitalUniversitário também teve que adotar medidas urgentes.Conforme o diretor-geral Fernando Osni Machado foipreciso chamar um técnico <strong>de</strong> Curitiba para passara noite no local e acompanhar o funcionamento dogerador. O equipamento não havia sido testado parafuncionar por mais <strong>de</strong> quatro horas, por isso, há o t<strong>em</strong>orque possa dar pane no gerador durante a madrugada. Ohospital suspen<strong>de</strong>u todas as cirurgias à tar<strong>de</strong> e o geradorvai manter apenas UTI, um elevador, o centro cirúrgico eiluminação básica.Depois das 22 horas, a Companhia Catarinense <strong>de</strong> Águase Saneamento (Casan) anunciou que vai disponibilizar,hoje, três caminhões-pipa com água potável para atendi-


mento <strong>em</strong>ergencial nos hospitais, creches e asilos. (s<strong>em</strong>grifos no original)Instru<strong>em</strong> esta inicial um CD (doc. 9), um DVD (doc. 9A) e uma fita VHS(doc. 9B), todos com idêntico e esclarecedor conteúdo, pois <strong>de</strong>les constamalgumas imagens da angustiante situação vivenciada pela população no <strong>de</strong>senrolardos fatos, além <strong>de</strong> reportagens jornalísticas (locais, estaduais e nacionais)noticiando o evento e seus reflexos, inclusive com d<strong>em</strong>onstrações da ativida<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvida pelos funcionários da CELESC que <strong>de</strong>u causa à ocorrência e davulnerabilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a.As fotografias abaixo também dão uma idéia do que se encontra acima<strong>de</strong>scrito:2.3 Do restabelecimento do fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica einvestigações para a apuração das causas – responsabilida<strong>de</strong>da CELESCApós dias <strong>de</strong> trabalho da equipe composta por técnicos da CELESC, daEletrosul e <strong>de</strong> outras Concessionárias <strong>de</strong> Energia Elétrica, que <strong>em</strong>bora <strong>de</strong> formaprecária, construíram uma linha provisória paralela à linha <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong>energia danificada, finalmente foi restabelecido o fornecimento <strong>de</strong> energia elétricaaos milhares <strong>de</strong> atingidos pelo “apagão” e, por conseqüência, aos poucos acida<strong>de</strong> foi se recuperando dos impactos <strong>de</strong>sse imenso aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo, queperdurou aproximadamente por 55 longas horas.Em <strong>de</strong>corrência disso diversos órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do consumidor e da segurançapública iniciaram <strong>de</strong> ofício investigações <strong>de</strong>stinadas apurar as causas doblecaute e, sobretudo, a adotar medidas necessárias à impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> medidas


preventivas <strong>de</strong> modo a evitar a repetição <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong>ssa natureza na Capital,além <strong>de</strong> perscrutar acerca das necessárias responsabilizações.Desse modo, tal qual o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual e Fe<strong>de</strong>ral – cujoInquérito Civil n o 01/2003/29 a PJ ainda não se findou (docs.10/11) –, o Corpo<strong>de</strong> Bombeiros <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, a Delegacia Regional do Trabalho <strong>em</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> e a ANEEL instauraram seus respectivos procedimentos administrativos<strong>de</strong>stinados a dar subsídios para que cada um <strong>de</strong>sses órgãos públicos possam adotaras medidas cabíveis <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua esfera <strong>de</strong> atribuições, notadamente no que dizrespeito à responsabilização dos causadores do evento e a adoção <strong>de</strong> providências<strong>de</strong>stinadas a evitar a repetição do ocorrido.Praticamente todas as investigações conduz<strong>em</strong> à conclusão óbvia – eamplamente anunciada à época dos fatos por todos os veículos <strong>de</strong> comunicação– <strong>de</strong> que a CELESC foi responsável pelo trágico evento, pois obrou <strong>em</strong> flagranteviolação aos <strong>de</strong>veres objetivos <strong>de</strong> conduta sob duplo aspecto, uma vez que [1]além <strong>de</strong> ter dado causa ao evento (ação) [2] não agiu <strong>de</strong> forma eficiente paraevitar sua ocorrência e também, impedir suas conseqüências (omissões) – ou ao


menos amenizá-las a contento.Consoante se verificará ao longo <strong>de</strong>sta inicial, exsurge patente por todos osângulos que se enfoque a (a) conduta da CELESC como causadora do evento, sejaporque <strong>de</strong>u causa ao incêndio/explosão (ação) no exercício <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, sejaporque não impediu sua ocorrência e n<strong>em</strong> evitou suas conseqüências (omissões)e (b) o respectivo nexo <strong>de</strong>sta com os efeitos danosos do “apagão” gerados aosconsumidores (dano – prejuízos patrimoniais e extrapatrimonais).Presentes, pois, os el<strong>em</strong>entos necessários à configuração da responsabilida<strong>de</strong>civil por parte da concessionária <strong>de</strong> serviço público, quais sejam (a) exercícioda ativida<strong>de</strong>/conduta [ação e omissão]; (b) dano; e (c) respectivo nexo.Com efeito, apurou-se que a interrupção no fornecimento <strong>de</strong> energiaelétrica <strong>de</strong>correu do incêndio/explosão ocorrido justamente <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> dostrabalhos <strong>de</strong> solda e <strong>em</strong>enda termocontrátil efetuados por funcionários da CE-LESC <strong>em</strong> um dos cabos <strong>de</strong> média tensão que passa no interior da ponte, e que,operado o sinistro, seus efeitos <strong>de</strong>letérios não foram evitados. Essa correlação(trabalhos dos funcionários da CELESC x incêndio/explosão x apagão) e, porconseqüência, a responsabilida<strong>de</strong> da prestadora do serviço público, evi<strong>de</strong>ncia-seinclusive por conta <strong>de</strong> um raciocínio d<strong>em</strong>asiadamente simplista, explicitado pelasrespostas às seguintes indagações:Não tivesse havido a <strong>em</strong>enda do cabo no interior da ponte, teria ocorridoo incêndio/explosão e, por conseqüência, o “apagão”?R: Evi<strong>de</strong>nte que não.Existisse uma terceira linha <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,com passag<strong>em</strong> pelo sul da ilha como outrora havia sido projetada, mesmocom a ocorrência do incêndio/explosão na galeria da ponte, os danos teriamocorrido?R: Por óbvio, também, que não.Por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, tivesse havido um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência, mesmo com aocorrência do incêndio/explosão na galeria da ponte, os danos teriam ocorrido,ou ao menos nessa catastrófica proporção?R: Evi<strong>de</strong>nte que não.Inexorável, <strong>de</strong> igual forma, que os inquestionáveis danos <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> patrimoniale extrapatrimonial ocasionados aos consumidores, coletiva e difusamenteconsi<strong>de</strong>rados, <strong>de</strong>correram do evento gerado pela abrupta e total interrupção do


serviço <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica.Reportando-se a algumas das evidências apuradas por ocasião das investigaçõesrealizadas, <strong>de</strong>stacam-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, as seguintes:2.3.1 Do Laudo Pericial da Delegacia Regional do Trabalho<strong>em</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>A Delegacia Regional do Trabalho <strong>em</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> – DRT/SC, por via<strong>de</strong> seus Auditores Fiscais, os eng o s Geraldo Mollick Brandão e Rui Camillo RuasFilho, após vistoriar o local do incêndio e ouvir o relato <strong>de</strong> técnicos da CELESCsobre as ocorrências, elaborou o incluso RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃOE ACIDENTE DE TRABALHO “APAGÃO” e ANEXOS (doc. 12/13) o qual,segundo se verifica do campo “I – Metodologia utilizada na investigação”, nãosó restou ampla e <strong>de</strong>vidamente instruído – inclusive mediante documentaçãofotográfica e <strong>de</strong> filmag<strong>em</strong> dos locais vistoriados, além <strong>de</strong> ter sido subsidiado pelosRelatórios da ANEEL – Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica, da CELESC e peloLaudo <strong>de</strong> Investigação <strong>de</strong> Incêndio confeccionado pelo Corpo <strong>de</strong> Bombeiros <strong>de</strong>Florianópolis – , como também indica <strong>de</strong> forma categórica inúmeras hipóteses<strong>de</strong> violação ao <strong>de</strong>ver objetivo <strong>de</strong> conduta por parte da concessionária do serviço<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> energia.Consta do aludido Relatório <strong>de</strong> Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Trabalho o campo “V – FA-TORES CAUSAIS DO ACIDENTE” as seguintes e relevantes constatações:V – FATORES CAUSAIS DO ACIDENTEFATORES DO AMBIENTE:201.001-1 – Iluminação insuficiente e/ou ina<strong>de</strong>quada201.002-0 – Ventilação natural e/ou artificial insuficientee/ou ina<strong>de</strong>quada201.010-0 – Outras falhas <strong>de</strong> instalações elétricas201.012-7 – Meio <strong>de</strong> acesso permanente ina<strong>de</strong>quado àsegurança (passagens, escadas, passarelas, plataformas,s<strong>em</strong> guarda-corpo e/ou estreitas e/ou com inclinaçãoexcessiva e/ou próximas a estruturas <strong>em</strong> movimento e/ouenergizadas, etc.)201.013-5 – Meio <strong>de</strong> acesso t<strong>em</strong>porário ina<strong>de</strong>quado à segu-


ança (escadas <strong>de</strong> mão, andaimes, elevadores <strong>de</strong> obras)201.999-4 – Outros fatores do ambiente, não especificadosFATORES DA TAREFA:202.002-5 – Posto <strong>de</strong> trabalho ergonômicamente ina<strong>de</strong>quado202.005-0 – Uso impróprio / incorreto <strong>de</strong> equipamentos /materiais / ferramentas202.009-2 – Modo operatório ina<strong>de</strong>quado à segurança /perigoso202.011-4 – Falha na antecipação / <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> risco /perigo202.013-0 – Omissão / interrupção precoce <strong>de</strong> operaçãodurante execução <strong>de</strong> tarefa202.023-8 – Trabalho <strong>em</strong> ambiente confinado <strong>em</strong> atmosferaexplosiva202.024-6 – Trabalho <strong>em</strong> ambiente confinado <strong>em</strong> outrassituações <strong>de</strong> riscos202.999-5 – Outros fatores da tarefa não especificadosFATORES DA ORGANIZAÇÃO E GERENCIAMENTODAS ATIVIDADES / DA PRODUÇÃO:204.010-7 – Falta <strong>de</strong> planejamento / <strong>de</strong> preparação dotrabalho204.011-5 – Tarefa mal concebida204.012-3 – Falta ou ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> risco datarefa204.013-1 – Falta ou ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> análise ergonômicada tarefa204.014-0 – Inexistência ou ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>permissão <strong>de</strong> trabalho204.018-2 – Falhas na coor<strong>de</strong>nação entre m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong>uma mesma tarefa204.022-0 – Procedimentos <strong>de</strong> trabalho inexistentes/ina<strong>de</strong>quados


204.023-9 – Participação dos trabalhadores na organizaçãodo trabalho ausente/precária204.025-5 – Ausência/insuficiência <strong>de</strong> supervisão204.999-6 – Outros fatores não especificadosFATORES DA ORGANIZAÇÃO E GERENCIAMENTODE PESSOAL:206.003-5 – Ausência/insuficiência <strong>de</strong> treinamento206.006-0 – Trabalho isolado s<strong>em</strong> comunicação a<strong>de</strong>quadacom outro trabalhador / equipe206.007-8 – Trabalho isolado <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> risco206.999-7 – Outros fatores não especificados do gerenciamento<strong>de</strong> pessoalFATORES DA ORGANIZAÇÃO E GERENCIAMENTODE MATERIAIS:207.999-2 – Outros fatores <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> materiais/matériasprimasOUTROS FATORES DA ORGANIZAÇÃO E DO GE-RENCIAMENTO DA EMPRESA:208.002-8 – Meio <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong>ficiente208.009-5 – Falhas/inexistência <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência208.999-8 – Outros fatores da organização e do gerenciamentonão especificadosFATORES DO MATERIAL (MÁQUINAS, FERRAMEN-TAS, EQUIPAMENTOS, MAT. PRIMAS):209.001-5 – Sist<strong>em</strong>a / máquina / equipamento mal concebido209.003-1 – Sist<strong>em</strong>a / dispositivo <strong>de</strong> proteção ausente /ina<strong>de</strong>quado por concepção209.006-6 – Pane <strong>de</strong> máquina ou equipamento209.008-2 – Material <strong>de</strong>teriorado e / ou <strong>de</strong>feituoso209.999-3 – Outros fatores do material não especificadosFATORES DO INDIVÍDUO:


210.001-0 – Desconhecimento do funcionamento / estado<strong>de</strong> equipamento / máquina, etc.FATORES DE MANUTENÇÃO:211.005-9 – Manutenção ignorando o estado do sist<strong>em</strong>a211.010-5 – Despreparo da equipe <strong>de</strong> manutenção211.011-3 – Acesso difícil a sist<strong>em</strong>as que apresentampanesJá no campo “VII” do Relatório, constatou-se queVII – FATOS CONSTATADOS SOBRE O ACIDENTEEm relação ao tipo <strong>de</strong> trabalho executado e que originouo aci<strong>de</strong>nte - a manutenção nos alimentadores CQS, <strong>em</strong>uma das galerias, utilizando-se <strong>de</strong> maçarico abastecidopor gás proveniente do “liquinho” (botijão <strong>de</strong> gás <strong>de</strong> pequenacapacida<strong>de</strong>) – pressupõe-se que os trabalhadoresestivess<strong>em</strong> <strong>de</strong>vidamente preparados para tanto, através<strong>de</strong> um treinamento formal.O trabalho foi executado <strong>em</strong> ambiente confinado – ambiente<strong>de</strong> dimensões reduzidas, com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acessoe saída, com iluminação e ventilação <strong>de</strong>ficientes e compossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> presença e/ou geração <strong>de</strong> gases tóxicose/ou inflamáveis, po<strong>de</strong>ndo ser gerados pelos métodos <strong>de</strong>trabalho utilizados para executar a manutenção.Para a situação do aci<strong>de</strong>nte ocorrido quando da manutençãoda cablag<strong>em</strong> <strong>de</strong> alta tensão na ponte, executada<strong>em</strong> ambiente confinado, observou-se a existência <strong>de</strong>várias situações originárias <strong>de</strong> riscos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Verificou-seque a maioria das recomendações <strong>de</strong> segurançapara obras <strong>em</strong> locais confinados, citadas no it<strong>em</strong> 18.20da NR 18 do MTE - que estabelece medidas especiais <strong>de</strong>proteção a ser<strong>em</strong> adotadas nas ativida<strong>de</strong>s que exponhamos trabalhadores a riscos <strong>de</strong> asfixia, explosão, intoxicaçãoe doenças do trabalho - não foram observadas.Constatou-se, através da sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> inspeções:1) <strong>de</strong>ficiência no treinamento e orientação para os trabalhadoresquanto aos riscos a que estão submetidos, as formas<strong>de</strong> preveni-los e os procedimentos a ser<strong>em</strong> adotados <strong>em</strong>situação <strong>de</strong> risco;


2) <strong>de</strong>ficiências quanto à realização <strong>de</strong> inspeção prévia eelaboração <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> serviço com os procedimentosespecíficos a ser<strong>em</strong> adotados; inexistência <strong>de</strong> máscarasautônomas para uso <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência;3) inexistência <strong>de</strong> monitoramento permanente <strong>de</strong> substânciasque caus<strong>em</strong> asfixia, intoxicação, incêndio ou explosão;4) inexistência <strong>de</strong> ventilação local exaustora eficaz quefaça a extração dos contaminantes e <strong>de</strong> ventilação geral queexecute a insuflação <strong>de</strong> ar para o interior do ambiente, garantindo<strong>de</strong> forma permanente a renovação contínua do ar;5) inexistência <strong>de</strong> sinalização com informação clara epermanente durante a realização <strong>de</strong> trabalhos no interior<strong>de</strong> espaços confinados;6) inexistência <strong>de</strong> cordas ou cabos <strong>de</strong> segurança e armaduraspara amarração que possibilit<strong>em</strong> meios <strong>de</strong> resgateseguros;7) inexistência <strong>de</strong> saídas <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência seguras;8) iluminação <strong>de</strong>ficiente;9) passagens e acessos inseguros aos locais <strong>de</strong> trabalho,com riscos <strong>de</strong> quedas e traumatismos;10) passagens junto à cablag<strong>em</strong> <strong>de</strong> alta tensão, com risco<strong>de</strong> choque elétrico.No campo “VIII” consta a conclusão abaixo transcrita. Verbis:VIII – CONCLUSÕES SOBRE O ACIDENTEE a conclusão que se chega é que o ocorrido não foi umfato eventual, <strong>de</strong> causas fortuitas, mas sim um fato <strong>de</strong>causas diversas, conforme i<strong>de</strong>ntificadas e especificadasanteriormente. Ou seja, foram i<strong>de</strong>ntificados os seguintestipos <strong>de</strong> fatores causais:1) do ambiente;2) da tarefa;3) da organização e gerenciamento – das ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pessoal, <strong>de</strong> materiais, da <strong>em</strong>presa;4) do material – máquinas, ferramentas, equipamentos,matérias primas;


5) do indivíduo;6) <strong>de</strong> manutenção. (s<strong>em</strong> grifo no original)Após as constatações, o relatório da DRT/SC aponta algumas medidasno campo “IX” que, ainda que sob a ótica da proteção do trabalhador, tivess<strong>em</strong>sido impl<strong>em</strong>entadas, teriam o condão <strong>de</strong>, se não evitar o ocorrido, amenizar asconseqüências.O fato é que, entre diversas hipóteses <strong>de</strong> violação aos <strong>de</strong>veres objetivos<strong>de</strong> conduta, os auditores e engenheiros da DRT/SC constataram que o trabalhoque <strong>de</strong>u causa ao evento foi executado <strong>em</strong> ambiente confinado, salientandoque não foi observado pela CELESC a maioria das recomendações <strong>de</strong>segurança para obras <strong>em</strong> locais confinados, citadas no it<strong>em</strong> 18.20 da NR18 do MTE (doc. 14) - que estabelece medidas especiais <strong>de</strong> proteção a ser<strong>em</strong>adotadas nas ativida<strong>de</strong>s que exponham os trabalhadores a riscos <strong>de</strong> asfixia,explosão, intoxicação e doenças do trabalho.A própria CELESC, por via do documento <strong>de</strong> Resposta ao Ofício 586/2003– SFE/ANEEL (doc. 15) expedido pela Agência Reguladora, documento estesubscrito pelo Diretor-Presi<strong>de</strong>nte e pelo Diretor Técnico da Concessionária,respectivamente, drs. Carlos Rodolfo Schnei<strong>de</strong>r e Eduardo Carvalho Sitonio,informaram no campo intitulado “PASSARELA DE ACESSO” que “A passarela<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>u o aci<strong>de</strong>nte, está localizada no canto superior, junto ao teto, <strong>em</strong>trecho confinado da galeria, imediatamente abaixo da pista <strong>de</strong> rolamento dovão central da Ponte Colombo Machado Salles.” (s<strong>em</strong> grifos no original)2.3.2 Do Laudo Pericial do Corpo <strong>de</strong> BombeirosO Corpo <strong>de</strong> Bombeiros <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> também realizou exames nolocal dos fatos objetivando averiguar as causas físico-químicas do incêndio eseu mecanismo <strong>de</strong> propagação, exames esses que culminaram na elaboraçãodo Laudo n o 7/2003 (doc. 16), o qual registrou que:Todas as evidências indicam que o agente ígneo que<strong>de</strong>terminou o surgimento do incêndio, foi a chama domaçarico utilizado nos serviços <strong>de</strong> manutenção na galeriada ponte.O calor gerado pela chama do maçarico promoveu a igniçãodos gases e vapores acumulados na parte confinada


da galeria, produzidos pelo processo <strong>de</strong> combustão dosserviços <strong>de</strong> recomposição do isolamento dos cabos.Durante os trabalhos <strong>de</strong> manutenção da linha <strong>de</strong> distribuiçãoelétrica, executou-se no período da manhã, duasrecomposições <strong>de</strong> um cabo <strong>de</strong> 13.SKv posicionadas juntoa ponte Colombo Salles na porção aberta da galeria dareferida ponte e uma terceira recomposição, posicionada<strong>de</strong>ntro da galeria fechada.Para o trabalho da terceira recomposição foi utilizado ummaçarico que utilizava como combustível o GLP, (gásliquefeito <strong>de</strong> petróleo), acondicionado <strong>em</strong> um recipientetransportável <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa líquida <strong>de</strong> 2Kg(liquinho).A chama <strong>de</strong>ste equipamento produz t<strong>em</strong>peraturas da ord<strong>em</strong><strong>de</strong> 1500 o C, quando com chama azul, para a chamaamarela, estima-se <strong>de</strong> 1000 o C a 1300 o C, consi<strong>de</strong>rando-seque a combustão é uma reação exotérmica, liberando luze calor, concomitante aos processos <strong>de</strong> radiação e condução,iniciou-se o processo <strong>de</strong> convecção, sendo estecalor convectivo a maior parcela da força que alimentoua movimentação da fumaça, responsável pelo consumo <strong>de</strong><strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 50% do calor gerado.A queima <strong>de</strong> materiais sólidos libera vapores voláteiscombustíveis que, ignizados produz<strong>em</strong> chamas e gasesquentes, cuja diferença <strong>em</strong> relação a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> do ariniciará um movimento ascen<strong>de</strong>nte característico. Comoresultado, o ar adjacente entra no processo, sendo que partealimentará a combustão e parte aquecerá, misturando-secom os gases quentes.Por este último processo, formou-se uma camada aquecida,junto ao teto da galeria, tendo-se assim, finalmente,uma atmosfera estratificada, O processo anteriormente<strong>de</strong>scrito, perdurou por aproximadamente 15min., quando<strong>em</strong> dado momento, adquiriu-se uma região com vaporescombustíveis <strong>de</strong>ntro do limite <strong>de</strong> inflamabilida<strong>de</strong>, a chamado maçarico foi responsável ainda pela formação <strong>de</strong>entalpia suficiente para que se produzisse a ignição dosvapores aquecidos presentes naquela atmosfera, damos aeste fenômeno o nome <strong>de</strong> Flashover.A formação dos fenômenos até aqui <strong>de</strong>scritos, só foi


possível porque existia um ambiente confinado, assim, at<strong>em</strong>peratura e pressão <strong>de</strong> vapor, necessárias a nova ignição,se formaram.A taxa <strong>de</strong> combustão elevada neste primeiro momento,que ocasionou a saída imediata dos funcionários que alitrabalhavam, é prova inequívoca <strong>de</strong> estarmos lidando comvapores aquecidos e já <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> pré-mistura, suficientepara a ignição.O fenômeno i<strong>de</strong>ntificado como flashover, constitui-se <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>flagração da mistura <strong>de</strong> gases e vapores aquecidosno ambiente. No caso <strong>em</strong> questão, sabe-se da presença domonóxido <strong>de</strong> carbono (CO), oriundo da queima do maçaricoe do próprio material que estava sendo moldado e aindaque o limite inferior <strong>de</strong> explosivida<strong>de</strong> do CO é <strong>de</strong> 12,5%e o limite superior 74%.(s<strong>em</strong> grifos no original)Como visto, o relatório do Corpo <strong>de</strong> Bombeiros priorizou as questõestécnicas relacionadas com os agentes físico-químicos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adores do incêndio/explosãoque, por sua vez, ocasionou o famigerado “apagão”. N<strong>em</strong> por isso<strong>de</strong>scurou <strong>de</strong> apontar o inequívoco liame ligando a ativida<strong>de</strong> dos funcionários daCELESC com o “estopim” do evento fatídico.Por ocasião do Ofício n o 01/2004/BPM (doc. 17), expedido pelo Corpo<strong>de</strong> Bombeiros <strong>em</strong> resposta ao Ofício n o 021/2004 que lhe foi encaminhado pelo<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual e Fe<strong>de</strong>ral (doc. 18), merece especial <strong>de</strong>staque asseguintes perguntas e respostas:3) Porque a hipótese <strong>de</strong> vazamento <strong>de</strong> gás liquefeito<strong>de</strong> petróleo restou <strong>de</strong>scartada (it<strong>em</strong> 1.18.3, fI. 3 laudopericial)[...]Isto posto, passamos a enumerar as razões que conduziramao <strong>de</strong>scarte da hipótese <strong>de</strong> que o volume <strong>de</strong> gás <strong>em</strong> questãofosse proveniente do equipamento <strong>de</strong> GLP:a) A hipótese mais provável foi estabelecida através <strong>de</strong>um processo <strong>de</strong> eliminação das d<strong>em</strong>ais a partir <strong>de</strong> algumasevidências contrárias constatadas, conforme se <strong>de</strong>screve àfolha n o 20 do Laudo;b) Contra a hipótese apresentada com a mais provável(reiteramos: para explicar apenas e tão somente a orig<strong>em</strong>


do volume <strong>de</strong> gás), não restou apurada nenhuma evidênciacontrária;c) A hipótese da orig<strong>em</strong> do volume <strong>de</strong> gás ter sidoproce<strong>de</strong>nte do recipiente <strong>de</strong> GLP, foi <strong>de</strong>scartada <strong>em</strong>função do que consta das <strong>de</strong>clarações prestadas pelosfuncionários da <strong>em</strong>presa;d) Embora <strong>de</strong>scartada, tal hipótese, continua sendouma das possíveis. No entanto, para que tal hipótesepossa passar a figurar, ao lado da já indicada, comouma também causa provável, seria preciso que osfuncionários da <strong>em</strong>presa admitiss<strong>em</strong>, formal e expressamente,que houve um vazamento <strong>de</strong> gás, fato quenão po<strong>de</strong>ria ter passado <strong>de</strong>spercebido, pois a relação <strong>de</strong>causa e efeito que teria se instalado seria imediatamentepercebida.e) Diante do exposto, não há como manter o equipamento<strong>de</strong> GLP, como uma das hipóteses prováveis da procedênciado volume <strong>de</strong> gás, por não haver on<strong>de</strong>, tecnicamentesustentar tal afirmação;[...]g) As <strong>de</strong>clarações que os funcionários prestaram por escrito,foram adotadas como a expressão final da vonta<strong>de</strong> e daverda<strong>de</strong> dos mesmos, prevalecendo sobre as <strong>de</strong>claraçõesque <strong>de</strong>ram aos Bombeiros que lhes prestaram os primeirosatendimentos no local da ocorrência, quando um <strong>de</strong>les,segundo o <strong>de</strong>poente, teria <strong>de</strong>clarado que “achava quehouve um algum probl<strong>em</strong>a com a válvula” (fl 06 linha41 do Laudo), tendo ainda um outro dito que “o liquinhoexplodiu” (fl 07, linha 10).h) Se tais constatações são contradições, entend<strong>em</strong>osque <strong>de</strong>vam ser investigadas por outras instituições, poisfog<strong>em</strong> da alçada do Corpo <strong>de</strong> Bombeiros. Conforme jádiss<strong>em</strong>os, não faz parte da nossa doutrina <strong>de</strong> investigação<strong>de</strong> incêndios, fazer acareações, investigar pessoas. (s<strong>em</strong>grifos no original)Como visto, a respeito <strong>de</strong>sse fato relevantíssimo, o Corpo <strong>de</strong> Bombeirostinha duas versões conflitantes, das quais uma <strong>de</strong>las <strong>de</strong>veria ser levada <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>raçãopara efeito <strong>de</strong> elaboração do laudo.


A primeira <strong>de</strong>las, extraída logo após o ocorrido, ou seja, no calor doacontecimento e alheia a maiores reflexões por parte do protagonista dos fatos ea influência <strong>de</strong> terceiros, foi relatada ao Sd BM Paulo Cesar Luiz (fl. 6 do doc.16) da seguinte forma:Disse que conversou com a vítima que estava machucada,tentando acalmá-lo pois o mesmo apresentava visívelestado <strong>de</strong> nervos, e que conversando como mesmo ele disseque estava trabalhando com o liquinho e o maçarico,que a vítima achava que houve algum probl<strong>em</strong>a coma válvula, ocorreu uma bola <strong>de</strong> fogo, que o mesmo nãoviu mais nada e se jogou da ponte. (sic – s<strong>em</strong> grifos nooriginal)Ainda no que tange à primeira versão, também colhida naquele cenário,o Sd BM Gustavo Luiz Stadnick, presente no local, informou queE que a única coisa que ouviu foi que uma das vítimas relatou queestava trabalhando quando o liquinho explodiu e que eles se jogaram daponte. (s<strong>em</strong> grifos no original)Já a segunda versão, dada <strong>em</strong> local distinto e momento posterior quandojá passado o susto e, principalmente, após a avaliação criteriosa por parte do <strong>de</strong>poentedas conseqüências das suas <strong>de</strong>clarações, curiosamente foi omissa quantoaos <strong>de</strong>talhes supra transcritos.Não obstante, essa versão é que foi utilizada pelo Corpo <strong>de</strong> Bombeiropara confeccionar o laudo que, mesmo assim, aponta um liame direto ligando aativida<strong>de</strong> dos funcionários da CELESC com o “estopim” do evento fatídico.Por essa razão o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual e Fe<strong>de</strong>ral adiantaram-se <strong>em</strong>elaborar a seguinte indagação, cuja resposta segue transcrita abaixo:4) Tendo <strong>em</strong> vista o teor dos <strong>de</strong>poimentos dos soldados daBM Paulo César Luiz, (fI. 6, do laudo pericial), e Rogério<strong>de</strong> Souza (fl. 7, do laudo pericial), prestado perante o Corpo<strong>de</strong> Bombeiros, dos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> ambos prestados peranteo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, cujas cópias segu<strong>em</strong> anexas, b<strong>em</strong>como dos <strong>de</strong>poimentos do funcionário da CELESC EvaldoRocha Floriano, prestado perante o Corpo <strong>de</strong> Bombeiros(fi. 13 do laudo pericial) e perante o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>(cópia anexa) é possível acrescentar o vazamento <strong>de</strong>GLP entre as hipóteses prováveis (it<strong>em</strong> 1.18.2) e por


conseqüência retirá-la do campo 1.18.3 (hipóteses <strong>de</strong>scartadas)?Por quê? (s<strong>em</strong> grifos no original)RESPOSTA AO QUESITO 4Não é possível. Para refazer as conclusões relativas àprocedência do volume <strong>de</strong> gás seria necessário que houvesseuma <strong>de</strong>claração formal, expressa e positiva dosfuncionários nesse sentido, ou que, tal hipótese, viesse aser, por outro meio, cabal e formalmente comprovada,necessitando ainda, que tal prova, viesse a ser aceitae homologada por autorida<strong>de</strong> competente. (s<strong>em</strong> grifosno original)Como visto, mesmo maculado pela consciente fragilida<strong>de</strong> oriunda dapr<strong>em</strong>issa da qual partiu, o laudo aponta <strong>de</strong> maneira inequívoca a relação entreo incêndio/explosão na galeria da Ponte com a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida pelosfuncionários da CELESC naquele local.2.3.3 Do Relatório <strong>de</strong> Fiscalização elaborado pela AgênciaNacional <strong>de</strong> Energia Elétrica - ANEELEm razão da interrupção na distribuição <strong>de</strong> energia elétrica para a parteinsular da Capital do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, a ANEEL instaurou o ProcessoAdministrativo n o 48500.004194/03-98 (doc.19), o qual teve por objeto, além<strong>de</strong> perscrutar suas causas, as repercussões do fato sob a ótica do respectivoContrato <strong>de</strong> Concessão.A instrução do referido Processo Administrativo viabilizou a <strong>em</strong>issãodo Relatório <strong>de</strong> Fiscalização “RF-CELESC-02/2003-SFE” (doc.20), com oseguinte propósito – estampado <strong>em</strong> seu it<strong>em</strong> primeiro:I – OBJETIVOSAvaliar a interrupção do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> distribuição que abastecea parte insular da Capital Catarinense, Florianópolis,que abrangeu toda a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, com 135.432consumidores atingidos e carga interrompida <strong>de</strong> 100,5MW,ocorrida no dia 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003 às 13h15min.Alvitrado Relatório, após investigação ampla e aprofundada sobre o caso,inclusive realizada por <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> conhecimento técnico na área, aponta <strong>de</strong>


maneira direta e insofismável a responsabilida<strong>de</strong> da CELESC pelo evento oqual se convencionou chamar <strong>de</strong> “apagão”, consoante se infere <strong>de</strong> seu it<strong>em</strong> “VI-CONCLUSÃO”. Verbis:VI – CONCLUSÃONa avaliação da ocorrência <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003,constatou-se que a Celesc tinha conhecimento prévioda fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> 138 KVpara atendimento à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> tanto queestavam previstas obras <strong>de</strong> fechamento do anel <strong>de</strong> 138 Kv<strong>de</strong>ntro da ilha, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong> um novo suprimento.A fiscalização constatou que a interrupção no fornecimento<strong>de</strong> energia elétrica à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>ocorreu <strong>de</strong>vido a não observância, por parte dos técnicosda Celesc, das normas e procedimentos da <strong>em</strong>presapara este tipo <strong>de</strong> manutenção e, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência disto,ocorreu a explosão e a danificação dos cabos <strong>de</strong> 138KV que atend<strong>em</strong> a Ilha.É importante também <strong>de</strong>stacar que, a <strong>em</strong>presa não possuíaum plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência para atendimento, à Ilha<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, no caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> qualquer umadas linhas <strong>de</strong> 138 KV, apesar <strong>de</strong> ter conhecimento prévioque haveria corte <strong>de</strong> carga <strong>de</strong> até a 120 MW nestasituação. (s<strong>em</strong> grifos no original)A conclusão supra transcrita, a ex<strong>em</strong>plo dos d<strong>em</strong>ais el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> provacoletados dos outros procedimentos investigatórios e estudos realizados apropósito dos fatos, indica pelo menos três principais pontos que enaltec<strong>em</strong>a responsabilida<strong>de</strong> da CELESC 7 pelo evento: (1) inobservância <strong>de</strong> normas eprocedimentos a<strong>de</strong>quados; (2) conhecimento prévio da fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a;e (3) a falta <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência.2.3.3.1 Inobservância das normas e procedimentos a<strong>de</strong>quadosDadas as incomensuráveis proporções das conseqüências (previsíveis)que po<strong>de</strong>riam advir – e efetivamente advieram – <strong>de</strong> eventuais falhas ou inefici-7 E, <strong>em</strong> algumas passagens, também a da própria ANEEL.


ências nos trabalhos <strong>de</strong> <strong>em</strong>enda termocontrátil realizados naquela ocasião, erapru<strong>de</strong>nte que os funcionários da CELESC não só observass<strong>em</strong> rigorosamentetodas as normas e procedimentos recomendados para aquele tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>,como também adotass<strong>em</strong> outras <strong>de</strong> modo a afastar <strong>de</strong>finitivamente os riscos qu<strong>em</strong>arcavam a operação. Aliás, face às peculiarida<strong>de</strong>s que marcavam a hipótese,os próprios órgãos <strong>de</strong> cúpula da Concessionária <strong>de</strong>veriam tratar a operação (trabalhos<strong>de</strong> <strong>em</strong>enda termocontrátil) <strong>de</strong> maneira particular e diferenciada, e não atrivializar como o fizeram.Não obstante, inúmeras máculas foram cometidas, cada uma <strong>de</strong>las, por sisós, aptas a caracterizar violação aos <strong>de</strong>veres objetivos <strong>de</strong> conduta por parte daConcessionária <strong>de</strong> tão relevante serviço público, algumas <strong>de</strong>las <strong>de</strong>stacadas porvia dos tópicos que segu<strong>em</strong> abaixo.2.3.3.1.1 Do não uso dos equipamentos necessários einobservância dos procedimentos obrigatórios para a operaçãoDispõe o Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor:Art. 39. É vedado ao fornecedor <strong>de</strong> produtos ou serviços,<strong>de</strong>ntre outras práticas abusivas:[...]VIII – colocar, no mercado <strong>de</strong> consumo, qualquer produtoou serviço <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com as normas expedidas pelosórgãos oficiais competentes ou, se as normas específicasnão existir<strong>em</strong>, pela Associação Brasileira <strong>de</strong> NormasTécnicas ou outra entida<strong>de</strong> cre<strong>de</strong>nciada pelo ConselhoNacional <strong>de</strong> Metrologia, Normatização e Qualida<strong>de</strong> Industrial- CONMETROConsta da subcláusula Primeira da Cláusula Segunda do Contrato <strong>de</strong>Concessão n o 56/99 – ANEEL, celebrado pela União, por intermédio da AgênciaNacional <strong>de</strong> Energia Elétrica-ANEEL com as Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong>-CELESC <strong>em</strong> 22/6/1999, tendo por objeto a “exploração do serviçopúblico <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica” (doc. 21):A Concessionária obriga-se a adotar, na prestação doserviço público <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica, tecnologiaa<strong>de</strong>quada e a <strong>em</strong>pregar materiais equipamentos,


instalações e métodos operativos que, atendidas as normastécnicas brasileiras, garantam níveis <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>, continuida<strong>de</strong>,eficiência, segurança, atualida<strong>de</strong>, generalida<strong>de</strong>,cortesia no atendimento e modicida<strong>de</strong> das tarifas. (s<strong>em</strong>grifo no original)Em compl<strong>em</strong>entação ao comando contratual supra transcrito e para darlheefetivida<strong>de</strong>, exsurge a NBR 14787 (doc.22), <strong>em</strong> vigor a partir <strong>de</strong> 30/01/2002,a qual lista um rol <strong>de</strong> equipamentos indispensáveis a ser<strong>em</strong> utilizados <strong>em</strong>ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas <strong>em</strong> local confinado – tal qual o que se refere o caso<strong>em</strong> tela - não só como forma <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes como também para aproteção dos trabalhadores.Deverão estar disponíveis os seguintes equipamentos, s<strong>em</strong>custo aos trabalhadores, funcionando a<strong>de</strong>quadamente eassegurando a utilização correta:a) equipamento <strong>de</strong> sondag<strong>em</strong> inicial contínua da atmosfera,calibrado e testado antes do uso, a<strong>de</strong>quado para trabalho<strong>em</strong> áreas potencialmente explosivas. Os equipamentosque for<strong>em</strong> utilizados no interior dos espaços com riscos<strong>de</strong> explosão <strong>de</strong>verão ser intrinsecamente seguros (Ex i) eprotegidos contra interferência eletromagnética e radiofreqüência,assim como os equipamentos posicionadosna parte externa dos espaços confinados que possam estar<strong>em</strong> áreas classificadas;b) equipamento <strong>de</strong> ventilação mecânica para obter as condições<strong>de</strong> entrada aceitáveis, através <strong>de</strong> insuflamento e/ouexaustão <strong>de</strong> ar. Os ventiladores que for<strong>em</strong> instalados no interiordo espaço confinado com risco <strong>de</strong> explosão <strong>de</strong>verãose a<strong>de</strong>quados para trabalho <strong>em</strong> atmosfera potencialmenteexplosivas, assim como os ventiladores posicionados naparte externa dos espaços confinados que possam estar <strong>em</strong>áreas potencialmente explosivas;c) equipamento <strong>de</strong> comunicação, a<strong>de</strong>quado para trabalho<strong>em</strong> áreas potencialmente explosivas;d) equipamentos <strong>de</strong> proteção individual e movimentadores<strong>de</strong> pessoas a<strong>de</strong>quados ao uso <strong>em</strong> áreas potencialmenteexplosivas;e) equipamentos para atendimento pré-hospitalar;f) equipamentos <strong>de</strong> iluminação, a<strong>de</strong>quado para trabalho


<strong>em</strong> áreas potencialmente explosivas.Como dito, as peculiarida<strong>de</strong>s do caso recomendavam, no mínimo, aadoção das providências acautelatórias previstas na legislação que disciplina amatéria, seja no que diz respeito aos equipamentos mínimos seja no que tange aoprocedimento básico, ambas providências triviais que <strong>de</strong>veriam mas não foramobservadas. Não obstante, a CELESC furtou-se <strong>de</strong> adotá-las consoante restouconstatado pelo Relatório <strong>de</strong> Fiscalização confeccionado pela ANEEL (págs.6/7 do doc. 20). Verbis:Com base nas informações apresentadas pela CELESCno relatório <strong>de</strong> perturbação do dia 30/10/2003, no manual<strong>de</strong> procedimentos da <strong>em</strong>presa e durante a fiscalizaçãoocorrida nos dias 3 e 4 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003, a fiscalizaçãoda ANEEL constatou que a equipe <strong>de</strong> manutençãoda CELESC:[...]2 – Não realizou a monitoração/verificação da existência<strong>de</strong> gases no ambiente da manutenção;3 – Não fez uso <strong>de</strong> exaustor ou ventilação forçada;4 – Não aten<strong>de</strong>u as advertências do fabricante da <strong>em</strong>endas,Raychen Produtos Irradiados Ltda, integrante doManual <strong>de</strong> Procedimentos citados anteriormente, queinformava:- “Antes <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r o maçarico, certifique-se da inexistência<strong>de</strong> gases ou líquidos inflamáveis no local <strong>de</strong> trabalho”;- Consulte as práticas aprovadas pela sua <strong>em</strong>presa paraprocedimento <strong>de</strong> limpeza e ventilação da área <strong>de</strong> trabalho”[...]. (s<strong>em</strong> grifos no original)Chama a atenção, ainda, a parte do aludido Relatório <strong>de</strong> Fiscalizaçãosegundo a qualCabe ressaltar que, para o serviço a ser executado, uma<strong>em</strong>enda termo-contrátil <strong>em</strong> cabos <strong>de</strong> 15kV, a Celescpo<strong>de</strong>ria ter utilizado alternativamente ao maçarico, umSOPRADOR TÉRMICO, equipamento este também recomendadopelo fabricante das <strong>em</strong>endas, e constante domanual <strong>de</strong> procedimento da Celesc, ou ainda po<strong>de</strong>ria terexecutado o serviço com a utilização <strong>de</strong> <strong>em</strong>endas a frio.Destaca-se também que, apesar da equipe estar traba-


lhando <strong>em</strong> um ambiente e com equipamentos sujeitosa risco <strong>de</strong> incêndio a mesma não possuía extintor <strong>de</strong>incêndio no local. (s<strong>em</strong> grifos no original)A consciente opção pela dispensa dos equipamentos mínimos necessários eda adoção dos procedimentos acautelatórios básicos para aquele tipo <strong>de</strong> situaçãotambém foi constada pelos Auditores Fiscais do Trabalho, consoante se inferedo excerto abaixo transcrito, extraído do Relatório <strong>de</strong> Investigação e Análise <strong>de</strong>Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Trabalho – Apagão (fl. 11 do doc. 13), o qual se pe<strong>de</strong> vênia pelanecessária repetição:Verificou-se que a maioria das recomendações <strong>de</strong> segurançapara obras <strong>em</strong> locais confinados, citadas no it<strong>em</strong> 18.20da NR 18 do TEM – que estabelece medidas especiais <strong>de</strong>proteção a ser<strong>em</strong> adotadas nas ativida<strong>de</strong>s que exponhamos trabalhadores a riscos <strong>de</strong> asfixia, explosão, intoxicaçãoe doenças do trabalho – não foram observadas.Constatou-se, através da sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> inspeções:[...]3) inexistência <strong>de</strong> monitoramento permanente <strong>de</strong> substânciasque caus<strong>em</strong> asfixia, intoxicação, incêndio ou explosão;4) inexistência <strong>de</strong> ventilação local exaustora eficaz quefaça a extração dos contaminantes e <strong>de</strong> ventilação geral queexecute a insuflação <strong>de</strong> ar para o interior do ambiente, garantindo<strong>de</strong> forma permanente a renovação contínua do ar;Como visto, foram inúmeras as irregularida<strong>de</strong>s naquela ocasião praticadaspela CELESC por via <strong>de</strong> seus funcionários, cujas violações a <strong>de</strong>veres objetivos<strong>de</strong> conduta potencializam-se ainda mais pelo fato <strong>de</strong> o serviço ter sido executado,daquela forma, <strong>em</strong> espaço confinado.A propósito, segundo se extrai do incluso manual da Associação Brasileira <strong>de</strong>Normas Técnicas – ABNT - NBR 14787 (doc. 22), t<strong>em</strong>-se por espaço confinado3.18 espaço confinado: Qualquer área não projetada paraocupação contínua, a qual t<strong>em</strong> meios limitados <strong>de</strong> entradae saída e na qual a ventilação existente é insuficientepara r<strong>em</strong>over contaminantes perigosos e/ou <strong>de</strong>ficiência/enriquecimento <strong>de</strong> oxigênio que possam existir ou se<strong>de</strong>senvolver.Todos os exames realizados no local pelos diversos órgãos e instituições


envolvidas no assunto não <strong>de</strong>ixam marg<strong>em</strong> à duvida: o espaço no qual foramexecutados os serviços <strong>de</strong> <strong>em</strong>enda termocontrátil no interior da ponte era efetivamenteconfinado. Aliás, a própria CELESC, ao prestar suas primeiras informaçõesà ANEEL, no documento intitulado Resposta ao Ofício 586/2003 (doc.15), chegou à mesma conclusão. Verbis:a. DESCRIÇÃO DO CENÁRIO:PASSARELA DE ACESSOA passarela <strong>de</strong> acesso à galeria é constituída <strong>de</strong> perfis metálicosdispostos com distância pouco maior que um metrocomo guarda-copos laterais e piso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, isto é, caminhofeito <strong>de</strong> pranchas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras justapostas no sentidolongitudinal. Ao longo <strong>de</strong>ste caminho estão instalados cabosisolados sobre ban<strong>de</strong>jas. Numa das extr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong>s laterais,está instalada uma Linha <strong>de</strong> Interligação <strong>de</strong> 138 KV, comcabo OFPo. Na outra extr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> distribuição<strong>de</strong> 13,8 KV com cabo XLPE CQS 10/11/12, tendo aoseu lado, mais ao centro da galeria, os cabos EPR <strong>de</strong> outraLinha <strong>de</strong> Interligação <strong>de</strong> 138 KV. Conseqüent<strong>em</strong>ente, aparte livre para trânsito e manobra <strong>de</strong> serviços é bastantereduzida, menor que a largura <strong>de</strong> suas pranchas. O pé direitoé baixo o que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da altura do operador, dificultao <strong>de</strong>slocamento e exige o seu agachamento para a realização<strong>de</strong> trabalhos nos cabos. A passarela <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>u oaci<strong>de</strong>nte, está localizada no canto superior, junto ao teto,<strong>em</strong> trecho confinado da galeria, imediatamente abaixoda pista <strong>de</strong> rolamento do vão central da Ponte ColomboMachado Salles. Para se alcançar esta galeria é obrigatóriopercorrer mais <strong>de</strong> trezentos metros sobre o mar, no piso d<strong>em</strong>a<strong>de</strong>ira da passarela. (s<strong>em</strong> grifo no original).AMBIENTE NA GALERIAO ambiente on<strong>de</strong> estão instalados os cabos isolados, nagaleria <strong>de</strong> uma ponte, não é local para o qual foram previstos“confortos” para as equipes trabalhar<strong>em</strong>, até porque, aexpectativa era <strong>de</strong> que poucas ativida<strong>de</strong>s lá seriam realizadasapós a instalação dos cabos, com exceção das inspeções <strong>em</strong>anutenções preventivas <strong>de</strong> rotina, que são realizadas todasas s<strong>em</strong>anas. Esse ambiente se caracteriza por possuirdimensões reduzidas, ser normalmente <strong>em</strong>poeirado,abafado, quente, escuro e pouco ventilado. Com o


<strong>de</strong>senvolvimento dos serviços <strong>de</strong> instalação dos cabos, ascondições se tornaram mais críticas, <strong>de</strong>vido à presença dostécnicos, dos equipamentos e do processo <strong>de</strong> aquecimentopara realização da <strong>em</strong>enda termocontrátil. (s<strong>em</strong> grifo nooriginal).Os Auditores Fiscais do Trabalho, por outro lado, foram categóricos eprecisos ao <strong>de</strong>finir o local como espaço confinado, conforme po<strong>de</strong> se observardo Relatório <strong>de</strong> Investigação e Análise <strong>de</strong> Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Trabalho – Apagão (fl.11 do doc. 12):O trabalho foi executado <strong>em</strong> ambiente confinado – ambiente<strong>de</strong> dimensões reduzidas, com dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acessoe saída, com iluminação e ventilação <strong>de</strong>ficientes e compossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> presença e/ou geração <strong>de</strong> gases tóxicose/ou inflamáveis, po<strong>de</strong>ndo ser gerados pelos métodos <strong>de</strong>trabalho utilizados para executar a manutenção.Para a situação do aci<strong>de</strong>nte ocorrido quando da manutençãoda cablag<strong>em</strong> <strong>de</strong> alta tensão na ponte, executada <strong>em</strong> ambienteconfinado, observou-se a existência <strong>de</strong> várias situaçõesoriginárias <strong>de</strong> ricos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. (s<strong>em</strong> grifo no original)O Laudo <strong>em</strong>itido pelo Corpo <strong>de</strong> Bombeiros (doc. 16) não chegou a conclusãodiversa:A formação dos fenômenos até aqui <strong>de</strong>scritos, só foi possívelporque existia um ambiente confinado, assim, at<strong>em</strong>peratura e pressão <strong>de</strong> vapor, necessárias a nova ignição,se formaram. (s<strong>em</strong> grifos no original)Por fim, cumpre esclarecer que não obstante a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso, algunsdos subscritores <strong>de</strong>sta inicial penetraram na Ponte Colombo Machado Salles parater a certeza – e a tiveram – que o local dos fatos é, efetivamente, confinado,providência a qual suger<strong>em</strong> a Vossa Excelência caso paire alguma dúvida acerca<strong>de</strong>ssa circunstância (art. 440 e 442, I, ambos do CPC).2.3.3.1.2 Da inexistência <strong>de</strong> um plano prévio <strong>de</strong> trabalhoTendo <strong>em</strong> vista a relevância do fato e gigantesca proporção dos danosocasionados aos consumidores, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral e o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> instauraram o Inquérito Civil n o 1/2003


(doc. 23), o qual teve por objeto, principalmente, a perscrutação das causas que<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram esse aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes.Entre inúmeras outras diligências, colheu-se o <strong>de</strong>poimento dos cincofuncionários que estavam executando aludida <strong>em</strong>enda no cabo (vi<strong>de</strong> docs. 3/7)e que, portanto, tiveram ligação direta com o evento, os quais foram uníssonos<strong>em</strong> esclarecer que as funções que seriam lá <strong>de</strong>senvolvidas não foram pré-<strong>de</strong>terminadase n<strong>em</strong> distribuídas entre eles, b<strong>em</strong> como que referida equipe não tinhan<strong>em</strong> sequer um coor<strong>de</strong>nador pré-<strong>de</strong>finido para dirigir os trabalhos.Com efeito, quando perguntados seQuando saíram da CELESC rumo a ponte, as funções <strong>de</strong>cada um estavam pré-<strong>de</strong>terminadas? Ex<strong>em</strong>plo: estava pré<strong>de</strong>terminadoqu<strong>em</strong> faria a <strong>em</strong>enda com o soprador térmicoe qu<strong>em</strong> faria a <strong>em</strong>enda com maçarico?Apurou-se, por via <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimento dos próprios funcionários,Questionou-se ainda:[...] Que os cinco estavam capacitados para fazer o trabalho,e que as funções iriam ser divididas no local [...].(Sidney Vasques – p. 2 do doc. 4)[...] que todos são habilitados para a função [...]. (JacquesW. Naschenweng – p. 2 do doc. 7)[...] Que as funções foram divididas no local dos fatos [...].( Mário Cesar <strong>de</strong> Matos – p. 1 do doc. 3)[...] Que as funções foram dividas no local dos fatos [...].(Evaldo Rocha Floriano – p.2 do doc. 6)[...] Que as funções seriam dividas no local [...]. (JoãoTerba dos Santos – p. 2 do doc. 5)[...] Qu<strong>em</strong> coor<strong>de</strong>nava os trabalhos? Qu<strong>em</strong> era o chefeda equipe?As respostas, como dito, foram apresentadas no sentido já apontado:[...] Que não existe chefe, mas por ser o mais antigo acabavacoor<strong>de</strong>nando os trabalhos [...]. (Jaques W. Naschenweng– p. 2 do doc. 7)[...] Que já sabiam o serviço que iam fazer e que os maisexperientes do grupo eram o Jacques e o Evaldo [...].Mário


Cesar <strong>de</strong> Matos – p. 2 do doc. 3)[...] Qu<strong>em</strong> coor<strong>de</strong>nava os trabalhos eram o Jacques <strong>de</strong>poiso <strong>de</strong>poente [...].(Evaldo Rocha Floriano – p. 2 do doc. 6)[...] Que era Jacques qu<strong>em</strong> estava coor<strong>de</strong>nando os trabalhos,por ser a pessoa mais próxima do engenheiro Romeu[...] (João Terba dos Santos – p. 2 do doc. 5)[...] Que existe uma hierarquia natural, que o funcionáriomais antigo coor<strong>de</strong>nava, no caso o Jacques [...].(SidneyVasques – p. 2 do doc.4)Nessa mesma linha <strong>de</strong> constatação, a Delegacia Regional do Trabalho, porvia do Relatório <strong>de</strong> Investigação e Análise <strong>de</strong> Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Trabalho – “Apagão”(fl. 7 do doc. 12) apurou:204.010-7 – Falta <strong>de</strong> planejamento/<strong>de</strong> preparação do trabalho204.011-5 – Tarefa mal concebida204.012-3 – Falta ou ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> risco datarefa204.013-1 – Falta ou ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> análise ergonômicada tarefa204.014-0 – Inexistência ou ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>permissão <strong>de</strong> trabalho204.018-2 – Falhas na coor<strong>de</strong>nação entre m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> umamesma tarefa204.022-0 – Procedimentos <strong>de</strong> trabalhos inexistentes/ina<strong>de</strong>quados204.023-9 – Participação dos trabalhadores na organizaçãodo trabalho ausente/precária204.025-5 – Ausência/insuficiência <strong>de</strong> supervisão204.999-6 – Outros fatores não especificados.A falta <strong>de</strong> planejamento da tarefa, b<strong>em</strong> como a ausência <strong>de</strong> um coor<strong>de</strong>nadordos trabalhos fica ainda mais latente quando se analisam os <strong>de</strong>poimentos dosfuncionários no que tange ao teste do liquinho. Constata-se, pois, que ninguémtestou o liquinho antes <strong>de</strong> usá-lo, no local do aci<strong>de</strong>nte, e que ninguém ficou previamenteresponsável por tal tarefa.


Ao respon<strong>de</strong>r ao seguinte questionamento: “[...] O liquinho foi testado/vistoriadoantes <strong>de</strong> ser utilizado? Por qu<strong>em</strong>? [...]” (p. 3 do doc. 7), Jacques,apontado pelos d<strong>em</strong>ais como sendo o chefe natural da tarefa, por ser mais antigo,respon<strong>de</strong>u:[...] Que o <strong>de</strong>poente testou o liquinho quando chegou na<strong>em</strong>presa; Que o teste consistiu <strong>em</strong> verificar se a mangueiranão tinha vazamento. Que não recorda qu<strong>em</strong> estava comele no momento do teste. Que o <strong>de</strong>poente testou o liquinhona <strong>em</strong>presa, e sabe que alguém testou o liquinho na ponte,que acredita que foi João [....] (<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jacques W.Naschenweng, p. 3 do doc. 7 - s<strong>em</strong> grifo no original)João Terba dos Santos, por sua vez, l<strong>em</strong>bra <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> estava com Jacquesdurante o teste realizado na <strong>em</strong>presa - <strong>de</strong>talhe que não recorda Jacques -, masnega que tenha testado o liquinho na ponte:[...] Que foi recarregado para ser usado na ponte, foi testadoprimeiramente na se<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presa e posteriormente naponte, antes <strong>de</strong> ser utilizado. Que na <strong>em</strong>presa o liquinhofoi testado pelo Jacques e o Sidnei. Que não assistiu aoteste na ponte, ouviu dizer que foi testado no local. Quefoi o <strong>de</strong>poente qu<strong>em</strong> se dirigiu até a <strong>em</strong>presa Liquigáspara comprar o botijão. Que não assistiu o teste feito porJacques e Sidnei na <strong>em</strong>presa [...] (p. 2 do doc. 5 - s<strong>em</strong>grifos no original).Sidney Vasques, <strong>em</strong>bora apontado por João Terba dos Santos, nega quetenha testado o liquinho na <strong>em</strong>presa:[...] Que não viu o liquinho ser testado, mas que Jacquesdisse a ele que o liquinho foi testado, na se<strong>de</strong> da CELESC.Que não sabe se Jacques estava acompanhado <strong>de</strong> outrotécnico no momento do teste, mas acredita que estava[...](p. 3 do doc. 4 - s<strong>em</strong> grifos no original).Evaldo Rocha Floriano, por outro lado, diz que testou o liquinho juntamentecom Jacques na se<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presa e aponta João como sendo o autor doteste realizado na ponte:[...] Que o liquinho foi testado pelo <strong>de</strong>poente e por Jacquesna se<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presa. Que na ponte o liquinho <strong>de</strong>ve ter sidotestado por qu<strong>em</strong> o montou, mas o <strong>de</strong>poente não assistiua esse teste. Que acredita que foi João qu<strong>em</strong> montou o


liquinho, ou seja, adaptou o maçarico ao liquinho. (págs.3/4 do doc. 6 - s<strong>em</strong> grifos no original).Mario César <strong>de</strong> Matos, limitou-se a dizer que não sabia se o liquinho foitestado:[...] Que Jacques disse para o <strong>de</strong>poente que testou o liquinhona se<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presa. Que não sabe se o liquinhofoi testado no local [...] (págs. 2/3 do doc. 3 - s<strong>em</strong> grifosno original).Verifica-se, portanto, <strong>de</strong> maneira cabal, que apesar do grau <strong>de</strong> comprometimentoque o mau uso do liquinho ou ineficiência na acoplag<strong>em</strong> do maçarico noequipamento po<strong>de</strong>ria acarretar para tão importante tarefa, NINGUÉM TESTOUO LIQUINHO NO LOCAL!Ainda que o tivess<strong>em</strong> feito na se<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presa, por óbvio que <strong>de</strong>veriamter repetido a operação no local, pois o longo e inóspito trajeto entre o início daponte Colombo Salles e o local on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ter sido feita a <strong>em</strong>enda - no interiormencionada ponte - é marcado por adversida<strong>de</strong>s das mais variadas or<strong>de</strong>ns, porter que ser percorrido, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte, <strong>em</strong> ambiente completamente escuro,estreito, irregular, fechado e, no mais das vezes, equilibrando-se <strong>em</strong> pranchassuspensas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.Importante <strong>de</strong>screver o relato feito pela própria Concessionária, <strong>de</strong> partedo difícil trajeto percorrido por seus funcionários naquela ocasião, <strong>de</strong>scriçãoessa feita no documento <strong>de</strong> Resposta ao Ofício n o 586/2003 – SFE/ANEEL(doc. 15):a. DESCRIÇÃO DO CENÁRIOPASSARELA DE ACESSOA passarela <strong>de</strong> acesso à galeria é constituída <strong>de</strong> perfismetálicos dispostos com distância pouco maior que ummetro como guarda-corpos laterais e piso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira,isto é, caminho feito <strong>de</strong> pranchas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira justapostasno sentido longitudinal. Ao longo <strong>de</strong>ste caminho estãoinstalados cabos isolados sobre ban<strong>de</strong>jas. Numa das extr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong>slaterais, está instalada uma Linha <strong>de</strong> Interligação<strong>de</strong> 138 kV, com cabo OFPo. Na outra extr<strong>em</strong>ida<strong>de</strong>, umaLinha <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> 13,8 kV com cabo XLPE CQS10/11/12, tendo ao seu lado, mais ao centro da galeria, oscabos EPR da outra Linha <strong>de</strong> Interligação <strong>de</strong> 138 kV. Con-


seqüent<strong>em</strong>ente, a parte livre para trânsito e manobra <strong>de</strong>serviços e bastante reduzida, menor que a largura <strong>de</strong>duas pranchas. O pé direito é baixo o que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndoda altura do operador, dificulta o <strong>de</strong>slocamento e exigeseu agachamento para realização <strong>de</strong> trabalhos nos cabos.A passarela <strong>em</strong> que se <strong>de</strong>u o aci<strong>de</strong>nte está localizadano canto superior, junto ao teto, <strong>em</strong> trecho confinado dagaleria, imediatamente abaixo da pista <strong>de</strong> rolamento dovão central da Ponte Colombo Machado Sales. Para sealcançar esta galeria é obrigatório percorrer mais <strong>de</strong>trezentos metros sobre o mar, no piso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira dapassarela. (s<strong>em</strong> grifos no original)A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao famigerado local é ainda mais crítica pelo fato<strong>de</strong> os funcionários ter<strong>em</strong> que o ter vencido, além <strong>de</strong> tudo, carregando pesadosequipamentos, os quais não resulta improvável ter<strong>em</strong> sido batidos diversas vezes– e, quiçá, danificados - nos incontáveis obstáculos existentes no percurso.Relevante repetir, porque pertinente, outro trecho do documento <strong>de</strong> Respostaao Ofício n o 586/2003 – SFE/ANEEL (doc. 15):4. Sydney Vasques, João Terba dos Santos e Jacques WestphalNaschenweng carregaram o material (maçarico,liquinho, alicate <strong>de</strong> compressão, lanternas, iluminação<strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência, capacete com iluminação própria, Kit<strong>de</strong> <strong>em</strong>enda, etc.) até o túnel (vão central da ponte comos respectivos vãos adjacentes com extensão total <strong>de</strong>aproximadamente 31 5m) para começar a preparar oscabos da terceira <strong>em</strong>enda, enquanto Mário César <strong>de</strong> Matose Evaldo Rocha Floriano, ficaram concluindo a segunda<strong>em</strong>enda. (s<strong>em</strong> grifos no original)Faz-se necessário um parêntese para registrar que a <strong>de</strong>scrição do trajeto ea efetiva dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso pod<strong>em</strong> ser aferidas, à sacieda<strong>de</strong>, pelas inúmerasfotografias (doc. 24) e filmag<strong>em</strong> cujo CD rom acompanha esta inicial (vi<strong>de</strong> doc. 9),as quais, é bom que se diga, retratam um local bastante melhorado se comparadocom o ambiente do dia dos fatos. Não fosse isso, a inspeção judicial (art. 440e 442, I, ambos do CPC) exsurge como medida eficiente para a comprovaçãodo que ora foi <strong>de</strong>scrito, providência a qual <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já se requer.A propósito <strong>de</strong>ste tópico faz-se relevante, ainda, transcrever parte doRelatório <strong>de</strong> Fiscalização RF-CELESC-02/0223-SFE elaborado pelo ANEEL(p. 1 do doc. 20):


[...] Objetivando uma melhor análise da ocorrência foramsolicitadas as seguintes informações e documentações:I. Nome, cargo e função dos funcionários realizavam amanutenção antes do <strong>de</strong>sligamento;II. Ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> serviço <strong>em</strong>itida pela área responsável pelamanutenção do serviço;III. Planejamento do serviço com análise dos riscos;IV. Normas internas da <strong>em</strong>presa;V. Plano <strong>de</strong> Emergência no caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> uma linha<strong>de</strong> transmissão.[...] Destaca-se que os itens III e V não foram entreguespara a equipe <strong>de</strong> fiscalização, pois segundo o responsávelda Celesc, não havia tal documentação. Em relação ao it<strong>em</strong>II a <strong>em</strong>presa também não entregou o documento solicitado,mas somente o projeto e seus respectivos resumos, orçamento,relatório <strong>de</strong> materiais e <strong>de</strong>talhe da mão <strong>de</strong> obra.(s<strong>em</strong> grifo no original).A inobservância e violação aos <strong>de</strong>veres objetivos <strong>de</strong> conduta por parte daCELESC foram tamanhas que a própria ANEEL, responsabilizando-a categoricamentepela interrupção no fornecimento <strong>de</strong> energia ocasionado pelo incêndio/explosão a que <strong>de</strong>u causa, expediu o Auto <strong>de</strong> Infração – resultante do ProcessoAdministrativo n o 48500.004195/03-98 (doc. 19) -, cuja transcrição dos itens“1” e “2” do tópico “Justificativa para aplicação da penalida<strong>de</strong>” é providênciaque se impõe: (p. 9 do doc. 25).[...]1 - Ficou comprovado que os técnicos da <strong>em</strong>presa queestavam realizando a manutenção entre os cabos <strong>de</strong> 13,8KV e 138 KV energizados não realizaram o planejamentodas tarefas a ser<strong>em</strong> executadas e também nãorealizaram o levantamento dos riscos da realizaçãoda manutenção (<strong>em</strong>enda termo-contrátil) no cabodo alimentador CQS-12. Fato este comprovado pelafiscalização quando da solicitação dos documentos comprobatórios<strong>de</strong>stes serviços. O entendimento da CELESC“...que o planejamento operacional da tarefa, ao nível dostécnicos, fica comprovado pelos incontáveis <strong>de</strong>poimentosdos mesmos...” não proce<strong>de</strong>. Trata-se apenas <strong>de</strong> relato <strong>de</strong>


fatos ocorridos e não <strong>de</strong> planejamento anterior à execuçãodos serviços.2 – A afirmação da Celesc que: “...A realização ou nãodas etapas preventivas apontadas nos itens 2, 3 e 4, per<strong>de</strong>consistência, quando se verifica, b<strong>em</strong> provavelmente (grifonosso), que não havia no ambiente contaminação <strong>de</strong> gasesinflamáveis resi<strong>de</strong>ntes, ou <strong>de</strong> outra natureza no localaci<strong>de</strong>nte...” contraria toda a informação anteriormentefornecida pela Celesc, b<strong>em</strong> como o próprio Laudo <strong>de</strong> Investigaçãon o 007/CAT/CCB/2003 do Corpo <strong>de</strong> Bombeirosdo Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003.(s<strong>em</strong> grifos no original)Consoante se infere da justificativa supra reproduzida, a ANEEL imputouà CELESC inequívoca responsabilida<strong>de</strong> pelo evento, razão pela qual lhe aplicoumulta administrativa na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> R$7.917.512,87 (sete milhões, novecentos e<strong>de</strong>zessete mil quinhentos e doze reais e oitenta e sete centavos).2.3.3.1.3 Da falta <strong>de</strong> treinamento para a execução do serviçodaquela naturezaO Contrato <strong>de</strong> Concessão n o 56/99-ANEEL (doc. 21), <strong>em</strong> sua CláusulaQuinta, it<strong>em</strong> XIII, indica <strong>de</strong> forma categórica a obrigação da Concessionária<strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar programas <strong>de</strong> treinamento <strong>de</strong> pessoal objetivando o constanteaperfeiçoamento <strong>de</strong> seus funcionários para garantir a a<strong>de</strong>quada distribuição doserviço <strong>de</strong> energia, conforme po<strong>de</strong> se observar da cláusula abaixo reproduzida:CLÁUSULA QUINTA – OBRIGAÇÕES E ENCARGOSDA CONCESSIONÁRIAAlém <strong>de</strong> outras obrigações <strong>de</strong>correntes da lei e das normasregulamentares específicas, constitu<strong>em</strong> encargos daCONCESSIONÁRIA, inerentes à concessão regulada poreste Contrato:XIII - realizar programas <strong>de</strong> treinamento do seu pessoal,visando ao constante aperfeiçoamento do mesmo para aa<strong>de</strong>quada prestação do serviço <strong>de</strong> distribuição concedido.(s<strong>em</strong> grifos no original)Ocorre, todavia, que contrariando sua obrigação contratual, a Conces-


sionária não promovia treinamentos periódicos para viabilizar o constanteaperfeiçoamento e capacitação <strong>de</strong> seus funcionários, notadamente nesta área <strong>de</strong>conhecimento <strong>em</strong> que a evolução tecnológica e complexida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a exig<strong>em</strong>tal providência.Tal fato po<strong>de</strong> ser comprovado por intermédio dos <strong>de</strong>poimentos abaixoreproduzidos, prestados pelos próprios funcionários da <strong>em</strong>presa – na presença<strong>de</strong> seus advogados - ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, como, aliás, também constatou aDelegacia Regional do Trabalho segundo antes já afirmado:[...] Que o <strong>de</strong>poente já havia feito várias <strong>em</strong>endas comsoprador térmico. Que nunca havia feito <strong>em</strong>enda usandoliquinho;[...] Que nunca trabalhou com maçarico a gás;[...] Que participou <strong>de</strong> um treinamento da CEMIG <strong>em</strong>Minas Gerais. Que o treinamento consistiu <strong>em</strong> informaçõessobre <strong>em</strong>endas, como trabalhar <strong>em</strong> locais fechados. O referidotreinamento dava ênfase ao uso do gerador. Que nãol<strong>em</strong>bra se esse treinamento teve informações referentes aouso do liquinho a gás; Que não teve treinamento para o uso<strong>de</strong> maçarico a gás; Que não recorda a data do treinamentona CEMIG, que precisaria olhar no diploma;[...] que com relação a ambientes fechados n<strong>em</strong> o treinamentoda CEMIG, n<strong>em</strong> o treinamento da CIPA incluíaminformações <strong>de</strong> como agir <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes [...] (doc.5 – s<strong>em</strong> grifos no original) 8 .[...] Que já realizou várias <strong>em</strong>endas utilizando tanto osoprador térmico quanto o maçarico. Que não se recorda<strong>de</strong> já ter realizado <strong>em</strong>enda usando o maçarico <strong>em</strong> localfechado, tal qual o local do ocorrido;[...] Que o <strong>de</strong>poente está há 19 anos na <strong>em</strong>presa e utiliza omaçarico por cerca <strong>de</strong> 17 anos. Que nesses 17 anos acreditaque nuca utilizou o maçarico <strong>em</strong> local fechado;[...] Que já teve treinamento para a realização do trabalhoque estava sendo executado no dia do ocorrido. Que otreinamento que o <strong>de</strong>poente fez era só para o uso do maçarico.Que o treinamento não se referia ao uso do maçarico8 Depoimento prestado por João Terba dos Santos nos autos do Inquérito Civil n o 1/2003.


<strong>em</strong> local fechado. Que este treinamento foi realizado pelaCEMIG e pelo CEFA. Que o treinamento foi realizadopela CEMIG e pelo CEFA. Que o treinamento dado peloCEFA foi há cerca <strong>de</strong> 12 anos atrás e pelo CEMIG, cerca<strong>de</strong> 6 anos atrás.[...] Que nesse treinamento incluíam noções <strong>de</strong> prevenção<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Que nesse treinamento foi passada uma lista<strong>de</strong> equipamentos que <strong>de</strong>veriam ser adquiridos pela <strong>em</strong>presa,que dos itens constantes na lista, acredita que o únicoequipamento não adquirido pela <strong>em</strong>presa foi o <strong>de</strong>tector<strong>de</strong> gás [...] (doc. 6 – s<strong>em</strong> grifos no original) 9 .[...] Que já havia feito várias <strong>em</strong>endas com sopradortérmico, e que já ajudou e assistiu várias vezes <strong>em</strong>endacom liquinho.[...] Que nunca usou liquinho para fazer <strong>em</strong>endas;[...] Que já fez treinamento para fazer <strong>em</strong>endas, dado pelaCEMIG, que pelo que recorda, o treinamento foi <strong>em</strong> 1995,que foi o único treinamento. Que o treinamento incluíatanto <strong>em</strong>endas com maçarico e soprador térmico. Que nãohouve durante o treinamento manuseio <strong>de</strong> equipamento,foi um curso teórico. Que durou duas s<strong>em</strong>anas, sendorealizado uma <strong>em</strong> Minas e outra <strong>em</strong> Florianópolis.[...] que no treinamento foi passada uma lista <strong>de</strong> equipamentosa ser adquirido pela <strong>em</strong>presa para fazer amanutenção dos cabos, e que referida lista foi passadapor Jacques à direção da <strong>em</strong>presa, e que Jacques estavatambém fazendo este treinamento, que <strong>de</strong>ntre os equipamentosda referida lista, a maioria foram compradospela CELESC, exceto o <strong>de</strong>tector <strong>de</strong> gás. Que o <strong>de</strong>tector<strong>de</strong> gás, como o próprio nome diz, serve para <strong>de</strong>tectar apresença <strong>de</strong> gás no local, e que <strong>de</strong>ve ser utilizado antesdo início dos trabalhos. Que a <strong>em</strong>presa não adquiriu oequipamento porque não havia no comércio; que nodia do ocorrido não foi utilizado o <strong>de</strong>tector porque a<strong>em</strong>presa não o possuía;[...] que o treinamento dado pelas <strong>em</strong>presas quando o <strong>de</strong>-9 Depoimento prestado por Evaldo Rocha Floriano nos autos do Inquérito Civil n o 1/2003.10 Depoimento prestado por Mário César dos Santos nos autos do Inquérito Civil n o 1/2003.


poente trabalhava <strong>em</strong> re<strong>de</strong> aérea fornecia informações <strong>em</strong>caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes; que treinamento se referia a aci<strong>de</strong>ntesocorridos <strong>em</strong> re<strong>de</strong>s aéreas. Que não teve treinamento cominformações como agir <strong>em</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> re<strong>de</strong> subterrânea[...] (doc. 3 – s<strong>em</strong> grifos no original) 10 .[...] que o <strong>de</strong>poente já havia feito este tipo <strong>de</strong> trabalhooutras vezes, que já havia feito <strong>em</strong>endas com maçarico.Que nunca havia feito <strong>em</strong>endas com maçarico <strong>em</strong> localfechado, como era o local os fatos;[...] que o <strong>de</strong>poente havia ajudado e executado pessoalmente<strong>em</strong>endas com maçarico. Que nunca havia ajudadoou realizado pessoalmente <strong>em</strong>endas com maçarico <strong>em</strong>local fechado, como era o local dos fatos;[...] Que o <strong>de</strong>poente nunca teve treinamento para otrabalho que foi realizado no dia dos fatos. O quehouve foi contato diário com funcionários mais antigosque passavam suas experiência. Que não participou dotreinamento dado pela <strong>em</strong>presa CEMIG no qual outrosfuncionários participavam. Que participou <strong>de</strong> alguns treinamentosdados pela CIPA, mas que esses treinamentossão genéricos, direcionados a qualquer tipo <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte[...] (doc. 4 – s<strong>em</strong> grifos no original) 11 .Consoante se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> dos certificados juntados pelos funcionários daCELESC (docs. 26/31), o único curso que lhes foi ministrado – à exceção <strong>de</strong>Jacques e João, que tiveram outro (breve) curso – se <strong>de</strong>u há aproximadamente 5anos e nenhum <strong>de</strong>les - n<strong>em</strong> o <strong>de</strong> Jacques e João - foi específico para capacitálosa lidar com situações tais como a presente, principalmente no que tange acomo agir <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> local fechado.Dessa forma, fácil concluir-se que a ausência <strong>de</strong> capacitação para aquelaoperação <strong>em</strong> particular teve reflexos negativos não só na ocorrência do incêndio/explosãopropriamente ditos, como também na falta <strong>de</strong> preparo para evitarou minimizar as conseqüências do evento.Extrai-se dos <strong>de</strong>poimentos, ainda, que não obstante a ciência por parte da<strong>em</strong>presa da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adquirir equipamento <strong>de</strong>tector <strong>de</strong> gás, o qual se faziaimprescindível naquela operação, mesmo assim <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> fazê-lo.11 Depoimento prestado por Sidney Vasques nos autos do Inquérito Civil n o 1/2003.


2.3.3.2 Da ausência <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência e do reiterado<strong>de</strong>scaso com a segurança2.3.3.2.1 Da ausência <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência – omissão daCELESCPor ocasião da resposta ao Ofício n o 586/2003 expedido pela ANEEL,a CELESC admitiu (doc. 15) dos Autos do Procedimento da ANEEL a inexistência<strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência na hipótese <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong>transmissão, tal qual ocorreu naquela oportunida<strong>de</strong>. Alvitrado documento t<strong>em</strong>o seguinte teor:A CELESC não t<strong>em</strong> o Plano <strong>de</strong> Emergência, para ocaso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> transmissão, conformeverificado pela ANEEL. O próprio treinamento dasequipes <strong>de</strong> manutenção e os materiais reservas estocados<strong>em</strong> seus Almoxarifados constitu<strong>em</strong> as prevenções da <strong>em</strong>presapara estas ocorrências. A eficiência <strong>de</strong>sta filosofia<strong>de</strong> trabalho ficou plenamente d<strong>em</strong>onstrada na execuçãodas instalações provisórias, com a rápida mobilização dasequipes <strong>de</strong> manutenção e côo pronto atendimento <strong>de</strong> todasas solicitações <strong>de</strong> materiais e equipamentos.[...]A infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventos que pod<strong>em</strong> <strong>de</strong>flagrar a perda <strong>de</strong>uma Linha <strong>de</strong> Transmissão ou mesma <strong>de</strong> uma Linha <strong>de</strong>Distribuição, e as características específicas <strong>de</strong> cada ocorrênciae suas conseqüências, prejudicam a elaboração <strong>de</strong>um Plano <strong>de</strong> Emergência.Em respeito a anotação do Relatório SFE, a CELESC irácontudo rediscutir internamente, no âmbito da DiretoriaTécnica, a viabilida<strong>de</strong> da criação <strong>de</strong> um Plano<strong>de</strong> Emergência, com parâmetros genéricos, que possamser adotados <strong>em</strong> todas a situações <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência. (s<strong>em</strong>grifos no original)Constata-se, portanto, que a CELESC não só não tinha um Plano <strong>de</strong> Emergênciacomo <strong>de</strong>veria, para o caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte daquela natureza, como teve queocorrer o sinistro para finalmente tomar a iniciativa <strong>de</strong> “rediscutir internamente


a viabilida<strong>de</strong> da criação” do alvitrado Plano.Do Relatório <strong>de</strong> Fiscalização RF-CELESC-02/2003-SFE elaborado pelaANEEL (p. 7 do doc. 20) extrai-se:Foi constato pela equipe <strong>de</strong> fiscalização que a Celesc nãopossuía um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência para atendimento daIlha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> no caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> uma ouduas linhas isoladas <strong>de</strong> 138 KV atualmente existentes,pois a <strong>de</strong>cisão pela alternativa <strong>de</strong> atendimento, com aconstrução <strong>de</strong> uma linha <strong>de</strong> transmissão provisória paraatendimento a Ilha, foi às 21:50h do dia 29/10/2003, ouseja, aproximadamente 8h30min após o início da ocorrência.Como a Celesc não tinha alternativa preparada,não possuía todos os materiais necessários para aconstrução e não tinha um trajeto <strong>de</strong>finido para a linha<strong>de</strong> transmissão provisória, portanto, teve <strong>de</strong> realizarvárias adaptações <strong>de</strong> materiais e <strong>de</strong> trajeto da linha <strong>de</strong>transmissão provisória. (s<strong>em</strong> grifos no original)Merece <strong>de</strong>staque a afirmação da ANEEL, segundo a qual a “Celesc nãotinha alternativa preparada, não possuía todos os materiais necessários para aconstrução e não tinha um trajeto <strong>de</strong>finido para a linha <strong>de</strong> transmissão provisória”,circunstância que a levou a “realizar várias adaptações <strong>de</strong> materiais e <strong>de</strong> trajetoda linha <strong>de</strong> transmissão provisória”.Conclui-se, nesse contexto, por tudo que ora se expôs, que a Concessionárianão só <strong>de</strong>u causa ao aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo como po<strong>de</strong>ria ter evitado suasconseqüências <strong>de</strong>letérias caso houvesse um Plano <strong>de</strong> Emergência, pois caso opossuísse, mesmo o incêndio/explosão não acarretaria a interrupção no fornecimento<strong>de</strong> energia para a porção insular <strong>de</strong> Florianópolis.Ad<strong>em</strong>ais, não há dúvida que essa falha da Concessionária encontra eco <strong>em</strong>igual <strong>de</strong>sacerto da Agência Reguladora, pois esta última, mais uma vez omissa,não exerceu seu mister fiscalizatório na medida <strong>em</strong> que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificarapontada mácula e <strong>de</strong> agir <strong>de</strong> modo a repará-la antes do blecaute.2.3.3.2.2 Da ausência <strong>de</strong> seguro das linhas <strong>de</strong> transmissãoApesar <strong>de</strong> a Cláusula Quinta, inciso IV, do Contrato <strong>de</strong> Concessão (Distribuição<strong>de</strong> Energia) n o 56/99 – ANEEL – CELESC (doc. 21) estabelecer a


obrigação da Concessionária <strong>de</strong> segurar os bens e instalações essenciais àgarantia e confiabilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a elétrico, tal providência mais uma vez nãofoi cumprida pela CELESC, circunstância que ocasionou prejuízo à populaçãocatarinense também <strong>de</strong>ssa ord<strong>em</strong>:Dispõe aludido Contrato <strong>de</strong> Concessão:CLÁUSULA QUINTA – OBRIGAÇÕES E ENCARGOSDA CONCESSIONÁRIAAlém <strong>de</strong> outras obrigações <strong>de</strong>correntes da lei e das normasregulamentares específicas, constitu<strong>em</strong> encargos daCONCESSIONÁRIA, inerentes à concessão regulada poreste Contrato:[...]Organizar e manter registro e inventário dos bens e instalaçõesvinculados à concessão e zelar pela sua integrida<strong>de</strong>,provi<strong>de</strong>nciando para que, aqueles que, por razões <strong>de</strong> ord<strong>em</strong>técnica, sejam essenciais à garantia e confiabilida<strong>de</strong> dosist<strong>em</strong>a elétrico, estejam s<strong>em</strong>pre a<strong>de</strong>quadamente cobertospor seguro, vedado à CONCESSIONÁRIA, nos termosda legislação específica, alienar, ce<strong>de</strong>r a qualquer títuloou dar <strong>em</strong> garantia s<strong>em</strong> a prévia e expressa autorizaçãoda ANEEL. (s<strong>em</strong> grifos no original)Ora, que as linhas <strong>de</strong> transmissão afetadas pelo incêndio/explosão eramessenciais à garantia e confiabilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a não existe dúvidas, tanto queseu comprometimento ocasionou a interrupção na prestação do serviço. Por essarazão, razoável concluir-se que a securitização do equipamento era providênciaque se impunha, obrigação (contratual) esta mais uma vez foi inobservada pelaConcessionária.Verifica-se, portanto, que o <strong>de</strong>scaso da CELESC era marcante e abrangente,compatível, aliás, com o da própria ANEEL, Agência Reguladora que, a par <strong>de</strong>ter a atribuição <strong>de</strong> exercer a fiscalização da Concessionária, não obrou eficaz <strong>em</strong>seu mister também nesse aspecto.2.3.3.2.3 Da infração às normas <strong>de</strong> segurança constatadas <strong>em</strong>relatórios <strong>de</strong> fiscalização anterioresComo é praxe, a ANEEL realiza Relatórios <strong>de</strong> Fiscalização periódicos,


por via dos quais, além <strong>de</strong> aferir se a Concessionária observa as normas legaise contratuais que reg<strong>em</strong> a ativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve(ria) exigir a adoção <strong>de</strong> providênciasinclusive no sentido <strong>de</strong> prevenir a ocorrência <strong>de</strong> eventos como, por ex<strong>em</strong>plo,como o do caso <strong>em</strong> tela.Conforme po<strong>de</strong> se verificar do it<strong>em</strong> “C.17” do Relatório <strong>de</strong> Fiscalização03/2002 (doc. 32), ficou constatado que o <strong>de</strong>scaso da CELESC com questõesafetas à segurança não é recente:[...]Constatação (C.17) – Aspectos <strong>de</strong> Segurança (Das pessoase das instalações)Na fiscalização, foram inspecionadas as subestações <strong>de</strong>Blumenau Bairro da Velha, Blumenau Salto, Tubarão,Trinda<strong>de</strong>, Coqueiros, Ilha Centro. Nas referidas inspeçõesconstatou-se que os prazos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os extintoresencontravam-se vencidos.Em inspeção a subestação Ilha – Centro, on<strong>de</strong> estava sendoampliado o número <strong>de</strong> alimentadores, constatou-se que ostécnicos da Celesc que estavam realizando o serviço, navia pública, não estavam adotando os procedimentos <strong>de</strong>segurança a<strong>de</strong>quados, como po<strong>de</strong> ser observado nas figuras1 e 2. (s<strong>em</strong> grifos no original)Consta, ainda, da conclusão daquele documento:[...] Foram também verificadas falhas nos procedimentosda <strong>em</strong>presa, principalmente <strong>em</strong> relação aosaspectos <strong>de</strong> segurança, que são objetos <strong>de</strong> registro nesterelatório. (s<strong>em</strong> grifos no original)2.3.3.3 Do conhecimento da vulnerabilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>aPartindo-se da pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> que toda energia elétrica distribuída pela CE-LESC à parte insular <strong>de</strong> Florianópolis passa por dois sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> transmissãolocalizados num mesmo ponto, no interior da Ponte Colombo Machado Salles,é razoável chegar-se a duas conclusões óbvias: 1- qualquer aci<strong>de</strong>nte ocorrido nointerior da ponte Colombo Salles apto a interromper a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> energia elétricanaquele ponto compromete imediatamente a distribuição <strong>de</strong> energia elétricapara as 135.432 unida<strong>de</strong>s consumidoras instaladas na parte insular da capital do


Estado catarinense, ou seja, para 79,5% dos consumidores <strong>de</strong> Florianópolis; e2- a forma pela qual foi estruturada a distribuição <strong>de</strong> energia para a ilha torna osist<strong>em</strong>a vulnerável, razão porque a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> obras no sentido <strong>de</strong> torná-lomais seguro era uma providência da qual Concessionária tinha plena ciência antesmesmo do <strong>de</strong>senrolar dos fatos. Aliás, o aperfeiçoamento do sist<strong>em</strong>a mediantea ampliação e modificação das instalações até então existentes, presta-se nãosó para garantir sua eficiência e segurança, mas também para aten<strong>de</strong>r tambémo crescimento da d<strong>em</strong>anda.Nesse contexto, o reconhecimento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aperfeiçoamentodo sist<strong>em</strong>a foi abordado também no próprio Contrato <strong>de</strong> Concessão n o 56/99(Contrato para Distribuição <strong>de</strong> Energia Elétrica – doc. 21), celebrado <strong>em</strong> 22 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 1999, o qual, por via <strong>de</strong> sua Cláusula Quarta – caput, dispôs:A concessionária obriga-se a prover o atendimento daatual d<strong>em</strong>anda dos serviços concedidos e também implantarnovas instalações, b<strong>em</strong> como ampliar e modificaras existentes, <strong>de</strong> modo a garantir o atendimento da futurad<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> seu mercado <strong>de</strong> energia.De fato, a concessionária tinha pleno conhecimento da vulnerabilida<strong>de</strong> dosist<strong>em</strong>a e da necessida<strong>de</strong> do respectivo aperfeiçoamento há muito t<strong>em</strong>po, tantoque constou do Relatório <strong>de</strong> Fiscalização n o 02/2003 elaborado pela ANEEL (p. 5do doc. 20), que a CELESC v<strong>em</strong> postergando as obras correlatas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1999:[...] Na análise da configuração do sist<strong>em</strong>a elétrico da <strong>em</strong>presa,a equipe <strong>de</strong> fiscalização constatou que, atualmente,com duas linhas isoladas <strong>de</strong> 138 kV, a Celesc nãoconsegue aten<strong>de</strong>r, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> qualquer umadas linhas atuais, o abastecimento <strong>de</strong> energia elétricada Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. Isto se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong>que uma linha isolada está interligando a subestaçãoPalhoça à subestação Ilha Centro e a outra linha isolada<strong>de</strong> 138 kV está interligando a subestação Palhoçaa subestação Trinda<strong>de</strong>. Portanto, mesmo com a informaçãodos técnicos da Celesc, <strong>de</strong> que uma linha teriacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r toda a carga, isso não seriapossível, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> não existir a interligaçãoentre a subestações <strong>de</strong> Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>. A construçãoda subestação Mauro Ramos e interligações éque irá proporcionar maior confiabilida<strong>de</strong> ao sist<strong>em</strong>aelétrico pelo fechamento do anel entre a subestação


Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>.Dois pontos merec<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque.No plano <strong>de</strong>cenal <strong>de</strong> expansão 1998/2007 do GCPS-Eletrobrás(página 285) estava prevista a entrada <strong>em</strong> operaçãoda obra para o ano <strong>de</strong> 1999, sendo postergadaconstant<strong>em</strong>ente pela Celesc, e finalmente prevista noplanejamento qüinqüenal da <strong>em</strong>presa ciclo 2003-2007,para fevereiro <strong>de</strong> 2004. Na fiscalização realizada nosdias 3 e 4 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003 <strong>em</strong> Florianópolis, constatou-seque a referida obra ainda não tinha sido licitadae, portanto, não iniciada.Destaca-se que a construção da subestação Mauro Ramose, por conseqüência, o fechamento do anel <strong>de</strong> 138 kV<strong>de</strong>ntro da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, é apenas a etapa inicial<strong>de</strong> melhoria da confiabilida<strong>de</strong> no atendimento aos consumidores,pois a solução <strong>de</strong>finitiva, além da construçãodo anel <strong>de</strong> 138 kV, seria uma nova fonte <strong>de</strong> alimentação,que segundo o planejamento qüinqüenal ciclo 2002-2006,era a construção da LT 230 kV Palhoça Eletrosul – IlhaSul, prevista para nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, porém retiradado planejamento qüinqüenal da Celesc, ciclo 2003-2007. A informação mais atualizada, é a constante do“Estudo Conjunto Celesc e Eletrosul área leste e planalto<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>” que prevê a construção da subestaçãoFlorianópolis Ilha <strong>em</strong> 230 kV, alimentada pela subestaçãoBiguaçu para 2006/2007 e a interligação entre as duassubestações por meio <strong>de</strong> cabos submarinos.Cabe ainda ressaltar que, na ação <strong>de</strong> fiscalização realizada<strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2002 na Celesc, <strong>em</strong> resposta ao ofícion o 512/2002-SFE-Aneel, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2002, quesolicitava da <strong>em</strong>presa a apresentação dos pontos críticos eobras previstas, a <strong>em</strong>presa informou que não consi<strong>de</strong>ravao atendimento a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> um ponto críticoe os d<strong>em</strong>ais já haviam sido diagnosticados e as soluçõesestão sendo implantadas. (s<strong>em</strong> grifos no original)O primeiro é que <strong>em</strong>bora haja duas linhas <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> energia elétricapara a ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> (ambas passam pelo mesmo local, que é o interiorda ponte), o comprometimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las não po<strong>de</strong> ser suprido pela outra,pois, como referido no Relatório da ANEEL, isso se dá “<strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> não


existir a interligação entre a subestações <strong>de</strong> Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>ficiênciaque po<strong>de</strong>ria ser solucionada pela “construção da subestação Mauro Ramos einterligações”, pois “irá proporcionar maior confiabilida<strong>de</strong> ao sist<strong>em</strong>a elétricopelo fechamento do anel entre a subestação Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>”.Apesar <strong>de</strong> a Concessionária ter, há muito, plena consciência da apontadavulnerabilida<strong>de</strong>, aludida <strong>de</strong>ficiência, que seria suprida pela execução do “plano<strong>de</strong>cenal <strong>de</strong> expansão 1998/2007 do GCPS-Eletrobrás (página 285)”, no qual“estava prevista a entrada <strong>em</strong> operação da obra para o ano <strong>de</strong> 1999”, não foi eliminadapois a CELESC postergou reiteradas vezes a impl<strong>em</strong>entação da obra.O segundo aspecto digno <strong>de</strong> atenção é a necessida<strong>de</strong> da adoção <strong>de</strong> umaoutra providência, concomitant<strong>em</strong>ente à ora apresentada, que consiste <strong>em</strong>provi<strong>de</strong>nciar-se uma “nova fonte <strong>de</strong> alimentação, que segundo o planejamentoqüinqüenal ciclo 2002-2006, era a construção da LT 230 kV Palhoça Eletrosul– Ilha Sul, prevista para nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004”. Ocorre, todavia, que a CELESCmais uma vez tratou o probl<strong>em</strong>a com total <strong>de</strong>scaso, uma vez que retirou oprojeto <strong>de</strong> seu planejamento qüinqüenal.Compreendidos esses dois aspectos, não po<strong>de</strong>ria ser outra a conclusãochegada pelo referido Relatório da ANEEL (p. 11 do doc. 20):VI – CONCLUSÃONa avaliação da ocorrência <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003,constatou-se que a Celesc tinha conhecimento prévioda fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> 138 KVpara atendimento à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> tanto queestavam previstas obras <strong>de</strong> fechamento do anel <strong>de</strong> 138 Kv<strong>de</strong>ntro da ilha, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong> um novo suprimento.[...]É importante também <strong>de</strong>stacar que, a <strong>em</strong>presa não possuíaum plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência para atendimento, à Ilha<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, no caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> qualquer umadas linhas <strong>de</strong> 138 KV, apesar <strong>de</strong> ter conhecimento prévioque haveria corte <strong>de</strong> carga <strong>de</strong> até a 120 MW nestasituação. (s<strong>em</strong> grifos no original)O parecer elaborado pelo Engenheiro Carlos Gallo (doc. 33), <strong>em</strong> atendimentoà requisição do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, também aponta o mesmo norte:No caso específico do atendimento à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>


Referido parecer, na fl. 15, indica quehavia alguma previsão <strong>de</strong> obra? Quais?4.1 – No caso específico do atendimento à Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong>, on<strong>de</strong> está situada a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Florianópolis,capital do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, há muito t<strong>em</strong>sido <strong>de</strong>stacada a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reforçar o sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> suprimento à área central da cida<strong>de</strong> com a implantação<strong>de</strong> obras que visam aumentar a confiabilida<strong>de</strong><strong>de</strong>ste atendimento, conforme claramente consignadono it<strong>em</strong> 5.3 - Atendimento ao Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>– do Relatório GCPS/S/CTST/GTPD - 009/97 – ProgramaDecenal <strong>de</strong> Transmissão da Região Sul – período 1997-2006: (s<strong>em</strong> grifos no original)Na área <strong>de</strong> Florianópolis será construída a segunda subestação<strong>de</strong> suprimento à área central da cida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> jan/2003, comalimentação a partir da LT 138 kV Palhoça-Trinda<strong>de</strong>.4.2 - O Relatório GCPS/S/CTST/GTPD 009/98 – ProgramaDecenal <strong>de</strong> Transmissão da Região Sul – Período1998/2007, ao analisar o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho do atendimento àFlorianópolis, <strong>de</strong>stacou no it<strong>em</strong> 4.3, às fls. 12, que:‘No período 1998/2000, consi<strong>de</strong>rando as obras previstas,o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> subtransmissão <strong>em</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> apresenta-se satisfatório para condições normais<strong>de</strong> operação. As principais obras <strong>de</strong>ste período são:’ (s<strong>em</strong>grifos no original).[...]- Fechamento <strong>de</strong> um anel <strong>em</strong> 138 kV <strong>em</strong> Florianópolisa partir <strong>de</strong> 1999, interligando as subestações Palhoça(ELETROSUL) – Trinda<strong>de</strong> – Florianópolis-Mauro Ramos(futura) - Ilha Centro, para aumento <strong>de</strong> confiabilida<strong>de</strong> (s<strong>em</strong>grifos no original)Na seqüência, à fl. 13, o relatório <strong>de</strong>staca, ainda, que:E, mais adiante:Dando continuida<strong>de</strong> às obras <strong>de</strong> reforço e confiabilida<strong>de</strong>à região <strong>de</strong> Florianópolis, será construída, <strong>em</strong> 2003, asegunda linha Palhoça (ELETROSUL) – Trinda<strong>de</strong>, operando<strong>em</strong> 138 kV.


4.3 – O Relatório CCPE/CTET- 07/00 – Plano Indicativo<strong>de</strong> Transmissão da Região Sul – Período 2000/2009, noit<strong>em</strong> 4.3, às fls. 14, apontou que:A região <strong>de</strong> Florianópolis será dotada <strong>de</strong> maior confiabilida<strong>de</strong>com o fechamento <strong>de</strong> um anel <strong>em</strong> 138 kVentre as subestações Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>, o qual seráimplantado junto com a SE Florianópolis Mauro Ramos,<strong>em</strong> 2001, evitando cortes <strong>de</strong> carga da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 60 MW<strong>em</strong> <strong>em</strong>ergências. Para 2005, prevê-se a construção daterceira linha, a partir <strong>de</strong> Palhoça (ELETROSUL) (s<strong>em</strong>grifos no original).Apesar <strong>de</strong>stes reforços, constata-se probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> subtensãona região <strong>de</strong> Florianópolis a partir <strong>de</strong> 2004.4.4 – Neste mesmo sentido também se posicionou oRelatório CCPE/CTET- 033/2001 – Plano Indicativo <strong>de</strong>Transmissão da Região Sul – Período 2001/2010 no it<strong>em</strong>4.3, às fls. 25, conforme indicado a seguir:A região <strong>de</strong> Florianópolis será dotada <strong>de</strong> maior confiabilida<strong>de</strong>com o fechamento <strong>de</strong> um anel <strong>em</strong> 138 kV entre assubestações Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>, o qual será implantadojunto com a SE Florianópolis Mauro Ramos 138/13,8kV, <strong>em</strong> 2002, evitando cortes <strong>de</strong> carga da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 100MW <strong>em</strong> <strong>em</strong>ergências. Para 2005, prevê-se a construçãoda terceira linha, a partir <strong>de</strong> SE 230/138 kV Palhoça daEletrosul. (s<strong>em</strong> grifos no original).4.5 – Vê-se, portanto, que eram fartos os alertas paraa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se promover reforços no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>atendimento à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, já a partir <strong>de</strong>1998, agravando-se com o passar dos anos. (s<strong>em</strong> grifosno original)As consi<strong>de</strong>rações finais fecham a questão <strong>de</strong> maneira conclusiva e irrefutável:– A subestação Mauro Ramos, a ser construída junto ao morroda cruz, prevista para entrar <strong>em</strong> operação <strong>em</strong> jan/2003, atéo presente momento não há nenhuma previsão <strong>de</strong> início dasobras. Do mesmo modo a LT 138 kV Trinda<strong>de</strong> – Ilha Nortesaiu do horizonte dos programas <strong>de</strong>cenais que se seguiram.– Mesmo tendo sido, as soluções apontadas pelos relatórios


<strong>de</strong>cenais supracitados, <strong>em</strong>itidas com t<strong>em</strong>po hábil para quea CELESC promovesse os respectivos estudos, projetos,licitações e construções, até o presente momento nãose t<strong>em</strong> conhecimento <strong>de</strong> um único estudo conclusivoque estabeleça qual a alternativa mais viável técnicae econômica para efetuar a terceira interligação continente/ilha.- Da análise dos planos <strong>de</strong>cenais, mencionados nesteparecer, vê-se que a CELESC, <strong>de</strong> forma pouco compreensível,<strong>de</strong>cidiu antecipar a SE Mauro Ramos <strong>de</strong> 2003para 2001 e postergar a terceira linha continente/ilha,a partir da SE Palhoça, <strong>de</strong> 2003 para 2005. Nota-seaqui duas incoerências. A primeira é a antecipação daSE Mauro Ramos para 2001 quando sabidamente s<strong>em</strong>a menor chance <strong>de</strong> ser construída, uma vez que, todoo processo licitatório que antece<strong>de</strong> a obra e o próprioperíodo da obra são incompatíveis com a data aprazada.A segunda é o fato <strong>de</strong> ter postergado a terceirainterligação continente/ilha <strong>de</strong> 2003 para 2005 quandoos estudos estão mostrando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazerum racionamento <strong>de</strong> carga da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 60 MW (aproximadamente50% da carga total da ilha), <strong>em</strong> caso <strong>de</strong><strong>em</strong>ergência simples, isto é, <strong>de</strong> <strong>de</strong>feito <strong>em</strong> um só doscircuitos que atravessam a ponte, e <strong>de</strong> 100% <strong>de</strong> toda acarga da ilha <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>ergência dupla, comoa que ocorreu no dia 29/10/03.- Portanto, ao assim <strong>de</strong>cidir a CELESC, conscient<strong>em</strong>ente,assumiu o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> suprir os consumidores dailha, quer parcialmente, quer na sua totalida<strong>de</strong>, s<strong>em</strong>preque ocorrer uma situação <strong>em</strong>ergencial envolvendo aslinhas <strong>de</strong> transmissão <strong>em</strong> 138 kV atendidas pela SE– Palhoça (ELETROSUL).– Assim, a d<strong>em</strong>ora na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, quanto à efetivarealização das obras, só t<strong>em</strong> agravado às condições <strong>de</strong>atendimento à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Florianópolis, ampliando o corte<strong>de</strong> carga <strong>em</strong> situação <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência, como apontado nosestudos supracitados, <strong>de</strong> 60 MW para 100 MW.– Esta situação quantifica, muito b<strong>em</strong>, a fragilida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong>elétrica que aten<strong>de</strong> a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e mostra o quãourgente é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ultimar a impl<strong>em</strong>entação dasobras previstas, nos planos e programas <strong>de</strong> expansão, para


eforçar este atendimento.– O que se conclui <strong>de</strong> todo este episódio é a poucaimportância dada, pela Direção da CELESC, aosestudos elaborados pelos órgãos <strong>de</strong> planejamento e o<strong>de</strong>scompromisso com as datas ali avençadas, poucoimportando as conseqüências advindas <strong>de</strong> seu não cumprimento.A expectativa <strong>de</strong> que fatos como o do dia 29/10não ocorram e a confiança <strong>em</strong> uma solução negociada, <strong>em</strong>tais casos, contribu<strong>em</strong> para que as soluções <strong>de</strong>finitivassejam s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong>purradas com a barriga.Este é o parecer sobre os pontos objeto da consulta, colocando-me,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, à disposição <strong>de</strong>sta Promotoria paraoutros esclarecimentos que se façam necessários. (s<strong>em</strong>grifos no original).2.4 Da responsabilida<strong>de</strong> da ANEEL – legitimida<strong>de</strong> passivaSe, por um lado, a CELESC, por ação e omissão, violou inúmeras vezesos <strong>de</strong>veres objetivos <strong>de</strong> conduta e, diante disso, <strong>de</strong>u causa aos danos resultantesdo “apagão”, por outro a ANEEL igualmente <strong>de</strong>ve ser responsabilizada pelofato, notadamente porque não agiu <strong>de</strong> forma eficaz para instar a Concessionáriaa suprir suas omissões e, por conseqüência, a evitar os danos aos consumidores,ou ao menos amenizá-los sobr<strong>em</strong>aneira.Com efeito, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Agência Reguladora, a ANEEL t<strong>em</strong> a obrigação<strong>de</strong> fiscalizar as instalações, a estrutura <strong>de</strong> operação e, principalmente, ascondições <strong>de</strong> funcionamento das Concessionárias. Feito isso, t<strong>em</strong> o <strong>de</strong>ver legal<strong>de</strong> apontar <strong>de</strong>ficiências e exigir que essas sejam efetivamente supridas, <strong>de</strong> modonão só a garantir a qualida<strong>de</strong> e presteza na distribuição do serviço, mas tambéma evitar que eventos tais como o ocorrido <strong>em</strong> Florianópolis aconteçam ou, nahipótese <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> levados a efeito, que o restabelecimento da prestação do serviçose dê no menor espaço <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po possível.Ora, se a Agência possui competência para sancionar a Concessionáriapela interrupção na distribuição <strong>de</strong> energia a que <strong>de</strong>u causa, com mais razãoa t<strong>em</strong> para obrigá-la a impl<strong>em</strong>entar programas e a realizar obras para impedireventos daquela natureza.Aliás, para o direito é básico que a função preventiva sobrepõe-se à


epressiva (reparatória/ressarcitória), regra a qual, por óbvio, a Agência Reguladoratambém está adstrita.Note-se que, conforme anunciado à exaustão nos tópicos anteriores, aprópria ANEEL foi enfática a registrar <strong>em</strong> seu Relatório <strong>de</strong> Fiscalização (RF-CELESC-02/2003-SFE – doc. 20) que “a Celesc tinha conhecimento prévioda fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> 138 KV para atendimento à ilha<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>” e que “a <strong>em</strong>presa não possuía um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergênciapara atendimento, à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, no caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> qualquer umadas linhas <strong>de</strong> 138 KV, apesar <strong>de</strong> ter conhecimento prévio que haveria corte <strong>de</strong>carga <strong>de</strong> até 120 MW nesta situação”, circunstância que, extraída à guisa <strong>de</strong>ex<strong>em</strong>plo entre tantas outras abordadas nesta inicial que também po<strong>de</strong>riam sermencionadas, d<strong>em</strong>onstra que a responsabilida<strong>de</strong> da ANEEL é indissociável a daCELESC <strong>em</strong> diversos pontos, na medida <strong>em</strong> que sua fiscalização (preventiva)não foi eficaz nesses aspectos.Como dito, outras mais po<strong>de</strong>riam ser elencadas, como, v.g., a falta <strong>de</strong>treinamento para o aperfeiçoamento dos funcionários da Celesc para a execução<strong>de</strong> serviços daquela natureza, b<strong>em</strong> como a ausência <strong>de</strong> seguro das linhas <strong>de</strong>transmissão, ambas obrigações previstas no Contrato <strong>de</strong> Concessão n o 56/99(Cláusula Quinta, inciso XIII e inciso IV, respectivamente – doc. 21) que, apesar<strong>de</strong> sist<strong>em</strong>aticamente <strong>de</strong>scumpridas pela Concessionária, não vinham sendo12 A violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver jurídico configura o ilícito, que, quase s<strong>em</strong>pre, acarreta dano paraoutr<strong>em</strong>, gerando um novo <strong>de</strong>ver jurídico, qual seja, o <strong>de</strong> reparar o dano.[...]É aqui que entra a noção <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil. […] Em sentido jurídico, o vocábulonão foge <strong>de</strong>ssa idéia. Designa o <strong>de</strong>ver que alguém t<strong>em</strong> <strong>de</strong> reparar o prejuízo <strong>de</strong>corrente daviolação <strong>de</strong> um outro <strong>de</strong>ver jurídico. Em apertada síntese, responsabilida<strong>de</strong> civil é um <strong>de</strong>verjurídico sucessivo que surge para recompor o dano <strong>de</strong>corrente da violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>verjurídico originário. In CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Civil.5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 23-24.13 O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico existente entre oagente e a vítima. Há uma necessida<strong>de</strong> fundamental <strong>de</strong> se restabelecer esse equilíbrio, oque se procura fazer recolocando o prejudicado no status quo ante. Impera neste campo oprincípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto o possível, repõe-se a vítima à situaçãoanterior à lesão. In CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 35.14 Por ato ilícito, <strong>em</strong> seu sentido amplo, assim <strong>de</strong>finido pelo art. 187 do Código Civil <strong>de</strong> 2002,se enten<strong>de</strong> um comportamento voluntário que viola um <strong>de</strong>ver jurídico. O el<strong>em</strong>ento culpaintegra apenas o ato ilícito <strong>em</strong> seu sentido estrito, previsto pelo art. 186 do mesmo diplomalegal, o qual serve <strong>de</strong> fundamento para as hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil subjetiva.


exigidas pela Agência Reguladora.Não fosse por isso, o só fato <strong>de</strong> um dos pleitos <strong>de</strong>sta inicial consubstanciara reversão do valor da multa aplicada pela ANEEL à CELESC para Florianópolis(local do dano) justifica a inserção da Agência Reguladora no pólo passivo dad<strong>em</strong>anda.2.5 Da responsabilida<strong>de</strong> civil - requisitos e ônus probatórioOs doutrinadores apontam que a responsabilida<strong>de</strong> civil exprime a idéia do<strong>de</strong>ver que alguém t<strong>em</strong> <strong>de</strong> reparar o prejuízo que causou a outr<strong>em</strong> <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrênciada violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver jurídico preexistente 12 , tendo por finalida<strong>de</strong> recomporo equilíbrio jurídico-econômico existente entre o agente causador do dano e avítima 13 , o qual é rompido, <strong>de</strong> regra, pelo cometimento <strong>de</strong> um ato ilícito 14 .O progresso da civilização, a par <strong>de</strong> ter tornado mais complexa a convivênciado hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>, impulsionou a correspon<strong>de</strong>nte e necessáriaevolução das ciências jurídicas e, particularmente – porque pertinente ao caso<strong>em</strong> tela – o aperfeiçoamento da responsabilida<strong>de</strong> civil para regular as situaçõesque passaram a surgir <strong>em</strong> face <strong>de</strong>ssa nova realida<strong>de</strong>.Nesse contexto, para situações tais como a presente, <strong>em</strong> que uma Concessionária<strong>de</strong> serviço público ocasionou dano <strong>de</strong> vultosa monta a milhares <strong>de</strong> consumidores,a necessária in<strong>de</strong>nização encontra amparo na mo<strong>de</strong>rna concepção <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva, eis que não mais se perquire acerca da existência<strong>de</strong> culpa para tal <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, porquanto alvitrada teoria (objetiva ou do risco) t<strong>em</strong>como postulado que todo o dano é in<strong>de</strong>nizável, e <strong>de</strong>ve ser reparado por qu<strong>em</strong> aele se liga por um nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>, ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se façam presentes seusel<strong>em</strong>entos caracterizadores (dano, nexo, exercício da ativida<strong>de</strong>/causa).Dessa forma, basta d<strong>em</strong>onstrar que os prejuízos (dano) <strong>de</strong>correram (nexo)da ativida<strong>de</strong> exercida pela Concessionária (causa) para efeito <strong>de</strong> obter-se a correspon<strong>de</strong>nteresponsabilização da CELESC e ANEEL, porquanto, como dito, tal fimprescin<strong>de</strong> da análise <strong>de</strong> culpa, a teor do estatuído no art. 37, § 6 o , da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral e art. 43 do Código Civil, s<strong>em</strong> prejuízo da pertinência e aplicação dadisciplina do Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor (art. 14), notadamente pelofato <strong>de</strong> a Concessionária ter ocasionado o dano na condição <strong>de</strong> fornecedora doserviço público - essencial e contínuo – (art. 3 o , caput, e art. 22 do CDC) <strong>de</strong>distribuição <strong>de</strong> energia elétrica aos consumidores (par. único e caput do art. 2 o


e art. 17 do CDC) no mercado <strong>de</strong> consumo.A respeito da aplicabilida<strong>de</strong> do CDC para regular o caso concreto, é pacíficoo entendimento tanto doutrinário como jurispru<strong>de</strong>ncial, consoante po<strong>de</strong>se observar, v.g., do excerto abaixo transcrito:[4] SERVIÇOS PÚBLICOS – A responsabilida<strong>de</strong> por danosdo prestador <strong>de</strong> serviços não envolve somente as <strong>em</strong>presasligadas à iniciativa privada. O art. 22 do CDC esten<strong>de</strong> essaresponsabilida<strong>de</strong> aos órgãos públicos, vale dizer, aos entesadministrativos centralizados ou <strong>de</strong>scentralizados. Alémda União, Estados, Municípios e Distrito Fe<strong>de</strong>ral, estãoenvolvidas as respectivas autarquias, fundações, socieda<strong>de</strong>s<strong>de</strong> economia mista, <strong>em</strong>presas públicas, inclusive as concessionáriasou permissionárias <strong>de</strong> serviços públicos.Todas essas entida<strong>de</strong>s são obrigadas a fornecer serviçosa<strong>de</strong>quados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,contínuos.Por todo o exposto, o ente público não se furtará a repararos danos causados aos administrados quando incorrer naspráticas, tão freqüentes, como as que <strong>de</strong>correr<strong>em</strong> da:- paralisação dos serviços <strong>de</strong> transporte coletivo;- suspensão dos serviços <strong>de</strong> comunicação;- interrupção do fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica; ou- corte no fornecimento <strong>de</strong> água à população. 15 (s<strong>em</strong> grifosno original)Reportando-se ao t<strong>em</strong>a “responsabilida<strong>de</strong> civil”, Marcelo Kokke Gomesfaz as pertinentes consi<strong>de</strong>rações:A teoria objetiva prescin<strong>de</strong> da culpa. O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparaçãobaseia-se no dano causado e <strong>em</strong> sua relaçãocom a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida pelo agente. As ativida<strong>de</strong>ssão lícitas, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua existência faz com quesejam aceitos pela socieda<strong>de</strong> os danos que provocam,entretanto, as vítimas não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>ixadas ao léu. Aprova da culpa do agente, na realida<strong>de</strong>, inviabilizaria a15 PELEGRINI, Ada e outros, Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores doAnteprojeto. 7. ed. São Paulo: Forense, 2001. p. 175.16 Responsabilida<strong>de</strong> Civil Dano e Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.


eparação do dano, aumentando mesmo os seus suplícios.No mais, o conceito <strong>de</strong> culpa s<strong>em</strong>pre foi dotado <strong>de</strong> certainstabilida<strong>de</strong>, gerando insegurança social. Segurança,um dos valores fundamentais do Direito. A certeza dareparação dos danos <strong>de</strong> fator negativo à acumulação <strong>de</strong>capitais tornou-se imprescindível à segurança das relaçõeseconômicas. A teoria objetiva confere certeza à reparaçãodo dano, aten<strong>de</strong>ndo ao próprio resultado danoso da açãoe não à culpabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta.A obrigação <strong>de</strong> reparar o dano é <strong>de</strong>corrência da simplesexistência <strong>de</strong>ste e da relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> com uma<strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong>. A culpa não atua na formação daresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar, mas po<strong>de</strong> influir na fixação<strong>de</strong> quantum da reparação 16 . (s<strong>em</strong> grifos no original)Hely Lopes Meirelles, por sua vez, ensina queA teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar o dano do só ato lesivo e injusto causado àvítima pela Administração. Não se exige qualquer falta doserviço público, n<strong>em</strong> culpa <strong>de</strong> seus agentes. Basta a lesão,s<strong>em</strong> o concurso do lesado.[...]Aqui não se cogita da culpa da Administração ou <strong>de</strong> seusagentes, bastando que a vítima d<strong>em</strong>onstre o fato danoso einjusto ocasionado por ação ou omissão do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>.Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no riscoque a ativida<strong>de</strong> pública gera para os administrados e napossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acarretar dano a certos m<strong>em</strong>bros dacomunida<strong>de</strong>, impondo-lhes um ônus não suportado pelosd<strong>em</strong>ais. 17A propósito, não fosse a riqueza das provas materiais que acompanhamesta inicial, far-se-ia <strong>de</strong>snecessária a efetiva d<strong>em</strong>onstração dos requisitos antesinvocados (dano, nexo, exercício da ativida<strong>de</strong>/causa), uma vez que, dada amagnitu<strong>de</strong> do evento e ininterrupta cobertura pela mídia nacional (v.g., vi<strong>de</strong>doc. 9), afigura-se notório (art. 334, I, do CPC) que (a) só houve o incêndio/explosão no interior da ponte porque a Concessionária do serviço público, noexercício <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>, lá se encontrava fazendo reparos no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>17 Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 623.


transmissão <strong>de</strong> energia elétrica; (b) <strong>de</strong>sse incêndio/explosão <strong>de</strong>correu a interrupçãodo fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica para a ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>; (c)a ausência <strong>de</strong> energia por 55h ocasionou incontáveis prejuízos patrimoniais eextrapatrimoniais à população (munícipes e turistas).No que tange ao dano, aliás, mero raciocínio lógico conduz à conclusãoóbvia <strong>de</strong> sua ocorrência, porquanto impossível não <strong>de</strong>duzir, por ex<strong>em</strong>plo, quealimentos perecíveis acondicionados <strong>em</strong> gela<strong>de</strong>iras estragaram; aparelhoseletrônicos e <strong>de</strong> informática queimaram; mercadorias <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser comercializadas;contas <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser pagas pontualmente; aci<strong>de</strong>ntes automobilísticosocorreram; eventos – inclusive internacionais - <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> se realizar;padarias, cin<strong>em</strong>as, restaurantes, supermercados, lojas <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> funcionar;todos esses prejuízos materiais que se somam a danos morais resultantes dasensação <strong>de</strong> insegurança que surgiu do caos generalizado que se instaurounaquela ocasião; da angústia <strong>de</strong> não saber até quando perduraria o sacrifício<strong>de</strong> ter que subir escadas a pé ou <strong>de</strong> enfrentar engarrafamentos s<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntesno trânsito; <strong>de</strong> não contar com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar a contento as maisbásicas necessida<strong>de</strong>s do dia a dia como abrir uma torneira ou tomar banho – poisterminou a água –, ligar um fogão elétrico, assistir televisão, usar computadorou carregar um aparelho celular; isso s<strong>em</strong> falar naqueles que tinham parentese/ou amigos hospitalizados, ou crianças ou pessoas idosas que necessitam <strong>de</strong>cuidado e atenção ininterruptamente.Consoante se infere <strong>de</strong> uma das entrevistas que constam dos inclusosCD, DVD e fita <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o cassete que instru<strong>em</strong> esta inicial (docs. 9, 9A e 9B),os quais traz<strong>em</strong> imagens <strong>de</strong> programas jornalísticos que cobriram o evento, foicogitado por Afonso dos Santos, então presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos DirigentesLojistas – CDL, que os prejuízos no comércio possivelmente alcançariam acifra <strong>de</strong> R$20.000.000,00 (vinte milhões <strong>de</strong> reais).Consta <strong>de</strong>ste CD (DVD e fita), ainda, notícias relevantíssimas a respeito dosprejuízos patrimoniais e morais suportados pela coletivida<strong>de</strong>, algumas das quaisse faz menção face à relevância: (1) entrevista com a Dra. Raquel Ribeiro Bittencourt,Diretora da Vigilância Sanitária Estadual, recomendando que os alimentoscongelados que atingiram t<strong>em</strong>peratura ambiente <strong>de</strong>veriam ser imediatamente <strong>de</strong>scartadospara evitar intoxicações; (2) entrevista com a Prefeita Municipal ÂngelaAmin, informando a situação crítica para o turismo e população <strong>de</strong>le <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,uma vez que os hotéis da ilha estavam praticamente com 100% da ocupação preenchida<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> três gran<strong>de</strong>s eventos <strong>em</strong> andamento; além do relato <strong>de</strong> que


(3) os hospitais não tinham mais condições <strong>de</strong> receber pacientes; (4) o Centro <strong>de</strong>H<strong>em</strong>atologia e H<strong>em</strong>oterapia <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> – HEMOSC teve que cancelar suasativida<strong>de</strong>s (coleta e distribuição <strong>de</strong> sangue...); (5) escolas fecharam suas portas; (6)houve substancial aumento no número <strong>de</strong> ocorrências policiais; (7) funcionáriosmunicipais e estaduais acabaram não po<strong>de</strong>ndo trabalhar; entre outros.Merece especial <strong>de</strong>staque o fato <strong>de</strong> que a interrupção no fornecimento<strong>de</strong> energia elétrica comprometeu o abastecimento <strong>de</strong> água para a cida<strong>de</strong>,probl<strong>em</strong>a cujas gravíssimas repercussões só pod<strong>em</strong> ser corretamente compreendidaspor qu<strong>em</strong> passou por tão infeliz experiência.Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Mirag<strong>em</strong>ao comentar<strong>em</strong> o art. 22 do CDC, <strong>de</strong>ixam claro que a responsabilida<strong>de</strong> civilabrange o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar tanto os danos materiais como os morais ocasionadosao consumidor, segundo po<strong>de</strong>-se observar da lição abaixo:Abrangência da responsabilida<strong>de</strong>- os danos <strong>de</strong> ina<strong>de</strong>quação dos serviços públicos pod<strong>em</strong> sermateriais, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização do interesse positivo, isto é, no valordo contrato ou da prestação viciada, mas também pod<strong>em</strong>ser danos morais, especialmente se estes serviços sãoessenciais à vida humana, como energia elétrica, águaetc.- o sist<strong>em</strong>a do CDC, porém, é <strong>de</strong> cumulação <strong>de</strong> danosmateriais e morais, para alcançar a in<strong>de</strong>nização integraldo consumidor- o art. 6 o , VI, impõe a reparação integral <strong>de</strong> danos materiaise morais, individuais e coletivos- a responsabilida<strong>de</strong> acompanha aquele que usou oserviço, não importando ser o contratante, terceiro oubystan<strong>de</strong>r (art. 2 o , parágrafo único, art. 29) 18 (s<strong>em</strong> grifosno original)Reportando-se à questão afeta à prova da existência do dano, seu ônusincumbe, na realida<strong>de</strong>, à CELESC, porquanto se faz<strong>em</strong> presentes não só um – quebastaria por si só – mais dois dos pressupostos necessários para alvitrada inversão,quais sejam a (a) verossimilhança da alegação e (b) hipossuficiência dos consumidoresno caso concreto (art. 6 o , VIII, do CDC), pressupostos esses facilmente18 Comentários ao Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003. p. 341.


aferíveis pelas regras ordinárias <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong> Vossa Excelência.Abstraído o fato <strong>de</strong> que a peculiarida<strong>de</strong> do caso dispensa até mesmo aprova dos prejuízos por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, pois, além da existênciado dano (art. 334, I, do CPC) consubstanciar <strong>de</strong>corrência lógica do evento,milita <strong>em</strong> favor dos consumidores o beneplácito da inversão do ônus <strong>de</strong> suaprodução, juntam-se algumas das <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> Reclamações encaminhadasà CELESC por consumidores (docs. 34/454), por via das quaisbuscavam o correspon<strong>de</strong>nte ressarcimento <strong>de</strong> parte dos prejuízos (patrimoniais)que suportaram.Ocorre, todavia, que nenhuma <strong>de</strong>las logrou alcançar o êxito pretendido,porquanto a Concessionária, <strong>em</strong> total <strong>de</strong>srespeito aos consumidores, valeu-se<strong>de</strong> texto padrão e inconsistente para in<strong>de</strong>feri-los per<strong>em</strong>ptoriamente, do qual se<strong>de</strong>staca o seguinte trecho – que dispensa comentários:Assim, muito <strong>em</strong>bora seja por d<strong>em</strong>ais <strong>de</strong>sconfortante elamentável a interrupção <strong>em</strong> expressivo período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>popelo que nos <strong>de</strong>sculpamos [...] (s<strong>em</strong> grifos no original– vi<strong>de</strong> anexo ao doc. 34, 35...)O próprio conteúdo da resposta da CELESC, principalmente o pedido <strong>de</strong><strong>de</strong>sculpas, aponta a existência dos outros dois el<strong>em</strong>entos da responsabilida<strong>de</strong> civil,quais sejam o exercício da ativida<strong>de</strong>/conduta e o nexo, não obstante a Concessionáriater adotado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, como estratégia <strong>de</strong> esquiva, a exclu<strong>de</strong>nte “força maior”.D<strong>em</strong>onstrada, com sobejo, a presença do dano, cumpre abordar os doisoutros el<strong>em</strong>entos ora apontados, não s<strong>em</strong> antes ressalvar que a notorieda<strong>de</strong> acerca<strong>de</strong> suas existências também <strong>de</strong>ve ser levada <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração para efeito <strong>de</strong>dispensa do respectivo ônus probatório (art. 334, I, do CPC).De fato, avulta inquestionável que a interrupção no fornecimento do serviço<strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica resultou <strong>de</strong> um incêndio/explosão ocorrido nointerior da ponte Colombo Machado Salles, o qual, por sua vez, originou-se dosserviços <strong>de</strong> <strong>em</strong>enda termocontrátil executados por funcionários da CELESC. Emoutras palavras, o “estopim” do blecaute foi justamente o trabalho <strong>de</strong> manutençãodos cabos <strong>de</strong> energia elétrica executado por funcionários da <strong>em</strong>presa, o queimplica dizer que a Concessionária <strong>de</strong>u causa ao evento no exercício direto <strong>de</strong>suas ativida<strong>de</strong>s.Fácil d<strong>em</strong>onstrar, portanto, que a causa do evento (blecaute) está relacionadacom a ativida<strong>de</strong> exercida pela CELESC <strong>de</strong> reparo nos cabos <strong>de</strong> distribuição


<strong>de</strong> energia elétrica, uma vez que, não foss<strong>em</strong> necessários tais trabalhos, certamentenão haveria incêndio/explosão e, por conseqüência, o “apagão”. Nessaesteira, fiel a teoria do risco da ativida<strong>de</strong>, faz-se presente no caso <strong>em</strong> tela maisum dos el<strong>em</strong>entos integrante da responsabilida<strong>de</strong> civil.Não bastasse, consoante restou comprovado à exaustão ao longo <strong>de</strong>stainicial, foram apontadas não uma, mas diversas violações ao <strong>de</strong>ver objetivo<strong>de</strong> conduta levada a efeito por parte da CELESC – tanto por ação como poromissão -, as quais, se inexistiss<strong>em</strong>, teriam o condão <strong>de</strong> impedir a ocorrência doresultado (blecaute), seja pelo não acontecimento das causas que o ensejaram,seja pelo rompimento do nexo com os danos.Com efeito, à guisa <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plificação – pois outros fatores causaispo<strong>de</strong>riam ser mencionados –, cumpre registrar que caso os funcionários daConcessionária (a) fizess<strong>em</strong> uso dos equipamentos necessários para a operação<strong>de</strong> <strong>em</strong>enda termocontrátil; (b) observass<strong>em</strong> os procedimentos obrigatórios paraalvitrado trabalho; (c) realizass<strong>em</strong> a <strong>em</strong>enda a frio; (d) tivess<strong>em</strong> treinamentoa<strong>de</strong>quado para esse trabalho específico; (e) foss<strong>em</strong> dotados <strong>de</strong> um plano prévio<strong>de</strong> trabalho e divisão <strong>de</strong> tarefas; e (f) ao menos testass<strong>em</strong> o liquinho e maçaricono local, certamente não ocorreria o incêndio/explosão no interior da ponte ou,mesmo com sua ocorrência, referidos funcionários po<strong>de</strong>riam agir eficazmentepara evitar o comprometimento das linhas <strong>de</strong> transmissão e a interrupção dofornecimento <strong>de</strong> energia elétrica.Da mesma forma, também a título <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo, caso a CELESC tivesseum plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência para a situação, ou tivesse levado a efeito seus projetos<strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma linha alternativa <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica,construção da subestação Mauro Ramos e fechamento do sist<strong>em</strong>a <strong>em</strong> anel – e,a esse respeito, caso a ANEEL obrasse diligente <strong>em</strong> fiscalizar e exigir tais providências–, a interrupção do fornecimento <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> por aquelas linhas<strong>de</strong> transmissão seria prontamente restabelecida ou, no segundo caso, não terian<strong>em</strong> o condão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a população s<strong>em</strong> alvitrada energia.Além das inúmeras hipóteses retro elencadas, que caracterizam violaçõesdo <strong>de</strong>ver objetivo <strong>de</strong> conduta por parte da CELESC e cuja abordag<strong>em</strong> foi feitamais profundamente nos tópicos específicos, outras mais se encontram listadasno bojo <strong>de</strong>sta inicial.19 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros,2003. p. 66.


S<strong>em</strong> dúvida, à luz do Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor, houve <strong>de</strong>feitona prestação do serviço por parte da fornecedora, circunstância apta a ensejarsua responsabilização civil.Por fim, seja sob a ótica da teoria da equivalência dos antece<strong>de</strong>ntes,seja sob o ponto <strong>de</strong> vista da teoria da causalida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada ou da dos danosdiretos e imediatos, o nexo entre o comportamento da CELESC (e ANEEL) eo evento encontra-se d<strong>em</strong>onstrado com sobejo não só pela farta documentaçãoanexa, mas também por singelo exercício <strong>de</strong> lógica, porquanto o nexo causalcorrespon<strong>de</strong> ao vínculo naturalístico que liga a conduta do agente ao resultadolesivo percebido pelas vítimas, conforme lecionam os doutrinadores:O conceito <strong>de</strong> nexo causal não é jurídico; <strong>de</strong>corre das leisnaturais. É o vínculo, a ligação ou relação <strong>de</strong> causa e efeitoentre a conduta e o resultado.A relação causal, portanto, estabelece o vínculo entre um<strong>de</strong>terminado comportamento e um evento, permitindoconcluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissãodo agente foi ou não a causa do dano. 19Nessa esteira, restou d<strong>em</strong>onstrado <strong>em</strong> diversas oportunida<strong>de</strong>s ao longo<strong>de</strong>sta inicial o vínculo naturalístico <strong>de</strong> causa e efeito ligando a ativida<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presaao incêndio/explosão, e este, por sua vez, à interrupção da distribuição <strong>de</strong>energia elétrica da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e, por fim, mencionada interrupção aosmúltiplos prejuízos ocasionados aos consumidores.Com efeito, entre tantas outras evidências que po<strong>de</strong>riam ser referidaspara efeito <strong>de</strong> indicação do aludido nexo, alu<strong>de</strong>-se ao Relatório <strong>de</strong> Fiscalização“RF-CELESC-02/2003-SFE” (doc. 20) elaborado pela ANEEL:VI – CONCLUSÃO[...]A fiscalização constatou que a interrupção no fornecimento<strong>de</strong> energia elétrica à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> ocorreu<strong>de</strong>vido a não observância, por parte dos técnicosda Celesc, das normas e procedimentos da <strong>em</strong>presapara este tipo <strong>de</strong> manutenção e, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência disto,ocorreu a explosão e a danificação dos cabos <strong>de</strong> 138KV que atend<strong>em</strong> a Ilha.[...] (s<strong>em</strong> grifos no original)


Tal qual para a d<strong>em</strong>onstração do dano, abstraída a notorieda<strong>de</strong> que marcaos fatos e que dispensa o autor <strong>de</strong> provar as causas e o nexo ligando-a ao resultado(art. 334, I, do CPC), o ônus probatório <strong>de</strong>sses el<strong>em</strong>entos (exercício daativida<strong>de</strong>/causa e nexo causal) incumbe, na realida<strong>de</strong>, à CELESC, porquanto sefaz<strong>em</strong> presentes não só um – que bastaria por si só – mais dois dos pressupostosnecessários para alvitrada inversão, quais sejam a (a) verossimilhança da alegaçãoe (b) hipossuficiência dos consumidores no caso concreto (art. 6 o , VIII, do CDC),pressupostos esses facilmente aferíveis pelas regras ordinárias <strong>de</strong> experiência<strong>de</strong> Vossa Excelência.Não obstante a Concessionária <strong>de</strong> tão relevante serviço público, que é aenergia elétrica, ter a obrigação <strong>de</strong> fornecer sua distribuição <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada,eficiente, segura e contínua (art. 22 do CDC), não foi o que ocorreu no final <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 2003, apesar da notória previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que haveria interrupçãono alvitrado fornecimento, pois a inexistência <strong>de</strong> linha alternativa e <strong>de</strong> fechamento<strong>em</strong> anel do sist<strong>em</strong>a, além <strong>de</strong> sua flagrante vulnerabilida<strong>de</strong> – aquilatadapelo fato <strong>de</strong> as duas únicas linhas que ligam o continente à ilha passar<strong>em</strong> porum mesmo ponto, no interior da ponte Colombo Salles, apesar <strong>de</strong> existir outraspossibilida<strong>de</strong>s, como, por ex<strong>em</strong>plo, por via da ponte Pedro Ivo Campos –,sugeriam já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquela época a ocorrência do evento.Presentes, pois, os el<strong>em</strong>entos necessários à responsabilização das Réspelo blecaute ocorrido no final <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003, responsabilida<strong>de</strong> esta agravadapela ampla previsibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que tal evento po<strong>de</strong>ria acontecer, a concessãoda tutela na medida ora pleiteada é providência que se impõe.2.6 Natureza da tutela perseguidaA gravida<strong>de</strong> do fato e incomensurável proporção dos danos ocasionadospelo evento ao qual se convencionou <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> “apagão” levou inúmerasvozes da socieda<strong>de</strong> a buscar o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no sentido <strong>de</strong> instar o Judiciáriobuscando providência jurisdicional <strong>de</strong> natureza reparatória e preventiva.2.6.1 Tutela reparatóriaA violação do <strong>de</strong>ver objetivo <strong>de</strong> conduta por parte da CELESC e da ANE-EL, s<strong>em</strong> dúvida, teve reflexos na órbita jurídica das pessoas afetadas pelo evento


a que <strong>de</strong>ram causa, porquanto, além dos vultosos prejuízos suportados, implicou<strong>em</strong> frontais violações não só a dispositivos legais positivados no or<strong>de</strong>namento,mas também a princípios norteadores das relações jurídicas.A propósito <strong>de</strong>stes últimos, pod<strong>em</strong> ser citados os da boa-fé, transparência,respeito à dignida<strong>de</strong> do consumidor e da proteção <strong>de</strong> seus interesses econômicos.Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, sobre o status e a importância dosprincípios, ensina:Violar um princípio é muito mais grave que transgrediruma norma. A <strong>de</strong>satenção ao princípio implica ofensanão apenas a um específico mandamento obrigatório masa todo o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> comandos. É a mais grave forma <strong>de</strong>ilegalida<strong>de</strong> ou inconstitucionalida<strong>de</strong>, conforme o escalãodo princípio atingido, porque representa insurgência contratodo o sist<strong>em</strong>a, subversão <strong>de</strong> seus valores fundamentais,contumélia irr<strong>em</strong>issível a seu arcabouço lógico e corrosão<strong>de</strong> sua estrutura mestra”. (El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> direito administrativo,Revista dos Tribunais: São Paulo, 1984, p. 230).Especial <strong>de</strong>staque merece o princípio da “racionalização e melhoria dosserviços públicos” (art. 4 o , VII, do CDC), o qual, juntamente com o direito doconsumidor à “a<strong>de</strong>quada e eficaz prestação dos serviços públicos <strong>em</strong> geral”(art. 6 o , X, do CDC), restou violado pela conduta das Rés quando da ocorrênciado “apagão”, notadamente porque a prestação do serviço por parte da Concessionáriae a Fiscalização por parte da Agência Reguladora não se mostrarameficazes a ponto <strong>de</strong> manter a a<strong>de</strong>quação, eficiência, segurança e continuida<strong>de</strong>do Serviço <strong>Público</strong> preconizadas pelo art. 22 do CDC e pelos arts. 6 o e 7 o daLei 8.987/95.Cumpre transcrever, por evi<strong>de</strong>nte pertinência, esses últimos dispositivos,o primeiro do Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e os dois últimosda Lei 8.987/95:Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas <strong>em</strong>presas,concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outraforma <strong>de</strong> <strong>em</strong>preendimento, são obrigados a fornecerserviços a<strong>de</strong>quados, eficiente, seguros e, quanto aosessenciais, contínuos.Parágrafo único. Nos caos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento, total ou


parcial, das obrigações referidas neste artigo,serão aspessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a repararos danos causados, na forma prevista neste Código. (s<strong>em</strong>grifos no original)Art. 6 o . Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação<strong>de</strong> serviço a<strong>de</strong>quado ao pleno atendimento dosusuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normaspertinentes e no respectivo contrato.§1 o . O serviço a<strong>de</strong>quado é o que satisfaz as condições<strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>, continuida<strong>de</strong>, eficiência, segurança,atualida<strong>de</strong>, generalida<strong>de</strong>, cortesia na sua prestação e modicida<strong>de</strong>das tarifas.§2 o . A atualida<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong> a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> das técnicas,do equipamento e das instalações e a sua conservação, b<strong>em</strong>como a melhoria e expansão do serviço.Art. 7 o - S<strong>em</strong> prejuízo do disposto na Lei n. o 8.078/90, sãodireitos e obrigações dos usuários:I - receber serviço a<strong>de</strong>quado;II - receber do po<strong>de</strong>r conce<strong>de</strong>nte e da concessionáriainformações para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses individuais oucoletivos. (s<strong>em</strong> grifos no original)Como assinalado pelo parágrafo único do art. 22 do CDC retro transcrito, aquebra do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestação a<strong>de</strong>quada, eficiente, segura e contínua do serviço <strong>de</strong>distribuição <strong>de</strong> energia elétrica acarreta para a Concessionária do Serviço <strong>Público</strong>e para a Agência Reguladora o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar os danos ocasionados aos usuáriosdo serviço e aos d<strong>em</strong>ais consumidores afetados pelo evento (art. 17 do CDC).O Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor, aliás, é claro ao prever como direitobásico do consumidor a “efetiva prevenção e reparação <strong>de</strong> danos patrimoniaise morais, individuais, coletivos e difusos” (art. 6 o , VI, do CDC) que lhe for<strong>em</strong>ocasionados, responsabilida<strong>de</strong> civil essa, como dito, que prescin<strong>de</strong> da análise<strong>de</strong> culpa (art. 37, § 6 o , da CF e art. 14 do CDC).Nesse contexto, passa-se à abordag<strong>em</strong> da pretensa con<strong>de</strong>nação.2.6.1.1 Con<strong>de</strong>nação <strong>em</strong> valor pre<strong>de</strong>terminado x con<strong>de</strong>nação


genéricaImpen<strong>de</strong> elucidar, no pórtico <strong>de</strong>ste tópico, que a essência do raciocínio<strong>de</strong>senvolvido na seqüência consubstancia-se na pretensa con<strong>de</strong>nação da CELESCe da ANEEL <strong>em</strong> valor mínimo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo estabelecido (líquido) a ser pago a cadaconsumidor individualizado, s<strong>em</strong> prejuízo <strong>de</strong>, na fase da liquidação, haver porcada qual a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> d<strong>em</strong>onstrar que referida con<strong>de</strong>nação (individualizada)<strong>de</strong>ve se operar <strong>em</strong> montante superior ao fixado na sentença; sucessivamente,pugna-se pela con<strong>de</strong>nação genérica da CELESC e da ANEEL, nos termos doart. 95 do CDC, <strong>de</strong> acordo com a interpretação que tradicionalmente lhe v<strong>em</strong><strong>em</strong>prestando a doutrina e a jurisprudência pátrias.No sist<strong>em</strong>a processual civil tradicional (individual), positivado pelo Código<strong>de</strong> Processo Civil, vigora o princípio segundo o qual o pedido <strong>de</strong>ve ser certo e<strong>de</strong>terminado (regra geral), nada impedindo, todavia, que o seja genérico (exceção),<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes uma das três situações elencadas nos incisos I a III, do art.286, do aludido diploma. Evi<strong>de</strong>nte que, pelo princípio da congruência, a sentençavincula-se ao postulado na inicial (art. 459, parágrafo único, do CPC).No que tange às ações coletivas afetas a direito individual homogêneo, écediço que a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>ve operar-se <strong>de</strong> forma genérica (art. 95 do CDC), <strong>de</strong>sorte que eventual con<strong>de</strong>nação <strong>em</strong> valor pre<strong>de</strong>terminado, ainda que <strong>em</strong> patamarmínimo do qual <strong>de</strong>ve partir a liquidação, afigura-se inusitada exceção ao até entãoapregoado pela doutrina e jurisprudência.Ao comentar o art. 95 do CDC, Rodolfo <strong>de</strong> Camargo Mancuso (in Comentáriosao Código <strong>de</strong> Proteção do Consumidor, São Paulo:Saraiva, 1991, p.330) registra:Quis o legislador, nas ações coletivas para a <strong>de</strong>fesa dosinteresses individuais homogêneos, que a sentença con<strong>de</strong>natóriativesse conteúdo genérico. A idéia, parece-nos,guarda conformida<strong>de</strong> com o sist<strong>em</strong>a das ações do CDC, jáque este prevê que a execução do julgado po<strong>de</strong> dar-se poriniciativa da vítima, sucessores ou legitimados do art. 82(MP; entes políticos e seus órgãos; associações) – art. 97– e, isso, tanto na execução coletiva “originária” como nasd<strong>em</strong>ais que se lhe venham agregar – art. 98 e § 1 o .Na nossa ótica, inteiramente correta a observação do consagrado doutrinadornão fosse pela ina<strong>de</strong>quação do verbo “Quis o legislador“ por ele utilizado.


T<strong>em</strong>os que mais apropriado seria substituí-lo por “Teve o legislador”.Com efeito, a con<strong>de</strong>nação genérica, nos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fendidos por praticamentea unanimida<strong>de</strong> da doutrina, garante aos consumidores tão-somenteo direito ao an <strong>de</strong>beatur (reconhecimento da responsabilida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nizar por parte do fornecedor), porquanto relega à morosa e complexafase posterior ao trânsito <strong>em</strong> julgado (<strong>de</strong> regra) da sentença con<strong>de</strong>natória (paraalguns <strong>de</strong>claratória) o pesado ônus <strong>de</strong> ter<strong>em</strong> que promover a liquidação e subseqüenteexecução da sentença, justamente para buscar o quantum <strong>de</strong>beatur(individualização dos valores).É cediço que, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> racionalização (sentido lato), no qual sediscut<strong>em</strong> fórmulas <strong>de</strong> abreviar e simplificar as marchas processuais, <strong>de</strong> suprimirmecanismos protelatórios no processo e <strong>de</strong> <strong>de</strong>safogar o Judiciário, alvitradaregra positivada no art. 95 do CDC (con<strong>de</strong>nação genérica), ao menos na interpretaçãoque se lhe v<strong>em</strong> <strong>em</strong>prestando, vai <strong>de</strong> encontro a essas aspirações;e isso não ocorre, data venia, porque o legislador “quis”, mas porque “teve”que fazê-lo.De fato, se praticamente na unanimida<strong>de</strong> dos casos <strong>de</strong> ações coletivas referentesa direitos individuais homogêneos levados ao Judiciário não é possívelcogitar-se, na prática, <strong>em</strong> discussão acerca do quantum <strong>de</strong>beatur já na fase <strong>de</strong>cognição, o legislador não viu alternativa senão fazer constar a abstrata expressão“con<strong>de</strong>nação genérica” no apontado dispositivo, <strong>de</strong> modo a propiciar aliquidação do quantum da in<strong>de</strong>nização, segundo entendimento vigente, somentena fase posterior, mesmo que isso implique excessiva d<strong>em</strong>ora no alcance dob<strong>em</strong> da vida e afogamento do Judiciário mediante o ajuizamento (habilitação)<strong>de</strong> incontáveis ações individuais.Ocorre, todavia, que alvitrado dispositivo está a merecer mo<strong>de</strong>rna(re)interpretação – consentânea aos princípios da economia e celerida<strong>de</strong> processual– <strong>de</strong> modo a permitir que se fixe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, um valor líquido (ainda qu<strong>em</strong>ínimo) <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação individualizada para algumas hipóteses concretas (talcomo no caso <strong>em</strong> tela, consoante se d<strong>em</strong>onstrará na seqüência), ao consi<strong>de</strong>rar-setal comando como regra geral da qual perfeitamente comporta exceção.Dessa forma, se no sist<strong>em</strong>a processual civil individualista a con<strong>de</strong>naçãocerta e <strong>de</strong>terminada é regra da qual a genérica exsurge como exceção (art. 286c/c art. 459, parágrafo único, do CPC), no âmbito coletivo afigura-se razoávela inversão do critério, <strong>de</strong> modo a viabilizar, ainda que excepcionalmente, oestabelecimento <strong>de</strong> valores líquidos mínimos a título <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação individual,


evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, s<strong>em</strong>pre que possível.De fato, da redação do art. 95 do CDC não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a existênciaimplícita do advérbio “s<strong>em</strong>pre”, pois não o há. Mais a<strong>de</strong>quado seria, fosse ocaso, (re)interpretá-lo com o advérbio “preferencialmente”, tal como se propõe aseguir:Art. 95. Em caso <strong>de</strong> procedência do pedido, a con<strong>de</strong>naçãoserá preferencialmente genérica, fixando a responsabilida<strong>de</strong>do réu pelos danos causados.Esse raciocínio, forte no art. 90 do CDC, mais do que a exegese sistêmicaque se po<strong>de</strong> extrair das regras processuais estabelecidas no CDC (Lei 8.078/90),na Lei 7.347/83 e no CPC, coaduna-se com a disciplina do art. 5 o da Lei <strong>de</strong> Introduçãoao Código Civil (Decreto-Lei n o 4.657/42).Não soa <strong>de</strong>sarrazoado, também, a exegese segundo a qual a expressão “con<strong>de</strong>naçãogenérica” estampada no referido dispositivo (art. 95 do CDC) refere-seaos limites subjetivos da coisa julgada – s<strong>em</strong> colidir com o estatuído nos arts. 103 e104 do CDC –, ou seja, abarca todos os consumidores <strong>de</strong> cujos direitos individuais(homogêneos) busca-se a tutela por via da respectiva ação civil pública ajuizada – aí(espectro subjetivo <strong>de</strong> abrangência dos efeitos da sentença) estaria a generalida<strong>de</strong>referida no dispositivo legal; Dessa forma, não haveria óbice algum ao estabelecimento<strong>de</strong> prefixação <strong>de</strong> valores já na sentença do processo <strong>de</strong> conhecimento.O fato é que, seja por uma ou por outra exegese ora proposta, <strong>em</strong>bora o art. 95do CDC disponha sobre sentença genérica – na qual, <strong>em</strong> princípio, se fixa a responsabilida<strong>de</strong>das Rés pelos danos causados –, e o art. 97, também do CDC, estabeleçaregra acerca da liquidação e da execução <strong>de</strong> sentença, inexiste impedimento legala viabilizar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a fixação <strong>de</strong> valores mínimos a título <strong>de</strong> con<strong>de</strong>naçãodas Rés, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, o caso concreto assim o permita.A a<strong>de</strong>quada e efetiva tutela do consumidor a que se refere o art. 83 doCDC, o qual pioneiramente prevê a utilização <strong>de</strong> todas as espécies <strong>de</strong> ação d<strong>em</strong>odo a propiciá-la (a tutela), estará atendida, por ex<strong>em</strong>plo, se a pretensão presenteencontrar respaldo no Judiciário, mormente porque a tutela só é a<strong>de</strong>quadae efetiva se não for prestada a <strong>de</strong>st<strong>em</strong>po; e é justamente o que se persegue: acelerida<strong>de</strong> e simplificação.Por fim, tendo <strong>em</strong> conta que a normatização da tutela processual referenteao direito coletivo avulta como evolução se cotejada com a pertinente ao direitopuramente individual, não é crível que, data venia, continue se interpretando


que a regra da con<strong>de</strong>nação genérica é hermética e inflexível, não comportandoexceção alguma. Tal exegese, concessa venia, revela flagrante retrocesso na aplicaçãodo direito, razão pela qual se propõe um novo critério interpretativo.Nesse contexto, reportando-se ao caso <strong>em</strong> tela, pugna-se pela aplicaçãoanalógica da fórmula prevista no Apêndice 4 do Anexo III do Contrato <strong>de</strong> Concessãocelebrado pela CELESC (p. 50/52 do doc. 21), a qual t<strong>em</strong> por objeto afixação <strong>de</strong> multa para os casos <strong>de</strong> corte in<strong>de</strong>vido no fornecimento da energiaelétrica por parte da Concessionária.Note-se que apesar <strong>de</strong> o caso <strong>em</strong> tela não se tratar propriamente <strong>de</strong> umcorte in<strong>de</strong>vido no sentido estrito (intencional), não há dúvida da similitu<strong>de</strong> entreas hipóteses, porquanto tanto num (blecaute <strong>em</strong> Florianópolis cuja responsabilizaçãoora se busca) como noutro (interrupção pura e simples <strong>de</strong> que trata oApêndice 4 do Anexo III do Contrato <strong>de</strong> Concessão) caso houve a interrupçãono fornecimento da energia elétrica para os consumidores. A diferença é que oprimeiro caso (blecaute) <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> violação aos <strong>de</strong>veres objetivos <strong>de</strong> condutada Concessionária, ao passo que no segundo (corte in<strong>de</strong>vido – sentido estrito),faz-se presente a intenção (dolo) da Empresa.Não soa <strong>de</strong>sarrazoado, aliás, consi<strong>de</strong>rar-se F o evento x T x <strong>de</strong>nominado 100 “blecaute”como corte in<strong>de</strong>vido no sentido lato <strong>de</strong> sua 730acepção,ou seja, <strong>de</strong> modoa abarcar todas as situações <strong>em</strong> que o consumidor <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> receber a energiaelétrica (corte) por conduta (in<strong>de</strong>vida) da Concessionária.Ad<strong>em</strong>ais, o que se preten<strong>de</strong> é a utilização <strong>de</strong> um parâmetro <strong>de</strong> con<strong>de</strong>naçãojá existente, <strong>de</strong> modo a evitar que o julgador se valha <strong>de</strong> critérios in<strong>de</strong>sejadamenteabstratos que só tend<strong>em</strong> a dificultar a liquidação do quantum <strong>de</strong>beatur,<strong>em</strong> benefício da fornecedora e <strong>em</strong> flagrante prejuízo do consumidor e do próprioJudiciário, já que a inevitável d<strong>em</strong>ora <strong>em</strong> chegar-se ao termo do processo é umarealida<strong>de</strong> inexorável, ainda mais <strong>em</strong> casos como o presente.Importante elucidar que o critério <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação que ora se pleiteia éinconfundível com a odiosa responsabilização tarifada, porquanto, além <strong>de</strong> afórmula não advir <strong>de</strong> norma legal (lei), t<strong>em</strong> o condão <strong>de</strong> estabelecer um valormínimo <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação.Diante disso, pugna-se pela utilização da seguinte fórmula (Apêndice 4do Anexo III do Contrato <strong>de</strong> Concessão da CELESC – p. 51 do doc. 21 20 ):20 A íntegra do contrato po<strong>de</strong> ser extraída do site da ANEEL: www.aneel.gov.br.


CORTE INDEVIDO DE UNIDADES CONSUMIDO-RASNos casos específicos <strong>de</strong> corte in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s consumidoras,a Concessionária estará sujeita ao pagamento<strong>de</strong> multas à favor do consumidor afetado.Para o cálculo do valor da multa será consi<strong>de</strong>rado o t<strong>em</strong>po<strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o horário do início do corte <strong>de</strong> energiaelétrica na unida<strong>de</strong> consumidora até o seu completo restabelecimento,<strong>de</strong> acordo com a seguinte fórmula:PENALIDADE(R$) =On<strong>de</strong>:F = Média dos valores faturados <strong>de</strong> energia elétrica nosúltimos 03 (três) meses da unida<strong>de</strong> consumidora;T= Duração total do corte (horas). T<strong>em</strong>po compreendidoentre o início do corte <strong>de</strong> energia elétrica na unida<strong>de</strong> consumidorae o seu total restabelecimento.O valor da Penalida<strong>de</strong> ficará limitado a 10 (<strong>de</strong>z) vezesao valor médio da fatura <strong>de</strong> energia elétrica da unida<strong>de</strong>consumidora verificada nos últimos três meses.Verifica-se, portanto, que a fórmula [I = (F/730) x (T) x (100), on<strong>de</strong> I =valor da in<strong>de</strong>nização <strong>em</strong> reais; F = a média aritmética dos valores das faturasdos três últimos meses da unida<strong>de</strong> consumidora a ser in<strong>de</strong>nizada; T = t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>interrupção <strong>em</strong> horas] po<strong>de</strong> perfeitamente ser utilizada para efeito <strong>de</strong> fixação doquantum <strong>de</strong>beatur, <strong>em</strong> seu valor mínimo, a cada consumidor.Pru<strong>de</strong>nte a fixação <strong>de</strong> limite previsto no Contrato <strong>de</strong> Concessão, ou seja,o estabelecimento <strong>de</strong> um teto <strong>de</strong> 10 vezes o valor médio da fatura <strong>de</strong> energiaverificada nos últimos três meses, consoante se extrai do aludido contrato:O valor da Penalida<strong>de</strong> ficará limitado a 10 (<strong>de</strong>z) vezesao valor médio da fatura <strong>de</strong> energia elétrica da unida<strong>de</strong>consumidora verificada nos últimos três meses.A título <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo, tendo <strong>em</strong> conta que o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> interrupção foi <strong>de</strong> 55horas, segue a aplicação da fórmula para um consumidor que apresente R$ 50,00(cinqüenta reais) <strong>de</strong> média dos valores faturados <strong>de</strong> energia elétrica nos últimos03 (três) meses da unida<strong>de</strong> consumidora:Valor da con<strong>de</strong>nação = (50/730) x (55) x (100)


Valor da con<strong>de</strong>nação = 376,71Convenhamos, para um consumidor que t<strong>em</strong> o equivalente a R$50,00como média o consumo, R$376,71 a título <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação pelos prejuízos suportadosé mais do que razoável, ainda mais que <strong>de</strong>sse valor <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>duzidoo montante pago a título <strong>de</strong> aplicação da fórmula DIC conforme explicitado notópico seguinte (seja <strong>em</strong> razão <strong>de</strong> pagamento proveniente da antecipação <strong>de</strong> tutela– Grupo B – ou incidência automática da fórmula – Grupo A), cujo pagamentopo<strong>de</strong> ser compensado nas faturas <strong>de</strong> energia elétrica.Repita-se, a pretensão consiste <strong>em</strong>: (a) aplicar a fórmula do corte in<strong>de</strong>vidopara se encontrar um valor fixo (mínimo) a título <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação da CELESC,observado o teto <strong>de</strong> 10 vezes o valor médio da fatura <strong>de</strong> energia verificada nosúltimos três meses; (b) <strong>de</strong>sse valor <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>duzido o montante pago a título<strong>de</strong> aplicação da fórmula DIC abaixo explicitada, seja proveniente <strong>de</strong> pagamentoautomático (Grupo A) ou referente à antecipação <strong>de</strong> tutela (Grupo B); (c) do produtoextrai-se o valor final da con<strong>de</strong>nação, que po<strong>de</strong> ser pago via compensaçãonas faturas da conta <strong>de</strong> energia elétrica, no prazo <strong>de</strong> até 3 (três) meses contadodo <strong>de</strong>ferimento da medida, sob pena <strong>de</strong> multa diária.A utilização <strong>de</strong>sse critério objetivo, s<strong>em</strong> dúvida, evitará que complexas eincontáveis (<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares) ações individuais <strong>de</strong> liquidação <strong>de</strong> sentençase acumul<strong>em</strong> in<strong>de</strong>finidamente neste Juízo, inviabilizando-o.Mais do que uma questão <strong>de</strong> praticida<strong>de</strong> (cuja viabilida<strong>de</strong> jurídica foid<strong>em</strong>onstrada à exaustão), referido critério afigura-se como <strong>de</strong>stino certo àquelesque percorr<strong>em</strong> a asfaltada Avenida do bom senso (art. 5 o da LICC).Por fim, caso, todavia, Vossa Excelência entenda <strong>em</strong> sentido contrário do ora<strong>de</strong>fendido, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> pugna pela aplicação da tradicional interpretação doart. 95 do CDC, porquanto a con<strong>de</strong>nação genérica nos mol<strong>de</strong>s apregoados tambémse afigura como pedido (sucessivo – art. 295 do CPC) <strong>de</strong>sta d<strong>em</strong>anda.2.6.1.2 Antecipação <strong>de</strong> tutela (parcial) in<strong>de</strong>nizatória –pagamento <strong>de</strong> valor pre<strong>de</strong>terminadoNa esteira <strong>de</strong> raciocínio <strong>de</strong>senvolvida no tópico anterior, segundo o qual21 A Resolução n o 24/2000 “Estabelece as disposições relativas à continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> energiaelétrica às unida<strong>de</strong>s consumidoras”.


exsurge juridicamente viável e, sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> resposta social, até recomendávela con<strong>de</strong>nação das Rés ao pagamento <strong>de</strong> valor mínimo pre<strong>de</strong>terminado(líquido), tal providência <strong>de</strong>ve se adotada também para efeito <strong>de</strong> antecipar a tutelacon<strong>de</strong>natória <strong>de</strong> modo a satisfazer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, parte dos prejuízos suportadospelos consumidores.Para tanto, pugna-se pela aplicação da fórmula referente à Duração <strong>de</strong>Interrupção por Consumidor (DIC) prevista no art. 21, I, da Resolução n o 24,<strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000 21 (doc. 455), <strong>em</strong>itida pela ANEEL, que modificou asist<strong>em</strong>ática prevista no Apêndice 9 do Anexo III do Contrato <strong>de</strong> Concessão n o56/99 (fls. 61/65 do doc. 21), a qual consubstancia penalida<strong>de</strong> a ser aplicadaquando a Concessionária transgri<strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> na prestação doserviço para o consumidor individualmente consi<strong>de</strong>rado.Explica-se.O art. 6 o da Lei 8.987/95, fazendo eco ao art. 22 do CDC, preconizaque a prestação <strong>de</strong> serviço público concedido <strong>de</strong>ve pautar-se por critérios <strong>de</strong>a<strong>de</strong>quação ao respectivo usuário, a<strong>de</strong>quação esta <strong>de</strong>finida no §1 o do mesmodispositivo, ou seja, que “satisfaz as condições <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>, continuida<strong>de</strong>,eficiência, segurança, atualida<strong>de</strong>, generalida<strong>de</strong>, cortesia na sua prestação <strong>em</strong>odicida<strong>de</strong> das tarifas.” (s<strong>em</strong> grifos no original)O art. 25, §§ 1 o e 2 o , da Lei 9.074/95, por sua vez, impõe a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> previsão nos contratos <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> requisitos mínimos <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhotécnico, os quais <strong>de</strong>verão ser aferidos por intermédio <strong>de</strong> índices apropriadosque, uma vez <strong>de</strong>srespeitados, possibilitam a aplicação <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s progressivas,que “guardarão proporcionalida<strong>de</strong> com o prejuízo efetivo ou potencialcausado ao mercado”.Dessa forma, alvitrada supervisão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> leva <strong>em</strong> conta parâmetros<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> no fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica 22 baseados<strong>em</strong> indicadores <strong>de</strong> controle tais como o DIC, com padrões mensais, trimestrais22 Cláusula Oitava, Subcláusula Terceira, inciso IV e Cláusula Quinta, inciso I, ambas doContrato <strong>de</strong> Concessão <strong>de</strong> Distribuição n o 56/99 – págs. do doc. 21.23 It<strong>em</strong> VI do Anexo III do Contrato <strong>de</strong> Concessão n o 56/99 – págs. 28/29 do doc. 21 e § 1 o doart. 12 da Resolução 24/2000 da ANEEL (vi<strong>de</strong> doc. 455).24 Cláusula Segunda, Subcláusula Décima Quinta, Inciso IV e Cláusula Quinta, inciso VI,ambas do Contrato <strong>de</strong> Concessão <strong>de</strong> Distribuição n o 56/99 – págs. 5/6 e do doc. 21 e Art.22, V e art. 21 da Resolução n o 24/2000 da ANEEL (vi<strong>de</strong> doc. 455).25 A Resolução n o 24/2000 “Estabelece as disposições relativas à continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> energiaelétrica às unida<strong>de</strong>s consumidoras”.


e anuais estabelecidos 23 , que, uma vez transgredidos, rend<strong>em</strong> ensejo à in<strong>de</strong>nização24 representada pela aplicação, por ex<strong>em</strong>plo, da penalida<strong>de</strong> previstano art. 21, I, da Resolução n o 24, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2000 25 (vi<strong>de</strong> doc. 455),<strong>em</strong>itida pela ANEEL, a qual modificou a sist<strong>em</strong>ática prevista no Apêndice 9do aludido Anexo III, que trata da Qualida<strong>de</strong> dos Serviços <strong>de</strong> Energia Elétrica(págs. 61/65 do doc. 21).Segue abaixo transcrito, para facilitar a compreensão, excerto do mencionadoAnexo III on<strong>de</strong> há referência aos padrões que serv<strong>em</strong> como indicadores <strong>de</strong>controle cuja transgressão, como dito, gera a incidência <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s. Verbis:VI – INDICADORES A SEREM CONTROLADOS OUACOMPANHADOS E PENALIDADES APLICÁVEISOs seguintes indicadores serão controlados e estará sujeitosa penalida<strong>de</strong>s quando da transgressão dos padrõesestabelecidos: DEC, FEC, DIC, FIC, TMA, IndicadoresComerciais e Níveis <strong>de</strong> Tensão.Para efeito <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong> serão consi<strong>de</strong>radosdois tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação da qualida<strong>de</strong>:Tipo 1 – Violação <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que afeta umúnico consumidor;Tipo 2 – Violação <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que afeta um grupo<strong>de</strong> consumidores. [It<strong>em</strong> VI do Anexo III do Contrato <strong>de</strong> Concessão56/99 – p. 28 do doc. 21 (s<strong>em</strong> grifos no original)Como cada padrão correspon<strong>de</strong> a uma fórmula para efeito <strong>de</strong> aplicaçãoda penalida<strong>de</strong>, optou-se pela adoção da fórmula referente à “violação do padrão<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>” DIC (Duração <strong>de</strong> Interrupção por Consumidor) exatamenteporque estaExprime o intervalo <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po que cada consumidor,individualmente consi<strong>de</strong>rado, ficou privado do fornecimento<strong>de</strong> energia elétrica, no período <strong>de</strong> observação, consi<strong>de</strong>rando-seas interrupções maiores ou iguais a 3 (três)minutos. (s<strong>em</strong> grifos no original - p. 26 do doc. 21).Ad<strong>em</strong>ais, os outros padrões ora diz<strong>em</strong> respeito a conjunto <strong>de</strong> consumidores,ora se refer<strong>em</strong> a “número médio (freqüência) <strong>de</strong> interrupções”, <strong>de</strong> sorte que aaplicação da fórmula do padrão adotado (DIC), a par <strong>de</strong> convergir ao critério<strong>de</strong> interesse do caso <strong>em</strong> tela, ou seja, “privação do fornecimento <strong>de</strong> energiapor t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> interrupção”, possibilita uma in<strong>de</strong>nização, ainda que parcial,


proporcional ao prejuízo (consumo <strong>de</strong> energia) <strong>de</strong> cada consumidor individualmenteconsi<strong>de</strong>rado.Já o critério “conjunto <strong>de</strong> consumidores”, além <strong>de</strong> padronizar prejuízos(consumos) <strong>de</strong>sconformes – quando não há necessida<strong>de</strong> ante o adotado, queleva <strong>em</strong> conta a média <strong>de</strong> consumo dos últimos meses –, é <strong>de</strong>finido no contratocomoQualquer reunião <strong>de</strong> consumidores, <strong>de</strong>finido pelo Concessionário,e aprovado pela ANEEL, <strong>de</strong> forma a abrangertoda a zona atendida, respeitadas as seguintes <strong>de</strong>terminações:(s<strong>em</strong> grifos no original p. 26 do doc. 21).Verifica-se, portanto, que entre as alternativas <strong>de</strong> aplicação das fórmulas,a que se amolda perfeitamente ao presente propósito é a que diz respeito à “violaçãodo padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>” DIC (Duração <strong>de</strong> Interrupção por Consumidor),notadamente porque, repita-se, não leva <strong>em</strong> conta o número <strong>de</strong> interrupções, masa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que os consumidores ficaram privados do fornecimentoda energia elétrica.Além disso, o produto da penalida<strong>de</strong> DICv - 1 (valor DICp da x in<strong>de</strong>nização) CM x kei referente àviolação do padrão DIC <strong>de</strong>ve ser pago DICp diretamente ao consumidor, 730 e não à AgênciaReguladora como ocorre com outros padrões, os quais igualmente reflet<strong>em</strong>metas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> a ser<strong>em</strong> cumpridas pela Concessionária.Na realida<strong>de</strong>, o que se preten<strong>de</strong> com a aplicação (direta) da aludida fórmulaé a utilização <strong>de</strong> um parâmetro já existente <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> valores, inclusive a seraplicado administrativamente para situações tais como a do caso concreto.Aliás, mencionada fórmula (penalida<strong>de</strong>) t<strong>em</strong> natureza in<strong>de</strong>nizatória efoi concebida justamente para ser aplicada quando a Concessionária transgri<strong>de</strong>padrão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> no fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica, ou seja, exatamentepara a hipótese presente como ser observado do excerto abaixo, extraído damencionada Resolução:Art. 21. Serão classificadas <strong>em</strong> duas categorias as possíveisviolações dos padrões <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, conforme aseguir:I - Violação <strong>de</strong> Padrão do Indicador <strong>de</strong> Continuida<strong>de</strong>Individual;Fato gerador: Violação <strong>de</strong> padrão indicador <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>individual <strong>em</strong> relação ao período <strong>de</strong> apuração (mensal,trimestral ou anual).


Penalida<strong>de</strong>: Compensação ao consumidor <strong>de</strong> valor a sercreditado na fatura <strong>de</strong> energia elétrica no mês subseqüenteà apuração.No cálculo do valor da compensação serão utilizadas asseguintes fórmulas:a) Para o DIC:Valor =On<strong>de</strong>:DICv = Duração <strong>de</strong> Interrupção por Unida<strong>de</strong> Consumidoraverificada no período consi<strong>de</strong>rado, expresso <strong>em</strong> horas ecentésimos <strong>de</strong> hora;DICp = Padrão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> estabelecido no períodoconsi<strong>de</strong>rado para o indicador <strong>de</strong> Duração <strong>de</strong> Interrupçãopor Unida<strong>de</strong> Consumidora, expresso <strong>em</strong> horas e centésimos<strong>de</strong> hora;DMICv = Duração Máxima <strong>de</strong> Interrupção Contínua,verificada no período consi<strong>de</strong>rado, expresso <strong>em</strong> horas e<strong>em</strong> centésimos <strong>de</strong> hora;DMICp = Padrão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> estabelecido no períodoconsi<strong>de</strong>rado para o indicador <strong>de</strong> Duração Máxima <strong>de</strong>Interrupção Contínua, expresso <strong>em</strong> horas;FICv = Freqüência <strong>de</strong> Interrupção por Unida<strong>de</strong> Consumidoraverificada no período consi<strong>de</strong>rado, expresso <strong>em</strong>número <strong>de</strong> interrupções;FICp = Padrão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> estabelecido no períodoconsi<strong>de</strong>rado para o indicador <strong>de</strong> Freqüência <strong>de</strong> Interrupçãopor Unida<strong>de</strong> Consumidora, expresso <strong>em</strong> número <strong>de</strong>interrupções;CM = Média aritmética dos valores líquidos das faturas<strong>de</strong> energia elétrica ou dos encargos <strong>de</strong> uso dos sist<strong>em</strong>as<strong>de</strong> distribuição correspon<strong>de</strong>ntes aos meses do período <strong>de</strong>apuração do indicador;730 = Número médio <strong>de</strong> horas no mês; ekei = Coeficiente <strong>de</strong> majoração, que variará <strong>de</strong> 10 a 50,para consumidor cativo, e cujo valor, fixado <strong>em</strong> 10 (<strong>de</strong>z),


po<strong>de</strong>rá ser alterado pela ANEEL a cada revisão periódicadas tarifas.Tanto é verda<strong>de</strong> que a CELESC, por força da Resolução n o 24/2000 daAneel (vi<strong>de</strong> doc. 455), aplicou-a automática e compulsoriamente, só que apenas<strong>em</strong> benefício dos consumidores enquadrados na opção <strong>de</strong> faturamento noGrupo A (atendidos <strong>em</strong> tensão superior a 1 kV e inferior a 230 kV – art. 15, I daRes. 24/2000 – doc. 60), não o fazendo para os consumidores enquadrados noGrupo B (atendidos <strong>em</strong> tensão igual ou superior a 1 kV, ou <strong>em</strong> tensão superiora 1 kV com opção <strong>de</strong> faturamento no Grupo B – art. 15, II, da Res. 24/2000),pois a obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar automática e compulsoriamente só existe paraaqueles, e não para estes, <strong>de</strong> sorte que os consumidores que se encontram nestacategoria (Grupo B), por força da alvitrada Resolução, necessitariam solicitarexpressamente tal providência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, tivess<strong>em</strong> conhecimento<strong>de</strong>sse direito que lhes assiste.Merece o registro que a distinção <strong>de</strong> tratamento entre duas categoriasimplica flagrante violação ao princípio da isonomia – notadamente por parte daANEEL –, situação esta agravada pelo fato <strong>de</strong> os consumidores não beneficiadospela in<strong>de</strong>nização automática e compulsória não ter<strong>em</strong> tido acesso à informaçãoclara, a<strong>de</strong>quada e precisa sobre seu direito, b<strong>em</strong> como sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>promover a solicitação.O Relatório <strong>de</strong> Fiscalização da ANEEL (RF-CELESC-02/2003-SFE – p.11 do doc. 20), a propósito do assunto e <strong>em</strong> consonância com a Resolução n o24/2000 (vi<strong>de</strong> doc. 455), aponta que mencionada in<strong>de</strong>nização efetivamente éautomática para um grupo e mediante solicitação para outro. Verbis:Determinação (D.1)A Celesc <strong>de</strong>verá, no caso das unida<strong>de</strong>s consumidorasatendidas <strong>em</strong> tensão superior a 1 kV e inferior a 230 kV,realizar a compensação aos consumidores dos valores aser<strong>em</strong> creditados nas faturas <strong>de</strong> energia elétrica no mêssubseqüente as apurações do DIC ou DMIC, conformeestabelece o it<strong>em</strong> I, do artigo 21 da Resolução Aneel n o24/2000.Determinação (D.2)A Celesc <strong>de</strong>verá, no caso das unida<strong>de</strong>s consumidorasatendidas <strong>em</strong> tensão igual ou inferior a 1 kV ou, <strong>em</strong> tensãosuperior a 1 kV com opção <strong>de</strong> faturamento no Grupo B,


ealizar a compensação aos consumidores que solicitar<strong>em</strong>à apuração dos indicadores DIC ou DMIC, conformeestabelece o it<strong>em</strong> I, do artigo 21 da Resolução Aneel n o024/2000. (s<strong>em</strong> grifos no original)O fato é que a CELESC já in<strong>de</strong>nizou os consumidores do “GrupoA” e ainda não o fez <strong>em</strong> ralação aos do Grupo B porquanto estes não promoverama necessária solicitação por absoluto <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> causa,pois não é crível que nenhum dos milhares <strong>de</strong> consumidores que têm direito aser in<strong>de</strong>nizados não tenham buscado a aplicação da penalida<strong>de</strong> por “<strong>de</strong>sapegomaterial”, <strong>de</strong> sorte que, nesse cenário, a falta <strong>de</strong> clareza na informação só beneficiaa Concessionária e prejudica, por óbvio, os consumidores.O incluso ofício (doc. 456), encaminhado pela CELESC ao <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, comprova o ora alegado, ao registrar que[...] <strong>de</strong> acordo com o estabelecido no artigo 21, inciso I,da Resolução Aneel n o 24 <strong>de</strong> 27.01.2000, que trata da Violação<strong>de</strong> Padrão do Indicador <strong>de</strong> Continuida<strong>de</strong> Individual,estamos disponibilizando a relação dos consumidoresprimários, compulsoriamente in<strong>de</strong>nizados por meio <strong>de</strong>compensação <strong>de</strong> valor creditado na fatura <strong>de</strong> energiado mês <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003. Não foram, contudo,registrados protocolos <strong>de</strong> consumidores secundários,solicitando apuração dos referidos indicadores comoprevê o artigo 15, inciso I, alínea d, § 1 o da referida Resolução.(s<strong>em</strong> grifos no original)Forçoso concluir-se que o direito in<strong>de</strong>nizatório pertinente ao tópicopresente (antecipação <strong>de</strong> tutela), portanto, é incontroverso.Acompanha o ofício antes mencionado uma listag<strong>em</strong> (doc. 457) on<strong>de</strong> constao nome dos consumidores (Grupo A) in<strong>de</strong>nizados e os respectivos valores dasin<strong>de</strong>nizações, cuja soma alcança o total <strong>de</strong> R$697.381,64 (seiscentos e noventa esete mil, trezentos e oitenta e um reais e sessenta e quatro centavos).O que se preten<strong>de</strong>, portanto, a título <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela, é satisfazerum direito líquido e certo dos consumidores que ainda não foram in<strong>de</strong>nizados pelaaplicação (automática) da aludida fórmula, cujos pagamentos pod<strong>em</strong> se operarmediante compensação dos valores creditados nas faturas <strong>de</strong> energia elétrica.A d<strong>em</strong>onstração hipotética da fórmula, a título <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo para um consumidorno caso concreto, fica prejudicada porque há dados a ser<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>radosquando da aplicação da fórmula dos quais não se dispõe e que só pod<strong>em</strong> ser


obtidos da própria Concessionária.Como dito anteriormente, o padrão <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> DIC diz respeito ametas mensal, trimestral e anual a ser<strong>em</strong> observadas pela Concessionária, d<strong>em</strong>odo que serão aplicadas tantas penalida<strong>de</strong>s quantas for<strong>em</strong> as transgressões(fatos geradores) verificadas, cujos valores sofr<strong>em</strong> compensação parcial nahipótese <strong>de</strong> incidência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las.No que tange aos fatos geradores, a Resolução n o 24/2000 (vi<strong>de</strong> doc.455) estabelece o seguinte:DAS PENALIDADES POR VIOLAÇÃO DOS PA-DRÕES DE CONTINUIDADEArt. 21. Serão classificadas <strong>em</strong> duas categorias as possíveisviolações dos padrões <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, conforme aseguir:I- Violação <strong>de</strong> Padrão do Indicador <strong>de</strong> Continuida<strong>de</strong>Individual:Fato gerador: Violação <strong>de</strong> padrão do indicador <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>individual <strong>em</strong> relação ao período <strong>de</strong> apuração(mensal, trimestral e anual).Ora, se o próprio Contrato <strong>de</strong> Concessão celebrado pela CELESC e aResolução n o 24/2000 prevê<strong>em</strong> a incidência da penalida<strong>de</strong> (DIC) na hipótese<strong>de</strong> interrupção do fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica, se a Agência Reguladoraexige o pagamento das penalida<strong>de</strong>s mediante crédito nas faturas, se a própriaConcessionária reconhece a obrigação <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório, tanto que efetuouo pagamento (compensação nas faturas) para os consumidores do GrupoA e afirmou que só não o fez para os consumidores Grupo B porque não houvesolicitação, logo nada mais óbvio e justo, pois incontroverso, do que aplicá-latambém aos consumidores que ainda não foram “beneficiados” mediante o<strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela.Nesse contexto, flagrante a verossimilhança da alegação diante <strong>de</strong> tudoquanto ora foi exposto e da farta documentação que lastreia respectivos argumentos,ainda mais quando presente o instituto da inversão do ônus da prova<strong>em</strong> favor dos consumidores (art. 6 o , VIII, do CDC), exsurge incontroverso (§6 do art. 273 do CPC) não só o direito do qual <strong>em</strong>erge a aplicação da fórmulapela violação dos padrões mensal, trimestral e anual do DIC como também o26 Efetivação do processo e tutela <strong>de</strong> urgência. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. p. 55.


pedido correlato, notadamente porque ao pedido ora formulado correspon<strong>de</strong> o<strong>de</strong>ver contratual e legal da CELESC <strong>de</strong> promover aludido pagamento, sob pena,inclusive, da adoção pela Agência Reguladora das providências que lhe compet<strong>em</strong><strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do <strong>de</strong>scumprimento do Contrato <strong>de</strong> Concessão.Apesar <strong>de</strong> o requisito supra, por si só, ser bastante para a concessão dopleito antecipatório aqui formulado, os d<strong>em</strong>ais (incisos I e II do art. 273 do CPC)igualmente se faz<strong>em</strong> presentes.Com efeito, a interrupção do fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica e a ausência<strong>de</strong> aplicação da fórmula (DIC), ocasionaram danos <strong>de</strong> amplo espectro, cujain<strong>de</strong>nização diretamente aos lesados, na hipótese <strong>de</strong> não se operar já nesta fase,acabará por não ocorrer, uma vez que somente após o d<strong>em</strong>orado trânsito <strong>em</strong> julgadoda sentença a ser lavrada nesta d<strong>em</strong>anda é que iniciará a fase <strong>de</strong> liquidaçãoe execução, a qual a experiência d<strong>em</strong>onstra que haverá pouquíssimos habilitados<strong>de</strong> modo a ensejar a execução genérica pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> com <strong>de</strong>stinaçãodos recursos ao fundo para a reconstituição dos bens lesados.Aliás, a magnitu<strong>de</strong> da repercussão do evento sugere que o só fato <strong>de</strong>reputar-se inevitável a d<strong>em</strong>ora da marcha processual – com a qual certamentecontam os Réus – já onera <strong>em</strong> d<strong>em</strong>asia os consumidores, dificultando cada vezmais a efetiva reparação dos danos.Luiz Guilherme Marinoni 26 , citando Cappelletti e reportando-se ao pesadoônus imposto à parte mais fraca na relação processual <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do assoberbamentoque fustiga o Po<strong>de</strong>r Judiciário, fez os pertinentes comentários:Como já l<strong>em</strong>brou Cappelletti, a d<strong>em</strong>ora excessiva é fonte<strong>de</strong> injustiça social, porque o grau <strong>de</strong> resistência do pobre émenor do que o grau <strong>de</strong> resistência do rico; este último, e nãoo primeiro, po<strong>de</strong> s<strong>em</strong> dano grave esperar uma justiça lenta.Na realida<strong>de</strong>, a d<strong>em</strong>ora do processo é um benefício parao economicamente mais forte, que se torna, no Brasil, umlitigante habitual <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à inefetivida<strong>de</strong> da justiça.Basta l<strong>em</strong>brarmos o que se verifica na Justiça do Trabalho,on<strong>de</strong> os economicamente mais fracos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhando a justiça,apostam na lentidão da prestação jurisdicional, obrigando aostrabalhadores realizar acordos quase s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>srazoáveis.Será que alguém ainda acredita que a justiça é efetiva ouinefetiva, ou será que ela é s<strong>em</strong>pre efetiva para alguns?Dessa forma, o instituto da antecipação da tutela, ainda que parcial no


caso concreto, além <strong>de</strong> distribuir às partes eqüitativamente o ônus pela d<strong>em</strong>orada tramitação processual, presta-se para trazer ao jurisdicionado a sensação <strong>de</strong>resposta satisfatória por parte do Estado (Judiciário) ao seu mais el<strong>em</strong>entar anseioque se compraz na realização da justiça, notadamente <strong>em</strong> situações tais como ocaso <strong>em</strong> tela.Isso s<strong>em</strong> falar que, entre os milhares <strong>de</strong> consumidores afetados, há muitos,<strong>de</strong> renda escassa, cujas perdas <strong>de</strong>correntes do “apagão”, tais como comidas<strong>de</strong>terioradas e eletrodomésticos danificados, ainda não foram recompostas edificilmente o serão <strong>em</strong> curto prazo.Ad<strong>em</strong>ais, no amplo espectro dos efeitos <strong>em</strong>ergentes do dano ocasionadopelo blecaute gravita a lesão gerada ao direito <strong>de</strong> informação aos consumidorescoletivamente (sentido lato) consi<strong>de</strong>rados, peculiarida<strong>de</strong> inerente à tutela dointeresse (coletivo, individual homogêneo e difuso) tutelado.De fato, na medida <strong>em</strong> que a Concessionária (diretamente) e a AgênciaReguladora (indiretamente) subtraíram dos consumidores (Grupo B) as informaçõesnecessárias para dar conhecimento que po<strong>de</strong>riam solicitar a aplicaçãoda fórmula para ver<strong>em</strong>-se ressarcidos parcialmente dos prejuízos suportados,houve flagrante dano a esse direito; aliás, alvitrado dano se prolonga até o present<strong>em</strong>omento e se esten<strong>de</strong>rá até que os consumidores tom<strong>em</strong> conhecimento <strong>de</strong>alvitrada informação.A propósito e diante da notorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais fatos, eventual resistência àantecipação <strong>de</strong> tutela representará manifesto propósito protelatório por partedas Rés, requisito outro à concessão da medida, agora previsto no inciso II doart. 273 do CPC.Não é d<strong>em</strong>ais l<strong>em</strong>brar que a disciplina do Código <strong>de</strong> Processo Civilaplica-se subsidiariamente à prevista para as ações coletivas, consoante se infereda redação do art. 19 da Lei 7.347/85 (LACP), lei esta que interage, poiscompl<strong>em</strong>enta e é compl<strong>em</strong>entada pela Lei 8.078/90, conforme se verifica doart. 90 <strong>de</strong>sta última e art. 21 daquela.Nelson Nery Junior e Rosa Maria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Nery 27 , a esse respeito,anotam que3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461 § 3 o , com aredação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP),27 Código <strong>de</strong> Processo Civil Comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 1548.


o juiz po<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a antecipação da tutela <strong>de</strong> mérito, <strong>de</strong>cunho satisfativo, s<strong>em</strong>pre que presentes os pressupostoslegais. A tutela antecipatória po<strong>de</strong> ser concedida quer nasações <strong>de</strong> conhecimento, cautelares e <strong>de</strong> execução, inclusive<strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer ou não fazer. V. coment. CPC 273,461 § 3 o e CDC 84 § 3 o .Também não é d<strong>em</strong>ais l<strong>em</strong>brar que a antecipação da tutela não implicairreversibilida<strong>de</strong> do respectivo provimento, pois da mesma forma que os consumidoresserão “beneficiados” com o crédito <strong>em</strong> suas faturas <strong>de</strong> energia elétrica,na inimaginável e hipotética falta <strong>de</strong> êxito da d<strong>em</strong>anda, tais valores po<strong>de</strong>rãoperfeitamente ser lançados a débito para pagamento futuro. Aliás, tanto não éirreversível tal provimento que a própria Concessionária já promoveu créditos<strong>em</strong> conta dos consumidores Grupo A.Pedindo vênia pela obvieda<strong>de</strong>, registra-se que “a tutela antecipatória po<strong>de</strong>ser concedida quer nas ações <strong>de</strong> conhecimento, cautelares e <strong>de</strong> execução”, <strong>de</strong>sorte que a pretensão con<strong>de</strong>natória afigura-se perfeitamente compatível com apresente medida.Dessa forma, pugna-se pelo <strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutelapara efeito <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar à CELESC a in<strong>de</strong>nizar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo (parcialmente) osconsumidores (enquadrados no Grupo B) dos prejuízos ocasionados pelo blecaute,mediante a aplicação da fórmula inerente ao padrão DIC (mensal, trimestral eanual) cujo valor po<strong>de</strong>rá ser compensado/creditado nas suas faturas <strong>de</strong> energiaelétrica dos consumidores enquadrados no “Grupo B” – procedimento idênticoao já adotado pela Concessionária para os do “Grupo A” –, obrigatoriamente noprazo <strong>de</strong> até 2 (dois) meses imediatos e subseqüentes ao mês <strong>em</strong> que se operara intimação do <strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong>ste pedido, sob pena <strong>de</strong> multa diária.Sucessivamente (art. 289 do CPC), na hipótese <strong>de</strong> não ser acolhida essapretensão antecipatória, pe<strong>de</strong>-se a antecipação da tutela, s<strong>em</strong> justificação prévia,para efeito <strong>de</strong> impor à CELESC a obrigação <strong>de</strong> fazer (art. 84, § 3 o do CDC e art.461 do CPC) consubstanciada <strong>em</strong> informar aos consumidores (enquadrados no“Grupo B”) que, segundo <strong>de</strong>terminação judicial acolhida por ação do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, possu<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> in<strong>de</strong>nizados (ainda que parcialmente)dos danos materiais suportados pelo “apagão” iniciado <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 2003,mediante a aplicação <strong>de</strong> fórmula prevista no contrato <strong>de</strong> Concessão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que haja solicitação expressa no prazo <strong>de</strong> até 60 (sessenta) contado do dia queencerrar a divulgação abaixo explicitada.Divulgação: Referida informação <strong>de</strong>verá se dar <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, clara


e precisa, com texto inteligível mesmo para o leigo, no prazo <strong>de</strong> até 30 (trinta)dias contado da intimação da medida, sob pena <strong>de</strong> multa diária (§ 4 o do art. 84do CDC) <strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), mediante ampla divulgaçãona imprensa escrita e televisionada, por 3 (três) dias consecutivos, b<strong>em</strong> comopor via <strong>de</strong> texto auto-explicativo que <strong>de</strong>verá acompanhar por 2 (dois) mesesininterruptos as faturas para pagamento da energia elétrica dos consumidoresenquadrados no “Grupo B”, juntamente com formulário contendo texto padrãocom requerimento para aplicação da fórmula, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente e s<strong>em</strong> prejuízo<strong>de</strong> quaisquer outras medidas in<strong>de</strong>nizatórias, sob pena da multa diária.2.6.1.3 In<strong>de</strong>nização por danos moraisNão há dúvida que os malefícios gerados pelo evento ocasionado pelasRés transcen<strong>de</strong> a esfera patrimonial <strong>de</strong> seus atingidos, quer seja o cidadão individualmenteconsi<strong>de</strong>rado, quer seja o consumidor difusa (art. 17 do CDC) ecoletivamente (parágrafo único do art. 2 o do CDC) consi<strong>de</strong>rado.Com efeito, consoante antes d<strong>em</strong>onstrado, as famílias e pessoas quehabitam as 135.432 (cento e trinta e cinco mil quatrocentos e trinta e duas)unida<strong>de</strong>s consumidoras atingidas pelas 55h <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> luz, além dos milhares<strong>de</strong> turistas e <strong>de</strong> outras pessoas que se encontravam <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> por Florianópolisnaquela ocasião, atravessaram momentos <strong>de</strong> angústia cujas incontáveisdificulda<strong>de</strong>s não pod<strong>em</strong> ser fielmente retratadas por frias palavras impressasnesta petição.Além das marcantes e <strong>de</strong>sagradáveis experiências vivenciadas por cadapessoa, que relatam, s<strong>em</strong> exceção, a sua história no contexto, abalo outro, coletivo,foi sentido e ressentido pelos florianopolitanos, que tiveram que amargar a pechatravestida no fato <strong>de</strong> habitar<strong>em</strong> uma Capital (turística) <strong>de</strong> Estado que, apesar <strong>de</strong>freqüent<strong>em</strong>ente elogiada na mídia pelas belezas naturais, simpatia e eficiência <strong>de</strong> seupovo, ficou às trevas por mais <strong>de</strong> dois dias por absoluta incompetência dos responsáveisora apontados que, além <strong>de</strong> dar<strong>em</strong> causa ao evento, não tiveram condições<strong>de</strong> promover o rápido restabelecimento do fornecimento <strong>de</strong> energia.Por fim, impossível não consi<strong>de</strong>rar o inevitável sentimento <strong>de</strong> indignação28 AGUIAR DIAS, José <strong>de</strong>. Da Responsabilida<strong>de</strong> Civil. 10. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense,Vol.2 p. 730.29 Melo, Neh<strong>em</strong>ias Domingos <strong>de</strong>. Dano moral coletivo nas ralações <strong>de</strong> consumo. Internet,Jus Navegandi n o 380, <strong>de</strong> 22/7/2004.


da gran<strong>de</strong> maioria do consumidores <strong>de</strong> energia, aqueles catalogados pela Concessionáriano Grupo B, os quais, discriminados e preteridos por sua condição, nãopu<strong>de</strong>ram, por absoluta falta <strong>de</strong> informação – e conseqüente violação consentida <strong>de</strong>um direito seu –, n<strong>em</strong> sequer solicitar a aplicação da mesma multa cujo produtofoi revertido, automática e compulsoriamente, somente para alguns privilegiados(integrantes do Grupo A).A propósito do assunto, Minozzi, citado por José <strong>de</strong> Aguiar Dias <strong>em</strong> suacélebre obra sobre responsabilida<strong>de</strong> civil, refere-se a Dano Moral, nos seguintestermos:[...] não é o dinheiro n<strong>em</strong> coisa comercialmente reduzidaa dinheiro, mas a dor, o espanto, a <strong>em</strong>oção, a vergonha, ainjúria física ou moral, <strong>em</strong> geral uma dolorosa sensaçãoexperimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o maislargo significado. 28A partir <strong>de</strong> 1988, a reparação do dano moral coletivo foi elevada a garantiaconstitucional, como se po<strong>de</strong> verificar na leitura nos incisos V e X, art. 5 o ,da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Além disso, é previsto expressamente no Código <strong>de</strong>Defesa do Consumidor, que <strong>de</strong>termina, <strong>em</strong> seu art. 6 o , inciso VI, a promoçãoda “efetiva prevenção e reparação <strong>de</strong> danos patrimoniais e morais, individuais,coletivos e difusos” (s<strong>em</strong> grifos no original), sendo assegurado aos consumidoreso “acesso aos órgãos judiciários e administrativos, visando a reparação<strong>de</strong>” danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos” (incisoVII) (id<strong>em</strong>).Ao conceituar o dano <strong>em</strong> questão, o Advogado <strong>em</strong> São Paulo, Neh<strong>em</strong>iaDomingos <strong>de</strong> Melo 29 esclarece que o “dano moral na mo<strong>de</strong>rna doutrinaé toda agressão injusta àqueles bens imateriais, tanto <strong>de</strong> pessoa física quantojurídica, insusceptível <strong>de</strong> quantificação pecuniária, porém in<strong>de</strong>nizável comtríplice finalida<strong>de</strong>: satisfativo para a vítima, dissuasório para o ofensor e<strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plarida<strong>de</strong> para a socieda<strong>de</strong>”. (s<strong>em</strong> grifos no original)Estudo da Promotora <strong>de</strong> Justiça <strong>em</strong> Cubatão (SP), doutora Liliane GarciaFerreira, publicado no en<strong>de</strong>reço eletrônico www.mp.sp.gov.br, traz as seguinteslições:[...]Acompanhando a evolução do direito, <strong>em</strong> especial no aspectoda tutela dos interesses difusos e coletivos, a doutrinamais mo<strong>de</strong>rna v<strong>em</strong> ampliando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação


do dano moral, <strong>de</strong> forma que venha a alcançar não apenas odano extrapatrimonial individual, como também o coletivo,uma vez que po<strong>de</strong> abranger, além da ofensa à honra, à vida,à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um indivíduo, qualquer ofensa à coletivida<strong>de</strong>,genericamente consi<strong>de</strong>rada, “que t<strong>em</strong> um interesse comum<strong>de</strong> natureza transindividual agredido”.O Prof. Rubens Limongi França, citado por Sérgio Severo,<strong>em</strong> sua obra “Os danos extrapatrimoniais”, ao conceituaro dano moral, já o <strong>de</strong>finia como “aquele que, direta ouindiretamente, a pessoa, física ou jurídica, b<strong>em</strong> assima coletivida<strong>de</strong>, sofre no aspecto não econômico <strong>de</strong> seusbens jurídicos”.Carlos Alberto Bittar Filho disciplina que dano moralcoletivo “é a injusta lesão da esfera moral <strong>de</strong> uma dadacomunida<strong>de</strong>, ou seja, é a violação antijurídica <strong>de</strong> um<strong>de</strong>terminado círculo <strong>de</strong> valores coletivos”, citando comoex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> dano moral coletivo o dano ambiental, o qualconsiste “na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida e à saú<strong>de</strong> da coletivida<strong>de</strong>”.Marco Antonio Marcon<strong>de</strong>s Pereira, por sua vez, conceituao dano moral coletivo como “o resultado <strong>de</strong> toda ação ouomissão lesiva significante, praticada por qualquer pessoacontra o patrimônio da coletivida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rada esta asgerações presentes e futuras, que suportam um sentimento<strong>de</strong> repulsa por um fato danoso irreversível, <strong>de</strong> difícilreparação, ou <strong>de</strong> conseqüências históricas” .Aliás, a reparação do dano moral coletivo, <strong>de</strong> há muito,encontra respaldo na legislação brasileira.A Lei Fe<strong>de</strong>ral 6.938/81, ao dispor <strong>em</strong> seu art. 2 o , Inc. I,que o meio ambiente é “patrimônio público a ser necessariamenteassegurado e protegido, tendo <strong>em</strong> vista o usocoletivo”, já assegurava a proteção a esse interesse difuso,inclusive a reparação <strong>de</strong> eventuais danos a ele causados,impondo penalida<strong>de</strong>s administrativas, a par da obrigação<strong>de</strong> reparação dos danos, conforme o disposto <strong>em</strong> seus arts.4 o , Incs. VI e VII; 9 o , Inc. IX; e 14, § 1 o .E mencionada norma foi recepcionada pela ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral que, conforme já mencionado no tópico n o 2,pacificou a questão do direito à in<strong>de</strong>nização por dano


moral, elevando-o à categoria <strong>de</strong> garantia fundamental,não se po<strong>de</strong>ndo olvidar, jamais, o caráter ex<strong>em</strong>plificativodas hipóteses previstas nos dispositivos constitucionais,que não têm o condão <strong>de</strong> tornar exclusiva a reparação dosdanos morais individuais.Ora, conforme o disposto <strong>em</strong> seu art. 5 o , § 2 o , os direitos egarantias expressos na Constituição “não exclu<strong>em</strong> outros<strong>de</strong>correntes do regime e dos princípios por ela adotados,ou dos tratados internacionais <strong>em</strong> que a República Fe<strong>de</strong>rativado Brasil seja parte”.Da mesma forma, o Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor,<strong>em</strong> seu art. 6 o , Incs. VI e VII, <strong>de</strong> maneira expressa, prevêo dano extrapatrimonial tanto na hipótese <strong>de</strong> violação <strong>de</strong>direitos individuais, quanto coletivos e difusos.Afinal, conforme b<strong>em</strong> menciona André <strong>de</strong> CarvalhoRamos, diante da importância dos interesses difusos ecoletivos, estes necessitam <strong>de</strong> uma efetiva tutela jurídica:“Ora, tal importância somente reforça a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquicaque alicerçou a teoria do dano moral individual acabace<strong>de</strong>ndo lugar, no caso do dano moral coletivo, a umsentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapreço e <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> valores essenciaisque afetam negativamente toda uma coletivida<strong>de</strong>”.Induvidoso, conforme adverte o mesmo autor, que a “coletivida<strong>de</strong>,apesar <strong>de</strong> ente <strong>de</strong>spersonalizado, possui valoresmorais e um patrimônio i<strong>de</strong>al que merece proteção”,<strong>de</strong>vendo a lesão a esse patrimônio imaterial coletivo serreparada, também, coletivamente.Ao enfrentar o t<strong>em</strong>a, o Doutor Marco Antônio Marcon<strong>de</strong>s Pereira, Promotor<strong>de</strong> Justiça <strong>em</strong> São Paulo/SP, traz preciosas lições (www.pr.sc.gov.br):[...]6. Caracterização do dano moral coletivo.Aceitar a existência do dano moral, ou extrapatrimonial,contra a coletivida<strong>de</strong> implica no exame <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entoscaracterizadores, que compõ<strong>em</strong> o conceito sugerido anteriormente.Na caracterização, portanto, do dano moralcoletivo apresentam-se os seguintes componentes.a. Agressão <strong>de</strong> conteúdo significante: o fato que agri<strong>de</strong> o


patrimônio coletivo <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong> tal extensão que impliquena sensação <strong>de</strong> repulsa coletiva a fato intolerável, comoaponta a mais atual doutrina, porque o fato danoso quet<strong>em</strong> pequena repercussão na coletivida<strong>de</strong> ficará excluídopelo princípio da insignificância;b. Sentimento <strong>de</strong> repulsa da coletivida<strong>de</strong>: o fato intolerável<strong>de</strong>ve implicar <strong>em</strong> sentimento <strong>de</strong> indignação, ou opressão,da coletivida<strong>de</strong> que t<strong>em</strong> um interesse metaindividual asseguradona ord<strong>em</strong> legal violado;c. Fato danoso irreversível ou <strong>de</strong> difícil reparação: a ofensaà coletivida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> acarretar a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazimentodo ato danoso, <strong>de</strong> tal sorte que o resultado pa<strong>de</strong>cidopela coletivida<strong>de</strong> tenha <strong>de</strong> ser carregado como um fardopara as gerações presentes e futuras, como também po<strong>de</strong>implicar <strong>em</strong> difícil reparação, que afete o direito imediato<strong>de</strong> uso e gozo do patrimônio coletivo.d. Conseqüências históricas para a coletivida<strong>de</strong> (ou comunida<strong>de</strong>):a agressão à coletivida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> implicar numrompimento do seu equilíbrio social, cultural e patrimonial,afetando a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida futura.Os el<strong>em</strong>entos indicados nas letras “a” e “b” <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estarpresentes obrigatoriamente para a caracterização do danomoral coletivo, ao lado, pelo menos, <strong>de</strong> uma das situaçõesindicadas nas letras “c” e “d”. E uma vez i<strong>de</strong>ntificados taisel<strong>em</strong>entos, a responsabilização <strong>de</strong>ver-se-á dar por culpaobjetiva, mormente se estivermos diante <strong>de</strong> lesão coletivaao meio ambiente natural ou urbano.[...]8. A valoração do dano moral coletivo.A composição do dano moral coletivo t<strong>em</strong> por escopo nãoapenas ressarcir a coletivida<strong>de</strong>, mas, também, servir <strong>de</strong>instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestímulo aos agressores do patrimôniocoletivo, no caso <strong>em</strong> especial, dos infratores da ord<strong>em</strong>urbanística.A dificulda<strong>de</strong> que se po<strong>de</strong> vislumbrar na fixação da in<strong>de</strong>nizaçãomoral por ato praticado contra a honra <strong>de</strong> umapessoa é igual à dificulda<strong>de</strong> que há na quantificação daofensa moral contra a coletivida<strong>de</strong>. Contudo não se po<strong>de</strong>abrir mão da noção <strong>de</strong> que a sua fixação t<strong>em</strong> a finalida<strong>de</strong>


<strong>de</strong> minorar o sofrimento pa<strong>de</strong>cido pela vítima, no caso, acoletivida<strong>de</strong> e o caráter educativo <strong>de</strong> advertência para todosos integrantes da própria coletivida<strong>de</strong>. Assim, não <strong>de</strong>ixe<strong>de</strong> ser uma sanção. Deve-se levar <strong>em</strong> conta, inversamente,que a sanção não po<strong>de</strong> extrapolar a linha do razoável, indoa ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir economicamente o agressor ou ganharcontornos <strong>de</strong> confisco patrimonial, o que po<strong>de</strong>ria terminarna inviabilida<strong>de</strong> do ressarcimento dos lesados diretamentepelos atos do causador do dano.A valoração do dano e a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ficar ao alvedriodo magistrado no curso da ação civil pública, oucoletiva, que, no momento oportuno, <strong>de</strong>verá levar <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>raçãoa espécie <strong>de</strong> ato lesivo praticado, a repercussãoe as conseqüências sociais da lesão para a coletivida<strong>de</strong> eas condições econômicas do infrator.Em recente <strong>de</strong>cisão, datada <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2003, o MM. Juiz Fe<strong>de</strong>ralda 4 a Vara da Justiça Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo – SP, Doutor Aroldo José Washington(ACP n o 98.0038893-1), assim <strong>de</strong>cidiu, verbis:[...]Passo a conhecer o segundo pedido.b) Con<strong>de</strong>nar os réus por danos morais, <strong>em</strong> valor não inferiora <strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> reais, <strong>de</strong>stinados ao Fundo Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>Defesa dos Direitos Difusos, <strong>de</strong> que trata o artigo 13 da Lein o 7347/85, para aplicação <strong>em</strong> políticas <strong>de</strong> informação e<strong>de</strong>fesa do usuário do serviço público;Nossa época, ostenta uma tendência à coletivização do Direito.O individualismo impregnou o Direito, por todo o séculoXIX, sobrevindo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> harmonizar os conceitos einstitutos jurídicos aos novos valores, <strong>em</strong> ascensão, d<strong>em</strong>asiadamente,arraigados <strong>de</strong> concepções coletivistas e éticas.Tal renovação jurídica patenteia-se, no Brasil, <strong>em</strong> conquista,frente à histórica oposição <strong>de</strong> forças coletivistas e individualistas.Trata-se <strong>de</strong> vitória do coletivo sobre o social.Fruto inconteste, da coletivização do Direito, v<strong>em</strong> a sercoletivização da concepção <strong>de</strong> dano moral. Ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> valia, do dano moral coletivo, traduz-se no danoao consumidor. Revela lesão ao equilíbrio da socieda<strong>de</strong>,<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada, através das relações <strong>de</strong> consumo. Agressão


à figura do consumidor afeta a socieda<strong>de</strong>.[...]Diante <strong>de</strong> todas estas ilações, constatamos que as lesões,aos interesses difusos e coletivos, não só <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iamdanos materiais, mas, também, danos morais.O fulcro, da anuência, pelo or<strong>de</strong>namento jurídico, do danomoral coletivo <strong>de</strong>corre, <strong>de</strong>vido ao alargamento <strong>de</strong> sua concepção.Afasta-se do liame da dor psíquica, exclusivida<strong>de</strong><strong>de</strong> pessoas físicas.A reparação moral exige os instrumentos da reparaçãomaterial, já que os pressupostos (dano e nexo causal) sãoos mesmos.O dano moral coletivo não se restringe à dor e à angústiaanímicas, individuais. A admissão disto, induziria ao alquebramentouma admirável construção jurídica, <strong>em</strong> prol dosi<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> agilização <strong>de</strong> idéias e riquezas, que <strong>de</strong>spertarama noção <strong>de</strong>sta figura moral. Consistiria <strong>em</strong> abandoná-la,ao léu, a esmo, <strong>de</strong>samparada, às investidas contra a honraobjetiva e seu conceito.Percebe-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a coletivida<strong>de</strong> é passível <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização,por abalo moral: Não se requer, aqui, dor subjetiva ouestado anímico negativo, caracterizadores, do dano moral, napessoa física. Pod<strong>em</strong> incidir no <strong>de</strong>sprestígio do serviço público,nome social, boa imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> nossas leis, ou mesmo o<strong>de</strong>sconforto da moral pública, manifestos no meio social.Sobressa<strong>em</strong>-se dois objetivos, na composição do dano moralcoletivo: Ressarcimento a coletivida<strong>de</strong>. E o não incentivoà afronta do patrimônio coletivo. Na questão, sob análise,anela-se por arredar do infrator o ímpeto <strong>de</strong> ferir o direitodo consumidor.A reparação moral <strong>de</strong>ve lançar mão dos, mesmos, instrumentosda reparação material, pois seus pressupostos (danoe nexo causal) são os mesmos.Na fixação da in<strong>de</strong>nização moral, por ato praticado, contraa honra <strong>de</strong> uma pessoa, <strong>de</strong>para-se o dil<strong>em</strong>a, existente,na quantificação, da ofensa moral contra a coletivida<strong>de</strong>.A <strong>de</strong>terminação busca amainar o sofrimento, pa<strong>de</strong>cidopela vítima: No caso, a coletivida<strong>de</strong>, não olvidando o


cunho educativo, <strong>de</strong> advertência, a todos os integrantes,da própria coletivida<strong>de</strong>. Reveste-se, então, da imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sanção. Entretanto, esta não po<strong>de</strong> ultrapassar o patamardo razoável, arruinando, economicamente, o agressor. Ouadquirir feições <strong>de</strong> confisco patrimonial. Isto acarretariana inviabilida<strong>de</strong> do ressarcimento, dos lesados, pelos atosdo causador do dano.O ataque aos valores <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, além dos danosmateriais que gera, provoca a irrefutável necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>reparação moral, na ação coletiva.S<strong>em</strong>elhant<strong>em</strong>ente ao dano coletivo material, o dano moralcoletivo, somente, virá a ser tutelado, se inserido nas li<strong>de</strong>scoletivas.Dano moral coletivo indivisível - produzido por ofensasaos interesses difusos e coletivos <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> - oudivisível - ocasionado por ofensa aos interesses individuaishomogêneos – exig<strong>em</strong> tutela macro-individual, parasalvaguarda <strong>de</strong> efetiva reparação do b<strong>em</strong> jurídico.Do exposto, constatamos que, à maneira do dano coletivomaterial, o dano moral coletivo clama, pela urgência<strong>de</strong> reparação, por instrumentos processuais novos. Seignorados estes instrumentos, impossível a reparação aodano moral coletivo. Permanecerá a afronta aos valoresi<strong>de</strong>ais à socieda<strong>de</strong>, reduzindo o sentimento <strong>de</strong> auto estima,que cada pessoa, <strong>de</strong>la integrante, abriga no íntimo. E daíadvirão efeitos nocivos, para o progresso do país.Deparam-se, na doutrina, ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> dano moral coletivo.Esta se refere a danos a interesses difusos ou coletivos, nocaso dos consumidores, oriundos da publicida<strong>de</strong> abusiva,<strong>em</strong> relação a valores socialmente aceitos. ( BITTAR FILHO,Carlos Alberto, Po<strong>de</strong> a coletivida<strong>de</strong> sofrer dano moral?, inIOB - Repertório <strong>de</strong> Jurisprudência: civil, processual, penale comercial, n, 15, São Paulo, ago./96.)O patrimônio moral não se restringe aos valores moraisindividuais da pessoa física. Assim, a dor psíquica, esteioda teoria do dano moral individual, alonga seu braço,até alcançar o dano moral coletivo: Um sentimento <strong>de</strong><strong>de</strong>sapreço, que atinge, <strong>de</strong> maneira negativa, toda a coletivida<strong>de</strong>.Ocorre, por ex<strong>em</strong>plo, quando a boa imag<strong>em</strong>


do serviço público, ou o conceito <strong>de</strong> cidadania <strong>de</strong> cadabrasileiro é afetado.Difícil orçar a ofensa, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada à socieda<strong>de</strong>, à credibilida<strong>de</strong>do Estado, quando não se <strong>em</strong>pregam os instrumentos<strong>de</strong> reparação do patrimônio moral. Resulta no nãoreconhecimento <strong>de</strong> valores sociais essenciais.Ao sofrer a lesão moral, cabe à coletivida<strong>de</strong> o justo ressarcimento.Do contrário, repentinamente, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitar-seseu patrimônio imaterial.As in<strong>de</strong>nizações, por dano moral coletivo, reputam-seessenciais, para confirmar, ao brasileiro, o verda<strong>de</strong>iro valordo seu patrimônio moral, digno <strong>de</strong> proteção judicial. Opreclaro Dr. Oscar Dias Correa assinala:“a reparação do dano moral enfatiza o valor e importância<strong>de</strong>sse b<strong>em</strong>, que é a consi<strong>de</strong>ração moral, que se <strong>de</strong>ve protegertanto quanto, senão mais do que os bens materiaise interesses que a lei protege.” RTJ 108/294.A reparação do dano moral coletivo representa, para a coletivida<strong>de</strong>,uma conquista. Trata-se do reconhecimento, peloDireito, <strong>de</strong> valores sociais, indispensáveis, como a imag<strong>em</strong>do serviço público, a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas leis e outros, quea<strong>de</strong>ntram a já aniquilada noção <strong>de</strong> cidadania do brasileiro.A reparação do dano moral coletivo traz, <strong>em</strong> seu âmago,a efetiva cidadania.Na caracterização, do dano moral coletivo, distingu<strong>em</strong>-sealguns pressupostos:a) A ofensa ao patrimônio coletivo, <strong>de</strong>scomedida, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iasensação <strong>de</strong> repúdio coletivo, ante um fato insustentável.O princípio da insignificância exclui o eventodanoso, <strong>de</strong> parca repercussão, na coletivida<strong>de</strong>.b) O evento passível <strong>de</strong> cólera envolve sentimento <strong>de</strong>ira, opressão da coletivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> interesse metaindividual,resguardado, no mandamento legal, que sefustiga.c) A afronta à coletivida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> acarretar a impossibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> diluir o ato danoso. E este assuma tamanho relevo,que seu efeito, acometido à coletivida<strong>de</strong>, irrompa, numverda<strong>de</strong>iro tormento, a prolongar-se nas gerações pre-


sentes e futuras. Também, po<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar-se <strong>em</strong> difícilreparação, atingindo o direito imediato, <strong>de</strong> uso e gozo,do patrimônio coletivo.d) A agressão à coletivida<strong>de</strong> produz, muitas vezes, o enfraquecimentodo equilíbrio social, cultural e patrimonial,aviltando a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida futura.Os el<strong>em</strong>entos, indigitados, nas letras “a” e “b” precisamapresentar-se, para a caracterização do dano moral coletivo.E, ad<strong>em</strong>ais, alguma das hipóteses das letras “c” e“d”. Fixados tais pressupostos, a responsabilida<strong>de</strong> dar-se-ápor culpa objetiva, sobretudo, diante <strong>de</strong> lesão coletiva, nasrelações <strong>de</strong> consumo.Ad<strong>em</strong>ais, na nossa época, <strong>de</strong> globalização e divulgaçãoirrestrita <strong>de</strong> informações! Conhec<strong>em</strong>-se os frutos da difusãoenganosa, crivada <strong>de</strong> maledicência, infundida nesta.Despojada <strong>de</strong> vigorosa reação judicial, ensejaria estragos,incomensuráveis, comprometedores da segurança dacoletivida<strong>de</strong>.E tais el<strong>em</strong>entos, aqui, sobejam na inicial.[...]Após explanar seus fundamentos jurídicos, requer o autor,<strong>de</strong>ntre os pedidos, <strong>de</strong>limitando o objeto da ação:[...]b) Con<strong>de</strong>nar os réus por danos morais, <strong>em</strong> valor não inferiora <strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> reais, <strong>de</strong>stinados ao Fundo Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Defesa dos Direitos Difusos, <strong>de</strong> que trata o artigo 13 daLei n. 7347/85, para aplicação <strong>em</strong> políticas <strong>de</strong> informaçãoe <strong>de</strong>fesa do usuário do serviço público;É <strong>de</strong> rigor a procedência da ação, neste ponto.Tais dados, não foram <strong>de</strong>smentidos, <strong>em</strong> todo o curso doprocesso. Antes, confirmados. Confira a lista entregue,pela Telesp, às fls. 7672/7740As dificulda<strong>de</strong>s, provindas, da subjetivida<strong>de</strong> das soluções,a ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadas, não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> impor motivo, para ainexistência do direito, <strong>de</strong>vido a esse fundamento. O intuitoda reparação, dos danos extrapatrimoniais, não repousa,<strong>em</strong> fatores <strong>de</strong> reposição, senão <strong>de</strong> compensação.


Cabe ao magistrado, a tarefa da valoração do dano e ain<strong>de</strong>nização. Este pon<strong>de</strong>rará sobre a espécie <strong>de</strong> ato lesivopraticado, sua repercussão, as conseqüências sociais dalesão, para a coletivida<strong>de</strong> e condições econômicas doinfrator. Desastrosa uma postura antagônica, <strong>de</strong> modo aimpedir a apuração do justo ressarcimento. O dano moralé incomensurável, mas tal <strong>em</strong>baraço, não po<strong>de</strong> tornar-seóbice, à aplicação do direito e sua justa reparação. Constitui-senum <strong>de</strong>safio ao juiz. Este <strong>em</strong>pregará o art. 5. o daLICC e do art., 125 do diploma processual civil. O nonliquet merece distanciamento.Cumpre ao magistrado, assim, estimar o valor da reparação<strong>de</strong> ord<strong>em</strong> moral, acolhendo os critérios da razoabilida<strong>de</strong>,proporcionalida<strong>de</strong> e – in<strong>de</strong>fectivelmente - o do não incentivoà prática do dano, que gerou a in<strong>de</strong>nização.O notável Dr. Serpa Lopes observa ser tarefa do juiz abusca da soma harmônica à compensação <strong>de</strong>sejada:“Cabe ao juiz, pois, <strong>em</strong> cada caso, valendo-se dos po<strong>de</strong>resque lhe confere o estatuto processual vigente, com base nateoria do <strong>de</strong>sestímulo, b<strong>em</strong> como das regras da experiência,analisar as diversas circunstâncias do caso concretoe fixar a in<strong>de</strong>nização a<strong>de</strong>quada aos valores <strong>em</strong> causa.”(LOPES, Serpa. Curso <strong>de</strong> Direito Civil, v. V, 2.a ed.)O grau <strong>de</strong> culpa, a gravida<strong>de</strong>, extensão e repercussão daofensa, a intensida<strong>de</strong> do sofrimento, acarretado à vítima,também, são apreciados, visando ao não incentivo <strong>de</strong> novasagressões ao b<strong>em</strong> juridicamente tutelado.O autor, na inicial, esclarece:[...]O fim <strong>de</strong>stes abusos reduziria a absurda e imoral lucrativida<strong>de</strong>que os concessionários têm obtido às custas dafragilida<strong>de</strong> e da ausência <strong>de</strong> informação do consumidor.Enfim, o que se busca é tornar realida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa doconsumidor, hoje exposto às práticas abusivas mercê dasvacilações e inconstâncias administrativas, a <strong>de</strong>speito doreconhecimento do probl<strong>em</strong>a.”Assim, é <strong>de</strong> rigor a con<strong>de</strong>nação, <strong>em</strong> danos morais, a EM-BRATEL e a TELESP PARTICIPAÇÕES (TELESP – TE-LECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A). Ex<strong>em</strong>plo,


cristalino, <strong>de</strong> ofensa, ao direito do consumidor, brota às fls.7672/7740, com a juntada <strong>de</strong> rol, dos assinantes, da TELE-COMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO, que tiveram linhas,canceladas, e <strong>de</strong>pois, religadas, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do 0900/900.O fato é que o “apagão” provocado pela CELESC <strong>de</strong>ixou às escuras apopulação da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> por aproximadamente 55 horas no final <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 2003. A população que vive, estuda, trabalha na Ilha ou nos municípiosda “Gran<strong>de</strong> Florianópolis”, foi surpreendida às 13h 30min do dia 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong>2003 pela falta <strong>de</strong> energia elétrica na cida<strong>de</strong>, que só voltou no dia 31 <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 2003, às 20h e 5min, para novamente faltar a partir das 19h 30min às 23h dodia 1 o <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003, causando indiscutíveis transtornos às pessoas físicase jurídicas, já que Florianópolis ficou 79,5% às escuras.Inicialmente, acreditava-se que o caso não fosse tão grave, mas logo quevieram as primeiras informações, verificou-se que era gravíssima a situação einiciou o CAOS NA ILHA, como noticiado pelo Diário Catarinense do dia seguinte,30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003, verbis:Quarta-feira, 29 <strong>de</strong> outubro, os relógios da Beira MarNorte, na Capital, param <strong>de</strong> funcionar às 13h16. É o horário<strong>em</strong> que a fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> abastecimento<strong>de</strong> energia elétrica da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> começa a serexposto à população.A partir <strong>de</strong> então, engarrafamentos, aci<strong>de</strong>ntes, falta <strong>de</strong> transportes coletivos,escuridão total nos terminais <strong>de</strong> passageiros, milhares <strong>de</strong> pessoas retornando dotrabalho para casa a pé na escuridão, cancelamento <strong>de</strong> vôos, assaltos, “arrastões”(como foi o caso na Via Expressa, no continente), estupros, furtos, falta <strong>de</strong> água,impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preparo <strong>de</strong> alimentos, <strong>de</strong> tomar banho, elevadores parados,telefones fixos e celulares mudos, computadores <strong>de</strong>sligados, alimentos <strong>de</strong>scongeladose apodrecidos, falta <strong>de</strong> combustíveis, cirurgias adiadas, aulas suspensas,enfim, um verda<strong>de</strong>iro e inesquecível CAOS vivido pelos florianopolitanos, pelosturistas e inúmeros <strong>em</strong>presários que se encontram a trabalho na cida<strong>de</strong>, apenascom o precário funcionamento dos serviços essenciais, inclusive com o difícil<strong>de</strong>slocamento das pessoas que queriam <strong>de</strong>ixar a ilha. Parte <strong>de</strong>sse difícil momentovivenciado pela socieda<strong>de</strong> encontra-se retratada pelas imagens que constam doincluso CD (doc. 9), cuja gravida<strong>de</strong> ímpar obrigou a prefeita municipal a <strong>de</strong>cretar“ESTADO DE EMERGÊNCIA” ao Município (vi<strong>de</strong> doc. 8).Na ocasião, aconteciam na cida<strong>de</strong> eventos internacionais (etapa do Cam-


peonato Mundial <strong>de</strong> Surf e Feira <strong>de</strong> Tecnologia), tendo o “apagão” acarretadosérios prejuízos para a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Florianópolis, a nível nacional e mundial, eaos <strong>em</strong>presários e comerciantes que investiram nas suas organizações ou paraatendimento dos consumidores (restaurantes, bares, lojas etc.).Não são do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral e do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> asfrases, a seguir transcritas, mas da imprensa, que tão b<strong>em</strong> acompanhou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimeiros momentos, tudo o que acontecia na cida<strong>de</strong>, até novos fatos ocorridosapós o estabelecimento da energia elétrica na Ilha (cujas cópias das notíciassegu<strong>em</strong> inclusas - docs. 458/514):“Explosão e fogo na ponte assustam” – 9/12/03.“Horrível viver <strong>de</strong>sse jeito” – 9/12/03.“Deveriam ter planejamento” – 9/12/03.“É impossível se sentir segura” – 9/12/03.“Maior prejuízo <strong>de</strong> comerciantes foi com alimentos estragados”– 15/11/03.“Ligação <strong>de</strong> energia na Capital é frágil” – 7/11/03.“Aneel diz que a d<strong>em</strong>ora é “gravíssima” – 4/11/03.“Caos, agora, é entrar e sair da ilha” – 4/11/03.“A vida se transforma s<strong>em</strong> energia elétrica” – 02/11/03.“Turismo apreensivo com o apagão” – 02/11/03.“Fragilida<strong>de</strong>s são colocadas à mostra” – 02/11/03.“As fragilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Florianópolis” – 2/11/03.“Falta <strong>de</strong> água castiga moradores da ilha” – 1/11/03.“Homens, mulheres, idosos e crianças percorr<strong>em</strong> quilômetrospara garantir higiene e preparação da comida” – 1/11/03.“Filas atrasam horários <strong>de</strong> ônibus” – 1/11/03.“Mulher estuprada durante a segunda madrugada do apagãona Ilha” – 1/11/03.“Segunda madrugada fica violenta” – 1/11/03.“Incêndio fere um e <strong>de</strong>strói casas” – 1/11/03.“Aneel põe culpa na Celesc e ameaça multar” – 1/11/03.


“Famílias peregrinam <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> água” – 1/11/03.“É o fim do pesa<strong>de</strong>lo” – 1/11/03.“Violência marca segunda madrugada s<strong>em</strong> luz –1/11/03.“N<strong>em</strong> tudo voltou ao normal – 1/03/03.“Ângela diz que cida<strong>de</strong> precisará <strong>de</strong> 10 anos para resgatarimag<strong>em</strong>” – 1/11/03.“Um pouco da minha alma” – 1/11/03.“Florianópolis apura prejuízos do apagão – 1/11/03.“Comércio quer cobrar vendas não realizadas da Celesc”– 1/11/03.“Vigilância alerta para intoxicações” – 31/10/03.“S<strong>em</strong> energia, transtornos na Joaquina” – 31/10/03.“Florianópolis <strong>em</strong> <strong>em</strong>ergência” – 31/10/03.“S<strong>em</strong> água para beber e fazer comida” – 31/10/03.“Comércio amarga prejuízo; imag<strong>em</strong> da ilha é abalada”– 31/10/03“Panificadoras jogam produtos fora” – 31/10/03.“Com tanques vazios, motoristas enfrentam filas paraabastecer” – 31/10/03.“Fornecimento <strong>de</strong> energia por um fio” – 31/10/03.“Tensão na Ilha” – 31/10/03.“Capital <strong>em</strong> clima <strong>de</strong> guerra – S<strong>em</strong> lua e água, moradoresda ilha viv<strong>em</strong> dia <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo” – 31/10/03.“Dia <strong>de</strong> prejuízos para os comerciantes” – 31/10/03.“Congestionamentos dominam o trânsito <strong>em</strong> Florianópolis”– 31/10/03.“Aulas e transporte coletivo são afetados” – 31/10/03.“Colombo Salles fica fechada até segunda” – 31/10/03.“Decretado estado <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência na Capital” –31/10/03.“Madrugada <strong>em</strong> clima <strong>de</strong> guerra” – 31/10/03.


“Prejuízo <strong>de</strong> R$ 3 milhões por dia” – 31/10/03.“Luz só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 36 h” – 31/10/03“Capital às escuras” – 30/10/03.“Moradores corr<strong>em</strong> para comprar velas e pilhas” –30/10/03.“Explosão <strong>de</strong> botijão <strong>de</strong> gás causou aci<strong>de</strong>nte” –30/10/03.“Cabos se romp<strong>em</strong> e provocam blecaute e caos na capital”– 30/10/03.“Capital enfrenta caos com apagão prolongado” –30/10/03.“Hospitais suspend<strong>em</strong> cirurgias” – 30/10/03.“Blecaute instala caos na ilha e <strong>de</strong>ixa 300 mil pessoas noescuro” – 30/10/03.“Blecaute pára ilha” – 30/10/03.“O caos na Capital” – 30/10/03.“Caos na Ilha” – 30/10/03.“Casan avisa que ilha fica s<strong>em</strong> água’ – 30/10/03.Além disso, a Rádio Guarar<strong>em</strong>a 1230 AM, passou, com geradores próprios,a transmitir informações para a orientação da população, uma verda<strong>de</strong>ira jornadacívica e <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, b<strong>em</strong> como noticiando ao vivo todos os probl<strong>em</strong>asque começam e que se agravaram durante o “apagão”, como comprova o CDanexo (doc. 515 - com programação direta do início do apagão até o religamento,e do novo apagão até o religamento), encaminhado ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong>cumprimento a requisição, e por intermédio do qual foi relatado, passo a passo,o gran<strong>de</strong> sofrimento enfrentado pela população, e a total falta <strong>de</strong> preparado para<strong>de</strong>belar os efeitos da incompetência da <strong>em</strong>presa.Ouça Vossa Excelência, com toda a paciência que esse ilustre Magistradot<strong>em</strong>, o CD que acompanha esta exordial, uma prova irrefutável do sofrimentoenfrentado pela população!Foram horas <strong>de</strong> sofrimento e <strong>de</strong> terror.Outrossim, nas reportagens feitas ao vivo, com jornalistas, populares,técnicos, <strong>em</strong>pregados da CELESC, enfim, com a população <strong>em</strong> geral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>


que a rádio saiu do ar até a volta da energia elétrica, confirmam, s<strong>em</strong> qualquerpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contestação, os fatos narrados neste exordial.Do mesmo modo, acompanham esta petição inicial algumas imagens editadas(docs. 9/ 9A e 9B), extraídas <strong>de</strong> fitas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o VHS requisitadas pelo Parquetàs <strong>em</strong>issoras <strong>de</strong> televisão, e que d<strong>em</strong>onstram, do mesmo modo, toda a afliçãodaqueles que viveram, certamente, um dos piores momentos <strong>de</strong> suas vidas.O que tudo isso significou? Um sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapreço, <strong>de</strong> perda <strong>de</strong>valores, <strong>de</strong> insegurança, uma agressão <strong>de</strong> conteúdo significante, sensações <strong>de</strong>ansieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a angústia, uma tensão jamais vista nos moradores dapacata Florianópolis, uma agressão do patrimônio coletivo, que implicou <strong>em</strong>perigo coletivo, na sensação <strong>de</strong> repulsa coletiva à situação <strong>em</strong> que a CELESCcolocou os consumidores”; gerou um sentimento <strong>de</strong> indignação, <strong>de</strong> opressãoda coletivida<strong>de</strong>; um fardo para as gerações presentes e futuras (que passou,efetivamente, a <strong>de</strong>sacreditar na segurança do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> energiada <strong>em</strong>presa Concessionária); a sensação <strong>de</strong> inquietu<strong>de</strong>, agonia, <strong>de</strong> toda acoletivida<strong>de</strong>, que t<strong>em</strong> um patrimônio mínimo a ser protegido e que <strong>de</strong>ve serreparado, quando ofendido.Em outras palavras, insigne Julgador, significou a ocorrência do DANOMORAL COLETIVO a mais <strong>de</strong> 400 (quatrocentos) mil pessoas que se encontravam<strong>em</strong> Florianópolis naquela ocasião.Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, abalizada jurisprudência, seguindo amesma linha <strong>de</strong> pacífico entendimento doutrinário, t<strong>em</strong> reconhecido a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> aplicação do dano moral coletivo, consoante se infere dos excertosreproduzidos a seguir:DANO MORAL COLETIVO - POSSIBILIDADE - Umavez configurado que a ré violou direito transindividual <strong>de</strong>ord<strong>em</strong> coletiva, infringindo normas <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> pública quereg<strong>em</strong> a saú<strong>de</strong>, segurança, higiene e meio ambiente dotrabalho e do trabalhador, é <strong>de</strong>vida a in<strong>de</strong>nização por danomoral coletivo, pois tal atitu<strong>de</strong> da ré abala o sentimento <strong>de</strong>dignida<strong>de</strong>, falta <strong>de</strong> apreço e consi<strong>de</strong>ração, tendo reflexos nacoletivida<strong>de</strong> e causando gran<strong>de</strong>s prejuízos à socieda<strong>de</strong>. 30PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO30 TRT 8 a R. - RO 5309/2002 - 1 a T. - Rel. Juiz Conv. Luis José <strong>de</strong> Jesus Ribeiro - J.17.12.2002


CIVIL PÚBLICA - ALCANCE - PROVA - SÚMULA7/STJ - 1. A ação civil pública, ao coibir dano moral oupatrimonial, é própria para censura a ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>,mesmo que não haja lesão aos cofres públicos. 2. Moralida<strong>de</strong>pública que, quando agredida, enseja censura. 3. El<strong>em</strong>entosprobatórios examinados e avaliados pelo Tribunalque afastou a improbida<strong>de</strong>. 4. Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reexame <strong>de</strong>prova, o que está vedado na instância especial (Súmula7/STJ). 5. Recurso Especial não conhecido. 31O valor da in<strong>de</strong>nização que ora se pleiteia <strong>de</strong>ve levar <strong>em</strong> conta o <strong>de</strong>svalorda conduta, a extensão do dano e o po<strong>de</strong>r aquisitivo das Rés.O <strong>de</strong>svalor do procedimento adotado pelas Rés é imenso!Não se po<strong>de</strong> conceber que, numa socieda<strong>de</strong> organizada <strong>em</strong> que o avançotecnológico na área <strong>de</strong> energia elétrica já uma realida<strong>de</strong>, uma Concessionária <strong>de</strong>serviço público essencial, cuja obrigação el<strong>em</strong>entar é distribuir energia elétrica<strong>de</strong> forma contínua e ininterrupta, dê causa à falta <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> energia por55 longas horas, <strong>em</strong> prejuízo <strong>de</strong> aproximadamente 400.000 pessoas justamentenuma capital <strong>de</strong> Estado. Não se concebe, ainda, que, ocorrido o evento, não tenhahavido ágil e eficiente restabelecimento do serviço, por absoluta falta <strong>de</strong> preparoda Concessionária.Pior, todo o ocorrido se <strong>de</strong>u num contexto no qual existe uma AgênciaReguladora que <strong>de</strong>veria obrar igualmente eficiente <strong>de</strong> modo a fiscalizar e evitaro lamentável evento, o qual, repita-se, era plenamente previsível.Falhou tanto a Concessionária como a Agência Reguladora <strong>em</strong> prejuízodo consumidor, que, não obstante a suposta dupla garantia (da CELESC, sob afiscalização da ANEEL) <strong>de</strong> “eficiência” <strong>de</strong>positada no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> distribuição<strong>de</strong> energia, vê-se incrédulo quanto a perspectiva <strong>de</strong> receber continua e ininterruptamenteenergia elétrica <strong>em</strong> seu lar, local <strong>de</strong> trabalho, comércio e instituiçõese espaços públicos.É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse mesmo quadro que não se po<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r a gran<strong>de</strong> extensãodo dano causado, cuja singular amplitu<strong>de</strong> já restou d<strong>em</strong>onstrada à exaustão aolongo <strong>de</strong>sta inicial.Não se questiona, outrossim, a capacida<strong>de</strong> econômica das d<strong>em</strong>andadas,as quais, com orçamento próprio e <strong>de</strong>stinatárias <strong>de</strong> parte dos polpudos recursosprovenientes <strong>de</strong> tarifas com preços que há muito <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser módicos, atuamnum dos mais promissores ramos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> do país, notadamente por se situa-


<strong>em</strong> <strong>em</strong> setor <strong>de</strong> relevância estratégica inquestionável aos rumos da nação.O valor da in<strong>de</strong>nização a tais danos morais <strong>de</strong>ve situar-se <strong>em</strong> patamarque represente inibição à pratica <strong>de</strong> outros atos <strong>de</strong> ineficiência das Rés. É imperiosoque a justiça dê às infratoras resposta eficaz ao ilícito praticado, sob pena<strong>de</strong> estimular o comportamento infringente mediante o fomento da sensação <strong>de</strong>impunida<strong>de</strong> que recai sobre as Rés.A respeito <strong>de</strong>sse tópico, vale trazer à colação os apontamentos <strong>de</strong> CarlosAlberto Bittar:Com efeito, a reparação <strong>de</strong> danos morais exerce funçãodiversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes sevoltam para recomposição do patrimônio ofendido, atravésda aplicação da fórmula danos <strong>em</strong>ergentes e lucroscessantes, aqueles procuram oferecer compensação aolesado, para atenuação do sofrimento havido. De outraparte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingirlhesanção, a fim <strong>de</strong> que não volte a praticar atos lesivosà personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outr<strong>em</strong>. É que interessa ao direitoe à socieda<strong>de</strong> que o relacionamento entre os entes quecontracenam no orbe jurídico se mantenha <strong>de</strong>ntro dospadrões normais <strong>de</strong> equilíbrio e respeito mútuo. Assim,<strong>em</strong> hipóteses <strong>de</strong> lesionamento, cabe ao agente suportar asconseqüências <strong>de</strong> sua atuação, <strong>de</strong>sestimulando-se, com aatribuição <strong>de</strong> pesadas in<strong>de</strong>nizações, atos ilícitos ten<strong>de</strong>ntesa afetar os referidos aspectos da personalida<strong>de</strong> humana...Nesse sentido é que a tendência manifestada, a propósitopela jurisprudência pátria, fixação <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestímulocomo fator <strong>de</strong> inibição a novas práticas lesivas. Trata-se,portanto, <strong>de</strong> valor que, sentido no patrimônio do lesante, opossa conscientizar-se <strong>de</strong> que não <strong>de</strong>ve persistir na condutareprimida, ou então, <strong>de</strong>ve afastar-se da vereda in<strong>de</strong>vidapor ele assumida. 32A propósito, a justa e completa penalização <strong>de</strong> ambas as d<strong>em</strong>andadasserá um marco na história nacional, pois nesse universo <strong>em</strong> que há inúmeros ediversificados serviços públicos concedidos, tanto as Concessionárias quantoas Agências Reguladoras, <strong>de</strong> fato submetidas ao império das leis e alheias ao32 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais: Tendências Atuais. Revista<strong>de</strong> Direito Civil n. 74 —RT—pag.15.


manto da impunida<strong>de</strong>, certamente atuarão com mais eficiência e respeito aos<strong>de</strong>stinatários dos serviços.Nesse sentido, a prática perpetrada pelas Rés feriu os mandamentos <strong>de</strong>nosso Direito Pátrio, ofen<strong>de</strong>ndo o patrimônio imaterial <strong>de</strong> toda a coletivida<strong>de</strong>.Cabível, pois, a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> ambas à reparação do dano moral coletivo numpatamar não inferior a R$ 10.000.000,00 (<strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> reais), valor este que,<strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à natureza (real) do instituto, <strong>de</strong>ve ser revertido à populaçãoafetada mediante a <strong>de</strong>stinação para a impl<strong>em</strong>entação das obras e providênciasindicadas no tópico seguinte.Todavia, se assim não enten<strong>de</strong>r Vossa Excelência, o produto da con<strong>de</strong>nação<strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>stinado ao Fundo <strong>de</strong> Reconstituição dos Bens Lesados do Estado <strong>de</strong><strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> (Conta Corrente n o 58.109-0, Agência 068-0, Banco BESC).2.6.2 Tutela Preventiva – antecipação <strong>de</strong> tutelaA tutela preventiva ora pleiteada t<strong>em</strong> por objeto, basicamente, a imposição<strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong> fazer à CELESC e à ANEEL, consubstanciada na adoção <strong>de</strong>providências e impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> obras necessárias a evitar a repetição <strong>de</strong> eventosiguais ou similares ao ocorrido <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 2003.2.6.2.1 Construção da subestação Mauro Ramos e interligaçãoda subestação Ilha Centro com a Subestação Trinda<strong>de</strong>– fechamento da re<strong>de</strong> <strong>em</strong> anelNo subit<strong>em</strong> 2.3.3.3 supra - <strong>de</strong> leitura obrigatória para a compreensão dot<strong>em</strong>a - restou cristalino e cabalmente d<strong>em</strong>onstrado que o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> distribuição<strong>de</strong> energia elétrica para a parte insular <strong>de</strong> Florianópolis é d<strong>em</strong>asiadamentevulnerável, <strong>de</strong> sorte que se afigura imperiosa a adoção <strong>de</strong> providências aptas asuprir tamanha <strong>de</strong>ficiência.Com efeito, consoante se extrai do tópico aqui mencionado (subit<strong>em</strong>2.3.3.3) - repita-se, ao qual se r<strong>em</strong>ete para evitar <strong>de</strong>snecessária repetição do quelá foi comprovado à exaustão -, a ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> é abastecida por duasúnicas linhas isoladas e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica <strong>de</strong> 138kV, o que possibilita afirmar que o comprometimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las não po<strong>de</strong>


ser suprido pela outra.Tal fato foi constatado pelo Relatório <strong>de</strong> Fiscalização n o 02/2003 da ANE-EL (p. 5 do doc. 20), que registrou:[...] atualmente, com duas linhas isoladas <strong>de</strong> 138 kV,a Celesc não consegue aten<strong>de</strong>r, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong>qualquer uma das linhas atuais, o abastecimento <strong>de</strong>energia elétrica da Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. Isto se <strong>de</strong>veao fato <strong>de</strong> que uma linha isolada está interligando asubestação Palhoça à subestação Ilha Centro e a outralinha isolada <strong>de</strong> 138 kV está interligando a subestaçãoPalhoça a subestação Trinda<strong>de</strong>. Portanto, mesmo coma informação dos técnicos da Celesc, <strong>de</strong> que uma linhateria capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r toda a carga, isso não seriapossível, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> não existir a interligaçãoentre a subestações <strong>de</strong> Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>. (s<strong>em</strong>grifos no original)A solução para a probl<strong>em</strong>ática, que também consta do alvitrado relatório,é “A construção da subestação Mauro Ramos e interligações é que irá proporcionarmaior confiabilida<strong>de</strong> ao sist<strong>em</strong>a elétrico pelo fechamento do anel entre asubestação Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>”.Portanto, somente com a construção da subestação Mauro Ramos e com ainterligação da subestação Ilha-Centro (conectada à subestação Palhoça – quefica no continente) a subestação Trinda<strong>de</strong> (igualmente conectada à subestaçãoPalhoça) é que estará suprida a <strong>de</strong>ficiência e justificada a confiabilida<strong>de</strong> nosist<strong>em</strong>a.A impl<strong>em</strong>entação do projeto e a execução das obras necessárias a eliminaro probl<strong>em</strong>a, a par <strong>de</strong> há muito ser<strong>em</strong> <strong>de</strong> conhecimento da CELESC e da ANEEL,já haviam sido planejadas pela Concessionária e <strong>de</strong>veriam ter sido iniciadas <strong>em</strong>1999, não fosse a reiterada postergação por parte da <strong>em</strong>presa, conforme po<strong>de</strong>se verificar do excerto abaixo, extraído do mencionado relatório da AgênciaReguladora:No plano <strong>de</strong>cenal <strong>de</strong> expansão 1998/2007 do GCPS-Eletrobrás (página 285) estava prevista a entrada <strong>em</strong>operação da obra para o ano <strong>de</strong> 1999, sendo postergadaconstant<strong>em</strong>ente pela Celesc, e finalmente prevista noplanejamento qüinqüenal da <strong>em</strong>presa ciclo 2003-2007,para fevereiro <strong>de</strong> 2004. Na fiscalização realizada nos dias


3 e 4 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003 <strong>em</strong> Florianópolis, constatou-seque a referida obra ainda não tinha sido licitada e, portanto,não iniciada. (s<strong>em</strong> grifos no original)De fato, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da referida postergação, outra data para a obra tinhasido fixada, a qual, mais uma vez não foi respeitada, consoante se verifica damenção ao Relatório CCPE/CTET – 07/00 Plano Indicativo <strong>de</strong> Transmissão daRegião Sul – período 2000/2009, feita pelo excelente e elucidativo relatórioelaborado pelo Engenheiro Carlos Gallo (doc. 33), elaborado <strong>em</strong> atendimentoà requisição ministerial:4.3 – O Relatório CCPE/CTET- 07/00 – Plano Indicativo<strong>de</strong> Transmissão da Região Sul – Período 2000/2009, noit<strong>em</strong> 4.3, às fls. 14, apontou que:A região <strong>de</strong> Florianópolis será dotada <strong>de</strong> maior confiabilida<strong>de</strong>com o fechamento <strong>de</strong> um anel <strong>em</strong> 138 kV entre assubestações Ilha Centro e Trinda<strong>de</strong>, o qual será implantadojunto com a SE Florianópolis Mauro Ramos, <strong>em</strong>2001, evitando cortes <strong>de</strong> carga da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 60 MW <strong>em</strong><strong>em</strong>ergências. Para 2005, prevê-se a construção da terceiralinha, a partir <strong>de</strong> Palhoça (ELETROSUL) (s<strong>em</strong> grifos nooriginal).O mesmo relatório do engenheiro Carlos Gallo aponta outra data (qu<strong>em</strong>ais uma vez foi postergada) para a obra, agora mencionando o RelatórioCCPE/CTET – 33/2001 – Plano Indicativo <strong>de</strong> Transmissão da Região Sul– Período 2001/2010:4.4 – Neste mesmo sentido também se posicionou oRelatório CCPE/CTET- 033/2001 – Plano Indicativo <strong>de</strong>Transmissão da Região Sul – Período 2001/2010 no it<strong>em</strong>4.3, às fls. 25, conforme indicado a seguir:“A região <strong>de</strong> Florianópolis será dotada <strong>de</strong> maior confiabilida<strong>de</strong>com o fechamento <strong>de</strong> um anel <strong>em</strong> 138 kV entre as subestaçõesIlha Centro e Trinda<strong>de</strong>, o qual será implantadojunto com a SE Florianópolis Mauro Ramos 138/13,8kV, <strong>em</strong> 2002, evitando cortes <strong>de</strong> carga da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> 100MW <strong>em</strong> <strong>em</strong>ergências. Para 2005, prevê-se a construçãoda terceira linha, a partir <strong>de</strong> SE 230/138 kV Palhoça daEletrosul.“ (s<strong>em</strong> grifos no original).Ainda reportando-se ao relatório, aludido engenheiro fez a seguinte e


lúcida observação:4.5 – Vê-se, portanto, que eram fartos os alertas paraa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se promover reforços no sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>atendimento à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, já a partir <strong>de</strong>1998, agravando-se com o passar dos anos. (s<strong>em</strong> grifosno original)Na parte conclusiva Carlos Gallo enalteceu o completo <strong>de</strong>scaso da CE-LESC <strong>em</strong> efetivamente resolver o probl<strong>em</strong>a, ao assentar que– A subestação Mauro Ramos, a ser construída junto ao morroda cruz, prevista para entrar <strong>em</strong> operação <strong>em</strong> jan/2003, até opresente momento não há nenhuma previsão <strong>de</strong> iníciodas obras. Do mesmo modo a LT 138 kV Trinda<strong>de</strong> – IlhaNorte saiu do horizonte dos programas <strong>de</strong>cenais que seseguiram.– Mesmo tendo sido, as soluções apontadas pelos relatórios<strong>de</strong>cenais supracitados, <strong>em</strong>itidas com t<strong>em</strong>po hábil para quea CELESC promovesse os respectivos estudos, projetos,licitações e construções, até o presente momento nãose t<strong>em</strong> conhecimento <strong>de</strong> um único estudo conclusivoque estabeleça qual a alternativa mais viável técnicae econômica para efetuar a terceira interligação continente/ilha.[...]– Esta situação quantifica, muito b<strong>em</strong>, a fragilida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong>elétrica que aten<strong>de</strong> a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e mostra o quãoé urgente é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ultimar a impl<strong>em</strong>entaçãodas obras previstas, nos planos e programas <strong>de</strong> expansão,para reforçar este atendimento.– O que se conclui <strong>de</strong> todo este episódio é a pouca importânciadada, pela Direção da CELESC, aos estudoselaborados pelos órgãos <strong>de</strong> planejamento e o <strong>de</strong>scompromissocom as datas ali avençadas, pouco importandoas conseqüências advindas <strong>de</strong> seu não cumprimento. Aexpectativa <strong>de</strong> que fatos como o do dia 29/10 não ocorrame a confiança <strong>em</strong> uma solução negociada, <strong>em</strong> tais casos,contribu<strong>em</strong> para que as soluções <strong>de</strong>finitivas sejam s<strong>em</strong>pre<strong>em</strong>purradas com a barriga.Este é o parecer sobre os pontos objeto da consulta, co-


locando-me, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, à disposição <strong>de</strong>sta Promotoria paraoutros esclarecimentos que se façam necessários. (s<strong>em</strong>grifos no original).Evi<strong>de</strong>nte que outras priorida<strong>de</strong>s também <strong>de</strong>v<strong>em</strong> existir no cronograma daConcessionária e que é absolutamente natural e previsível a existência <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong>stécnicas, operacionais ou geográficas a dificultar<strong>em</strong> a impl<strong>em</strong>entaçãodas obras.Ocorre que a necessida<strong>de</strong> e a urgência na adoção das providências eimpl<strong>em</strong>entação das obras há muito são conhecidas da CELESC, a qual, na condição<strong>de</strong> Concessionária <strong>de</strong> serviço público essencial, t<strong>em</strong> a “obrigação <strong>de</strong> fim”<strong>de</strong> encontrar soluções para os obstáculos e garantir a efetiva confiabilida<strong>de</strong> nosist<strong>em</strong>a, ou seja, à prestação do serviço contínuo, ininterrupto e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.Caso contrário, incumbe à Agência Reguladora, no seu mister fiscalizatório, umavez <strong>de</strong>tectada a incapacida<strong>de</strong> da <strong>em</strong>presa <strong>em</strong> <strong>de</strong>sincumbir-se <strong>de</strong> suas obrigaçõescontratuais, tomar as medidas legais <strong>de</strong>stinadas a viabilizar o funcionamento <strong>de</strong>um sist<strong>em</strong>a confiável e seguro, n<strong>em</strong> que para isso seja necessária a substituiçãoda Concessionária ou intervenção na mencionada Empresa.O que não se po<strong>de</strong> conceber é que, passados muitos anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong>tecçãoda fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a, a Concessionária não tenha solucionado o probl<strong>em</strong>a en<strong>em</strong> a Agência Reguladora instado-a a fazê-lo, esta última quedando silente diantedas reiteradas evasivas procrastinatórias daquela, que se vale <strong>de</strong> argumentos que,<strong>em</strong>bora pertinentes, prestam-se para justificar o injustificável.Nesse contexto, avulta inexorável que o “débito acumulado” com a população<strong>de</strong> Florianópolis é tanto da CELESC quanto da ANEEL.Urge esclarecer, por oportuno, que n<strong>em</strong> mesmo o reparo à mácula antesapontada terá o condão <strong>de</strong> afiançar a completa confiabilida<strong>de</strong> no sist<strong>em</strong>a, umavez que a adoção <strong>de</strong> outra providência se faz necessária pra tal <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, queé a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> outra linha <strong>de</strong> transmissão por caminho distinto das duasjá existentes, consoante se observa do excerto do Relatório da ANEEL antesmencionado:Destaca-se que a construção da subestação Mauro Ramos e,por conseqüência, o fechamento do anel <strong>de</strong> 138 kV <strong>de</strong>ntroda Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, é apenas a etapa inicial <strong>de</strong> melhoriada confiabilida<strong>de</strong> no atendimento aos consumidores,pois a solução <strong>de</strong>finitiva, além da construção do anel<strong>de</strong> 138 kV, seria uma nova fonte <strong>de</strong> alimentação, que


segundo o planejamento qüinqüenal ciclo 2002-2006, eraa construção da LT 230 kV Palhoça Eletrosul – Ilha Sul,prevista para nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, porém retirada doplanejamento qüinqüenal da Celesc, ciclo 2003-2007.A informação mais atualizada, é a constante do “EstudoConjunto Celesc e Eletrosul área leste e planalto <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong>” que prevê a construção da subestação FlorianópolisIlha <strong>em</strong> 230 kV, alimentada pela subestação Biguaçupara 2006/2007 e a interligação entre as duas subestaçõespor meio <strong>de</strong> cabos submarinos.Cabe ainda ressaltar que, na ação <strong>de</strong> fiscalização realizada<strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2002 na Celesc, <strong>em</strong> resposta ao ofícion o 512/2002-SFE-Aneel, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2002, quesolicitava da <strong>em</strong>presa a apresentação dos pontos críticos eobras previstas, a <strong>em</strong>presa informou que não consi<strong>de</strong>ravao atendimento a Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> um ponto críticoe os d<strong>em</strong>ais já haviam sido diagnosticados e as soluçõesestão sendo implantadas. (s<strong>em</strong> grifos no original)Como tal providência refoge à atribuição exclusiva da Concessionária eda Agência Reguladora, pois recai principalmente sobre a discricionarieda<strong>de</strong> daUnião, através do <strong>Ministério</strong> <strong>de</strong> Minas e Energia, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral adiantaram-se <strong>em</strong> expedir,concomitant<strong>em</strong>ente ao ajuizamento <strong>de</strong>sta ação, Recomendação formal instandoos órgãos competentes a provi<strong>de</strong>nciar<strong>em</strong> a confecção da terceira linha <strong>de</strong> distribuição,razão pela qual alvitrada pretensão não é objeto do presente pedido <strong>de</strong>obrigação <strong>de</strong> fazer.Diante disso, afigura-se perfeitamente cabível e juridicamente viável não sóo <strong>de</strong>ferimento do pedido referente ao presente tópico como também da correlataantecipação da tutela, porquanto existentes seus requisitos autorizadores.De fato, avulta inquestionável reputar-se relevante o fundamento da d<strong>em</strong>anda(fumus boni juris), pois o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> a Concessionária garantir a confiabilida<strong>de</strong>do sist<strong>em</strong>a, notadamente a prestação do serviço contínuo, ininterrupto e seguro<strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica, <strong>de</strong>corre não só do Contrato <strong>de</strong> Concessãopropriamente dito como também do próprio sist<strong>em</strong>a legal que disciplina aconcessão <strong>de</strong> serviço público.Ad<strong>em</strong>ais, restou comprovada com sobejo a necessida<strong>de</strong> pr<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>impl<strong>em</strong>entação das obras retro referidas e a viabilida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> exigir-se


tal obrigação, <strong>de</strong> sorte que se encontra d<strong>em</strong>onstrada <strong>de</strong> maneira inequívoca orequisito primeiro estampado no § 3 o do art. 84 do CDC.Dada a natureza preventiva da providência pretendida, o segundo requisitonecessário à concessão da medida manifesta-se <strong>de</strong> uma obvieda<strong>de</strong> franciscana, namedida <strong>em</strong> que a não impl<strong>em</strong>entação da subestação Mauro Ramos e a renitenteausência da interligação da subestação Ilha Centro com a subestação Trinda<strong>de</strong> parao fechamento do sist<strong>em</strong>a <strong>em</strong> anel po<strong>de</strong> ocasionar nova interrupção <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> partedo fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica para a ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, <strong>de</strong> sorte que aocorrência do fato implica diretamente <strong>em</strong> ineficácia do provimento final.Ora, se o que se preten<strong>de</strong> é impedir a ocorrência <strong>de</strong> um evento através d<strong>em</strong>edidas preventivas eficazes, sua eventual eclosão retira a razão <strong>de</strong> ser das medidas,s<strong>em</strong> prejuízo, por óbvio, <strong>de</strong> insistência nelas para prevenir acontecimentosfuturos. Como, todavia, o que se preten<strong>de</strong> é evitar o surgimento <strong>de</strong> quaisquereventos <strong>de</strong>ssa natureza, a concessão da medida é providência que se impõe, sobpena <strong>de</strong> absoluta ineficácia do provimento final.Por fim, cumpre enfatizar que a execução das obas <strong>de</strong>terminadas é <strong>de</strong> plenoconhecimento da Concessionária, uma vez que os projetos <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entação jáforam concebidos há longa data.Diante disso, <strong>de</strong>ve ser imposta à CELESC a obrigação <strong>de</strong> fazer, consubstanciada(a) na apresentação, <strong>em</strong> até 30 (trinta) dias contado da intimação do<strong>de</strong>ferimento da medida, <strong>de</strong> cronograma on<strong>de</strong> conste as providências a ser<strong>em</strong>adotadas e obras a ser<strong>em</strong> impl<strong>em</strong>entadas para dar cabo à apontada <strong>de</strong>ficiência;(b) na imposição <strong>de</strong> prazo <strong>de</strong> até 4 (quatro) meses contado da intimação do <strong>de</strong>ferimentoda medida, para ser dado início à execução das obras e <strong>de</strong> até 2 (dois)anos para a completa impl<strong>em</strong>entação da subestação Mauro Ramos e interligaçõesantes mencionadas; (c) a fixação <strong>de</strong> multa diária pelo <strong>de</strong>scumprimento (§ 4 o doart. 84 do CDC) tanto a Concessionária quanto a Agência Reguladora, pois estaúltima estará quedando silente mais uma vez no seu <strong>de</strong>ver fiscalizatório.2.6.2.2 Treinamento para aperfeiçoamento <strong>de</strong> pessoalPor intermédio do subit<strong>em</strong> 2.3.3.1.3 supra, foi d<strong>em</strong>onstrado com sobejoque a CELESC, <strong>em</strong> flagrante <strong>de</strong>sobediência ao um <strong>de</strong> seus encargos estabelecidona Cláusula Quinta, inciso XIII, do Contrato <strong>de</strong> Concessão n o 56/99 (doc. 21), hámuito não promovia treinamento <strong>de</strong> seu pessoal, “visando ao constante aperfei-


çoamento para a a<strong>de</strong>quada prestação do serviço <strong>de</strong> distribuição concedido”.A importância e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal providência para a correta execução<strong>de</strong> tão relevantes serviços e também para evitar a ocorrência <strong>de</strong> conseqüências<strong>de</strong>sastrosas caso “algo dê errado nessas tarefas” – e infelizmente ocorreram– prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> comentários.Dessa forma, a situação d<strong>em</strong>anda a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impor à CELESC aobrigação <strong>de</strong> fazer, consubstanciada na viabilização <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> treinamentoe capacitação cuja periodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá se amoldar à complexida<strong>de</strong> e particularida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> cada tarefa, para aperfeiçoamento <strong>de</strong> seu pessoal, mediante aapresentação <strong>de</strong> cronograma a ser apresentado <strong>em</strong> juízo <strong>em</strong> até 60 (sessenta)dias da data da intimação da ord<strong>em</strong> que impuser tal obrigação, sob pena <strong>de</strong>imposição <strong>de</strong> multa diária por <strong>de</strong>scumprimento (§ 4 o do art. 84 do CDC) tanto àConcessionária quanto à Agência Reguladora, pois esta última estará quedandosilente mais uma vez no seu <strong>de</strong>ver fiscalizatório.A pretensão aqui exposta, tal qual <strong>de</strong>duzido no subit<strong>em</strong> anterior, mereceacolhimento antecipado, uma vez que presentes <strong>de</strong> forma flagrante seus requisitosautorizadores (art. 84, § 3 o , do CDC e art. 461 do CPC), quais sejam arelevância do fundamento e o receio <strong>de</strong> ineficácia do provimento final. Aliás,dada a peculiarida<strong>de</strong> do caso e proporção <strong>de</strong> suas conseqüências, apontadosrequisitos encontram-se ínsitos na própria natureza preventiva da medida nocaso concreto, cujos efeitos catastróficos <strong>de</strong> eventual repetição do evento dispensamaiores <strong>de</strong>longas <strong>em</strong> nível <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong>.2.6.2.3 Elaboração <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergênciaNo subit<strong>em</strong> 2.3.3.2.1. foi d<strong>em</strong>onstrado que a CELESC não possuía um plano<strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência para aten<strong>de</strong>r situações tais como a ocorrida <strong>em</strong> outubro último.A própria Concessionária foi categórica a admitir a omissão ao consignarna resposta ao Ofício n o 586/2003 expedido pela ANEEL (doc. 15) que “ACELESC não t<strong>em</strong> o Plano <strong>de</strong> Emergência, para o caso <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> umalinha <strong>de</strong> transmissão, conforme verificado pela ANEEL”. Admitiu, ainda, anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborá-lo o quanto antes ao registrar no mesmo documento que“Em respeito a anotação do Relatório SFE, a CELESC irá, contudo rediscutirinternamente, no âmbito da Diretoria Técnica, a viabilida<strong>de</strong> da criação<strong>de</strong> uma Plano <strong>de</strong> Emergência, com parâmetros genéricos, que possam ser


adotados <strong>em</strong> todas a situações <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência.” (s<strong>em</strong> grifos no original)Não há dúvida que essa falha da Concessionária encontra eco <strong>em</strong> igual<strong>de</strong>sacerto da Agência Reguladora, pois esta última, mais uma vez omissa, nãoexerceu seu mister fiscalizatório na medida <strong>em</strong> que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar apontadamácula e <strong>de</strong> agir <strong>de</strong> modo a repará-la antes do blecaute.Urge, pois, reconhecer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instar a CELESC a elaborarapontado plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência e a ANEEL tão somente a avaliar sua operativida<strong>de</strong>,já que sua omissão <strong>de</strong> exigi-lo será suprida pela ord<strong>em</strong> judicial aquipleiteada.A par <strong>de</strong> presentes seus requisitos ensejadores (art. 84, § 3 o , do CDC e art.461 do CPC), o <strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela a propósito dapresente medida preventiva é necessida<strong>de</strong> que se impõe s<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ora, porquantoa elaboração mencionado plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência terá o condão <strong>de</strong> garantir o prontorestabelecimento do serviço <strong>de</strong> distribuição na hipótese <strong>de</strong> nova interrupção.Como visto, a adoção <strong>de</strong> tal providência converge não só ao respeito dosconsumidores catarinenses, mas também à obrigação <strong>de</strong> fornecimento contínuoe ininterrupto <strong>de</strong> energia.Dessa forma, há que se impor a obrigação <strong>de</strong> fazer à CELESC, consistentena elaboração <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência a ser apresentado <strong>em</strong> juízo no prazo <strong>de</strong>60 (sessenta) dias contado da intimação do <strong>de</strong>ferimento do pedido, com parâmetrosgenéricos <strong>de</strong> modo a aten<strong>de</strong>r situações similares à vivenciada <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong>2003, sob pena <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária por <strong>de</strong>scumprimento (§ 4 o do art. 84do CDC) tanto a Concessionária quanto a Agência Reguladora, pois esta últimaestará quedando silente mais uma vez no seu <strong>de</strong>ver fiscalizatório.2.6.2.4 Contratação <strong>de</strong> seguro das linhas <strong>de</strong> transmissãoRestou d<strong>em</strong>onstrado no subit<strong>em</strong> 2.3.3.2.2. supra que a CELESC nãocumpriu com o <strong>de</strong>ver previsto na Cláusula Quinta, inciso IV, do Contrato <strong>de</strong>Concessão (doc. 21) por não ter feito seguro das linhas <strong>de</strong> transmissão, uma vezque essas instalações, s<strong>em</strong> dúvida, são essenciais à garantia e confiabilida<strong>de</strong> dosist<strong>em</strong>a elétrico.A ANEEL, por sua vez, mostrou-se <strong>de</strong> uma omissão renitente ao nãoi<strong>de</strong>ntificar e exigir o adimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> tal obrigação contratual.


Pelas mesmas razões retro apontadas e porque presentes seus requisitosautorizadores (relevância do fundamento da d<strong>em</strong>anda e receito <strong>de</strong> ineficácia doprovimento final), há que ser imposta a obrigação <strong>de</strong> fazer à CELESC já <strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong>antecipação <strong>de</strong> tutela (§ 3 o do art. 84 do CDC e art. 461 do CPC) para, no prazo<strong>de</strong> até 30 (trinta) dias contado da intimação da liminar, contratar o seguro doequipamento, sob pena <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária por <strong>de</strong>scumprimento (§ 4 odo art. 84 do CDC) tanto a Concessionária quanto a Agência Reguladora, poisesta última estará quedando silente mais uma vez <strong>em</strong> exigir o cumprimentodo contrato.2.6.2.5 Monitoramento por câmeras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o do acesso àsgalerias da ponte Colombo Machado Salles e outras medidasprotetivasO trágico acontecimento revelou a completa fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a noque tange a possíveis sabotagens nas linhas <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétricasituadas no interior da Ponte Colombo Machado Salles.O acesso ao interior das galerias é d<strong>em</strong>asiada e inexplicavelmente fácil,<strong>de</strong> sorte que qualquer pessoa po<strong>de</strong>rá se dirigir àquela localida<strong>de</strong> e dar causa, s<strong>em</strong>nenhuma dificulda<strong>de</strong>, à nova interrupção <strong>de</strong> energia elétrica.Necessário se faz, portanto, a imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer à CE-LESC, <strong>de</strong> modo a instá-la a instalar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo – eis que presentes os requisitosda antecipação da tutela (art. 84, § 3 o do CDC e art. 461 do CPC) – sist<strong>em</strong>a d<strong>em</strong>onitoramento e controle <strong>de</strong> acesso às galerias por via <strong>de</strong> câmeras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o,além <strong>de</strong> outras medidas <strong>de</strong> segurança igualmente pertinentes, as quais <strong>de</strong>verãoser impl<strong>em</strong>entadas no prazo <strong>de</strong> até 45 (quarenta e cinco) dias contado da data<strong>de</strong> intimação da medida, sob pena <strong>de</strong> multa diária (art. 84, § 4 o , do CDC).3 REVERSÃO DA MULTA IMPOSTA PELA ANEEL A CELESCEm virtu<strong>de</strong> das investigações, inclusive in loco, procedidas pela ANEELpor intermédio das quais objetivou apontar a responsabilida<strong>de</strong> pelo eventoiniciado <strong>em</strong> 29/10/2003, mencionada Agência Reguladora, calcada <strong>em</strong> sólidosel<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> prova, concluiu que


Ficou comprovado, portanto, que a interrupção no fornecimento<strong>de</strong> energia elétrica à ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> ocorreu<strong>de</strong>vido a não observância, por parte dos técnicos da Celesc,das normas e procedimentos da <strong>em</strong>presa para este tipo d<strong>em</strong>anutenção que <strong>de</strong>terminavam:A monitoração/verificação da existência <strong>de</strong> gases no ambienteda manutenção;A utilização <strong>de</strong> exaustor ou ventilação forçada.Além disso, também ficou comprovado que a Celesc nãoaten<strong>de</strong>u as advertências do fabricante da <strong>em</strong>enda, RaychenProdutos Irradiados Ltda. integrante do Manual <strong>de</strong> Procedimentoscitados anteriormente, que informava:“Antes <strong>de</strong> acen<strong>de</strong>r o maçarico, certifique-se da inexistência<strong>de</strong> gases ou líquidos inflamáveis no local <strong>de</strong> trabalho;Consulte as práticas aprovadas pela sua <strong>em</strong>presa para procedimento<strong>de</strong> limpeza e ventilação da área <strong>de</strong> trabalho”. (p.10 do Auto <strong>de</strong> Infração n o 001/2004-SFE – doc. 25)Com base nessas conclusões e <strong>em</strong> todos os d<strong>em</strong>ais el<strong>em</strong>entos coletadosno procedimento investigatório, a partir do Relatório <strong>de</strong> Fiscalização 02/2003 aANEEL expediu o Auto <strong>de</strong> Infração n o 001/2004 (doc. 25), <strong>em</strong> <strong>de</strong>sfavor da CE-LESC, por vilipêndio ao inciso IV do artigo 6 o da Resolução 318, <strong>de</strong> 6/10/98,que estabelece:Art. 6 o - Constitui infração, sujeita à imposição da penalida<strong>de</strong><strong>de</strong> multa do Grupo, III, o fato <strong>de</strong>:[...]IV - Não realizar as obras necessárias à prestação <strong>de</strong> serviçoa<strong>de</strong>quado, assim como não manter e operar satisfatoriamenteas instalações e os equipamentos correspon<strong>de</strong>ntes.O art. 1 o da Resolução Normativa 46, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2004, <strong>em</strong>itidapela ANEEL (doc. 516), a seu turno, alterou a redação do art. 1 o da Resolução459, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003 (doc. 517), que passou a vigorar com o seguinteconteúdo:Art. 1 o Os recursos provenientes dos pagamentos reali-33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional. 17.ed. São Paulo:Saraiva, 1989. p. 32.


zados a título <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> b<strong>em</strong> público (UBP) e das multasaplicadas pela ANEEL aos agentes do setor <strong>de</strong> energia elétricaserão utilizados, enquanto requerido, exclusivamente,para dar suporte à implantação do Programa Nacional<strong>de</strong> Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica– “LUZ PARA TODOS”.§ 1 o Os recursos a que se refere o caput são aquelesoriundos <strong>de</strong> pagamentos ocorridos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong>2002, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser efetivados à conta-corrente ELETRO-BRÁS-CDE, conforme estabelec<strong>em</strong> os arts. 28, § 1 o , 29e 41 do Decreto n o 4541, <strong>de</strong> 2002, a ser<strong>em</strong> controlados <strong>em</strong>ovimentados <strong>em</strong> separado pela ELETROBRÁS.[...]Pois b<strong>em</strong>, a actio <strong>em</strong> tela t<strong>em</strong> como um <strong>de</strong> seus nortes a reversão da multaimposta à CELESC <strong>em</strong> benefício da população <strong>de</strong> Florianópolis, atingida quefoi por toda sorte <strong>de</strong> malefícios <strong>de</strong>rivados do episódio retratado nessa exordial.Assim, para que possa ser apreciado tal pleito, torna-se necessário o prévioexercício do controle inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> sobre o preceito legalacima citado (Resolução n o 46 da ANEEL).Destaque-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, que a <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal, com eficácia interpartes, não é, <strong>em</strong> absoluto, controle direto da constitucionalida<strong>de</strong>, mas difuso,a ser realizado por cada Juízo, no âmbito <strong>de</strong> suas competências.“Há controle difuso”, explica Ferreira Filho, “quando a qualquer juiz édado apreciar a alegação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>”. Trata-se <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a que “secoaduna com a idéia, difundida por Marshall, <strong>de</strong> que o juiz resolve a questãoda constitucionalida<strong>de</strong> como se tratasse <strong>de</strong> um mero caso <strong>de</strong> conflito <strong>de</strong> leis,ou seja, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> qual a lei aplicável a um caso concreto”. 33Como é cediço, no Brasil ambos os métodos <strong>de</strong> controle da constitucionalida<strong>de</strong>são admitidos e são compatíveis entre si, pois a legitimida<strong>de</strong> para aprovocação e os efeitos <strong>de</strong>les <strong>de</strong>rivados são distintos.Nos dizeres <strong>de</strong> José Afonso da Silva,34 SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional Positivo. 7. ed. São Paulo: RT,1991. p. 50 e 52.35 CINTRA, Antonio Carlos <strong>de</strong> Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, CândidoR. Teoria Geral do Processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 138.


“[...] t<strong>em</strong>os o exercício do controle por via <strong>de</strong> exceção epor ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>”. No controle porexceção, “qualquer interessado po<strong>de</strong>rá suscitar a questão <strong>de</strong>inconstitucionalida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> qualquer processo, seja <strong>de</strong> quenatureza for, qualquer que seja o juízo.” Já a ação direta <strong>de</strong>inconstitucionalida<strong>de</strong> apresenta-se sob três modalida<strong>de</strong>s: a)a interventiva; b) a genérica, <strong>de</strong> competência do Supr<strong>em</strong>oTribunal Fe<strong>de</strong>ral ou do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>em</strong> cada Estado<strong>de</strong>stinada a obter a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, <strong>em</strong>tese, <strong>de</strong> lei ou ato normativo, fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal,conforme o caso, tendo por objetivo expurgar da ord<strong>em</strong>jurídica a incompatibilida<strong>de</strong> vertical; e c) a supridora <strong>de</strong>omissão. Quanto aos efeitos, na via <strong>de</strong> exceção “a argüição<strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> é questão prejudicial e gera umprocedimento inci<strong>de</strong>nter tantum”. A sentença respectiva“faz coisa julgada no caso e entre as partes”. A <strong>de</strong>cisão <strong>em</strong>ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> “<strong>de</strong>verá ter eficáciaerga omnes (genérica) e obrigatória”. 34Vê-se, pois, que não há <strong>de</strong>pendência recíproca entre o controle difuso eo controle concentrado da constitucionalida<strong>de</strong>. Para <strong>de</strong>cidir questão inci<strong>de</strong>ntalnão há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aguardar-se o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventual ação direta. Fazê-losignifica ferir o princípio da inafastabilida<strong>de</strong> da jurisdição.O princípio da inafastabilida<strong>de</strong> (ou princípio do controle jurisdicional),expresso na Constituição (art. 5 o , inc. XXXV), garante a todos o acesso ao Po<strong>de</strong>rJudiciário, o qual não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a qu<strong>em</strong> venha a juízo <strong>de</strong>duzir umapretensão fundada no direito e pedir solução para ela. Não po<strong>de</strong> a lei “excluirda apreciação do Po<strong>de</strong>r Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito” (art.cit.), n<strong>em</strong> po<strong>de</strong> o juiz, a pretexto <strong>de</strong> lacuna ou obscurida<strong>de</strong> da lei, escusar-se<strong>de</strong> proferir <strong>de</strong>cisão (CPC, art. 126). 35A coexistência <strong>de</strong> ambos os controles é naturalmente aceita pelos Tribunaispátrios, tal qual po<strong>de</strong> se verificar do excerto colhido do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>:Apelação Cível –– Ação cominatória para cumprimento <strong>de</strong>obrigação <strong>de</strong> não fazer, com pedido <strong>de</strong> liminar e ação <strong>de</strong> repetição<strong>de</strong> indébito –– Celesc –– Taxa <strong>de</strong> Iluminação Pública–– Controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> difuso –– Desnecessida-36 Apelação Cível n o 98.018224-7, <strong>de</strong> Timbó – Câmara Cível Especial – Rel. Des. Solon d’EçaNeves – j. 23-6-99 – publ. 13-9-00.


<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração da inconstitucionalida<strong>de</strong> via ação própria(ADIn.) –– Tributação <strong>de</strong>scabida –– Pedido <strong>de</strong> restituiçãoacolhido –– Recurso e r<strong>em</strong>essa <strong>de</strong>sprovidos. 36No acórdão lê-se:É do escólio <strong>de</strong> Humberto Theodoro Júnior: “No direitobrasileiro, o controle da constitucionalida<strong>de</strong> das leis é feito<strong>de</strong> duas maneiras distintas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário: pelocontrole inci<strong>de</strong>ntal e pelo controle direto. Dá-se o primeiroquando qualquer Órgão Judicial, ao <strong>de</strong>cidir alguma causa<strong>de</strong> sua competência, tenha que apreciar, como preliminar,a questão da constitucionalida<strong>de</strong> da norma legal invocadapela parte. A segunda espécie <strong>de</strong> controle é da competênciaapenas do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e dos Tribunais dosEstados e refere-se à apreciação da lei <strong>em</strong> tese. Aqui, ovício da inconstitucionalida<strong>de</strong> é diretamente <strong>de</strong>clarado; porisso, fala-se <strong>em</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>”(in “Curso <strong>de</strong> Direito Processual Civil”, vol. I, pág. 670).Acrescenta-se o texto inserto na JC 64, pág. 25, retirado<strong>de</strong> palestra proferida pelo Ministro do Supr<strong>em</strong>o TribunalFe<strong>de</strong>ral Sidney Sanches: “Observadas as normas processuais,o Juiz, <strong>de</strong> qualquer instância, po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve reconhecerpara os efeitos do julgamento, que a ela está submetido, ainconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer norma jurídica inferior.Trata-se <strong>de</strong> julgamento inci<strong>de</strong>ntal. Vale dizer: a inconstitucionalida<strong>de</strong>é apenas afirmada para a solução do casoconcreto, s<strong>em</strong> eficácia erga omnes. É <strong>de</strong> se observar queo juiz singular po<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar a inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lei ou ato normativo ou administrativo fe<strong>de</strong>ral, estadualou municipal, no julgamento <strong>de</strong> causa que lhe cabe, comeficácia inter partes”.A jurisprudência do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não <strong>de</strong>stoa do entendimentoaqui <strong>de</strong>fendido. Mutatis mutandi, <strong>em</strong> hipótese submetida à apreciaçãodo Judiciário do Estado <strong>de</strong> São Paulo, o magistrado <strong>de</strong> primeiro grau julgouproce<strong>de</strong>nte pedido <strong>de</strong>duzido <strong>em</strong> ação civil pública promovida pelo <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> estadual, vindo a <strong>de</strong>clarar, inci<strong>de</strong>ntalmente, a inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>dispositivo da Lei Orgânica do Município <strong>de</strong> Sorocaba, <strong>de</strong> modo a reduzir-se37 Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral – Rcl 1733/MC/SP – Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello – j. 24-12-00.Grifo nosso.


o número <strong>de</strong> vereadores <strong>de</strong> vinte e um para quatorze. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do recursocabível foi interposta Reclamação perante o Supr<strong>em</strong>o, sob a alegação <strong>de</strong> terhavido usurpação da competência <strong>de</strong>ssa Corte, porque a pretensão ministerialnão é apenas a <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, quevaleria tão-só para as partes litigantes, mas, sim, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>,que espargirá seus efeitos ‘erga omnes’ sobre toda a coletivida<strong>de</strong>,sobre todos os cidadãos”, sendo, <strong>em</strong> última análise, “disfarçada utilização <strong>de</strong>ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> açãocivil pública, com o objetivo <strong>de</strong> reduzir o número <strong>de</strong> Vereadores, <strong>em</strong> ofensa àautonomia municipal <strong>de</strong> auto legislar”.Decisão do Min. Celso <strong>de</strong> Mello fulminou a pretensão do reclamante, enten<strong>de</strong>ndoque se a controvérsia constitucional se qualificar como simples questãoprejudicial, a ação civil pública é meio idôneo para levantá-lo. Verbis:AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTALDE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PRE-JUDICIAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DEUSURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL. - O Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ralt<strong>em</strong> reconhecido a legitimida<strong>de</strong> da utilização da ação civilpública como instrumento idôneo <strong>de</strong> fiscalização inci<strong>de</strong>ntal<strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>, pela via difusa, <strong>de</strong> quaisquer leisou atos do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>, mesmo quando contestados<strong>em</strong> face da Constituição da República, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, nesseprocesso coletivo, a controvérsia constitucional, longe <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificar-se como objeto único da d<strong>em</strong>anda, qualifique-secomo simples questão prejudicial, indispensável à resoluçãodo litígio principal. Prece<strong>de</strong>ntes. Doutrina. 37 (s<strong>em</strong>grifos no original)No corpo da <strong>de</strong>cisão estratificou a Corte Excelsa a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilizaçãoda ação civil pública como meio idôneo para o controle difuso da constitucionalida<strong>de</strong>das leis:38 Grifo nosso.A discussão <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>a impõe algumas reflexões,que, por necessárias, apresentam-se indispensáveis à apreciaçãoda controvérsia suscitada nesta se<strong>de</strong> processual. Éinquestionável que a utilização da ação civil pública comosucedâneo da ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, além<strong>de</strong> traduzir situação configuradora <strong>de</strong> abuso do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>


d<strong>em</strong>andar, também caracterizará hipótese <strong>de</strong> usurpaçãoda competência do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Esse entendimento- que encontra apoio <strong>em</strong> autorizado magistériodoutrinário (ARNOLDO WALD, “Usos e abusos da AçãoCivil Pública - Análise <strong>de</strong> sua Patologia”, in Revista Forense,vol. 329/3- 16; ARRUDA ALVIM, “Ação Civil Pública- Lei 7.347/85 - R<strong>em</strong>iniscências e Reflexões após <strong>de</strong>z anos<strong>de</strong> aplicação”, p. 152-162, vários autores, 1995, RT; HUGONIGRO MAZZILLI, “A Defesa dos Interesses Difusos<strong>em</strong> Juízo”, p. 115/116, it<strong>em</strong> n. 7, 12 a ed., 2000, Saraiva;ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”,p. 565/567, it<strong>em</strong> n. 9.1.4, 7 a ed., 2000, Atlas; GILMARFERREIRA MENDES, “Direitos Fundamentais e Controle<strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong>”, p. 396/403, it<strong>em</strong> 6.4.2, 2 a ed.,1999, Celso Bastos Editor: JOSÉ DOS SANTOS CAR-VALHO FILHO, “Ação Civil Pública”, p. 74/77, it<strong>em</strong> n.8, 2 a ed., 1999, Lumen Juris, v.g.) - reflete-se, por igual,na jurisprudência do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que, noentanto, somente exclui a possibilida<strong>de</strong> do exercício daação civil pública, quando, nela, o autor <strong>de</strong>duzir pretensãoefetivamente <strong>de</strong>stinada a viabilizar o controle abstrato <strong>de</strong>constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada lei ou ato normativo(RDA 206/267, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Ag189.601-GO (AgRg), Rel. Min. MOREIRA ALVES). Se,contudo, o ajuizamento da ação civil pública visar, nãoà apreciação da valida<strong>de</strong> constitucional <strong>de</strong> lei <strong>em</strong> tese,mas objetivar o julgamento <strong>de</strong> uma específica e concretarelação jurídica, aí, então, tornar-se-á lícito promover,inci<strong>de</strong>nter tantum, o controle difuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong><strong>de</strong> qualquer ato <strong>em</strong>anado do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>. Incensurável,sob tal perspectiva, a lição <strong>de</strong> HUGO NIGRO MAZZILLI(“O Inquérito Civil”, p. 134, it<strong>em</strong> n. 7, 2 a ed., 2000, Saraiva):“Entretanto, nada impe<strong>de</strong> que, por meio <strong>de</strong> açãocivil pública da Lei n. 7.347/85, se faça, não o controleconcentrado e abstrato <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> das leis,mas, sim, seu controle difuso ou inci<strong>de</strong>ntal. (...) assimcomo ocorre nas ações populares e mandados <strong>de</strong> segurança,nada impe<strong>de</strong> que a inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um atonormativo seja objetada <strong>em</strong> ações individuais ou coletivas(não <strong>em</strong> ações diretas <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, apenas),como causa <strong>de</strong> pedir (não o próprio pedido) <strong>de</strong>ssas ações


individuais ou <strong>de</strong>ssas ações civis públicas ou coletivas. 38(s<strong>em</strong> grifos no original)E mais adiante:A ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> é instrumento docontrole concentrado da constitucionalida<strong>de</strong>; por outrolado, a ação civil pública, como todas as ações individuaisou coletivas, mesmo sendo um instrumento <strong>de</strong> processoobjetivo para a <strong>de</strong>fesa do interesse público, é instrumento<strong>de</strong> controle difuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>.No mesmo sentido, ainda, outros prece<strong>de</strong>ntes do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral:Rcl. 554-MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, Rcl. 611-PE, Rel. Min. SydneySanches.Conveniente ressaltar que não se objetiva a invalidação <strong>em</strong> tese das normas<strong>em</strong> questão, o que, como visto, seria inviável <strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ação Civil Pública, massim o reconhecimento inci<strong>de</strong>ntal da sua inconstitucionalida<strong>de</strong>, como pr<strong>em</strong>issada <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito a ser proferida, que culminará com a reversão dos valoresrelativos à multa aplicada pela ANEEL a CELESC <strong>em</strong> benefício da socieda<strong>de</strong>florianopolitana.Noutro prumo, impen<strong>de</strong> recordar que o que faz coisa julgada na sentençaé a parte dispositiva e não o seu fundamento. E mais, que o reconhecimento dainconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma norma integra o fundamento da <strong>de</strong>cisão e não a suaparte dispositiva, não se esten<strong>de</strong>ndo a ele os limites objetivos da coisa julgada.Portanto, pela Ação Civil Pública não se <strong>de</strong>clara, <strong>em</strong> tese, incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ato normativo com a Constituição, mas sim se afasta a aplicação da norma <strong>em</strong>questão, no contexto <strong>de</strong> um conflito intersubjetivo, que no caso se reveste <strong>de</strong>caráter coletivo. Não há, portanto, invasão <strong>de</strong> competência da Corte Supr<strong>em</strong>a,mas sim o exercício do <strong>de</strong>ver in<strong>de</strong>clinável do Judiciário <strong>de</strong> zelar pela supr<strong>em</strong>aciada Constituição, nos casos concretos que lhe são submetidos.Nesse sentido a lição <strong>de</strong> Luis Roberto Barroso:No processo <strong>de</strong> ação civil pública ou coletiva, a aferiçãoda constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada norma se faz d<strong>em</strong>odo difuso. O Juiz atua para solucionar o caso concretoque lhe é submetido, consistindo a apreciação da constitu-39 O Direito Constitucional e a Efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas Normas. 4. ed ; São Paulo: Renovar, p.241-242.


cionalida<strong>de</strong> ou não da norma <strong>em</strong> mera questão prejudicialque vai subordinar logicamente a <strong>de</strong>cisão a ser proferida<strong>de</strong> acordo com o pedido formulado. O objeto da ação nãoé a pronúncia <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, e sim a soluçãodo conflito <strong>de</strong> interesses. A questão da constitucionalida<strong>de</strong>não faz coisa julgada porque, como se disse, a manifestaçãodo órgão jurisdicional sobre a constitucionalida<strong>de</strong>da norma é questão prejudicial, cuja apreciação, <strong>de</strong>cididainci<strong>de</strong>ntalmente no processo, não faz coisa julgada, a teordo art. 469, III, do Código <strong>de</strong> Processo Civil. Logo, nãohá como lhe atribuir efeitos erga omnes que se limitam àparte dispositiva da sentença.Portanto, e <strong>em</strong> conclusão [...], penso que <strong>em</strong> ação civilpública ou coletiva é perfeitamente possível exercer ocontrole inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>, certo que, <strong>em</strong>tal hipótese, a valida<strong>de</strong> ou invalida<strong>de</strong> da norma figuracomo causa <strong>de</strong> pedir e não como pedido. É indiferente,para tal fim, a natureza do direito tutelado – se individualhomogêneo, difuso ou coletivo -, bastando que o juízo <strong>de</strong>constitucionalida<strong>de</strong> constitua antece<strong>de</strong>nte lógico e necessárioda <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito. 39Também é conveniente ressaltar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercitar-se o controle<strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> do art. 1 o da Resolução Normativa n o 459, <strong>de</strong> 5/9/2003com a redação que lhe foi dada pelo art. 1 o da Resolução 46, <strong>de</strong> 10/3/2004,ambas da ANEEL. Embora a Resolução <strong>em</strong> questão não seja lei <strong>em</strong> sentidoestrito, por certo constitui norma jurídica <strong>em</strong> sentido lato, vez que disciplina<strong>em</strong> concreto os termos da Lei n o 9.427/96 com as modificações que lhe foramintroduzidas pela Lei n o 9.648/98. Não é a toa que o art. 102, I, a da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral, que trata do controle abstrato <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>, estabelece queestão sujeitos ao controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> as leis e os atos normativos.A teor do dispositivo:Art. 102 - Compete ao Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, precipuamente,a guarda da Constituição, cabendo-lhe:I - processar e julgar, originariamente:a) a ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou atonormativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual e a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong>constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral;O art. 59, da Magna Carta, por sua vez, <strong>de</strong>fine como espécies normativas as


leis compl<strong>em</strong>entares; as leis ordinárias; as leis <strong>de</strong>legadas; as medidas provisórias;os <strong>de</strong>cretos legislativos e as resoluções.Ora, se assim é, nos parece claro que Por “leis” hão <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se todasas espécies previstas no art. 59, <strong>em</strong> razão do que se cristaliza a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>se exercitar o controle difuso <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> da Resolução Normativan o 46.E a inconstitucionalida<strong>de</strong> da Resolução <strong>em</strong> questão é evi<strong>de</strong>nte. Tanto noplano formal quanto no plano material, são encontradas eivas que lhe fulminam<strong>de</strong> morte.3.1 Da Inconstitucionalida<strong>de</strong> Formal do art. 1 o da Resolução n o459/2003, com a alteração procedida pelo art. 1 o da ResoluçãoNormativa n o 46/04, ambas da ANEELNo plano formal, resplan<strong>de</strong>ce a usurpação pela Agência Nacional <strong>de</strong>Energia Elétrica – ANEEL do po<strong>de</strong>r regulamentar entregue com exclusivida<strong>de</strong>ao Chefe do Executivo Fe<strong>de</strong>ral.Com efeito, <strong>de</strong> acordo com o art. 84, IV, da Carta Fe<strong>de</strong>ral:Art. 84. Compete privativamente ao Presi<strong>de</strong>nte da República:[...]IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, b<strong>em</strong>como expedir <strong>de</strong>cretos e regulamentos para sua fiel execução;[...]Parágrafo único. O Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legaras atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeiraparte, aos Ministros <strong>de</strong> Estado, ao Procurador-Geralda República ou ao Advogado-Geral da União, que observarãoos limites traçados nas respectivas <strong>de</strong>legações.T<strong>em</strong>-se, portanto, que, à exceção das competências elencadas no parágrafo40 Parcerias na Administração Pública – Concessão, Permissão, Franquias, Terceirização eoutras formas. 4. ed. São Paulo: Atlas, p. 153.41 MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002. p. 41.


único, nenhuma outra é passível <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação. Diante disso, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se queo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulamentar as leis, fazendo expedir <strong>de</strong>cretos e regulamentos quedê<strong>em</strong> marg<strong>em</strong> a sua consecução prática e, nos estritos limites por elas <strong>de</strong>finidos,pertence unicamente ao Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo.Como ensina Maria Sylvia ZANEELa Di Pietro,E continua a professora:Por isso mesmo, quando a Constituição , no art. 87, parágrafoúnico, inciso II, outorga aos Ministros <strong>de</strong> Estadocompetência para expedir instruções normativas para aexecução das leis, <strong>de</strong>cretos e regulamentos, t<strong>em</strong>-se queenten<strong>de</strong>r que essas instruções não têm a mesma naturezaregulamentar que os regulamentos baixados pelo Chefedo Executivo. Essas instruções são atos normativos <strong>de</strong>efeitos apenas internos, dirigidos aos próprios órgãos quecompõ<strong>em</strong> o <strong>Ministério</strong>.Da mesma forma que os <strong>Ministério</strong>s, outros órgãos administrativos<strong>de</strong> nível inferior têm reconhecidamente po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> praticar atos normativos, como portarias, resoluções,circulares, instruções, porém nenhum <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>ndo tercaráter regulamentar, à vista da competência in<strong>de</strong>legáveldo chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo para editá-los”.Por isso mesmo, esses atos normativos somente são válidosse dispuser<strong>em</strong> sobre aspectos exclusivamente técnicos,muitas vezes fora do alcance do legislador e s<strong>em</strong> conteúdoinovador, ou se limitar<strong>em</strong> seus efeitos ao âmbito internoda Administração, como forma <strong>de</strong> instruir os subordinadossobre a forma <strong>de</strong> cumprir as leis e os regulamentos. Elesnão pod<strong>em</strong> estabelecer normas inovadoras na ord<strong>em</strong> jurídica,criando direitos, obrigações, punições, proibições,porque isso é privativo do legislador, sob pena <strong>de</strong> ofensaao princípio da legalida<strong>de</strong> previsto nos art. 5 o , II e 37,caput, da Constituição; 40Neste ponto, cumpre realçar que a função precípua das agências <strong>de</strong> que secuida, <strong>em</strong> especial da ANEEL, é <strong>de</strong> regular o setor sob sua esfera <strong>de</strong> influência.E regular não é o mesmo que regulamentar. Regular “é o ato <strong>de</strong> sujeitar a regras<strong>em</strong> geral, mais aproximado do sentido <strong>de</strong> normatizar”, enquanto regulamentar é42 MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Op. Cit. p. 41.


“o ato <strong>de</strong> sujeitar a regulamentos, especificamente, cuja edição é da competênciaprivativa dos Chefes do Executivo, mediante seu ato administrativo característico,que é o Decreto”. 41Assim, não obstante seja dado às agências normatizar a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suacompetência, regulando as questões estritamente técnicas da área, é certo nãolhe ser dado regulamentar a ativida<strong>de</strong>, completando os vazios legislativos edando concretu<strong>de</strong> à lei. Como já se frisou, esta é atribuição exclusiva do Chefedo Po<strong>de</strong>r Executivo, a qu<strong>em</strong> toca o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> impulsionar o cumprimento da lei,muitas vezes, através <strong>de</strong> seu esclarecimento.Destarte, como afirma Edmir Netto <strong>de</strong> Araújo,O Po<strong>de</strong>r Normativo das agências reguladoras (não regulamentadoras)vincula-se às normas legais pertinentes,s<strong>em</strong> inovar na ord<strong>em</strong> jurídica, e não é o <strong>de</strong> regulamentarleis e muito menos situações jurídicas autônomas (leis <strong>em</strong>sentido material) que cri<strong>em</strong> direitos, <strong>de</strong>veres ou penalida<strong>de</strong>s.Não é por outra razão que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>em</strong>seu art. 5 o , inciso II, garante que ninguém será obrigadoa fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer algo senão <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei 42 .Não há, pois, como regulamentar leis ou inovar na ord<strong>em</strong> jurídica s<strong>em</strong>ferir <strong>de</strong> morte os princípios da legalida<strong>de</strong> e da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Consoantedispõe o art. 5 o , II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral:Art. 5 o Todos são iguais perante a lei, s<strong>em</strong> distinção <strong>de</strong>qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresi<strong>de</strong>ntes no país a inviolabilida<strong>de</strong> do direito àvida, à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, à segurança e à proprieda<strong>de</strong>,nos seguintes termos:...II – ninguém será obrigado a fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazeralguma coisa senão <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei;E no art. 2 o , estratifica a Carta Fe<strong>de</strong>ral:Art. 2 o São Po<strong>de</strong>res da União, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicosentre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.Nesse viés, todo e qualquer ato normativo que rasgar os limites traçadosno art. 84, IV da Carta Máxima, dando marg<strong>em</strong> a usurpação das competências43 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. p. 154.


nele <strong>de</strong>finidas, assaca os princípios da Harmonia e Tripartição dos Po<strong>de</strong>res daRepública e da Legalida<strong>de</strong>, vilipendiando <strong>de</strong> maneira reflexa a própria estruturado Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito.Discorrendo sobre a exuberância com que floresc<strong>em</strong> as agências reguladorasno país, a Juíza Fe<strong>de</strong>ral, Dra. Vanessa Vieira <strong>de</strong> Mello, adverte:Essas agências albergam, concomitant<strong>em</strong>ente, funçõesnormativas, executivas, fiscalizatórias e sancionatórias.Surg<strong>em</strong> dúvidas referentes à manutenção do princípio daseparação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, na medida <strong>em</strong> que se concentra todauma gama <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res distintos a um mesmo ente. São órgãosque pod<strong>em</strong> normatizar, executar diretrizes, fiscalizaro cumprimento <strong>de</strong> metas e impor sanções para aqueles queeventualmente venham a <strong>de</strong>scumprir as normas impostas.Por outro lado, tais normas não são leis. Não advêm <strong>de</strong> umParlamento, não têm votação, mas veiculam sanções. Então,difícil se torna enquadrar a obrigatorieda<strong>de</strong> do cumprimentodas normas advindas das agências <strong>em</strong> um Estado erguidosobre a pilastra do princípio da legalida<strong>de</strong>. Dev<strong>em</strong>os estaratentos para a eventual quebra do princípio da legalida<strong>de</strong>.Dev<strong>em</strong>os estar atentos para a eventual quebra do regimed<strong>em</strong>ocrático, pedra angular do sist<strong>em</strong>a jurídico vigente”·Não foi outra razão, senão o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> preservar as competências constitucionais,garantia <strong>de</strong> manutenção da própria d<strong>em</strong>ocracia, que inspirou a redação do art.25, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, através do qual foram revogados todos os dispositivoslegais que <strong>de</strong>legavam a outros órgãos competências entregues pela Constituição aoCongresso Nacional, especialmente no que tange a ação normativa.Certo é que alguns órgãos pod<strong>em</strong> baixar atos normativoscom base no art. 25 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tenham recebido essa competênciaantes da Constituição <strong>de</strong> 1988 e o prazo para a vigênciadas leis que fizeram a <strong>de</strong>legação tenha sido prorrogado,conforme previsto no dispositivo. A competência, nessescasos, há <strong>de</strong> ser exercida nos limites <strong>em</strong> que foi <strong>de</strong>legadapor lei. Fora <strong>de</strong>sses casos, as normas têm que se limitar aaspectos puramente técnicos, não <strong>de</strong>finidos pelo legislador44 Agência Reguladora. Jus navegandi, Teresina, a.6, n. 59, outubro <strong>de</strong> 2002. Disponível <strong>em</strong> :http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3339


e que não alter<strong>em</strong> o alcance da lei, ou têm que ter efeitoexclusivamente interno, limitado ao próprio âmbito doórgão, sob pena <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>, por infringênciaao princípio da legalida<strong>de</strong> e invasão <strong>em</strong> área reservada aolegislador” 43 .É nesse contexto constitucional, extr<strong>em</strong>amente restritivo, que aflora aResolução Normativa n o 46/2004 da ANEEL.O ato normativo <strong>em</strong> questão, a pretexto <strong>de</strong> dar <strong>de</strong>stino aos recursosarrecadados pela agência com a imposição <strong>de</strong> multas às concessionárias, extrapolouos limites da Lei n o 9.648/98, que acometeu à ANEEL a atribuição<strong>de</strong> fixar multas administrativas aos concessionários, permissionários e autorizados<strong>de</strong> instalações e serviços <strong>de</strong> energia elétrica (art. 4 o ), e b<strong>em</strong> assimdo Decreto Presi<strong>de</strong>ncial n o 2.335/97, que regulamentou a lei instituidora daagência, entregando-lhe a competência para impor a sanção <strong>de</strong> multa e <strong>de</strong>finiros procedimentos administrativos necessários a sua aplicação, cobrança epagamento (art. 17, parágrafo primeiro).O art. 1 o da Resolução n o 459/03, alterado pelo art. 1 o da Resolução n o46/04, ao <strong>de</strong>terminar que os recursos arrecadados com a cobrança <strong>de</strong> multas<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser utilizados, enquanto requerido, exclusivamente, para dar suporte àimplantação do Programa Nacional <strong>de</strong> Universalização do Acesso e Uso daEnergia Elétrica – “LUZ PARA TODOS”, ultrapassou os limites técnicos sobreos quais lhe era lícito dispor, fazendo inserir no or<strong>de</strong>namento, por meio absolutamenteina<strong>de</strong>quado, critérios político-administrativos <strong>em</strong> evi<strong>de</strong>nte intromissãona esfera <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, quiçá do Legislativo. Arespeito, aliás, realça o Professor José Maria Pinheiro Ma<strong>de</strong>ira: “Ultrapassaros limites técnicos ao acrescentar as normas reguladoras critérios político-administrativoson<strong>de</strong> não <strong>de</strong>viam existir, caracterizará invasão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r próprioà esfera <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do po<strong>de</strong>r legislativo” 44 .Pois b<strong>em</strong>, foi o que fez o art. 1 o das Resoluções questionadas. Usurpandoo po<strong>de</strong>r regulamentar privativo e in<strong>de</strong>legável do Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong>editar <strong>de</strong>cretos que preencham as normas legais <strong>em</strong> branco, indicando as opçõespolítico-administrativas a ser<strong>em</strong> perseguidas e dando às Leis n os 9.648/98e 9.427/97 a concretu<strong>de</strong> <strong>de</strong> que necessitam para viger <strong>em</strong> sua plenitu<strong>de</strong>, osatos normativos questionados inovaram na ord<strong>em</strong> jurídica, criando obrigação– <strong>de</strong>stinação dos recursos oriundos das multas aplicadas pela ANEEL às suasConcessionárias na execução do Programa Luz para Todos – inexistente nas


leis <strong>de</strong> regência e nos <strong>de</strong>cretos que as regulamentam.E n<strong>em</strong> se diga que o Decreto n o 2.335/98, <strong>em</strong> seu art. 17, parágrafoprimeiro, ao entregar à ANEEL a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir os procedimentos administrativosnecessários à aplicação das penalida<strong>de</strong>s, a sua cobrança e aopagamento das multas, entregou também o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria seraplicado o montante arrecadado a título <strong>de</strong> multa. Primeiro porque tal potesta<strong>de</strong>ultrapassa a simples <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> procedimentos administrativos ten<strong>de</strong>ntes àoperacionalizar o pagamento ou, na sua falta, a cobrança dos valores <strong>de</strong>vidosa título <strong>de</strong> multa. Da mesma maneira, transborda o raso estabelecimento dospormenores procedimentais a ser<strong>em</strong> seguidos para a aplicação da sanção. Cuida,isso sim, da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> opção administrativa a respeito da qual o Decreto n o2.335/97 dispôs diferent<strong>em</strong>ente. De acordo com o parágrafo sexto, do art. 17do edito <strong>em</strong> epígrafe:Art. 17. [...]§ 6 o Os valores arrecadados pela ANEEL, provenientes daaplicação <strong>de</strong> multas, po<strong>de</strong>rão ser parcialmente utilizadospara financiamento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s institucionais dos Conselhos<strong>de</strong> Consumidores <strong>de</strong> energia elétrica.Fica, portanto, claro que o t<strong>em</strong>a encartado no art. 1 o da Resolução n o459/03, alterado pelo art. 1 o da Resolução n o 46/04, versa sobre opção políticoadministrativaque refoge aos aspectos meramente técnicos sobre os quais po<strong>de</strong>e <strong>de</strong>ve a agência regular, razão pela qual ressai nítida a violação do art. 84, IV,da Carta Maior e b<strong>em</strong> assim do Princípio da Harmonia e Tripartição dos Po<strong>de</strong>res(art. 2 o da CF), até porque contrastante com os termos do Decreto.Segundo porque, mesmo se assim não fosse, e tivesse o Presi<strong>de</strong>nte entregueà ANEEL a tarefa <strong>de</strong> completar a lei, a competência regulamentar doChefe do Po<strong>de</strong>r Executivo para a edição <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos é, a teor do art. 84, IV, daConstituição Fe<strong>de</strong>ral, in<strong>de</strong>legável, o que nos r<strong>em</strong>ete mais uma vez a irrefragávelinconstitucionalida<strong>de</strong> do dispositivo, cuja <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal se impõe.Dessa forma, há que ser <strong>de</strong>clarada inci<strong>de</strong>ntalmente a inconstitucionalida<strong>de</strong>do art. 1 o da Resolução n o 459/03, cuja atual redação foi dada pelo art. 1 o daResolução n o 46/04 – igualmente inconstitucional, aliás, pelos mesmos motivos–, para efeito <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar que o valor resultante da aplicação da multa oranoticiada <strong>de</strong>ve ser revertido para os consumidores <strong>de</strong> Florianópolis, afetadaque foram pelas conseqüências <strong>de</strong>letérias do blecaute, notadamente porque o


numerário <strong>de</strong>verá se prestar para viabilizar a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> obras e adoção<strong>de</strong> providências no sentido <strong>de</strong> prevenir a ocorrência <strong>de</strong> novos eventos <strong>de</strong> igualnatureza.Na hipótese, todavia, <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se que a reversão da multa não <strong>de</strong>va sercanalizada para a impl<strong>em</strong>entação das obras <strong>em</strong> Florianópolis, pe<strong>de</strong>-se, sucessivamente(art. 289 do CPC), que seja <strong>em</strong> benefício dos consumidores <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> – eletrificação no meio rural do Estado –, uma vez que, direta ou indiretamente,acabarão suportando o ônus <strong>de</strong> pagamento da penalida<strong>de</strong>, pois aindaque por vias transversas, a CELESC lhes acabará repassando o encargo.A pretensão aqui exposta, merece acolhimento antecipado, uma vez quepresentes <strong>de</strong> forma flagrante seus requisitos autorizadores (art. 84, § 3 o , do CDCe art. 461 do CPC), quais sejam a relevância do fundamento e o receio <strong>de</strong> ineficáciado provimento final.O primeiro (relevância do fundamento da d<strong>em</strong>anda) exsurge dos inúmerosexcertos doutrinários, dispositivos legais e das consistentes pon<strong>de</strong>rações ora<strong>de</strong>duzidas; já o segundo (receio <strong>de</strong> ineficácia do provimento final) avulta ínsitono fato <strong>de</strong>, inacolhida a pretensão antecipatória, o produto da aplicação da multapo<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stinado ao programa “Luz para todos” <strong>de</strong> maneira irreversível, dadaa inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperar-se o vultoso valor aplicado no alvitrado programa,razão pela qual se afigura necessário impedir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo a <strong>de</strong>stinação equivocadados recursos e direcioná-la à correta e justa finalida<strong>de</strong>.3.2 Da Inconstitucionalida<strong>de</strong> Material do art. 1 o da Resoluçãon o 459/2003, com a alteração procedida pelo art. 1 o daResolução Normativa n o 46/04, ambas da ANEELNão fosse a inconstitucionalida<strong>de</strong> formal <strong>de</strong> que pa<strong>de</strong>ce o art. 1 o da Resoluçãon o 459/03, alterado pelo art. 1 o da Resolução n o 46/04, há ainda a incompatibilida<strong>de</strong>vertical-material com a Magna Carta. Sim, porque, <strong>de</strong> acordo como preceito enfocado, todo o montante arrecadado com a imposição <strong>de</strong> multasàs concessionárias <strong>de</strong> energia elétrica, multas estas <strong>de</strong>rivadas da infração a<strong>de</strong>veres das mais diversas estirpes e lesivos aos interesses <strong>de</strong> consumidoresresi<strong>de</strong>ntes nos quatro cantos <strong>de</strong>ste país-continente, enfim todo este montante<strong>de</strong>ve ser carreado para a execução do Programa Luz para Todos, cujo escopo45 Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional Positivo. Malheiros, 2002. p. 215.


é a universalização do acesso à luz. Em que pese seja louvável <strong>de</strong>stinar<strong>em</strong>-serecursos para a execução <strong>de</strong> projetos ten<strong>de</strong>ntes a levar energia elétrica até osmais longínquos rincões brasileiros, medida que instiga o <strong>de</strong>senvolvimentosocial e econômico das comunida<strong>de</strong>s atendidas, o ato normativo <strong>em</strong> questãoviola o Princípio da Isonomia, na medida <strong>em</strong> que trata da mesma maneiraconsumidores que, <strong>em</strong> função da infração cometida pela concessionária, nãoestão <strong>em</strong> idêntica situação.O Princípio da Isonomia ou Igualda<strong>de</strong>, t<strong>em</strong> assento no art. 5 o , II, daConstituição Fe<strong>de</strong>ral, que assim o retrata:Art. 5 o Todos são iguais perante a lei, s<strong>em</strong> distinção <strong>de</strong>qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresi<strong>de</strong>ntes no País a inviolabilida<strong>de</strong> do direito àvida, à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, à segurança e à proprieda<strong>de</strong>,nos termos seguintes:Conforme o célebre Seabra Fagun<strong>de</strong>s, citado por José Afonso da Silva, oprincípio da isonomia ou igualda<strong>de</strong> significa, para o legislador,que, ao elaborar a lei, <strong>de</strong>ve reger, com iguais disposições– os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situaçõesidênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição <strong>de</strong>encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas,<strong>de</strong> sorte a quinhoá-las ou gravá-las <strong>em</strong> proporçãoàs suas diversida<strong>de</strong>s 45 .B<strong>em</strong> por isso, jamais po<strong>de</strong>ria a Resolução n o 46 tratar a questão da <strong>de</strong>stinaçãodas multas da maneira como o fez.Para localizar a violação ao princípio da isonomia, basta tomar-se oex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Florianópolis. A infração ao uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres contratuais eoutros tantos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> atos normativos pela CELESC, Concessionária doServiço <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Energia Elétrica para o Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, <strong>de</strong>ucausa a imensos prejuízos à socieda<strong>de</strong> florianopolitana, que se viu por cerca <strong>de</strong>intermináveis 55 horas completamente s<strong>em</strong> luz. A par dos contrat<strong>em</strong>pos individuais,o caos foi instalado na cida<strong>de</strong>, levada que foi ao escuro total, situaçãoque <strong>de</strong>scortinou a fragilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> energia elétricana Ilha <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. É <strong>de</strong>corrência lógica do fato <strong>de</strong>scrito concluir-seque os consumidores <strong>de</strong> energia elétrica da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Florianópolis não estão46 Interpretação e Aplicação da Constituição. Saraiva, 1996. p. 204.


nas mesmas condições que os consumidores <strong>de</strong> Vitória, no Espírito Santo, ou<strong>de</strong> Imperatriz, no Maranhão. Constatada a violação à obrigações contratuais einfringidas regras <strong>de</strong> conduta estampadas na legislação pertinente que levarama causação <strong>de</strong> imensos prejuízos aos consumidores florianopolitanos e que<strong>de</strong>scortinaram a precarieda<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> abastecimento, a multa <strong>de</strong>correnteda atuação repressiva da ANEEL só po<strong>de</strong>ria ter como <strong>de</strong>stino a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Florianópolis, quando muito o Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. A medida, além <strong>de</strong>proporcionar aos consumidores <strong>de</strong> Florianópolis/<strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> a minoraçãodos riscos <strong>de</strong> que algo s<strong>em</strong>elhante possa vir novamente a acontecer, evi<strong>de</strong>nciaa manutenção do princípio da isonomia, pelo qual, repita-se, <strong>de</strong>ve o legisladordistinguir na repartição <strong>de</strong> encargos e benefícios, situações que sejam entre sidistintas, a fim <strong>de</strong> gravá-las ou quinhoá-las <strong>em</strong> proporção as suas diversida<strong>de</strong>s,tal qual retratou o mestre Seabra Fagun<strong>de</strong>s, tão b<strong>em</strong> l<strong>em</strong>brado por José Afonsoda Silva.Mas não é só.Qualquer solução que não seja carrear os valores relativos a multa impostaà CELESC para Florianópolis ou, na pior das hipóteses, para <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>,implicaria na quebra do Princípio da Razoabilida<strong>de</strong>.O princípio <strong>em</strong> epígrafe está encartado na cláusula do <strong>de</strong>vido processolegal (art. 5 o , LIV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) e permite ao Judiciário a invalidação<strong>de</strong> normas jurídicas que se revelar<strong>em</strong> iníquas, contrárias ao senso comum e àord<strong>em</strong> <strong>de</strong> valores subjacente ao pacto constitucional.Como <strong>de</strong>stacou Luis Roberto Barroso, “o princípio da razoabilida<strong>de</strong>é um parâmetro <strong>de</strong> valoração dos atos do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong> para aferir se elesestão informados pelo valor superior inerente a todo or<strong>de</strong>namento jurídico:a justiça” 46 .Ora, a agressão à razoabilida<strong>de</strong> parece evi<strong>de</strong>nte no caso <strong>em</strong> apreço. Comefeito, o teor da Resolução <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong>stoa por completo da axiologiaconstitucional, centrada <strong>em</strong> valores humanitários e solidarísticos, e do própriobom senso, já que, além <strong>de</strong> não ser “beneficiada” com a aplicação dos expressivosvalores traduzidos <strong>em</strong> multa no reparo das máculas que contribuírampara o blecaute, a socieda<strong>de</strong> florianopolitana certamente seria onerada pelo<strong>de</strong>s<strong>em</strong>bolso efetuado pela CELESC. Isto, gize-se, <strong>de</strong> maneira direta – peloincr<strong>em</strong>ento no valor da tarifa – ou mesmo indireta – pela restrição <strong>de</strong> investimentosno sist<strong>em</strong>a.


O fato <strong>em</strong> realce r<strong>em</strong>ete a violação <strong>de</strong> um terceiro princípio, o da proporcionalida<strong>de</strong>.Os Procuradores da República, Dr. Daniel Sarmento e Celso Albuquerquee Silva, <strong>em</strong> Ação Civil Pública aforada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>stacaram que oPrincípio da Proporcionalida<strong>de</strong> visa, <strong>em</strong> última análise, a contençãodo arbítrio e a mo<strong>de</strong>ração do exercício do po<strong>de</strong>r, <strong>em</strong>favor da proteção dos direitos do cidadão. Neste sentido, elet<strong>em</strong> sido utilizado, tal como o princípio da razoabilida<strong>de</strong>, como qual por vezes se confun<strong>de</strong>, como po<strong>de</strong>roso instrumentopara aferição da conformida<strong>de</strong> das leis e dos atos administrativoscom os ditames da razão e da justiça.Tal princípio po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sdobrado <strong>em</strong> três subprincípios,que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser concomitant<strong>em</strong>ente atendidos pelasnormas e d<strong>em</strong>ais atos estatais. São eles a a<strong>de</strong>quação, anecessida<strong>de</strong> ou exigibilida<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong> <strong>em</strong>sentido estrito. De acordo com o magistério <strong>de</strong> GilmarFerreira Men<strong>de</strong>s, ´o pressuposto da a<strong>de</strong>quação (Geisnetheit)exige que as medidas interventivas adotadasmostr<strong>em</strong>-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. Orequisito da necessida<strong>de</strong> ou da exigibilida<strong>de</strong> (Notwendigkeito<strong>de</strong>r Erfor<strong>de</strong>rlichkeit) significa que nenhum meiomenos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmenteeficaz na consecução dos objetivos pretendidos´ (DireitosFundamentais e Controle da Constitucionalida<strong>de</strong>. SãoPaulo,: IBDC, 1998, p.68).Já o subprincípio da proporcionalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> sentido estritosignifica que, numa pon<strong>de</strong>ração entre custo e benefício,o ônus imposto por <strong>de</strong>terminado ato estatal não po<strong>de</strong> sersuperior aos benefícios que ele proporciona. Em outraspalavras, uma norma jurídica será inválida, por contrariaro subprincípio da proporcionalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> sentido estrito,s<strong>em</strong>pre que se pu<strong>de</strong>r constatar que ela gera para os seus<strong>de</strong>stinatários impactos negativos, que não são compensadospelas vantagens que acarreta.É, portanto, indisfarçável que o conteúdo do art. 1 o da Resolução n o459/03, alterado pelo art. 1 o da Resolução n o 46/04, não aten<strong>de</strong> a nenhum dos47 Agências Reguladoras e Concorrências e o Controle Jurisdicional dos Atos.


três subprincípios acima relacionados. A <strong>de</strong>stinação que o ato normativo <strong>em</strong>análise <strong>de</strong>u às multas aplicadas pela ANEEL e entre elas a aplicada pela Agênciaà CELESC não é a<strong>de</strong>quada, porquanto não se mostra apta a minorar os efeitos doato gravoso; não é exigível, vez que há meio menos gravoso ao consumidor <strong>de</strong>se processá-la e, finalmente, não aten<strong>de</strong> à proporcionalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> sentido estrito,pois numa pon<strong>de</strong>ração entre custo e benefício, o ônus por ela imposto ao consumidornão é superior aos benefícios que proporciona, ou seja, a penalização daCompanhia ao invés <strong>de</strong> gerar benefícios para os consumidores <strong>de</strong> energia elétricaproduz ônus adicional.Desta feita, a inconstitucionalida<strong>de</strong> do preceito enfocado é assente.E não se proclame a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Judiciário sindicar o mérito dosatos regulatórios por invasão a esfera da discricionarieda<strong>de</strong> administrativa.Edgar Silveira Bueno Filho adverte:Enfim, como todo ato administrativo, os atos expedidospelas agências se sujeitam ao controle jurisdicional. Nãoimporta a categoria do ato será unicamente, o Po<strong>de</strong>r Judiciário,por força do princípio da universalida<strong>de</strong> da jurisdição(art. 5 o , XXXV, da CF) o competente para <strong>de</strong>cidir, com<strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> toda e qualquer contenda que seja levada aseu conhecimento. Mesmo por que, o aperfeiçoamento dodireito é conseqüência da inafastabilida<strong>de</strong> do controle exercidopelos tribunais. E, <strong>em</strong> seguida, fulmina: “Até mesmoquando o controle do ato envolver o exame dos chamadosconceitos in<strong>de</strong>terminados ou envolver atos praticados comfundamento na discricionarieda<strong>de</strong> técnica, estará presentea sindicabilida<strong>de</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário (Amanda Flávio <strong>de</strong>Oliveira, O Direito da Concorrência e o Po<strong>de</strong>r Judiciário,Ed. Forense, p.113).Não fog<strong>em</strong> da regra os atos normativos baixados pelas agências. Mesmoaqui o Po<strong>de</strong>r Judiciário, a vista dos princípios legais que reg<strong>em</strong> a ativida<strong>de</strong> reguladaverificará se o ato normativo está ou não conforme com os objetivos legais d<strong>em</strong>odo a consi<strong>de</strong>rá-lo válido ou não. Nisso abrangido o exame da compatibilida<strong>de</strong>vertical <strong>em</strong> relação às leis e à Constituição Fe<strong>de</strong>ral” 47 .Em idêntico sentido posiciona-se Sebastião Botto <strong>de</strong> Barros Tojal:48 Agências Reguladoras. Atlas : São Paulo, 2002, p. 167/168.49 Direito Administrativo Brasileiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2000. p.267.


Vale dizer, o controle jurisdicional <strong>de</strong>ve incidir sobre aapreciação da consonância do agir das agências reguladoras(mediante a edição <strong>de</strong> atos administrativos <strong>de</strong> regulação),portanto, da a<strong>de</strong>quação da racionalida<strong>de</strong> material dodireito regulatório que expressa essa ativida<strong>de</strong> normativa”E vai além: “Ao baixar<strong>em</strong> seus atos administrativos <strong>de</strong>regulação, as agências reguladoras <strong>de</strong>v<strong>em</strong> respeitar osprincípios da legalida<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>e eficiência consagrados pelo art. 37, caput, daConstituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, b<strong>em</strong> comoos princípios da finalida<strong>de</strong>, da motivação, da razoabilida<strong>de</strong>expressamente previstos no art. 2 o , caput, da Lei n o 9.784,<strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999...O que se preten<strong>de</strong> é reconhecera imprescindibilida<strong>de</strong> do juízo <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> dopróprio conteúdo <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> normativa, das políticaspúblicas a que no limite correspon<strong>de</strong> a racionalida<strong>de</strong> material<strong>de</strong>ssa função normativa” 48Até a doutrina mais conservadora já acenou com a sindicabilida<strong>de</strong> domérito dos regulamentos, mesmo que somente sob o prisma constitucional. Deacordo com o Magistério <strong>de</strong> José Cretella Júnior, “Não po<strong>de</strong> o regulamento: 1oir <strong>de</strong> encontro aos princípios gerais <strong>de</strong> direito, como o da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todosperante a lei [...]” 49O Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>em</strong> acórdão da lavra do Ministro Celso<strong>de</strong> Mello no Mandado <strong>de</strong> Segurança n o 20.999, j. 21.3.90, in RDA 179/180estratificou:É preciso evoluir cada vez mais no sentido da completajusticiabilida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> estatal e fortalecer o postuladoda inafastabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda e qualquer fiscalizaçãojudicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos<strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r há <strong>de</strong> gerar como expressivo efeitoconsequencial, a interdição <strong>de</strong> seu exercício abusivo.Pois b<strong>em</strong>, <strong>de</strong>finida a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreciação por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciáriodo conteúdo material do art. 1 o da Resolução n o 459/03, alterado peloart. 1 o da Resolução n o 46/04, nos termos <strong>em</strong> que foi <strong>de</strong>stacada e, <strong>de</strong> outrabanda, evi<strong>de</strong>nciada a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>scompasso entre o comando lá inserto50 Silva, Jorge Alberto Quadros <strong>de</strong> Carvalho. Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor Anotado. 2.ed. Saraiva:São Paulo, 2002. p. 38.51 Op. cit. p. 38.


e os Princípios Constitucionais da Igualda<strong>de</strong>, Razoabilida<strong>de</strong> e Proporcionalida<strong>de</strong>,previstos no art. 5 o , caput e LIV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, impen<strong>de</strong>seja reconhecida a sua inconstitucionalida<strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntal do dispositivo, a fim<strong>de</strong> que a multa aplicada pela ANEEL à CELESC seja revertida <strong>em</strong> benefícioexclusivo dos consumidores <strong>de</strong> Florianópolis (subit<strong>em</strong> “2.6.2”) ou, não sendoeste o entendimento <strong>de</strong>sse Juízo, sucessivamente (art. 289 do CPC), <strong>em</strong> proldos consumidores catarinenses.A pretensão aqui exposta, merece acolhimento antecipado, uma vez quepresentes <strong>de</strong> forma flagrante seus requisitos autorizadores (art. 84, § 3 o , doCDC e art. 461 do CPC), quais sejam a relevância do fundamento e o receio<strong>de</strong> ineficácia do provimento final.O primeiro (relevância do fundamento da d<strong>em</strong>anda) exsurge dos inúmerosexcertos doutrinários, dispositivos legais e das consistentes pon<strong>de</strong>rações ora<strong>de</strong>duzidas; já o segundo (receio <strong>de</strong> ineficácia do provimento final) avulta ínsitono fato <strong>de</strong>, inacolhida a pretensão antecipatória, o produto da aplicação da multapo<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stinado ao programa “Luz para todos” <strong>de</strong> maneira irreversível, dadaa inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperar-se o vultoso valor aplicado no alvitrado programa,razão pela qual se afigura necessário impedir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo a <strong>de</strong>stinação equivocadados recursos e direcioná-la à correta e justa finalida<strong>de</strong>.4 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVANão obstante o t<strong>em</strong>a já tenha sido abordado, por evi<strong>de</strong>nte necessida<strong>de</strong>,<strong>em</strong> tópicos específicos, faz-se menção genérica a esse instituto processual d<strong>em</strong>odo a ser aplicado <strong>em</strong> benefício dos consumidores <strong>em</strong> relação a toda questãoprobatória concernente aos fatos do caso <strong>em</strong> tela, ou seja, não só no que tange52 Consumidores enquadrados no Grupo B são aqueles atendidos <strong>em</strong> tensão igual ou superiora 1 kV, ou <strong>em</strong> tensão superior a 1 kV com opção <strong>de</strong> faturamento no Grupo B – art. 15, II, daRes. 24/2000 – doc. 60)53 Consumidores enquadrados no Grupo A são aqueles atendidos <strong>em</strong> tensão superior a 1 kV einferior a 230 kV – art. 15, I da Res. 24/2000 – doc. 60.54 A Resolução 24/2000 “Estabelece as disposições relativas à continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> energia elétricaàs unida<strong>de</strong>s consumidoras”, e modificou a sist<strong>em</strong>ática prevista no Apêndice 9 do Anexo IIIdo Contrato <strong>de</strong> Concessão n o 56/99 (fls. 61/65 do doc. 21).55 Cujo valor será <strong>de</strong>duzido da con<strong>de</strong>nação final, ou seja, o valor pago a título <strong>de</strong> antecipação<strong>de</strong> tutela não será cumulativo ao pago quando da con<strong>de</strong>nação final.


aos subtítulos nos quais já foi referido.Tendo <strong>em</strong> vista que verossimilhança da alegação é “o argumento quet<strong>em</strong> aparência <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro. É a probabilida<strong>de</strong> das razões do consumidor” 50 ,fácil concluir, <strong>de</strong> todo o exposto, que todas as alegações aqui expendidas sãoabsolutamente verossímeis, principalmente porque lastreadas <strong>em</strong> farta provadocumental. Aliás, n<strong>em</strong> po<strong>de</strong>ria ser diferente, posto que, no mais das vezes,retratam fatos públicos, amplamente divulgados pela imprensa (local, estaduale nacional).Plenamente caracterizado, pois, um dos pressupostos para a inversão doônus da prova <strong>em</strong> benefício do consumidor (art. 6 o , VIII, do CDC).Impossível não reconhecer, também, a franca <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong> dos consumidoresna dialética processual que ora se instaura, uma vez que não <strong>de</strong>têmconhecimento técnico n<strong>em</strong> respaldo econômico que os aproxim<strong>em</strong> das exadversas.Comentada hipossuficiência, por sua vez, “está associada à vulnerabilida<strong>de</strong>econômica do consumidor, presumivelmente mais fraco, <strong>em</strong> <strong>de</strong>svantag<strong>em</strong>na discussão <strong>de</strong> seus interesses e direitos”. 51A disparida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forças ficou patente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início dos fatos quando aConcessionária repeliu, per<strong>em</strong>ptória e laconicamente, todos os pedidos administrativos<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizações que lhes foram dirigidos, contando, por óbvio, coma falta <strong>de</strong> acesso a dados técnicos e <strong>de</strong> conhecimento nesse ramo específico porparte dos consumidores, isso s<strong>em</strong> falar <strong>de</strong> sua fragilida<strong>de</strong> econômica frente àlitigante.Dessa forma, as regras ordinárias <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong> Vossa Excelênciacertamente conduzirão mais uma vez ao reconhecimento da existência <strong>de</strong>sseoutro pressuposto, que é a hipossuficiência do consumidor, necessário à aplicaçãodo instituto processual previsto no art. 6 o , VIII, do CDC.5 PEDIDOS AFETOS À ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DATUTELAPresentes os requisitos autorizadores, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong><strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral ped<strong>em</strong> a Vossa Excelência que,liminarmente, antecipe os efeitos da tutela <strong>de</strong> modo a:


5.1 Con<strong>de</strong>nar as Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> S/A – CELESC,a in<strong>de</strong>nizar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, parte dos prejuízos ocasionados pelo blecaute aosconsumidores da ilha <strong>de</strong> Florianópolis enquadrados no “Grupo B” 52 – pois osdo “Grupo A” 53 já o foram –, mediante a aplicação da fórmula referente à Duração<strong>de</strong> Interrupção por Consumidor (DIC) prevista no art. 21, I, da ResoluçãoANEEL n o 24/00 54 (doc. 455), ou seja, tripla aplicação da fórmula DIC: paraa violação <strong>de</strong> padrões mensal, trimestral e anual.O pagamento <strong>de</strong>ssa in<strong>de</strong>nização parcial 55 po<strong>de</strong>rá ser feito mediantecompensação do respectivo valor a ser creditado nas suas faturas <strong>de</strong> energiaelétrica dos consumidores enquadrados no “Grupo B” – procedimento idênticoao já adotado pela Concessionária para os do “Grupo A” –, obrigatoriamente noprazo <strong>de</strong> até 2 (dois) meses imediatos e subseqüentes ao mês <strong>em</strong> que se operara intimação do <strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong>ste pedido, prazo este a ser respeitado sob pena<strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$1.000,00 (mil reais) para cada consumidorque não for in<strong>de</strong>nizado t<strong>em</strong>pestivamente (vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> “2.6.1.2” retro).Sucessivamente (art. 289 do CPC), na hipótese <strong>de</strong> não ser acolhida essapretensão antecipatória, pe<strong>de</strong>-se a antecipação da tutela, s<strong>em</strong> justificação prévia,para efeito <strong>de</strong> impor à CELESC a obrigação <strong>de</strong> fazer (art. 84, § 3 o do CDC eart. 461 do CPC) consubstanciada <strong>em</strong> informar aos consumidores (enquadradosno “Grupo B”) que, segundo <strong>de</strong>terminação judicial acolhida por ação do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, possu<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> in<strong>de</strong>nizados (ainda que parcialmente)dos danos materiais suportados pelo “apagão” iniciado <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 2003,mediante a aplicação <strong>de</strong> fórmula prevista no contrato <strong>de</strong> Concessão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que haja solicitação expressa no prazo <strong>de</strong> até 60 (sessenta) contado do dia queencerrar a divulgação abaixo explicitada, referente ao texto auto-explicativoque <strong>de</strong>verá acompanhar as faturas para pagamento <strong>de</strong> energia elétrica.Divulgação: Referida informação <strong>de</strong>verá se dar <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, clara eprecisa, com texto inteligível mesmo para o leigo, no prazo <strong>de</strong> até 30 (trinta) diascontado da intimação da medida, sob pena <strong>de</strong> multa diária (§ 4 o do art. 84 do CDC)<strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por atraso, mediante ampla divulgaçãos<strong>em</strong>anal na imprensa escrita e televisionada, por 3 (três) dias consecutivos acada s<strong>em</strong>ana, num período <strong>de</strong> 1 (um) mês, b<strong>em</strong> como por via <strong>de</strong> texto autoexplicativoque <strong>de</strong>verá acompanhar por 2 (dois) meses ininterruptos as faturaspara pagamento da energia elétrica dos consumidores enquadrados no “GrupoB”, juntamente com formulário contendo texto padrão com requerimento paraaplicação da fórmula, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente e s<strong>em</strong> prejuízo <strong>de</strong> quaisquer outrasmedidas in<strong>de</strong>nizatórias, sob pena da multa diária aqui estabelecida (vi<strong>de</strong> subi-


t<strong>em</strong> “2.6.1.2” retro).5.2 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer às Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> S/A – CELESC, consistente na:5.2.1 Apresentação, <strong>em</strong> até 30 (trinta) dias contado da intimação, <strong>de</strong>cronograma <strong>de</strong> obras e providências necessárias à construção da subestaçãoMauro Ramos e a interligação da subestação Ilha-Centro (conectada à subestaçãoPalhoça – que fica no continente) com a subestação Trinda<strong>de</strong> (igualmenteconectada à subestação Palhoça), ou seja, fechamento <strong>em</strong> re<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a, sobpena <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por atraso; e5.2.2 Conclusão das obras e início <strong>de</strong> operação tanto da subestação MauroRamos como da interligação da subestação Ilha-Centro com a subestaçãoTrinda<strong>de</strong>, ou seja, fechamento <strong>em</strong> re<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a, no prazo <strong>de</strong> até 2 (dois) anoscontados da intimação do <strong>de</strong>ferimento da medida, sob pena <strong>de</strong> multa mensal<strong>de</strong> R$1.000.000,00 (um milhão <strong>de</strong> reais) por atraso (vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> “2.6.2.1”retro).5.3 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> EnergiaElétrica – ANEEL, consistente na fiscalização da CELESC no que tange àimpl<strong>em</strong>entação das obras e providências indicadas no tópico anterior (5.2.),sob pena <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais)por atraso no primeiro caso (subit<strong>em</strong> 5.2.1) e <strong>de</strong> R$1.000.000,00 (um milhão<strong>de</strong> reais) por atraso na segunda hipótese (subit<strong>em</strong> 5.2.2).5.4 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer às Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> S/A – CELESC, consubstanciada <strong>em</strong> apresentar, <strong>em</strong> até 60 (sessenta)dias contados da intimação do <strong>de</strong>ferimento da medida, cronograma <strong>de</strong> realização<strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> treinamento e capacitação para aperfeiçoamento <strong>de</strong> pessoal,notadamente àqueles funcionários cuja ativida<strong>de</strong> é a instalação e manutençãodo sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrico <strong>em</strong> “pontos estratégicos”, sobpena <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$10.000,00 (<strong>de</strong>z mil reais) por atraso(vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> 2.6.2.2 retro).5.5 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> EnergiaElétrica – ANEEL, consubstanciada na fiscalização da CELESC no que tangeà impl<strong>em</strong>entação da providência indicadas no tópico anterior (5.4.), sob pena<strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$10.000,00 (<strong>de</strong>z mil reais) por atraso (vi<strong>de</strong>subit<strong>em</strong> 2.6.2.2 retro).5.6 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer às Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong>


<strong>Catarina</strong> S/A – CELESC, concernente <strong>em</strong> apresentar<strong>em</strong>, <strong>em</strong> até 60 (sessenta)dias contados da intimação do <strong>de</strong>ferimento da medida, um plano <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergênciacom parâmetros genéricos <strong>de</strong> modo a aten<strong>de</strong>r situações similares à vivenciada<strong>em</strong> outubro e nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003, sob pena <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong>R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por atraso (vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> 2.6.2.3 retro).5.7 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> EnergiaElétrica – ANEEL, concernente na fiscalização da CELESC no que tange àimpl<strong>em</strong>entação da providência indicadas no tópico anterior (5.6.), sob pena<strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por atraso(vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> 2.6.2.3 retro).5.8 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer às Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> S/A – CELESC, consistente <strong>em</strong> promover, <strong>em</strong> até 60 (sessenta) diascontados da intimação do <strong>de</strong>ferimento da medida, a contratação do seguro daslinhas <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> energia elétrica, nos termos da Cláusula Quinta, incisoIV, do Contrato <strong>de</strong> Concessão (doc. 21), sob pena <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária<strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por atraso (vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> 2.6.2.4 retro).5.9 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> EnergiaElétrica – ANEEL, consistente na fiscalização da CELESC no que tange àimpl<strong>em</strong>entação da providência indicadas no tópico anterior (5.8.), sob pena<strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) por atraso(vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> 2.6.2.4 retro).5.10 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer às Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> S/A – CELESC, consubstanciada instalar, <strong>em</strong> até 45 (quarenta ecinco) dias contados da intimação do <strong>de</strong>ferimento do pedido, sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> monitoramentoe controle <strong>de</strong> acesso às galerias por via <strong>de</strong> câmeras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, além<strong>de</strong> outras medidas <strong>de</strong> segurança igualmente pertinentes, a critério compatíveiscom o bom senso da Concessionária, sob pena <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$10.000,00(<strong>de</strong>z mil reais) por atraso (vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> 2.6.2.5).5.11 Imposição <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> EnergiaElétrica – ANEEL, consubstanciada na fiscalização da CELESC no que tangeà impl<strong>em</strong>entação da providência indicadas no tópico anterior (5.10.), sob pena56 S<strong>em</strong> prejuízo <strong>de</strong> o consumidor buscar, via ação autônoma, con<strong>de</strong>nação <strong>em</strong> valor superior aofixado na sentença.57 Esta limitação está prevista na p. 51 do contrato <strong>de</strong> Concessão <strong>de</strong> Distribuição n o 56/99 (doc.21).


<strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> multa diária <strong>de</strong> R$10.000,00 (<strong>de</strong>z mil reais) por atraso (vi<strong>de</strong>subit<strong>em</strong> 2.6.2.5).5.12. Antecipar os efeitos da <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>do art. 1 o da Resolução n o 459/03, alterado pelo art. 1 o da Resolução n o46/04 – igualmente inconstitucional –, por vício formal e material, e impor aobrigação <strong>de</strong> não fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica – ANEEL,consistente <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminar que a ANEEL <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinar o valor resultante daaplicação da multa proveniente do Auto <strong>de</strong> Infração n o 001/2004 (doc. 25) ao“Programa nacional <strong>de</strong> Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica– LUZ PARA TODOS” previsto no art. 1 o da Resolução n o 459/03, alteradopelo art. 1 o da Resolução n o 46/04, sob pena <strong>de</strong> multa <strong>de</strong> R$8.000.000,00 (oitomilhões <strong>de</strong> reais) (vi<strong>de</strong> t<strong>em</strong> “3” retro).5.13 Antecipar os efeitos da <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>do art. 1 o da Resolução n o 459/03, alterado pelo art. 1 o da Resoluçãon o 46/04 – igualmente inconstitucional –, por vício formal e material, e impora obrigação <strong>de</strong> fazer à Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica – ANEEL,consistente <strong>em</strong> promover a <strong>de</strong>stinação do valor <strong>em</strong>ergente da aplicação damulta proveniente do Auto <strong>de</strong> Infração n o 001/2004 (doc. 25) <strong>em</strong> benefício dosconsumidores <strong>de</strong> Florianópolis ou, não sendo esse o entendimento <strong>de</strong>sse Juízo,sucessivamente (art. 489 do CPC), <strong>em</strong> prol dos consumidores catarinenses,sob pena <strong>de</strong> multa <strong>de</strong> R$8.000.000,00 (oito milhões <strong>de</strong> reais) <strong>em</strong> quaisquer dashipóteses dos pedidos sucessivos (vi<strong>de</strong> t<strong>em</strong> “3” retro).6 PEDIDOS E REQUERIMENTOSDiante do exposto, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e o<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral ped<strong>em</strong> e requer<strong>em</strong> a Vossa Excelência:6.1 Ratificando – <strong>em</strong> aplicação e pertinência a este tópico (“6”) – os pedidos<strong>de</strong>duzidos <strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> antecipação <strong>de</strong> tutela (it<strong>em</strong> “5” retro), os quais <strong>em</strong>homenag<strong>em</strong> a brevida<strong>de</strong> não serão repetidos, tornar <strong>de</strong>finitiva a <strong>de</strong>cisãoque os <strong>de</strong>ferir ou <strong>de</strong>feri-los na hipótese <strong>de</strong> tal pretensão ainda não ter sidoalcançada, <strong>de</strong> modo a impor à CELESC e/ou à ANEEL, conforme o caso, as58 Aplicação da fórmula DIC – vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> “2.6.1.2” do tópico “Fatos e Fundamentos Jurídicosdo Pedido” e subit<strong>em</strong> “5.1” do tópico “Pedidos afetos à antecipação dos efeitos da tutela”.


obrigações <strong>de</strong> fazer e <strong>de</strong> não fazer lá discriminadas.6.2 Con<strong>de</strong>nar as Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> S/A – CELESC, ain<strong>de</strong>nizar, <strong>em</strong> patamar mínimo 56 e valor líquido, os prejuízos materiais aosconsumidores da parte insular <strong>de</strong> Florianópolis mediante a aplicação dafórmula do corte in<strong>de</strong>vido prevista no Apêndice 4 do Anexo III do Contrato<strong>de</strong> Concessão celebrado pela CELESC (p. 50/52 do doc. 21), valor (mínimo)<strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação este a ser limitado 57 a 10 (<strong>de</strong>z) vezes o valor médio dafatura <strong>de</strong> energia verificada nos três meses anteriores à data da <strong>de</strong>cisão quejulgar proce<strong>de</strong>nte este pedido ou das três últimas faturas caso tenha havidorompimento da relação <strong>de</strong> consumo entre o consumidor a ser in<strong>de</strong>nizado e aConcessionária.Do valor da presente con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>duzida a importância pagaautomática e administrativamente aos consumidores enquadrados no GrupoA e a paga por ocasião da antecipação <strong>de</strong> tutela aos consumidores do GrupoB 58 .O pagamento <strong>de</strong>sta in<strong>de</strong>nização po<strong>de</strong>rá ser feito mediante compensaçãodo respectivo valor a ser creditado nas faturas <strong>de</strong> energia elétrica dosconsumidores, obrigatoriamente no prazo <strong>de</strong> até 3 (três) meses imediatose subseqüentes à <strong>de</strong>cisão que julgar o feito, sob pena <strong>de</strong> imposição d<strong>em</strong>ulta diária <strong>de</strong> R$1.000,00 (mil reais) para cada consumidor que não forin<strong>de</strong>nizado t<strong>em</strong>pestivamente (vi<strong>de</strong> subit<strong>em</strong> “2.6.1.1” retro).Na hipótese <strong>de</strong> não ser acolhido este pedido na forma pleiteada, pe<strong>de</strong>se,sucessivamente (art. 295 do CPC), que as Centrais Elétricas <strong>de</strong><strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> – CELESC seja con<strong>de</strong>nada a in<strong>de</strong>nizar genericamente osconsumidores da ilha <strong>de</strong> Florianópolis.6.3 Con<strong>de</strong>nar as Centrais Elétricas <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> – CELESC aopagamento <strong>de</strong> valor não inferior a R$ 10.000.000,00 (<strong>de</strong>z milhões <strong>de</strong> reais)a título <strong>de</strong> dano moral coletivo, valor este que, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à natureza(compensatória) do instituto, <strong>de</strong>ve ser revertido à população afetada

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!