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cartas do dr. bagueira leal a miguel lemos ea teixeira mend

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a Mendes na vice-direção. 3 Um traço característico <strong>do</strong> grupo de positivistas religiososbrasileiros é que seus membros, em geral, eram jovens com idade inferior a trinta anos, comformação em engenharia (civil ou militar) e oriun<strong>do</strong>s da nascente “classe média” nacional. 4Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l foi o segun<strong>do</strong> “confrade” a firmar sua filiação à agremiação religiosadirigida por aqueles “apóstolos da Humanidade”. Em linhas gerais, sua origem social coincidiacom a <strong>do</strong>s demais membros da agremiação religiosa fundada por Lemos. A diferençasubstancial entre Bagueira L<strong>ea</strong>l e seus correligionários estava na profissão por ele exercida.De fato, poucos foram os médicos a aceitar o pensamento de Auguste Comte em suaintegralidade, pois o filósofo francês foi um crítico feroz <strong>do</strong> que chamou de “tirania medicalista”,defenden<strong>do</strong> o livre exercício de qualquer profissão, inclusive <strong>do</strong>s ofícios liga<strong>do</strong>s à ár<strong>ea</strong> dasaúde, e o fim <strong>do</strong>s privilégios conferi<strong>do</strong>s por diplomas acadêmicos.A adesão <strong>do</strong> jovem médico à religião fundada por Auguste Comte acarretou emalgumas restrições de sua liberdade. Além de se empenharem em difundir a “religiãodemonstrável e científica” entre o proletaria<strong>do</strong> e as mulheres, buscan<strong>do</strong> substituí-la às crençasteológicas e metafísicas, os adeptos da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil comprometiam-se a abdicar<strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> magistério superior e de integrar associações científicas, literárias ouprofissionais. Tais exigências e o rígi<strong>do</strong> controle exerci<strong>do</strong> pela direção da agremiação religiosasobre a vida pública e privada de seus integrantes fez com que seu número jamais superasseuma centena. Embora pouco numerosos, os positivistas orto<strong>do</strong>xos brasileiros participaramativamente <strong>do</strong>s debates mais relevantes desenvolvi<strong>do</strong>s no país entre a década final <strong>do</strong> Impérioe ao logo da Primeira República.Antes <strong>do</strong> ocaso <strong>do</strong> Império, no final da década de 1880, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l seincorporou ao Exército nacional e se transferiu para a Ilha <strong>do</strong> Bom Jesus, próxima ao Rio deJaneiro, onde passou a servir no Asilo <strong>do</strong>s Inváli<strong>do</strong>s da Pátria. Nesta mesma época ocorreuseu casamento com Dulcina Bormann de Borges, nascida no Rio Grande <strong>do</strong> Sul.Em março de 1890, poucos meses após a proclamação da República, Bagueira L<strong>ea</strong>lpublicou o seu primeiro texto a ser edita<strong>do</strong> pela Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil. Ten<strong>do</strong> em vista asdiscussões em curso no senti<strong>do</strong> de estabelecer as bases constitucionais <strong>do</strong> novo regimepolítico em vigor no Brasil, o médico positivista L<strong>ea</strong>l defendeu a abolição de todas as leis quese opunham ao livre exercício da medicina e o fim das medidas repressivas da assim chamada“prática ilegal da medicina”. 5 Tal manifestação fez com que Bagueira L<strong>ea</strong>l recebesse severascríticas de seus colegas de ofício, além de diversas alusões irônicas feitas por jornalistas, emfunção das idéias expostas e da ortografia utilizada no texto em que as veiculou.O Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l permaneceu servin<strong>do</strong> no Asilo <strong>do</strong>s Inváli<strong>do</strong>s da Pátria até oprincípio de 1893, ocasião em que foi transferi<strong>do</strong> para o Rio Grande <strong>do</strong> Sul, onde permaneceuaté o primeiro semestre de 1897, quan<strong>do</strong> retornou ao posto anterior. Sua estada no sul <strong>do</strong> paíslhe valeu a promoção para a patente de capitão-médico <strong>do</strong> Exército. Durante este perío<strong>do</strong> emque esteve afasta<strong>do</strong> da capital federal, Bagueira L<strong>ea</strong>l manteve uma intensa correspondênciacom a direção da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil. Em 1901 ocorreu sua transferência para a cidade<strong>do</strong> Rio de Janeiro e a promoção a major-médico. A partir de então, Bagueira L<strong>ea</strong>l se aproximouainda mais <strong>do</strong>s apóstolos Miguel Lemos e Teixeira Mendes, passan<strong>do</strong> a freqüentar o Temploda Humanidade da rua Benjamin Constant n.º 74 – sede da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil – comgrande assiduidade e r<strong>ea</strong>lizan<strong>do</strong> inúmeras publicações de folhetos e de artigos na imprensaacerca de temas relaciona<strong>do</strong>s à saúde pública.Em particular, Bagueira L<strong>ea</strong>l se empenhou no combate à obrigatoriedade da vacinaçãocontra a varíola e contra a febre amarela, percebida pelos positivistas religiosos como umaforma de “despotismo sanitário” praticada pelas autoridades públicas em função da pressãoexercida pela classe médica. O assunto motivou várias intervenções escritas de Bagueira L<strong>ea</strong>l,que assim procurou participar <strong>do</strong>s debates envolven<strong>do</strong> higiene coletiva que movimentaram a3 Posteriormente, ao historiar a evolução da propaganda da Religião da Humanidade no país, Teixeira Mendesestabeleceu o dia 11 de maio de 1881 como data de fundação da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil. A data remete ao dia emque Miguel Lemos tomou posse na presidência da Sociedade Positivista <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Cf. MENDES, R.Teixeira. Rezumo cronológico da evolução <strong>do</strong> Pozitivismo no Brazil (publicação póstuma feita pela DelegaçãoExecutiva da Igreja Pozitivista <strong>do</strong> Brazil). Rio de Janeiro: Igreja Pozitivista <strong>do</strong> Brazil, 1930, p. 11.4 Tal perfil de “classe média” <strong>do</strong>s positivistas religiosos brasileiros se chocava com o propósito de Auguste Comte,que fun<strong>do</strong>u a Religião da Humanidade com o propósito central de atrair o proletaria<strong>do</strong> para o positivismo. Cf.CARVALHO, José Murilo de. “A orto<strong>do</strong>xia positivista brasileira: um bolchevismo de classe média”. In: Revista <strong>do</strong>Brasil, ano IV, n.º 8, dez. 1989, p. 50-56.5 Cf. LEAL, Joaquim Bagueira. O rejimen republicano i o livre ezercicio da medicina. Rio de Janeiro: IgrejaPozitivista <strong>do</strong> Brazil, 1890, 2 p.


sociedade brasileira nos primeiros anos <strong>do</strong> século XX. 6 Muitos desses textos de autoria <strong>do</strong>médico-militar e positivista religioso fluminense foram reproduzi<strong>do</strong>s por diversos veículos deimprensa <strong>do</strong> sul <strong>do</strong> Brasil, principalmente pelo jornal A Federação, órgão oficial <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong>Republicano Rio-Grandense. 7 Bagueira L<strong>ea</strong>l também traduziu para o português e promoveu apublicação de diversos textos de médicos estrangeiros que compartilhavam de posiçõessimilares às suas relativamente a assuntos de saúde pública.Em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s da primeira década <strong>do</strong> século XX, em companhia da esposa e das trêsfilhas, Bagueira L<strong>ea</strong>l transferiu-se para a cidade de Lorena, no interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo,onde permaneceu até o momento que antecedeu o início da Primeira Guerra Mundial, quan<strong>do</strong>foi chama<strong>do</strong> de volta ao Rio de Janeiro. Quan<strong>do</strong> ocorreu sua reforma <strong>do</strong> Exército, em 1919, oDr. Bagueira L<strong>ea</strong>l foi promovi<strong>do</strong> a general-médico. Com mais tempo disponível, passou aescrever com maior freqüência e não se prenden<strong>do</strong> apenas aos assuntos relativos ao exercícioda medicina 8 . O volume da produção escrita por Bagueira L<strong>ea</strong>l ao longo da República Velhapermite que ele seja caracteriza<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s mais importantes positivistas orto<strong>do</strong>xosbrasileiros, em companhia de Miguel Lemos e de Teixeira Mendes.Com a morte de Teixeira Mendes, em 1927 (precedida dez anos antes pela morte deLemos), a Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil passou a ser dirigida por um colegia<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> pelostreze “confrades” mais antigos da agremiação religiosa, sen<strong>do</strong> que Bagueira L<strong>ea</strong>l logo sedestacou como um de seus membros mais ativos. As principais atividades de propaganda daReligião da Humanidade, como a exposição <strong>do</strong>minical <strong>do</strong> Catecismo positivista de AugusteComte na sede da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, passaram a ser de sua responsabilidade.Ainda antes <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XIX, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l conseguiu converter sua irmãGenoveva Adelaide Bagueira L<strong>ea</strong>l à religião fundada por Auguste Comte. Também r<strong>ea</strong>lizou a<strong>do</strong>utrinação positivista das três filhas que atingiram a idade adulta, Rozália Nansi, Izabel Oféliae Branca Dulcina, sen<strong>do</strong> que a primeira e a terceira se casaram com membros da IgrejaPositivista <strong>do</strong> Brasil (respectivamente com Alípio Bandeira e com Artur Sampaio), enquanto qu<strong>ea</strong> segunda permaneceu solteira. 9 Porém, não conseguiu converter Dulcina Bormann de BorgesBagueira L<strong>ea</strong>l, a esposa, que permaneceu fiel a sua formação católica.Joaquim Bagueira <strong>do</strong> Carmo L<strong>ea</strong>l faleceu no dia 2 de fevereiro de 1942, no Rio deJaneiro, com a idade de 82 anos, sessenta <strong>do</strong>s quais vivi<strong>do</strong>s como adepto da religiãopositivista. Seu corpo foi vela<strong>do</strong> no Templo da Humanidade da rua Benjamin Constant esepulta<strong>do</strong> no Cemitério São João Batista. Seu arquivo pessoal foi <strong>do</strong>a<strong>do</strong> ao Museu daRepública, instala<strong>do</strong> no antigo Palácio <strong>do</strong> Catete, no Rio de Janeiro. Na mesma cidade, oarquivo da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil abriga sua correspondência ativa com Miguel Lemos ecom Teixeira Mendes e diversos <strong>do</strong>cumentos administrativos da instituição que por ele foramredigi<strong>do</strong>s, além da coleção <strong>do</strong>s folhetos de sua autoria que foram edita<strong>do</strong>s por aquelaagremiação religiosa. No Rio Grande <strong>do</strong> Sul, a Capela Positivista de Porto Alegre possui umarazoável parcela <strong>do</strong>s escritos de Bagueira L<strong>ea</strong>l que foram edita<strong>do</strong>s pela Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil, além de inúmeros recortes de artigos de sua autoria que foram publica<strong>do</strong>s por diversosjornais <strong>do</strong> país.6 Entre os livros e folhetos através <strong>do</strong>s quais Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l procurou combater a obrigatoriedade davacinação e outras medidas autoritárias tomadas pelos governantes em nome da saúde pública, to<strong>do</strong>s edita<strong>do</strong>s pelaIgreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, podem ser cita<strong>do</strong>s os seguintes: O despotismo sanitário perante a medicina, 1901; Avacina e sua obrigatoriedade, 1903; A questão da vacina, 1904; Notice historique sur la question de la vaccinationobligatoire au Brésil, 1910; A vacinação obrigatória de forma torpe – uma sentença <strong>do</strong> Supremo Tribunal Federal,1920; e O bolchevismo no Brazil e os ezames medicos pre-nupciais, 1927.7 Ao longo das primeiras décadas <strong>do</strong> século XX, o jornal A Federação, de Porto Alegre, publicou dezenas de artigos<strong>do</strong> Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l. Por exemplo: “O micróbio – o despotismo sanitário”, em 6 de fevereiro de 1902; “O que resta<strong>do</strong>s micróbios (carta <strong>do</strong> Dr. Bagueira)”, em 12 de março de 1903; “A vacina e a varíola no Rio de Janeiro”, em 14 desetembro de 1905; “A excomunhão <strong>do</strong>s não-vacina<strong>do</strong>s”, em 2 de fevereiro de 1921; e “Plano diabólico contra umanti-vacinista”, em 11 de fevereiro de 1921. Acerca da participação <strong>do</strong> Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l nos debates envolven<strong>do</strong> asaúde pública no Rio Grande <strong>do</strong> Sul, ver WEBER, B<strong>ea</strong>triz Teixeira. As artes de curar – medicina, religião, magia epositivismo na República Rio-Grandense (1889-1928). Santa Maria: Editora da UFSM; Bauru: EDUSC, 1999, p. 31-82.8Deste perío<strong>do</strong>, entre os folhetos de sua autoria edita<strong>do</strong>s pela Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil e abordan<strong>do</strong> assuntosvaria<strong>do</strong>s, podem ser cita<strong>do</strong>s os seguintes: Pour l’humanité – de la neutralité à l’état de guerre, 1917; A proposito daperseguição contra os analphabetos, 1919; Pela sagrada memória de Clotilde de Vaux, 1919; O pozitivismo e osanimais – carta ao Dr. Eduar<strong>do</strong> Ber<strong>do</strong>e, 1920; A questão social e o pozitivismo, 1920; A mulher – sua preeminência,1921; e A ordem social e o comunismo, 1935.9 Cf. DELEGAÇÂO EXECUTIVA DA IGREJA POZITIVISTA DO BRAZIL. A Igreja Pozitivista <strong>do</strong> Brazil na hórada transformação de R. Teixeira Mendes. Rio de Janeiro: Igreja Pozitivista <strong>do</strong> Brazil, 1928, p. 96-104.


O Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l e os primórdios da Revolução FederalistaQuan<strong>do</strong> o Dr. Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l, acompanha<strong>do</strong> da esposa, de duas filhas e deduas de suas irmãs, desembarcou no porto de Rio Grande, no dia 20 de fevereiro de 1893,fazia apenas quinze dias que João Nunes da Silva Tavares –ou Joca Tavares, como eraconheci<strong>do</strong>– havia lança<strong>do</strong> seu manifesto conclaman<strong>do</strong> os sul-rio-grandenses a pegarem emarmas contra o governo de Júlio de Castilhos, empossa<strong>do</strong> no dia 25 de janeiro daquele ano.Porém, a situação política <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul estava conturbada desde algum tempoantes. Hegemônico no extremo sul <strong>do</strong> Brasil ao longo das duas últimas décadas <strong>do</strong> Império, oParti<strong>do</strong> Liberal subitamente foi afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder em decorrência da proclamação daRepública, quan<strong>do</strong> o Parti<strong>do</strong> Republicano Rio-Grandense, sob a direção de Júlio de Castilhos,passou ao primeiro plano das articulações políticas no Esta<strong>do</strong>. Perceben<strong>do</strong> que osrepublicanos gaúchos não tinham força suficiente para se manterem no poder isoladamente,face ao grande prestígio desfruta<strong>do</strong> por Gaspar Silveira Martins, principal líder <strong>do</strong>s liberaisgaúchos, Júlio de Castilhos buscou uma aliança com os integrantes <strong>do</strong> antigo Parti<strong>do</strong>Conserva<strong>do</strong>r e mesmo com dissidentes liberais, assim procuran<strong>do</strong> criar as condições para aviabilização de um governo republicano provisório no Esta<strong>do</strong>.Deste mo<strong>do</strong>, o Parti<strong>do</strong> Republicano Rio-Grandense indicou o marechal José AntônioCorrêa da Câmara – Visconde de Pelotas –, militar que gozava de prestígio dentro das forçasarmadas e que havia si<strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r pelo Parti<strong>do</strong> Liberal, para exercer o governo provisório.Entretanto, os republicanos ocuparam to<strong>do</strong>s os cargos de primeiro escalão <strong>do</strong> novo governo,geran<strong>do</strong> descontentamentos entre os conserva<strong>do</strong>res e os poucos liberais que deleparticipavam. A situação se deteriorou rapidamente, fazen<strong>do</strong> com que o Visconde de Pelotasse exonerasse <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s de fevereiro de 1890, menos de noventa diasapós assumir o posto. Seu sucessor, o general Júlio Frota, igualmente indica<strong>do</strong> pelos dirigentesrepublicanos, também não chegou a completar noventa dias no cargo, em função de atritoscom o governo central. O marechal Deo<strong>do</strong>ro da Fonseca, chefe <strong>do</strong> governo republicanoprovisório, indicou para o governo <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul a Francisco da Silva Tavares, seuamigo pessoal e ex-integrante <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r, desagradan<strong>do</strong> a Júlio de Castilhos <strong>ea</strong>os demais republicanos gaúchos. Estes estimularam um movimento conspiratório entre osmilitares e a opinião pública contra Silva Tavares, deposto apenas uma semana após tomarposse no governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Ao longo <strong>do</strong>s meses seguintes, sucederam-se no poder estadualo general Bittencourt e o general Cândi<strong>do</strong> Costa, ambos nom<strong>ea</strong><strong>do</strong>s pelo marechal Deo<strong>do</strong>ro.Mesmo sem ocupar a linha de frente, Castilhos continuou desempenhan<strong>do</strong> um papelpreponderante nos basti<strong>do</strong>res das articulações políticas no Esta<strong>do</strong>. Os partidários de SilveiraMartins, alia<strong>do</strong>s aos antigos conserva<strong>do</strong>res e aos dissidentes republicanos, passaram então ase articular através da União Nacional, aliança de forças heterogên<strong>ea</strong>s da política gaúcha quetinham em comum apenas a rejeição à liderança exercida por Júlio de Castilhos. 10Em função de denúncias de irregularidades no processo de alistamento <strong>do</strong>s eleitores, aoposição se absteve de participar da eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s que integrariam o CongressoNacional Constituinte, em 15 de setembro de 1890. Deste mo<strong>do</strong>, toda a bancada gaúcha foicomposta por representantes <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Rio-Grandense, ten<strong>do</strong> Júlio de Castilhoscomo líder principal. Os trabalhos <strong>do</strong>s constituintes no Rio de Janeiro se estenderam de 15 denovembro de 1890 até 24 de fevereiro de 1891, quan<strong>do</strong> foi promulgada a primeira Constituiçãofederal republicana. Em março <strong>do</strong> mesmo ano, o governa<strong>do</strong>r em exercício <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong>Sul Fernan<strong>do</strong> Abbott marcou a eleição <strong>do</strong>s deputa<strong>do</strong>s que se encarregariam da elaboração daConstituição estadual para o mês de maio, sen<strong>do</strong> que um projeto de Constituição seriaapresenta<strong>do</strong> pelo governo como base para o trabalho <strong>do</strong>s constituintes. A comissãoencarregada de elaborar o projeto de Constituição estadual era composta por Júlio deCastilhos, Assis Brasil e Ramiro Barcellos, mas acabou sen<strong>do</strong> inteiramente elabora<strong>do</strong> peloprimeiro. Deste mo<strong>do</strong>, com algumas modificações, o projeto elabora<strong>do</strong> por Castilhos foiinspira<strong>do</strong> no projeto que Miguel Lemos e Teixeira Mendes haviam apresenta<strong>do</strong> ao CongressoNacional Constituinte em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s de 1890. 1110 Cf. FRANCO, Sérgio da Costa. A guerra civil de 1893. Porto Alegre: Editora da Universidade / UFRGS, 1993, p.7-17.11 Ver LEMOS, Miguel & MENDES, R. Teixeira. Bazes de uma constituição política ditatorial federativa para aRepública brasileira. Rio de Janeiro: Igreja Pozitivista <strong>do</strong> Brazil, 1890. A semelhança entre a constituição castilhistae o projeto de constituição federal apresenta<strong>do</strong> pelos diretores da IPB foi assinalada anteriormente por PINTO, Celi.Positivismo – um projeto político alternativo (RS: 1889-1930). Porto Alegre: L&PM, 1986, p. 36; e TRINDADE,Hélgio. “O jacobinismo castilhista e a ditadura positivista no Rio Grande <strong>do</strong> Sul”. In: Revista <strong>do</strong> Instituto de Filosofiae Ciências Humanas. Porto Alegre: UFRGS, 1986-1990, vol. 14, p. 97.


Desta vez a oposição não se absteve, apresentan<strong>do</strong> candidatos através <strong>do</strong> recémorganiza<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Federal, que propunha uma organização políticaparlamentarista, de acor<strong>do</strong> com o modelo inglês, com amplos poderes conferi<strong>do</strong>s ao poderlegislativo. Porém, como a legislação eleitoral não previa a representação das minorias, to<strong>do</strong>sos deputa<strong>do</strong>s eleitos pertenciam ao Parti<strong>do</strong> Republicano Rio-Grandense, que acabaramaprovan<strong>do</strong> o projeto castilhista sem qualquer modificação substancial, sen<strong>do</strong> o textopromulga<strong>do</strong> no dia 14 de julho de 1891, em nome da família, da pátria e da humanidade, semreferência a Deus, como era comum em tais <strong>do</strong>cumentos.De acor<strong>do</strong> com o projeto político de Auguste Comte, a Constituição republicana sul-riograndensenão previa a existência de um poder legislativo autônomo e independente, haven<strong>do</strong>apenas uma “Assembléia <strong>do</strong>s Representantes” que se reuniria em <strong>do</strong>is meses <strong>do</strong> anoexclusivamente para tratar <strong>do</strong> orçamento estadual. A faculdade de legislar ficava nas mãos <strong>do</strong>presidente <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que seria eleito diretamente para um mandato de cinco anos de duração,com possibilidade ilimitada de reeleição, sen<strong>do</strong> que no primeiro mandato após a entrada emvigor <strong>do</strong> texto constitucional o presidente seria eleito pelos constituintes. Como não haviajustiça eleitoral, o processo de organização <strong>do</strong>s pleitos seria r<strong>ea</strong>liza<strong>do</strong> pelo próprio governo,que assim afastava qualquer possibilidade de ser derrota<strong>do</strong> nas urnas. Os membros <strong>do</strong> poderjudiciário seriam admiti<strong>do</strong>s pelo chefe <strong>do</strong> poder executivo a partir de uma lista <strong>do</strong>s melhorescoloca<strong>do</strong>s em concurso público. Estes e outros dispositivos procuraram disfarçar o caráterditatorial da Constituição castillhista, mas a oposição liberal e os republicanos dissidentes logopassaram a exigir a sua revogação, alegan<strong>do</strong> que ela feria disposições da Constituição federal.Eleito pela Assembléia Constituinte estadual como presidente, Júlio de Castilhos foiempossa<strong>do</strong> imediatamente. Enquanto isso, em nível nacional, a instabilidade econômica fezcom que crescesse a impopularidade <strong>do</strong> marechal Deo<strong>do</strong>ro, que tentou fechar o CongressoNacional através de um golpe de esta<strong>do</strong>, em 3 de novembro de 1891. Como Júlio de Castilhosficou ao la<strong>do</strong> de Deo<strong>do</strong>ro, quan<strong>do</strong> este foi deposto, poucos dias depois, a oposição sul-riograndens<strong>ea</strong>proveitou a oportunidade para afastar o líder <strong>do</strong>s republicanos gaúchos <strong>do</strong> governoestadual. Deste mo<strong>do</strong>, em 12 de novembro daquele ano, teve início o que Castilhoscaracterizou como “governicho”, caracteriza<strong>do</strong> pela sucessão de uma série de governosinstáveis compostos pelos republicanos dissidentes – entre os quais, Barros Cassal e AssisBrasil – e pelos liberais liga<strong>do</strong>s ao ex-sena<strong>do</strong>r Silveira Martins. Entre aquela data e o dia 17 dejunho de 1892, num espaço de pouco mais de sete meses, sucederam-se cinco governantes ejuntas governativas diferentes no coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Neste ínterim, ocorreu a morte de D.Pe<strong>dr</strong>o II, em Paris, de mo<strong>do</strong> que muitos <strong>do</strong>s antigos liberais r<strong>ea</strong>lizaram manifestações desau<strong>do</strong>sismo monárquico, o que acirrou as divergências com os republicanos dissidentes, comos quais estavam compartilhan<strong>do</strong> o poder no Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Enquanto isso, Castilhosprocurou apoio entre os militares para tentar retomar o poder. Os conflitos se generalizaram nointerior e na capital. A instabilidade política aumentou quan<strong>do</strong> Silveira Martins retornou de seuexílio parisiense e determinou que o Parti<strong>do</strong> Republicano Federal fizesse oposição ao governo,então nas mãos de Barros Cassal. De outra parte, a postura parlamentarista <strong>do</strong> velho sena<strong>do</strong>rgaúcho desagra<strong>do</strong>u ao marechal Floriano Peixoto, sucessor <strong>do</strong> marechal Deo<strong>do</strong>ro e convictodefensor de um poder executivo forte. Deste mo<strong>do</strong>, em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s de 1892 os republicanosretomaram o poder no Rio Grande <strong>do</strong> Sul, pon<strong>do</strong> fim ao “governicho”. Reempossa<strong>do</strong>, Júlio deCastilhos transmitiu o governo estadual ao deputa<strong>do</strong> Vitorino Monteiro, que ficou com aincumbência de organizar a eleição direta para a presidência, buscan<strong>do</strong> assim apaziguar aoposição. Esta, porém, se absteve de apresentar candidato ao pleito marca<strong>do</strong> para novembrode 1892, entenden<strong>do</strong> que não havia como derrotar a máquina política castilhista nas urnas, oque de fato se confirmou. Deste mo<strong>do</strong>, os liberais gasparistas e os republicanos dissidentespassaram a organizar um movimento arma<strong>do</strong> visan<strong>do</strong> impedir que Castilhos tomasse posse.Por sua vez, o governo estadual criou a Brigada Militar e liberou verbas para a aquisição d<strong>ea</strong>rmamento, assim preparan<strong>do</strong>-se para o conflito. 12Portanto, no princípio de 1893 o confronto era iminente, de mo<strong>do</strong> que o governo federalresolveu enviar novos regimentos para o Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Para que isto ocorresse foifundamental a eficácia <strong>do</strong> discurso desenvolvi<strong>do</strong> por Castilhos, que atribuiu aos seusopositores o propósito de restauração da monarquia, assim conseguin<strong>do</strong> obter que o marechalFloriano Peixoto determinasse o engajamento <strong>do</strong> Exército ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s republicanos gaúchos.Foi neste contexto que o médico-militar Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l e seus familiares chegaram àcidade de Rio Grande, menos de um mês após Castilhos ser empossa<strong>do</strong> como presidenteeleito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Na primeira carta que escreveu <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul a Miguel Lemos, em 712 Cf. FRANCO, op. cit., p. 18-42.


de março de 1893, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l deixou transparecer a boataria que encontrou nosportos em que esteve antes de desembarcar em Rio Grande e o temor de que sua família foss<strong>ea</strong>fetada pelo conflito:Dizia-se em Paranaguá que os federais <strong>do</strong> Rio Grande já tinham feito a invasão e que muitos corpos<strong>do</strong> Exército já tinham se junta<strong>do</strong> a eles. Em Santa Catarina dizia-se que três cidades já tinham si<strong>do</strong>tomadas: Erval, Santana e Bagé. Mesmo fazen<strong>do</strong> grande redução nesses boatos, ainda ficava obastante para inquietar-me. Via que dificilmente eu poderia escapar de servir com as tropas emoperações e que nesse caso eu teria de ausentar-me de minha família. Além disso ser-me-ia bemdesagradável servir em um batalhão que se passasse para os invasores. Formei então o plano dedeixar minha família no Rio Grande, lugar sossega<strong>do</strong>, onde temos parentes; e ir eu só apresentar-meem Porto Alegre e seguir para onde me mandassem


e só levaria para junto de mim se fosse designa<strong>do</strong> para Pelotas ou Porto Alegre. 13No princípio de fevereiro, efetivamente, cerca de quinhentos homens arma<strong>do</strong>s vin<strong>do</strong>s<strong>do</strong> Uruguai sob a chefia de Gomercin<strong>do</strong> Saraiva ultrapassaram a linha de fronteira e seinstalaram próximo ao rio Jaguarão, no município de Bagé, sen<strong>do</strong> repeli<strong>do</strong>s por um batalhão daBrigada Militar comanda<strong>do</strong> pelo coronel Mena Barreto. Em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s daquele mês, porém,numerosos grupos de invasores voltaram a ultrapassar a fronteira, acampan<strong>do</strong> nas imediaçõesde Santana <strong>do</strong> Livramento e toman<strong>do</strong> a cidade de Dom Pe<strong>dr</strong>ito no dia 23 de fevereiro. Mas ascidades de Erval, de Santana <strong>do</strong> Livramento e de Bagé não chegaram a ser atacadas naqueleprimeiro momento, de mo<strong>do</strong> que eram destituídas de fundamento as notícias ouvidas porBagueira L<strong>ea</strong>l no porto de Paranaguá. 14Na passagem acima citada daquela primeira carta de Bagueira L<strong>ea</strong>l a Miguel Lemos,também chama a atenção o seu temor de que o batalhão em que viesse a seguir se passassepara os “invasores”, revelan<strong>do</strong> assim a simpatia <strong>do</strong> médico pelas forças castilhistas e a divisãoexistente dentro <strong>do</strong> próprio Exército nacional. Na mesma carta, Bagueira L<strong>ea</strong>l também referiu afrieza <strong>do</strong> encontro que teve com o tio de sua esposa, que o “recebeu mais como um negocianteque cumpre as ordens de um bom freguês de que como amigo e compa<strong>dr</strong>e”, o que podeindicar que ele era simpatizante <strong>do</strong>s federalistas. Bagueira L<strong>ea</strong>l também relatou o encontro queteve com Antônio Azambuja e com Florimun<strong>do</strong> Torres Galin<strong>do</strong>, que haviam ti<strong>do</strong> a iniciativa,<strong>do</strong>is anos antes, de fundar o Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista Sul-rio-grandense, visan<strong>do</strong> colaborarcom a divulgação das publicações da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil e com a propagação daReligião da Humanidade no extremo sul <strong>do</strong> Brasil. Embora tenha destaca<strong>do</strong> a amabilidade comque foi trata<strong>do</strong>, Bagueira L<strong>ea</strong>l assinalou que o clube parecia extinto. Ainda na carta queescreveu a Miguel Lemos em 7 de março de 1893, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou que, após instalar osfamiliares em uma casa que alugou nas proximidades <strong>do</strong> porto de Rio Grande, seguiu paraPorto Alegre no dia 24 de fevereiro, apenas quatro dias após a chegada àquela cidade. Nacapital gaúcha, de imediato procurou o tenente-coronel Henrique Alberto Carlos, presidente <strong>do</strong>Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista de Porto Alegre, mas este se achava ausente da cidade. Taisreferências remetem a duas entidades pouco conhecidas, mas que desempenharam umimportante papel na difusão <strong>do</strong> ideário comtiano na sociedade gaúcha <strong>do</strong>s primórdios daRepública.O Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista Sul-rio-grandense (sedia<strong>do</strong> em Rio Grande), havia si<strong>do</strong>funda<strong>do</strong> em 26 de janeiro de 1891 por 24 sócios, quinze <strong>do</strong>s quais eram militares oufuncionários públicos envolvi<strong>do</strong>s com as obras <strong>do</strong> porto da cidade. Menos de três meses depoisfoi cria<strong>do</strong> o Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista de Porto Alegre, lidera<strong>do</strong> por Demétrio Ribeiro, excolegade Miguel Lemos na Escola Politécnica <strong>do</strong> Rio de Janeiro. Entretanto, não demoroupara que o diretor da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil se arrependesse da decisão de aceitar aexistência daqueles <strong>do</strong>is clubes, que não lhe deviam inteira obediência, visto que seusintegrantes não eram “confrades” da instituição religiosa por ele fundada. De fato, em maio de1891 Demétrio Ribeiro e Miguel Lemos romperam suas relações, face ao apoio da<strong>do</strong> por est<strong>ea</strong>o projeto de constituição elabora<strong>do</strong> por Júlio de Castilhos. Para Miguel Lemos, a Constituiçãocastilhista de 14 de julho de 1891 era o código político “mais avança<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ocidente”, comoreiterou em diversas oportunidades. Quan<strong>do</strong> Demétrio Ribeiro passou a criticar publicamente àConstituição estadual, Miguel Lemos o desautorizou, conclaman<strong>do</strong>-o a se submeter à direçãode Castilhos. A direção <strong>do</strong> Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista Sul-rio-grandense não acompanhou aposição de Demétrio Ribeiro, mas o número de sócios contribuintes caiu bastante, fazen<strong>do</strong> comque suas atividades cessassem pouco a pouco. Com relação aos membros <strong>do</strong> ClubeCoopera<strong>do</strong>r Positivista de Porto Alegre, a maior parte acabou seguin<strong>do</strong> a dissidênciarepublicana, fican<strong>do</strong> a instituição reduzida a uma existência meramente nominal, até que em1894 suas atividades cessaram por completo. 15Em sua curta estada em Porto Alegre, conforme relatou a Miguel Lemos, Bagueira L<strong>ea</strong>ltentou fazer uma visita a Júlio de Castilhos, mas este ainda estava <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, embora já13 Todas as <strong>cartas</strong> de Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l e de sua esposa Dulcina a Miguel Lemos e a Teixeira Mendes citadasneste artigo estão depositadas no Arquivo da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil (rua Benjamin Constant, n.º 74, bairroGlória, Rio de Janeiro – RJ). Visan<strong>do</strong> facilitar a compreensão <strong>do</strong> texto, a ortografia foi atualizada.14 Cf. FRANCO, op. cit., p. 59-60.15 Acerca das atividades <strong>do</strong>s simpatizantes <strong>do</strong> positivismo religioso que atuaram na cidade <strong>do</strong> Rio Grande noprincípio da República, ver PEZAT, Paulo Ricar<strong>do</strong>. “O Club Coopera<strong>do</strong>r Positivista Sul-rio-grandense e apropaganda da Religião da Humanidade na cidade <strong>do</strong> Rio Grande (1891-1894)”. In: Biblos, Rio Grande, n.º 11, 1999,p. 107-117.


passasse das dez horas da manhã, pois tinha hábitos notívagos. Apesar <strong>do</strong> fracasso de taltentativa, ela é significativa da proximidade ideológica existente entre o governante gaúcho eos membros da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil.Apresentan<strong>do</strong>-se aos seus superiores, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l foi destaca<strong>do</strong> para servir emRio Grande, como era seu desejo. Segun<strong>do</strong> transpareceu no relato que fez a Miguel Lemos,para tal solução a contento teria pesa<strong>do</strong> “a reco<strong>mend</strong>ação de amigos”, revelan<strong>do</strong> assim ainfluência que os adeptos <strong>do</strong> positivismo tinham entre os militares no princípio <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>republicano. Acerca <strong>do</strong> ambiente que encontrou na capital <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul no final defevereiro de 1893, o médico positivista relatou o seguinte, naquela mesma carta escrita a 7 demarço:Encontrei nessa viagem muita exaltação e maior número de federalistas <strong>do</strong> que eu supunha,principalmente militares. Elas pronunciavam-se desbragadamente contra o governo. Havia em PortoAlegre movimento de tropas. A cidade ficou mal guarnecida porque alguns batalhões marcharam. [...].Informei-me sobre o que se dizia a respeito da constituição, e segun<strong>do</strong> consideração geral ela nãocorre o menor perigo. O Castilhos ainda não cogitou de modificá-la.Ainda na carta em questão, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou que só tomou conhecimento datomada de Dom Pe<strong>dr</strong>ito pelos revolucionários no dia 28 de fevereiro, quan<strong>do</strong> retornou a RioGrande. No seu entender, aquela conquista não duraria muito, pois o general João Telles haviachega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro com 950 solda<strong>do</strong>s e estava se dirigin<strong>do</strong> para a fronteira gaúchacom o Uruguai.Inicialmente, as forças <strong>do</strong> general Telles se dirigiram para Santana <strong>do</strong> Livramento, emfunção da am<strong>ea</strong>ça de ataque por parte de Joca Tavares, o comandante militar das forçasrevolucionárias. Este, porém, evitou combate com o general Telles e conduziu suas forças paraBagé. Enquanto o batalhão <strong>do</strong> general Telles entrou em Livramento no dia 17 de março de1893, afastan<strong>do</strong> a am<strong>ea</strong>ça de um ataque <strong>do</strong>s federalistas àquela cidade, no dia seguinte umgrupo de revolucionários tomou a cidade de Alegrete. De outra parte, no dia 20 daquele mês asforças <strong>do</strong> general Joca Tavares iniciaram um cerco a Bagé, desfeito apenas cinco dias depoiscom a aproximação das tropas <strong>do</strong> general João Telles. No final de março se ocorreramcombates em Alegrete, Dom Pe<strong>dr</strong>ito e na região missioneira, com vantagem para as forçasfederalistas.No dia 5 de abril de 1893, Bagueira L<strong>ea</strong>l escreveu sua segunda carta a Miguel Lemos.Aquela data assinalava o 47º aniversário da morte de Clotilde de Vaux (1815-1846), a musaque inspirou Auguste Comte a dar uma feição religiosa ao seu pensamento, já nos últimos anosde vida. Lamentan<strong>do</strong> não poder estar presente no Templo da Humanidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro,onde seus correligionários estariam reuni<strong>do</strong>s para ouvir a conferência de Teixeira Mendes emhomenagem à “Santa Pa<strong>dr</strong>oeira”, Bagueira L<strong>ea</strong>l referiu a iniciativa que tomou para que a datafosse registrada pelo pequeno grupo de positivistas rio-grandenses que simpatizavam com aReligião da Humanidade:Ao aproximar-se a data de hoje veio-me a idéia de que o pequeno grupo daqui podia servir para queela não passasse desapercebida. Lembrei-me então de reunir em um raminho algumas flores queoutros, mais dignos, tem joga<strong>do</strong> sobre nossa Benfeitora. Comunicada a idéia ao Sr. Galin<strong>do</strong>, [...] foi elaaceita e graças a ele levada a efeito. O primeiro exemplar é esse que vos envio; saiu hoje às 8 ½ damanhã. Assim, apesar de modesta, é talvez essa a primeira homenagem pública a Clotilde de Vauxque no Brasil se faz fora <strong>do</strong> Rio de Janeiro. 16Portanto, mesmo sen<strong>do</strong> um recém chega<strong>do</strong> à cidade <strong>do</strong> Rio Grande, o Dr. BagueiraL<strong>ea</strong>l logo se destacou como protagonista nas ações de propaganda da Religião daHumanidade no extremo sul <strong>do</strong> Brasil. Apesar da r<strong>ea</strong>lização daquela iniciativa pioneira, fora dacapital federal, no senti<strong>do</strong> de cultuar a Clotilde de Vaux, Bagueira L<strong>ea</strong>l não se furtou de tecer16 O “raminho de flores” menciona<strong>do</strong> por Bagueira L<strong>ea</strong>l era, na verdade, um pequeno folheto de oito páginas. Nacapa, sob o lema positivista “Ordem e Progresso”, constava o nome de Clotilde de Vaux e a referência ao aniversáriode sua morte, tanto no calendário gregoriano como no calendário positivista. Nas páginas interiores <strong>do</strong> folhetoconstavam as palavras de Dante e de Thomas de Kempis repetidas diariamente por Auguste Comte em suas oraçõespor sua inspira<strong>do</strong>ra, bem como as traduções das mesmas feitas por Teixeira Mendes, além da transcrição <strong>do</strong> discursopronuncia<strong>do</strong> pelo positivista chileno junto ao túmulo de Clotilde em 31 de dezembro de 1879, traduzi<strong>do</strong> pelo “capitãomédico <strong>do</strong> Exército Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l”. Na contracapa <strong>do</strong> folheto aparecia o poema “Ave Clotilde”, adaptaçãofeita pelo confrade José Mariano de Oliveira da “Ave Maria”, de Gounod. Cf. CLUB COOPERADORPOSITIVISTA SUL-RIO-GRANDENSE. Commemoração <strong>do</strong> 47º anniversario da morte de Clotilde de Vaux. RioGrande: Typ. da Livraria Rio-Grandense, 1893.


algumas críticas aos membros <strong>do</strong> Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista de Rio Grande, assinalan<strong>do</strong> aMiguel Lemos que nas conversas que teve com Antônio Azambuja, seu presidente, este semostrou mais interessa<strong>do</strong> em demonstrar suas simpatias pelos revoltosos <strong>do</strong> que em falarsobre o positivismo. Bagueira L<strong>ea</strong>l também registrou sua surpresa com o fato de que ocorreligionário Juvenal Miller ainda não fora visitá-lo. 17 Acerca <strong>do</strong> movimento revolucionário emcurso no Rio Grande <strong>do</strong> Sul, o médico-militar assinalou que as informações que lhe chegavameram desencontradas, ora afirman<strong>do</strong> que as forças republicanas tinham grande número debaixas, ora dizen<strong>do</strong> que eram as forças federalistas que estavam sen<strong>do</strong> dizimadas. Por outrola<strong>do</strong>, referin<strong>do</strong>-se à guerra travada através <strong>do</strong>s jornais, Bagueira L<strong>ea</strong>l mencionou a MiguelLemos que o jornalista João José César, autor de inúmeros e violentos ataques a Júlio deCastilhos por meio das páginas <strong>do</strong> Echo <strong>do</strong> Sul, havia aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a cidade, temeroso de quefosse alvo <strong>do</strong>s governistas. De outra parte, registrou que o jornal Diário <strong>do</strong> Rio Grande,simpático ao castilhismo, freqüentemente fazia referências à Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil e aosseus diretores.Em 8 de abril de 1893, apenas três dias após haver escrito a Miguel Lemos por ocasiãoda passagem <strong>do</strong> aniversário da morte de Clotilde de Vaux, Bagueira L<strong>ea</strong>l voltou a lhe dirigiruma carta, referin<strong>do</strong> que fora surpreendi<strong>do</strong> com sua transferência para Santa Vitória <strong>do</strong> Palmar,no extremo sul <strong>do</strong> país, justamente onde Gomercin<strong>do</strong> Saraiva tinha seus <strong>do</strong>mínios. Temen<strong>do</strong> oaban<strong>do</strong>no em que deixava sua família, Bagueira L<strong>ea</strong>l alertou ao diretor da Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil acerca da possibilidade de ter de enviá-la para o Rio de Janeiro, caso a situação s<strong>ea</strong>gravasse no Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Neste senti<strong>do</strong>, pedia-lhe para interferir em seu favor junto aoministro da Guerra, para que fossem concedidas passagens aos seus familiares. 18No dia 14 de abril, já instala<strong>do</strong> em Santa Vitória <strong>do</strong> Palmar, Bagueira L<strong>ea</strong>l tornou aescrever ao chefe <strong>do</strong>s positivistas religiosos brasileiros, assim relatan<strong>do</strong> a situação queencontrou na viagem entre Rio Grande e aquela localidade:Aqui cheguei no dia 12, depois de ter percorri<strong>do</strong> 40 léguas de campo em 3 dias numa diligência. Nocaminho só encontrei o pavor e a indignação, e não vi um só amigo <strong>do</strong> governo. Causava isso o fato dese apoderarem <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Gomercin<strong>do</strong> para venderem em Pelotas. Eu encontrei uma tropa de 800reses. Os mora<strong>do</strong>res da campanha temiam e anteviam que o mesmo sucederia à sua propriedade.Outra causa de indignação era o recrutamento força<strong>do</strong> para formarem os corpos civis <strong>do</strong>s patriotas. Évoz geral que esses solda<strong>do</strong>s a contragosto se passarão para o inimigo logo.Portanto, o fato de que o Exército nacional estivesse engaja<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> das forçasgovernistas não impedia que Bagueira L<strong>ea</strong>l percebesse os atos de banditismo que estaspraticavam. Apesar de se identificar ideologicamente com o projeto político castilhista, omédico-militar procurava entender a postura daqueles que lhe faziam oposição.Ainda em abril de 1893, após diversos reveses nos choques com as forçasrevolucionárias, as forças governistas organizaram a Divisão <strong>do</strong> Norte, integradaprincipalmente por solda<strong>do</strong>s recruta<strong>do</strong>s entre a população <strong>do</strong> planalto rio-grandense. Entreseus chefes militares estavam os coronéis Salva<strong>do</strong>r Pinheiro Macha<strong>do</strong>, Manoel <strong>do</strong> NascimentoVargas e Aparício Mariense. A partir de então, as forças fiéis a Júlio de Castilhos passaram dadefensiva para a ofensiva contra os grupos federalistas lidera<strong>do</strong>s por Joca Tavares,Gomercin<strong>do</strong> Saraiva, Aparício Saraiva, Rafael Cabeda, Juca Tigre e Prestes Guimarães, dentreoutros. 19 Em 18 de junho de 1893, após um silêncio de mais de <strong>do</strong>is meses, Bagueira L<strong>ea</strong>lvoltou a escrever a Miguel Lemos, ainda de Santa Vitória <strong>do</strong> Palmar. Neste ínterim, aquelalocalidade havia si<strong>do</strong> cercada e atacada pelas forças de Gomercin<strong>do</strong> Saraiva, conforme orelato <strong>do</strong> confrade positivista ao seu líder religioso:A invasão teve lugar na noite de 25 para 26 de abril. Os inimigos saqu<strong>ea</strong>ram uma casa de negócio <strong>do</strong>Chuí, passaram depois bem junto à cidade, mataram um pobre preto de 70 anos e cortaram o telégrafotanto para o Rio Grande como para o Chuí. As informações diziam que era em número de 400. Euestava plenamente convenci<strong>do</strong> que íamos ter a sorte de D. Pe<strong>dr</strong>ito. Porque não contava com a força17 O tenente Juvenal Miller mantinha relações com Miguel Lemos e com Teixeira Mendes desde o tempo em queestu<strong>do</strong>u na Escola Militar <strong>do</strong> Rio de Janeiro, no final <strong>do</strong> Império. Posteriormente foi um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res da Escola deEngenharia de Porto Alegre, duas vezes intendente da cidade <strong>do</strong> Rio Grande e vice-presidente <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Suldurante a gestão de Carlos Barbosa Gonçalves. Sobre o assunto ver PEZAT, Paulo Ricar<strong>do</strong>. “Juvenal Miller e adifusão <strong>do</strong> positivismo nos primórdios da República”. In: ALVES, Francisco das Neves (org). Por uma históriamultidisciplinar <strong>do</strong> Rio Grande. Rio Grande: Fundação Universidade Federal <strong>do</strong> Rio Grande, 1999, p. 187-194.18 Cf. carta de Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l a Miguel Lemos, 8 de abril de 1893. Arquivo da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil.19 Cf. FRANCO, op. cit., p. 61-64.


que tínhamos, composta de 80 homens de infantaria comanda<strong>do</strong>s por um alferes, 40 de cavalaria sobas ordens de um tenente e uns 300 civis. Segun<strong>do</strong> me diziam, a maior parte <strong>do</strong>s civis eramgomercindistas; o tenente da cavalaria era <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por um alferes ultra-federal. Eu só confiava nainfantaria, que eu julgava insuficiente contra tantos inimigos reuni<strong>do</strong>s.Os invasores julgaram que era suficiente cortar a linha telegráfica em um só ponto, que felizment<strong>ea</strong>conteceu ser a uma légua somente da cidade. Ten<strong>do</strong>-se eles afasta<strong>do</strong> para a estância <strong>do</strong>Gomercin<strong>do</strong>, deu-se logo com a interrupção e fez-se o reparo. Enquanto eles nos supunham priva<strong>do</strong>sde comunicações, nós aproveitamos o restabelecimento da linha, que podia ser por pouco tempo, parapedirmos reforço. Eu tomei a iniciativa. Telegrafei ao Coronel Sampaio, comandante da guarnição, noRio Grande.Os socorros demoraram muito, porque vieram de Rio Grande em um iate pela lagoaMirim. Só a 1º de maio é que chegaram 100 praças de infantaria. Enquanto esperávamos oreforço, o inimigo aumentava de número pelo recrutamento e pelas adesões, preparan<strong>do</strong>-separa atacar a cidade. Quan<strong>do</strong> deram-se pelo restabelecimento <strong>do</strong> telégrafo, fizeram na linha taldestruição que mais tarde foram precisos 10 dias para concertá-la.Felizmente não animaram-se a atacar a cidade, e deram tempo a que chegasse o reforço. Com achegada deste coincidiu a partida <strong>do</strong> tal alferes federalista que <strong>do</strong>minava o tenente da cavalaria. Aguarnição assim unida tornou-se forte. Fizeram-se então três sortidas em perseguição de inimigo, daqual resultou a sua expulsão completa. Nós apenas perdemos <strong>do</strong>is solda<strong>do</strong>s de cavalaria, e elesperderam 19, e fugiram to<strong>do</strong>s, em número de 200. A 13 de maio estava tu<strong>do</strong> acaba<strong>do</strong> neste município.Eu tomei parte em uma das sortidas. Mas tantos horrores vi pratica<strong>do</strong>s pelos nossos que resolvi nãomais acompanhá-los senão quan<strong>do</strong> não fosse possível evitar. Foi nessa ocasião que incendiaram aestância de Gomercin<strong>do</strong>. A única coisa que me deixou impressão agradável nessa expedição foi <strong>do</strong>snossos solda<strong>do</strong>s combaten<strong>do</strong> aos gritos de Viva a República.Como se depreende <strong>do</strong> relato de Bagueira L<strong>ea</strong>l, a maior parte da população civil deSanta Vitória <strong>do</strong> Palmar estava ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s federalistas, o que pode ser atribuí<strong>do</strong> ao fato deque Gomercin<strong>do</strong> Saraiva, um <strong>do</strong>s principais líderes das forças revolucionárias, tinha suaestância justamente naquela região, onde integrou a Guarda Nacional nos tempos <strong>do</strong> Império.De outra parte, mesmo entre os oficiais <strong>do</strong> Exército havia quem simpatizasse com osrevolucionários. Também chama a atenção na passagem acima o descontentamento deBagueira L<strong>ea</strong>l com o tratamento dispensa<strong>do</strong> pelas forças governistas às forças quederrotavam.Na mesma carta, Bagueira L<strong>ea</strong>l referiu a Miguel Lemos haver li<strong>do</strong> nos jornais de PortoAlegre que lhe chegavam às mãos a notícia de que Demétrio Ribeiro e Henrique Alberto Carloshaviam declara<strong>do</strong> a intenção de se afastarem da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil caso os seusdirigentes não rompessem com Castilhos. Acrescentou que esperava o mesmo de AntônioAzambuja, presidente <strong>do</strong> Clube Coopera<strong>do</strong>r Positivista Sul-rio-grandense, que seria “apologistada revolução”. Bagueira L<strong>ea</strong>l mencionou ainda haver da<strong>do</strong> parte de <strong>do</strong>ente e solicita<strong>do</strong> suaremoção para Rio Grande, visan<strong>do</strong> dar assistência aos seus familiares.Enquanto isto, a esposa de Bagueira L<strong>ea</strong>l – que era gaúcha – escreveu uma carta aTeixeira Mendes, vice-diretor da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, em que fez a seguinteconsideração acerca da situação da cidade <strong>do</strong> Rio Grande em meio ao conflito:Os meus patrícios, na maioria negociantes, só têm uma idéia, ganhar bastante dinheiro. De tu<strong>do</strong> sedeve tirar proveito, dizia Epíteto. O proveito que eu tiro é que com esse excessivo amor pelo comércio,eles não se ocupam com os barulhos e assim os federais vão nos deixan<strong>do</strong> em paz por aqui. 20Mas tal tranqüilidade que, na ótica de Dulcina Bagueira L<strong>ea</strong>l, pairava sobre a cidade <strong>do</strong>Rio Grande, não durou muito tempo. No princípio de julho de 1893, o almirante Wandenkolktentou tomá-la com o auxílio de quatro embarcações, sen<strong>do</strong> repeli<strong>do</strong> pelas forças governistas.O evento precedeu em poucas semanas à eclosão da chamada “revolta da Armada” no Rio deJaneiro, quan<strong>do</strong> amplos setores da Marinha se sublevaram, lidera<strong>do</strong>s pelos almirantesCustódio de Melo e Saldanha da Gama, procuran<strong>do</strong> depor o marechal Floriano Peixoto dapresidência da República e bombard<strong>ea</strong>n<strong>do</strong> a capital federal. A partir de então se estabeleceuuma aliança entre os revoltosos gaúchos e os revoltosos da Marinha. 21Após seis meses reti<strong>do</strong> em Santa Vitória <strong>do</strong> Palmar, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l conseguiuretornar a Rio Grande em outubro de 1893. Escreven<strong>do</strong> a Miguel Lemos em 7 de novembrodaquele ano, assim o médico-militar resumiu a evolução <strong>do</strong>s acontecimentos durante o tempo20 Cf. carta de Dulcina Bagueira L<strong>ea</strong>l a Teixeira Mendes, 30 de junho de 1893. Arquivo da Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil.21 Cf. FRANCO, op. cit., p. 65-69.


em que esteve afasta<strong>do</strong> de sua família:Durante essa ausência, quanto acontecimentos! Além da <strong>do</strong>ença grave de minha mulher, [...] datentativa <strong>do</strong> Wandenkolk de invasão sobre esta cidade onde estava minha família, etc, deu-se, paracoroar a obra, o falecimento de minha a<strong>do</strong>rada mãe a 14 de setembro em S. João da Barra, cujanotícia recebi ainda em Santa Vitória. O esta<strong>do</strong> de coisas <strong>do</strong> Rio de Janeiro tem-nos desgosta<strong>do</strong> muito,não só pelo conflito em si, que revolta a alma de quem possui sentimentos patrióticos, mesmorudimentares, mas pelo perigo que correm nossas amigas, confreiras e parentas juntamente com aspessoas <strong>do</strong> nosso sexo que lhes estão ligadas. [...]. Quem diria, quan<strong>do</strong> eu de lá parti para vir metermeno torvelinho <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, que lá os estragos <strong>do</strong> anarquismo seriam muito maiores? [...].Tomara já isto termina<strong>do</strong> com vantagem para a Pátria. Às vezes me parece que a DitaduraRepublicana vai ser a terminação de tu<strong>do</strong> isto. Assim estivesse o Floriano na altura.O Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l, portanto, mostrou-se surpreso com o fato de que o Rio de Janeiroestava mais agita<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o Rio Grande <strong>do</strong> Sul. De outra parte, revelou a esperança de queuma ditadura republicana, tal como fora concebida por Auguste Comte, pusesse fim ao“anarquismo” em que a capital federal estaria mergulhada, apenas lamentan<strong>do</strong> que o marechalFloriano Peixoto não estivesse em condições de concretizar tal aspiração.Enquanto isto, os conflitos entre os revoltosos federalistas e as forças governistas sedisseminaram por to<strong>do</strong> o Rio Grande <strong>do</strong> Sul, não mais se restringin<strong>do</strong> às ár<strong>ea</strong>s de fronteiracom o Uruguai e com a Argentina. Nem mesmo as ár<strong>ea</strong>s de colonização alemã e italianaficaram a salvo <strong>do</strong>s efeitos da guerra civil em que a sociedade gaúcha mergulhou. 22Mas alguns <strong>do</strong>s principais combates envolveram as forças revolucionárias lideradas porGomercin<strong>do</strong> Saraiva e a Divisão <strong>do</strong> Norte, que as perseguiu por to<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong>, até que elasatravessaram a fronteira com Santa Catarina e depois atingiram o Paraná, percorren<strong>do</strong> mais de2.500 quilômetros e dan<strong>do</strong> uma nova dimensão ao movimento. 23Um episódio marcante da Revolução Federalista ocorreu em 28 de novembro de 1893,quan<strong>do</strong> as forças de Joca Tavares atacaram as forças <strong>do</strong> general Isi<strong>do</strong>ro Fernandes e <strong>do</strong>coronel Manoel Pe<strong>dr</strong>oso perto da estação ferroviária <strong>do</strong> Rio Negro, no município de Bagé.Derrotadas, as forças governistas se renderam, o que não impediu que cerca de 300castilhistas fossem degola<strong>do</strong>s, numa prática que não era inteiramente inédita na região. Osmilitares <strong>do</strong> Exército, porém, tiveram suas vidas poupadas. Logo depois as forças de JocaTavares sitiaram a cidade de Bagé. No princípio de dezembro de 1893, Bagueira L<strong>ea</strong>l foichama<strong>do</strong> para acompanhar os três mil homens das forças <strong>do</strong> coronel João César Sampaio,mobilizadas para libertar Bagé. Com a chegada dessas forças governistas, após quarenta diasde cerco, os federalistas aban<strong>do</strong>naram a cidade sem conseguirem conquistá-la.O Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l passou to<strong>do</strong> o primeiro semestre de 1894 acompanhan<strong>do</strong> asforças <strong>do</strong> coronel Sampaio pela campanha gaúcha, cruzan<strong>do</strong> pelos municípios de Bagé,Santana <strong>do</strong> Livramento, São Gabriel, Alegrete. Em carta que escreveu de Rio Grande a MiguelLemos, em 19 de fevereiro de 1894, Dulcina Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou que recebia poucas notícias<strong>do</strong> esposo, ten<strong>do</strong> em vista a irregularidade <strong>do</strong>s serviços de correio. A última carta que haviarecebi<strong>do</strong> era <strong>do</strong> final de dezembro <strong>do</strong> ano anterior. Concluin<strong>do</strong> sua mensagem ao diretor daIgreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, a esposa <strong>do</strong> médico-militar fluminense referiu: “A extinção <strong>do</strong>sfederais está se tornan<strong>do</strong> um trabalho das Donaides. Quan<strong>do</strong> se fartarão esses miseráveis deroubar e matar? O que se diz da campanha é me<strong>do</strong>nho!”. A situação de Dulcina Bagueira L<strong>ea</strong>lera particularmente difícil, pois tinha um irmão de 19 anos engaja<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>srevolucionários. 24No dia 1º de março de 1894, acampa<strong>do</strong> nas proximidades de Bagé junto com a Divisão<strong>do</strong> Sul, comandada por Sampaio, Bagueira L<strong>ea</strong>l aproveitou para escrever a Miguel Lemos.Nesta carta ele referiu de forma mais clara o episódio da degola <strong>do</strong>s castilhistas por parte <strong>do</strong>sfederalistas, no rio Negro, e detalhes <strong>do</strong> longo cerco de Bagé:Aqui as coisas vão melhor. O desastre <strong>do</strong> rio Negro foi a última vitória <strong>do</strong>s degola<strong>do</strong>res, capitan<strong>ea</strong><strong>do</strong>spor Joca Silva. Logo em seguida sitiaram Bagé; apertaram o sítio a 20 de dezembro, apoderan<strong>do</strong>-se à22 Cf. GERTZ, René. “ A Revolução de 1893 nas regiões de colonização alemã”. In: Caderno Porto & Vírgula, n.º 3,Porto Alegre, Secretaria Municipal de Cultura, 1993, p. 43-50; e CONSTANTINO, Núncia Santoro de. “Italianos noprocesso revolucionário”. In: FLORES, Moacyr (org). 1893-95: a revolução <strong>do</strong>s maragatos. Porto Alegre:EDIPUCRS, 1993, p. 75-81.23 Cf. REVERBEL, Carlos. Maragatos e Pica-paus – guerra civil e degola no Rio Grande. Porto Alegre: L&PM,1985, p. 23-36.24 Cf. carta de Dulcina Bagueira L<strong>ea</strong>l para Miguel Lemos, 15 de março de 1894. Arquivo da Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil.


noite de toda a cidade, exceto da pequena praça central. A guarnição aí entrincheirada combateuheroicamente, comandada pelo coronel Carlos Telles, irmão <strong>do</strong> general que aí faleceu. Debaixo de umfogo vivo e contínuo, resistiu até a nossa chegada, sen<strong>do</strong> por fim obrigada a alimentar-se de cães,ervas, frutas verdes, etc. À aproximação de nossas forças, os bandi<strong>do</strong>s aban<strong>do</strong>naram o sítio, ten<strong>do</strong> aíperdi<strong>do</strong> cerca de 400 homens. Cometeram antes as maiores atrocidades, incendiaram grande númerode casas, saqu<strong>ea</strong>ram quase todas, assassinaram pelo seu sistema os republicanos que puderampegar.A tomada da cidade era de uma importância capital para essa gente por causa das oito peças e damuita munição que continha. Um pouco mais de habilidade de Joca Silva teria consegui<strong>do</strong>. Bastava osítio ter si<strong>do</strong> aperta<strong>do</strong> alguns dias antes de 20 de dezembro. Foi a 10 de janeiro que a nossa colunaexpulsou os inimigos de Bagé. Continuamos em sua perseguição por toda a fronteira até Santana <strong>do</strong>Livramento. Aproximamo-nos de Uruguaiana, passamos por Alegrete, Rosário, S. Gabriel, <strong>do</strong>nde osexpulsamos, depois de algumas horas de combate. Em Alegrete eles queimaram a única ponte poronde poderíamos continuar a perseguição.Na mesma carta Bagueira L<strong>ea</strong>l lembrou que já completara um ano de sua chegada aoRio Grande <strong>do</strong> Sul, sen<strong>do</strong> que neste perío<strong>do</strong> só conseguira ficar três meses em Rio Grande, nacompanhia de sua esposa, de suas filhas e de suas irmãs, passan<strong>do</strong> o resto <strong>do</strong> tempo emSanta Vitória <strong>do</strong> Palmar e em acampamentos na campanha. E acrescentou: “Isso são osgrandes espinhos. Fora disso, estou satisfeito porque estou no meu papel. Fisicamente, tenhosuporta<strong>do</strong> bem as longas marchas. Estima e consideração <strong>do</strong>s meus camaradas e até <strong>do</strong>schefes não me tem falta<strong>do</strong>”.Em março de 1894, as forças fiéis ao marechal Floriano Peixoto conseguiram derrotara frota <strong>do</strong> almirante Custódio de Melo, que tentou conquistar a ilha <strong>do</strong> Desterro (atualFlorianópolis). Rechaçada, esta frota tentou desembarcar em Rio Grande no princípio <strong>do</strong> mêsde abril, chegan<strong>do</strong> a r<strong>ea</strong>lizar bombardeios sobre a cidade. Mas novamente não obtevesucesso, buscan<strong>do</strong> asilo no litoral uruguaio. De outra parte, no princípio de abril as forçasgovernistas conseguiram se vingar <strong>do</strong> episódio <strong>do</strong> Rio Negro. No dia 5 daquele mês as forçascomandadas pelo coronel Firmino de Paula derrotaram um grupo de revoltosos na localidadede Boi Preto, próximo de Palmeira das Missões, ocasião em que cerca de 370 maragatosforam degola<strong>do</strong>s. 25Por seu la<strong>do</strong>, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l só conseguiu retornar a Rio Grande no princípio dejunho de 1894. Obteve então uma licença de alguns dias para fazer uma viagem a SantaCatarina. De volta a Rio Grande, em carta escrita no dia 26 de julho de 1894 (ou 10 de Dantede 106, segun<strong>do</strong> o calendário positivista, referi<strong>do</strong> em toda a sua correspondência), o médicopositivista relatou a Miguel Lemos o que viu na capital catarinense:Parece que as execuções que se tem da<strong>do</strong> no Desterro não são destinadas à publicidade. Oscondena<strong>do</strong>s embarcam como para o Rio e ficam em uma fortaleza (Santa Cruz) que há na entradanorte <strong>do</strong> canal. As famílias ainda estão na ignorância e pedem notícias aos que vem <strong>do</strong> Rio. Ospormenores que aí se contam são quase to<strong>do</strong>s fantasia<strong>do</strong>s, principalmente a presença obrigatória naexecução <strong>do</strong>s parentes para aumentar o suplício. O governa<strong>do</strong>r, depois de os fazer embarcar, não seocupa mais com eles.O governa<strong>do</strong>r de Santa Catarina que seria conivente com o assassinato <strong>do</strong>s revoltososda Marinha, menciona<strong>do</strong> por Bagueira L<strong>ea</strong>l na passagem acima, era o coronel Antônio MoreiraCésar, que poucos anos depois teria um papel destaca<strong>do</strong> no massacre <strong>do</strong>s segui<strong>do</strong>res deAntônio Conselheiro, no sertão baiano.Naquela mesma carta que escreveu a Miguel Lemos no final de julho de 1894,Bagueira L<strong>ea</strong>l comunicou a seu chefe religioso que havia si<strong>do</strong> designa<strong>do</strong> para servir emPelotas, para onde se transferiria em breve, levan<strong>do</strong> a esposa, as filhas e as irmãs consigo. Talmudança não agra<strong>do</strong>u a Bagueira L<strong>ea</strong>l, que assim viu afastar-se a possibilidade de retornar aoRio de Janeiro.A revolução sofreu um golpe decisivo com a derrocada de Gomercin<strong>do</strong> Saraiva nafronteira <strong>do</strong> Paraná com São Paulo, fazen<strong>do</strong> com que passasse a retroceder em direção ao RioGrande <strong>do</strong> Sul, onde reingressou no final de maio de 1894, imediatamente sen<strong>do</strong> perseguidapelas forças da Divisão <strong>do</strong> Norte. Em 10 de agosto daquele ano, Saraiva foi morto por um tirocerteiro quan<strong>do</strong> se preparava para uma batalha contra as forças governistas. A partir de então,a rendição <strong>do</strong>s federalistas passou a ser uma questão de tempo, ten<strong>do</strong> em vista a evidenteinferioridade de suas forças.As tentativas de pacificação <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul na visão de Bagueira L<strong>ea</strong>l25 Cf. REVERBEL, op. cit., p. 50-58 e 82-85.


Em carta que escreveu de Pelotas a Miguel Lemos, em dia 4 de outubro de 1894, o Dr.Bagueira L<strong>ea</strong>l salientou que a situação estava um pouco mais calma no sul <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, pois asforças de Joca Tavares haviam se interna<strong>do</strong> no Uruguai. Mas os boatos de novas invasõeseram constantes. Deste mo<strong>do</strong>, Miguel Lemos não deve ter fica<strong>do</strong> surpreso quan<strong>do</strong> BagueiraL<strong>ea</strong>l, na carta que lhe escreveu em 13 de novembro de 1894, comunicou que houvera um novoconfronto entre as “nossas forças e as de Joca Silva, com vantagem para as nossas, que,entretanto, já ouvi dizer que tiveram quarenta baixas”. Em nova carta que remeteu ao diretor daIgreja Positivista <strong>do</strong> Brasil no dia 19 de dezembro de 1894, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou:Muitos boatos continuam aqui a circular. A epidemia <strong>do</strong>s boatos estendeu-se por to<strong>do</strong> o Brasil. Aquiam<strong>ea</strong>çam-nos continuamente com ataques <strong>do</strong>s federais a esta cidade. O que é verdade é que osgrupos que andam pela campanha são bastante volumosos e bastante audazes, e não parece provávelque desapareçam tão ce<strong>do</strong>.Do Rio também chegam-nos alguns boatos. Dizem que a Guarda Nacional tentou depor o Presidentepor causa da ordem de desaquartelamento, o que foi impedi<strong>do</strong> pelo Exército, cujo 23º Regimento tevede matar muitos guardas nacionais.Como revelam as palavras de Bagueira L<strong>ea</strong>l, os federalistas não pensavam emrendição, mesmo não ten<strong>do</strong> possibilidade de saírem vence<strong>do</strong>res <strong>do</strong> conflito com as forças l<strong>ea</strong>isa Júlio de Castilhos. Além disso, os boatos e as fofocas continuavam sen<strong>do</strong> ingredientesonipresentes na guerra civil em que o Rio Grande <strong>do</strong> Sul estava envolvi<strong>do</strong> havia quase <strong>do</strong>isanos. Neste senti<strong>do</strong>, naquela mesma carta Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou um encontro que teve comum superior hierárquico e as inconfidências por este feitas:Ten<strong>do</strong> eu feito hast<strong>ea</strong>r a bandeira da República no dia 23 de novembro, tive de ouvir alguns diasdepois <strong>do</strong> comandante da guarnição daqui, que é o muito conheci<strong>do</strong> coronel Lobo Botelho, longaspreleções acerca [...] <strong>do</strong> golpe de Esta<strong>do</strong>, das qualidades <strong>do</strong> marechal Deo<strong>do</strong>ro, etc. Era com lágrimasnos olhos que o coronel falava nesse seu amigo. Deleita-se em referir episódios de suas relações como marechal, de quem foi secretário militar. Entre outras coisas, contou-me que uma vez o marechalescreveu uma carta ao Rui [Barbosa], de que ele coronel foi porta<strong>do</strong>r, convidan<strong>do</strong>-o a tomar conta <strong>do</strong>governo, ao que o Rui negou-se. De que nos livramos nós.Contou-me também que a criação da pasta da Instrução Pública é obra sua. Convenceumanhosamente o Marechal a criar esse Ministério como meio de retirar Benjamin Constant da pasta daGuerra, pois com esse ministro ele nada podia conseguir.Disse também que o Floriano fraqueou quan<strong>do</strong> recebeu o convite para assumir a presidência, convitede que ele foi o porta<strong>do</strong>r. Mas não me disse em que consistiu esse fraqu<strong>ea</strong>mento.Como se percebe, em Pelotas a situação de Bagueira L<strong>ea</strong>l ficou mais confortável, poisdeixou de correr o perigo a que esteve exposto quan<strong>do</strong> acompanhou as tropas <strong>do</strong> coronelSampaio na região da campanha. Na condição de capitão-médico <strong>do</strong> Exército, passou aexercer a chefia da enfermaria militar da cidade. Além de privar da companhia da cúpula militar,o médico fluminense também pôde se instalar confortavelmente em uma casa situada na ruaFélix da Cunha, no centro da cidade.No final de 1894 ocorreu a posse de Prudente de Morais na presidência da República.Entre as suas prioridades estava a de encaminhar a pacificação <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Mas osconflitos continuavam se suceden<strong>do</strong> com freqüência no sul <strong>do</strong> Brasil, conforme Bagueira L<strong>ea</strong>lrelatou em carta que escreveu a Miguel Lemos em 26 de março de 1895:[...] no interior deste Esta<strong>do</strong>, as coisas tem si<strong>do</strong> cada vez mais vergonhosas. O habitual descui<strong>do</strong> denossos chefes, de que os inimigos tem ti<strong>do</strong> a sorte de se aproveitar, apesar de serem igualmenteinábeis, tem-nos causa<strong>do</strong> cruéis decepções. Um magote de bandi<strong>do</strong>s cai de sopetão em umalocalidade, mata quem quer, rouba quanto quer, sem lhe causar o menor abalo a força que está deguarnição, a qual, quan<strong>do</strong> dá pela coisa, já eles estão longe com a presa, deixan<strong>do</strong> apenas as vítimasescolhidas. E assim vão morren<strong>do</strong> um a um os chefes locais <strong>do</strong> castilhismo.O Sampaio, apesar de tantas boas qualidades que tem, também descui<strong>do</strong>u-se um dia destes bastante,e o seu descui<strong>do</strong> causou um estrago imenso. Surpreendi<strong>do</strong> com pouca munição por um número deinimigos quatro vezes maior, perdeu cinco oficiais, <strong>do</strong>s quais <strong>do</strong>is muito distintos por sua conduta. OTelles também dizem que tem apanha<strong>do</strong>. Em suma, os horizontes estão muito negros.O telégrafo já noticiou a próxima retirada de corpos daqui para São Paulo e Santa Catarina. É a“pacificação” que começa. O bom êxito com que se tem pratica<strong>do</strong> muitos atos para os quais é precisocerta coragem pode animar seus autores a irem mais longe. [...]. Desejo muito que não haja alteraçãoséria de ordem pública. Muito confio no patriotismo <strong>do</strong>s republicanos, mas não confio na suaorientação. No que eu confio mais é no Floriano Peixoto [...].Nas palavras de Bagueira L<strong>ea</strong>l se percebe certa inconformidade com os rumos queestavam toman<strong>do</strong> as iniciativas de pacificação <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul patrocinadas por Prudentede Morais. No entender <strong>do</strong> médico, as forças castilhistas estariam sen<strong>do</strong> ingênuas e sedeixan<strong>do</strong> envolver pelos inimigos.


Infelizmente, as respostas de Miguel Lemos a Bagueira L<strong>ea</strong>l não foram localizadas.Mas a seguinte passagem da carta que este remeteu ao funda<strong>do</strong>r da Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil em 25 de abril de 1895 permite que se vislumbre uma certa crítica de Lemos a FlorianoPeixoto e mesmo a de Júlio de Castilhos:Recebi a vossa carta, reproduzida, de 17 de Arquimedes, na qual, depois de relatardes o último planoque se elaborou em relação à sorte deste Esta<strong>do</strong>, e de preverdes o seu mau sucesso, dizeis algumaspalavras sobre a atitude que devem manter os positivistas diante dessas lutas. [...]. Não sei se tereissuposto que eu tenha tendência a cair no florianismo ou no castilhismo. Posso garantir-vos que nãocorro esse perigo, apesar de parecer-me que o Floriano é o político mais importante que o Brasil temda<strong>do</strong> depois de José Bonifácio e Benjamin Constant. Quanto ao Castilhos, me parece que se distinguemuito de seus colegas de democratismo. Sem qualidades políticas e ponto de vista pátrio, que seuscolegas não costumam ter, ele não teria leva<strong>do</strong> avante a bela Constituição <strong>do</strong> Rio Grande. A minhaestima por eles ainda não vai ao entusiasmo.Enquanto isso, naquele mesmo mês, o almirante Saldanha da Gama invadiu o RioGrande <strong>do</strong> Sul por terra, acompanha<strong>do</strong> de marinheiros mal arma<strong>do</strong>s e desprepara<strong>do</strong>s para otipo de embates que ocorriam na campanha gaúcha. Assim ficava evidenciada a debilidade aque estavam reduzidas as forças revolucionárias, que mesmo assim continuavam antepon<strong>do</strong>obstáculos à ação governamental.Em maio de 1895, o presidente Prudente de Morais enviou o general Inocêncio Galvãode Queiroz para o Rio Grande <strong>do</strong> Sul, na condição de comandante <strong>do</strong> 6º Distrito Militar. Suaprincipal missão era a de encaminhar um acor<strong>do</strong> de pacificação entre as forças federalistas <strong>ea</strong>s forças castilhistas, pon<strong>do</strong> fim à guerra civil em que o Esta<strong>do</strong> sulino estava mergulha<strong>do</strong>desde o princípio de 1893. 26 No dia 10 de junho de 1895, em carta que escreveu a TeixeiraMendes, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l expôs o seu ponto de vista acerca <strong>do</strong> general Queiroz e dasiniciativas que havia toma<strong>do</strong> para encerrar os conflitos no Rio Grande <strong>do</strong> Sul:Aqui a grande novidade é a chegada <strong>do</strong> novo comandante das Forças, general Inocêncio de Queiroz.Chegou hoje a esta cidade, onde vem estabelecer o seu quartel general. É um velho simpático, e vê-seque é um homem sério. No seu discurso, na apresentação que houve hoje, não se refere aosmaragatos como a inimigos da Pátria. Trata-os de irmãos desvia<strong>do</strong>s que anseiam por voltar aos seuslares, onde devem ser recebi<strong>do</strong>s com abraços. Vem disposto a empregar meios bran<strong>do</strong>s, deixan<strong>do</strong> aguerra para o caso de eles não darem resulta<strong>do</strong>.Me parece que essas atitudes assim é que têm prolonga<strong>do</strong> a guerra até hoje. O novo general, com oseu programa, creio que só conseguirá garantir a continuação dela. Ele parece ter vin<strong>do</strong> com osouvi<strong>do</strong>s cheios contra o parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>minante. A generosidade com que se tem trata<strong>do</strong> os inimigos nem aomenos consegue atrair as simpatias gerais, porque a imprensa deles, muito mais rui<strong>do</strong>sa, fora <strong>do</strong>esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> país, adultera tu<strong>do</strong> da maneira mais indigna.Como pano de amostra vieram justamente hoje, dia da chegada <strong>do</strong> general, cinco patriotas gravementeferi<strong>do</strong>s. Em número de 50 guarneciam a estação de “Basílio” da estrada de ferro que conduz a Bagé.Os inimigos os atacaram; foram repeli<strong>do</strong>s com a perda de um tenente, mas deixaram <strong>do</strong>is mortos eesses feri<strong>do</strong>s.A passagem acima revela que, embora reconhecen<strong>do</strong> a afabilidade pessoal <strong>do</strong> generalQueiroz, Bagueira L<strong>ea</strong>l entendia que o encarrega<strong>do</strong> pelo governo central de promover apacificação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deveria ser mais duro com os federalistas e tratá-los como perde<strong>do</strong>res,impon<strong>do</strong>-lhe sanções, e não equipará-los aos governistas.Numa nota que acrescentou ao final desta mesma carta que escreveu a TeixeiraMendes em 10 de junho de 1895, ainda acerca <strong>do</strong> general Queiroz, Bagueira L<strong>ea</strong>l mencionouque, “[...] na verdade, tem havi<strong>do</strong> aqui da parte das autoridades governistas abusosincalculáveis. Ele parece ter vin<strong>do</strong> mais preocupa<strong>do</strong> com a repressão desses abusos <strong>do</strong> quecom a derrota <strong>do</strong>s inimigos. Não lhe falta energia”. Assim, mesmo reconhecen<strong>do</strong> que o governoestadual cometia atos abusivos, Bagueira L<strong>ea</strong>l entendia que estes deveriam ser mais tolera<strong>do</strong>s<strong>do</strong> que aqueles cometi<strong>do</strong>s pelos revolucionários.Em 27 de julho daquele ano, numa carta que escreveu a Teixeira Mendes, BagueiraL<strong>ea</strong>l voltou a relatar o andamento <strong>do</strong>s acontecimentos relativos à tentativa de pacificação <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Inicialmente, Bagueira L<strong>ea</strong>l assinalou que Pelotas havia se torna<strong>do</strong> o centro<strong>do</strong> movimento militar, em função <strong>do</strong> estabelecimento ali <strong>do</strong> quartel general <strong>do</strong> comandante-emchefedas forças em operação – o general Queiroz – e o conseqüente aumento das forças queguarneciam a cidade, o que acarretou em aumento <strong>do</strong> trabalho na enfermaria militar, queestava sob sua responsabilidade. Em seguida, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou os encontros que tevecom o general Queiroz e a impressão que este lhe transmitiu:26 Cf. FRANCO, op. cit., p. 88.


Tive de me apresentar a ele. Suas intenções, opiniões, maneiras, etc, preocuparam a to<strong>do</strong>s daqui, amim como aos outros. Tinha li<strong>do</strong> nas vésperas, na biografia de Benjamin Constant, que ele tinha si<strong>do</strong>seu companheiro em uma comissão que balanceou o forte de Itapirú. Essa circunstância me dispôs afavor dele. Contu<strong>do</strong>, já não foi muito favorável a impressão que me causou a sua primeira ordem <strong>do</strong> diae o seu discurso de apresentação, pela deferência com que tratava os inimigos da Pátria, contrastan<strong>do</strong>com o rigor com que am<strong>ea</strong>çava punir os abusos <strong>do</strong>s que os combatiam.Depois veio de Porto Alegre o chefe <strong>do</strong> serviço médico militar no Esta<strong>do</strong>, meu amigo, a quem eu tivede fazer companhia constante durante to<strong>do</strong> o tempo que aqui esteve. Em vista disto tive de assistir adiversas longas conferências <strong>do</strong> chefe médico com o tal general. Caí das nuvens. Discursa<strong>do</strong>r,pretensioso, fazen<strong>do</strong> ostentação de hombridade, de poder, de habilidade na politicagem, atacan<strong>do</strong> oseu antecessor, tu<strong>do</strong> isso numa linguagem baixa e inconveniente, foi como se revelou o general emchefe, que começou logo chaman<strong>do</strong> para junto de si os mais suspeitos à República, deixan<strong>do</strong>,entretanto, para simular republicanismo, junto à sua pessoa alguns florianistas em cargos subalternos.Compreendi logo que este homem vinha prolongar a revolução e trazer para este Esta<strong>do</strong> or<strong>ea</strong>cionarismo <strong>do</strong> centro.Na mesma carta, Bagueira L<strong>ea</strong>l mencionou que estava com o general Galvão quan<strong>do</strong>este recebeu a notícia da morte <strong>do</strong> almirante Saldanha da Gama por forças comandadas pelocoronel governista João Francisco Pereira de Souza, ocorrida no final de junho, no municípiode Santana <strong>do</strong> Livramento. Segun<strong>do</strong> Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou a Teixeira Mendes, a notícia damorte de Saldanha teria desagrada<strong>do</strong> ao general Galvão mais <strong>do</strong> que a notícia da morte deFloriano Peixoto, ocorrida na mesma época, no Rio de Janeiro. Mesmo assim, o generalGalvão não teria se furta<strong>do</strong> de organizar pessoalmente a sessão fúnebre r<strong>ea</strong>lizada no t<strong>ea</strong>tro dacidade em homenagem ao ex-presidente.Referin<strong>do</strong> os avanços ocorri<strong>do</strong>s desde m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s de junho nas negociações <strong>do</strong> generalQueiroz com os rebeldes federalistas, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou o seguinte a Teixeira Mendes,ainda na carta que lhe escreveu em 27 de julho de 1895:Já nesse tempo andavam livremente pass<strong>ea</strong>n<strong>do</strong> pela cidade os chefes “generais” <strong>do</strong>s revoltosos, entreos quais o célebre Rafael Cabeda, tu<strong>do</strong> isso graças ao inacreditável passo da<strong>do</strong> pelo nossocomandante que fora em pessoa, levan<strong>do</strong> a família tratar com eles em Piratini! Mais queria fazer ogeneral: receber em Pelotas Joca Silva com todas as honras militares. Isso não levou a efeito por nãopoder contar com a totalidade <strong>do</strong>s oficiais. Deste mo<strong>do</strong>, já nas agonias da revolução, foram osrevolucionários eleva<strong>do</strong>s de fato a beligerantes. Diz-se que entre outras condições impostas e aceitasestá a reforma da Constituição.Porém, se as forças castilhistas podiam tolerar as honras com que seus adversáriosestavam sen<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>s pelo representante <strong>do</strong> governo central, o mesmo não ocorreu quan<strong>do</strong>se cogitou da alteração da Constituição de 14 de julho de 1891, o que teria ocorri<strong>do</strong> noencontro que o general Queiroz e Joca Tavares haviam ti<strong>do</strong> na estação Piratini (hoje Pe<strong>dr</strong>oOsório) da linha férr<strong>ea</strong> que ligava Pelotas a Bagé. 27Deste mo<strong>do</strong>, sob a pressão de Júlio de Castilhos e de seus alia<strong>do</strong>s, o acor<strong>do</strong> final depacificação, assina<strong>do</strong> no dia 23 de agosto de 1895, em Pelotas, pelo general Inocêncio Galvãode Queiroz e por Joca Tavares, não fazia qualquer alusão à possibilidade de se alterar aConstituição sul-rio-grandense. Uma semana depois, assinan<strong>do</strong> na condição de “capitãomédico<strong>do</strong> Exército” e de “membro da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil”, Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>lpublicou um folheto nos seguintes termos, expon<strong>do</strong> seu ponto de vista acerca da pacificação<strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul:Pelotas, 18 de Gutemberg de 107 (30 de agosto de 1895).Cidadão.Hoje, sétimo dia <strong>do</strong> restabelecimento da paz no heróico e muito republicano Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong>Sul, hoje, que já são conheci<strong>do</strong>s os termos da submissão <strong>do</strong>s rebeldes; hoje, que já podemos acreditarque eles não tentarão recomeçar a guerra civil, empunhan<strong>do</strong> de novo as armas em nome dasexigências que fizeram sem nada ter consegui<strong>do</strong>, porquanto se colocariam numa posição antipáticadepois das manifestações festivas com que o país inteiro recebeu a paz; o abaixo-assina<strong>do</strong>, renden<strong>do</strong>um preito de homenagem à memória de tantos heróis que sacrificaram nobremente a vida para nosproporcionar tão belos dias (<strong>do</strong>ce felicidade que não lhes foi da<strong>do</strong> gozar!), congratula-se convosco ecom to<strong>do</strong>s aqueles que defenderam a Ordem e a República, quer com as armas na mão, quer com oapoio moral, ten<strong>do</strong> como único fito a pacificação, que conseguiram assim ver transformada d<strong>ea</strong>spiração sublime em r<strong>ea</strong>lidade benéfica.Que a Humanidade encha nossos corações de sentimentos bastante generosos para fazer pre<strong>do</strong>minara concórdia, hoje necessidade primordial da pátria rio-grandense!Saúde e Fraternidade.Portanto, o Dr. Bagueira L<strong>ea</strong>l fez questão de sublinhar que os federalistas depunham27 Cf. FRANCO, op. cit., p. 89.


as armas como derrota<strong>do</strong>s e que os vence<strong>do</strong>res foram os castilhistas e seus alia<strong>do</strong>s, retrata<strong>do</strong>scomo defensores da ordem e da República. Este folheto foi amplamente distribuí<strong>do</strong> em Pelotas,em Rio Grande, em Bagé, em Santa Vitória <strong>do</strong> Palmar e em Porto Alegre, onde o médicopositivista mantinha relações, além de ser envia<strong>do</strong> para seus correligionários no Rio de Janeiro.Além desta manifestação pública, Bagueira L<strong>ea</strong>l escreveu uma carta a TeixeiraMendes, em 2 de setembro de 1895, onde teceu algumas considerações pessoais acerca <strong>do</strong>sbasti<strong>do</strong>res da assinatura <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> de pacificação e <strong>do</strong>s termos <strong>do</strong> mesmo:Quanto aos negócios políticos, já deveis estar informa<strong>do</strong> <strong>do</strong> que tem havi<strong>do</strong>. Desde a chegada <strong>do</strong>general [Queiroz] os republicanos ficaram muito desgostosos com ele, em quem viram um alia<strong>do</strong> <strong>do</strong>srevoltosos, pelas atenções que lhes dispensava coincidin<strong>do</strong> com a maneira hostil com que tratava agente <strong>do</strong> governo estadual. Logo que souberam por amigos <strong>do</strong> Rio que a resposta dada pelo Prudenteà proposta de Piratini, eles esperavam que o general se retirasse. Tal porém não sucedeu. O generalresolveu fazer a pacificação mesmo com essa resposta, ou por capricho, ou porque ambicionasse asglórias de pacifica<strong>do</strong>r “quand même”, ou porque tivesse instruções reservadas <strong>do</strong> chefe <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> dele.A 22 de agosto, sem que ninguém esperasse, entraram nesta cidade a seu chama<strong>do</strong> Joca Tavares emais <strong>do</strong>is irmãos, Rafael Cabeda e outros chefes <strong>do</strong>s rebeldes. O general preparou a ordem <strong>do</strong> dia quedevia ser lida no dia seguinte, e ordenou uma formatura geral para as nove horas da manhã em que apaz devia ser saudada por uma salva de artilharia. Chegou porém a hora e nada de salva. Espalhou-seentão o boato de que estava tu<strong>do</strong> desfeito. Era um boato falso, porque às 3 horas da tarde uma salvade 21 tiros sau<strong>do</strong>u a negociação.Os motivos da demora, segun<strong>do</strong> o que parece mais certo, foi Joca Tavares custar a convencer-se quedevia assinar nas condições impostas pelo governo, o que Galvão só conseguiu depois decomprometer-se a passar o telegrama que conheceis.Na mesma carta, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou que as festas que ocorreram em Pelotas pelapacificação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> foram quase todas promovidas pelos partidários da revolta, e que osrepublicanos estavam um tanto retraí<strong>do</strong>s. Acerca da estabilidade da paz, Bagueira L<strong>ea</strong>lexternou o seguinte temor acerca da pacificação <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul:[...] a minha convicção não é bem firme. Há momentos em que vacila, em vista de muitos sintomascontrários, que fazem supor que há qualquer plano oculto, talvez para a deposição <strong>do</strong> Castilhos. Osrevoltosos não depuseram as armas; aproveitam-se da paz para aliciar gente; em suas manifestaçõesde qualquer natureza dão-se ares de vence<strong>do</strong>res; são eles os que festejam o acontecimento; dizemfrancamente que em pactos ocultos estão consignadas as suas outras pretensões; a força civil <strong>do</strong>governo tem si<strong>do</strong> toda dispensada. A isto devo juntar o que soube ontem pelo general Savaget,encarrega<strong>do</strong> de trazer Joca <strong>do</strong> acampamento a Piratini, e é que Joca nessa ocasião veio muitohumilha<strong>do</strong> e disposto a tu<strong>do</strong>. Donde se pode concluir que a conduta inábil ou partidária <strong>do</strong> generalGalvão, oferecen<strong>do</strong>-lhe mais <strong>do</strong> que pedia, é que alimentou-lhe as pretensões, ou as pretensões d<strong>ea</strong>mbos, reveladas na segunda conferência. Chegou-se mesmo a dizer que a relutância de Joca foi umacombinação.Em outra parte da mesma carta, mesmo com a incerteza quanto ao encerramentodefinitivo <strong>do</strong> conflito, Bagueira L<strong>ea</strong>l se arriscou a fazer um balanço da situação em que seencontravam as forças oponentes após trinta meses de conflito:Me parece que quem está de parabéns em primeiro lugar é o parti<strong>do</strong> republicano local, porque obtev<strong>ea</strong> submissão <strong>do</strong>s rebeldes sem nenhum pesar para ele, fican<strong>do</strong> os arranhões na dignidade por conta<strong>do</strong> general, que sempre isolou-se <strong>do</strong>s republicanos. Em segun<strong>do</strong> lugar estão de parabéns os rebeldes,porque, já nas agonias da revolução, se não conseguiram uma vitória completa, obtiveram uma vitóriano grau adianta<strong>do</strong> de tratar com o governo de potência a potência. Em terceiro lugar está a República,por ter fica<strong>do</strong> livre da revolta ainda que para isso fosse preciso ser bem desprestigiada a autoridade.Em último lugar está o Exército, cujo chefe [o general Queiroz] esqueceu as lições <strong>do</strong> imortal Carneiro.Mas toda a responsabilidade recai sobre esse chefe, porque com dificuldade se encontrariam <strong>do</strong>isgenerais capazes de fazer o que ele fez. A sua conduta deu à revolução, que não tinha programa, o darevisão da constituição, e foi contra ela uma propaganda poderosa. Hoje não lhe faltam críticos, algunsque nunca a leram, outros que nunca se lembraram que o esta<strong>do</strong> tinha uma constituição. Há mesmoalguns castilhistas que concordam com a revisão.Como se percebe, Bagueira L<strong>ea</strong>l estava bastante insatisfeito com o desempenho <strong>do</strong>general Queiroz, a quem atribuía a responsabilidade pela am<strong>ea</strong>ça que ainda pairava sobre aConstituição castilhista de 14 de julho de 1891. Em uma breve carta que escreveu a MiguelLemos no dia 4 de setembro de 1895, de forma bastante sucinta, Bagueira L<strong>ea</strong>l assim resumiua situação:Infelizmente se r<strong>ea</strong>lizou a pacificação, ou antes o trata<strong>do</strong> de aliança. Os parabéns que pela terminaçãoda revolta dei aos meus amigos e a to<strong>do</strong>s que se bateram pela República são frios e poucoconvenci<strong>do</strong>s. Nada é tão instável como essa fantástica paz. Só hoje me foi da<strong>do</strong> ler no seu to<strong>do</strong> asduas atas, e pude ver o quanto foi humilha<strong>do</strong> o governo da República.


O médico fluminense não deixou de externar sua opinião contrária aos termos dapacificação a alguns colegas, que as retransmitiram ao próprio comandante-em-chefe <strong>do</strong>Exército no Rio Grande <strong>do</strong> Sul, de mo<strong>do</strong> que as relações entre ambos ficaram abaladas.Bagueira L<strong>ea</strong>l passou a temer por uma remoção para a campanha, apesar de tal iniciativa sópoder ser tomada pelo chefe <strong>do</strong> serviço sanitário no Esta<strong>do</strong>, que era seu amigo.Apesar <strong>do</strong> temor que havia manifesta<strong>do</strong> a Teixeira Mendes de que a pacificação foss<strong>ea</strong>penas uma armadilha para desmobilizar as forças castilhistas, Bagueira L<strong>ea</strong>l pode constatarque, efetivamente, os revoltosos estavam depon<strong>do</strong> as armas, conforme relatou a Miguel Lemosem carta que lhe escreveu no dia 9 de outubro de 1895, na qual ainda acrescentou:O Galvão fala em ir para o ministério e vive am<strong>ea</strong>çan<strong>do</strong> para essa ocasião os que não ‘andarem direito’com ele. Mas antes está tratan<strong>do</strong> de dissolver o clube militar de Porto Alegre, segun<strong>do</strong> instruções querecebeu <strong>do</strong> Prudente, o que ele leva a efeito removen<strong>do</strong> o pessoal. Seguin<strong>do</strong> as mesmas instruçõesestá tratan<strong>do</strong> também de fixar definitivamente aqui a sede <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> distrito. Ele está nas boasgraças daquele presidente, que o chama de distintíssimo servi<strong>do</strong>r da República.No dia 12 de dezembro de 1895, em nova carta que escreveu a Miguel Lemos,Bagueira L<strong>ea</strong>l ratificou que a oposição havia deixa<strong>do</strong> de r<strong>ea</strong>lizar ataques às forças governistas.Entretanto, ressaltou que o clima de animosidade ainda era latente. Não esconden<strong>do</strong> suasatisfação, o médico também referiu que o presidente Prudente de Morais havia determina<strong>do</strong> oretorno <strong>do</strong> general Inocêncio Galvão de Queiroz para o Rio de Janeiro, relatan<strong>do</strong> ainda algunsrumores acerca das causas de tal ordem:Por aqui a grande novidade que há é a próxima retirada <strong>do</strong> general Galvão, até que afinal, depois deter feito to<strong>do</strong> o mal que pode. Creio que não é estranha a isso a promessa de chibata que ele man<strong>do</strong>ufazer ao redator de um jornal daqui por intermédio de seu ajudante de ordens e a pretexto de ataques asua família. O jornal tinha-se referi<strong>do</strong> ligeiramente a uma valsa - 23 de agosto - que a mulher dele,dizen<strong>do</strong>-se autora, dedicou ao general João Nunes da Silva Tavares.Interessante foi a resposta <strong>do</strong> Castilhos ao telegrama em que o jornal lhe comunicou o fato: “Jáordenei ao intendente que com a guarda municipal garantisse a liberdade de imprensa, e que, se aforça não chegasse, requisitasse mais <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>”. O general ficou possesso.Embora se possa questionar a veracidade <strong>do</strong> boato acerca da valsa que a esposa <strong>do</strong>comandante <strong>do</strong> Exército havia composto para o chefe <strong>do</strong>s revolucionários, o certo é que oafastamento <strong>do</strong> general Queiroz agra<strong>do</strong>u a Júlio de Castilhos e a seus correligionários. Nacarta que escreveu a Miguel Lemos em 21 de janeiro de 1896, Bagueira L<strong>ea</strong>l relatou asmudanças sucessivas no coman<strong>do</strong> das forças <strong>do</strong> Exército no Rio Grande <strong>do</strong> Sul:Aqui a novidade é a mudança contínua <strong>do</strong> Coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> Distrito. Ao infeliz Galvão sucedeu por ser omais antigo o general Savaget, homem sério, muito sensato, sem ligações partidárias. O bomcumprimento de seus deveres teve de ser mais agradável aos republicanos e aos castilhistas <strong>do</strong> qu<strong>ea</strong>os outros, pelo que não quis o Prudente a sua conservação e deu-nos o Cantuária que está a chegar.Em uma nova carta a Miguel Lemos, escrita de Pelotas em 20 de fevereiro de 1896,Bagueira L<strong>ea</strong>l mencionou que o general Cantuária, instruí<strong>do</strong> pelo presidente Prudente deMorais, inicialmente havia se mostra<strong>do</strong> muito frio com os castilhistas, mas que já estaria semodifican<strong>do</strong>.Porém, não demorou para que se deteriorassem as relações entre o governo estaduale o general Cantuária, novo comandante <strong>do</strong> Exército no Rio Grande <strong>do</strong> Sul, conforme relatouBagueira L<strong>ea</strong>l a Miguel Lemos, em carta que lhe escreveu de Pelotas em 30 de abril de 1896:Por aqui, o que há de mais importante em política é que as relações <strong>do</strong> Cantuária e <strong>do</strong> Castilhos estãogravemente abaladas, principalmente em conseqüência <strong>do</strong> seguinte: uns criminosos, que para veremselivres <strong>do</strong> castigo tinham toma<strong>do</strong> parte na revolução, voltaram para Passo Fun<strong>do</strong> julgan<strong>do</strong>-seimpunes a pretexto da anistia. Foram presos e reclamaram proteção <strong>do</strong> Cantuária. Este oficiou aoCastilhos. O presidente respondeu que, tratan<strong>do</strong>-se de uma questão toda civil, afecta às autoridadesjudiciárias, nada tinha que informar-lhe. Na linguagem dessa resposta o Castilhos usou de toda adelicadeza e deferência possível. O general contestou: ”Não deveis ignorar que, além da minha funçãomilitar, tenho uma missão política, etc”. A isso o Castilhos respondeu com energia dizen<strong>do</strong> nãoreconhecer essa missão, e pedin<strong>do</strong> que lhe dissesse quem lhe deu esses poderes, ministro oupresidente da República, pois o precisava protestar imediatamente. Até agora o general nãorespondeu.Como se percebe, a situação política <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul permanecia instável, com


os acontecimentos de 1893-95 ainda interferin<strong>do</strong> decisivamente nas relações entre o governoestadual e o governo federal. Na mesma carta, Bagueira L<strong>ea</strong>l comunicou a Miguel Lemos queiria se transferir para Porto Alegre por alguns meses, para substituir um colega como assistente<strong>do</strong> chefe <strong>do</strong> serviço sanitário militar no Esta<strong>do</strong>, mas que seus familiares continuariam residin<strong>do</strong>em Pelotas.Em uma nova carta que remeteu a Miguel Lemos, datada de 20 de maio de 1896, emPorto Alegre, Bagueira L<strong>ea</strong>l mencionou que o Dr. Fortuna, seu chefe e amigo, havia lheproposto uma colocação definitiva em Porto Alegre. Porém, Bagueira L<strong>ea</strong>l recusou, alegan<strong>do</strong>que o custo de vida em Pelotas era menor e que pretendia voltar para o Rio de Janeiro assimque fosse possível obter uma transferência.A partir de m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s de 1896, pouco a pouco as <strong>cartas</strong> de Bagueira L<strong>ea</strong>l para MiguelLemos e para Teixeira Mendes passaram a deixar de conter referências à situação política <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul, sinal de que a situação estava se normalizan<strong>do</strong>, apesar da polarizaçãoexistente entre as forças políticas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Os assuntos familiares e religiosos passaram apre<strong>do</strong>minar na correspondência. De outra parte, mesmo no auge da revolução, nas <strong>cartas</strong> queescrevia, invariavelmente Bagueira L<strong>ea</strong>l fazia alusão aos valores financeiros que recolhia entresimpatizantes <strong>do</strong> positivismo para serem envia<strong>do</strong>s como contribuições à Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil. Além disso, Bagueira L<strong>ea</strong>l também fazia a enco<strong>mend</strong>a de publicações existentes nocatálogo de livros da instituição, visan<strong>do</strong> distribuí-las em Pelotas e em outras localidades daregião meridional <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul. 28 Deste mo<strong>do</strong>, contribuiu para a difusão <strong>do</strong> ideáriocomtiano na sociedede gaúcha ao longo da primeira década da República.Retornan<strong>do</strong> a Pelotas no mês de julho de 1896, Bagueira L<strong>ea</strong>l passou a se empenharem conseguir uma remoção para fora <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, pois as <strong>do</strong>enças em sua famíliaeram constantes no inverno. Porém, sua transferência ficava dependen<strong>do</strong> da vinda de umcolega para substituí-lo. Ten<strong>do</strong> em vista a instabilidade política <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, era difícil encontraralguém que se dispusesse a vir para o extremo sul <strong>do</strong> Brasil.Em 29 de março de 1897, Bagueira L<strong>ea</strong>l escreveu uma carta em que referiu a recentedestruição <strong>do</strong> arraial de Canu<strong>do</strong>s por forças <strong>do</strong> Exército, relacionan<strong>do</strong> tal assunto com suatentativa de remoção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul:Não vos ten<strong>do</strong> ainda escrito depois <strong>do</strong> lamentável desastre de Canu<strong>do</strong>s, para o qual muito concorreu anossa imperícia militar, envio-vos os pêsames, porque imagino quanto vos deve ter con-trista<strong>do</strong> estanova e grave complicação para a nossa República [...]. Ven<strong>do</strong> a demora em vir a ordem para a minhapartida para aí {Rio de Janeiro], [...] os acontecimentos da Bahia mudam completamente a situação. Euaí chega<strong>do</strong> seria quase seguramente manda<strong>do</strong> para a Bahia, ordem que eu cumpriria prontamente,embora nunca cogitasse em solicitá-la. Isso transtornaria os nossos projetos, que interessam mais àHumanidade <strong>do</strong> que os negócios da Bahia.Como se percebe, após passar quatro anos no Rio Grande <strong>do</strong> Sul, perío<strong>do</strong> em que elee sua família estiveram expostos a diversas situações de perigo, Bagueira L<strong>ea</strong>l não seempolgava com a idéia de seguir para a Bahia, onde os segui<strong>do</strong>res de Antônio Conselheirorecém haviam si<strong>do</strong> extermina<strong>do</strong>s por forças <strong>do</strong> Exército.Esta foi a última carta escrita por Bagueira L<strong>ea</strong>l, <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, para osdiretores da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, no Rio de Janeiro. Embora ainda não soubesse aocerto a data de partida, Bagueira L<strong>ea</strong>l estava certo de aqueles eram seus últimos dias emPelotas, pois a sua transferência já fora publicada pelo “Diário Oficial”. Deste mo<strong>do</strong>, três diasantes de escrever aquela derradeira carta a Miguel Lemos, Bagueira L<strong>ea</strong>l enviou para JoaquimJosé Felizar<strong>do</strong> Júnior, em Porto Alegre, o estoque de publicações positivistas que estava emseu poder. Mencionan<strong>do</strong> uma carta anterior que Felizar<strong>do</strong> Júnior lhe escrevera, conten<strong>do</strong> asugestão para que se engajasse como apóstolo da Religião da Humanidade, Bagueira L<strong>ea</strong>lescreveu o seguinte:Quanto ao aproveitamento <strong>do</strong>s meus serviços no apostola<strong>do</strong> positivista, é verdade que há essa idéia,partida <strong>do</strong> Sr. Miguel Lemos e aplaudida pelo Sr. Teixeira Mendes. Sobre isso respondi confessan<strong>do</strong> aminha profunda incompetência. Mas as generosas esperanças de meus chefes não se desvaneceram,porquanto, apesar da minha franqueza, promoveram e obtiveram a minha transferência para o Rio.Não tenho esperanças de corresponder às ilusões de nossos diretores, as quais provavelmente sedissiparão. Agradeço entretanto as vossas felicitações. 2928 Cf. carta de Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l a Teixeira Mendes, 27 de julho de 1895. Arquivo da Igreja Positivista <strong>do</strong>Brasil.29 Cf. carta de Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l a Joaquim José Felizar<strong>do</strong> Júnior, 26 de março de 1897. Esta carta se encontra


Portanto, como o próprio Bagueira L<strong>ea</strong>l confidenciou a Felizar<strong>do</strong> Júnior, sua remoção<strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul para o Rio de Janeiro foi obtida com a interferência de Miguel Lemos ede Teixeira Mendes junto à cúpula <strong>do</strong> Exército, onde os positivistas gozavam de grandeprestígio. Além disso, os diretores da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil esperavam que Bagueira L<strong>ea</strong>lviesse a se dedicar integralmente à propaganda da religião fundada por Auguste Comte.Porém, tal desejo não se concretizou, pois Bagueira L<strong>ea</strong>l continuou como simplesconfrade da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, manten<strong>do</strong> suas atividades como médico <strong>do</strong> Exército.Assim mesmo, o médico-militar destacou-se como um <strong>do</strong>s mais ativos propagandistas <strong>do</strong>positivismo no Brasil durante a República Velha, principalmente nos assuntos de saúde pública.De acor<strong>do</strong> com o desejo de sua esposa, Bagueira L<strong>ea</strong>l conseguiu retornar ao Asilo <strong>do</strong>sInváli<strong>do</strong>s da Pátria, na Ilha de Bom Jesus, localizada no litoral fluminense, onde servia antes deser destaca<strong>do</strong> para acompanhar as forças federais que vieram lutar no Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Masa proximidade <strong>do</strong> Rio de Janeiro em que se encontrava o novo posto em que servia permitiamlhefreqüentes visitas aos diretores da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil.Considerações finaisCom suas observações acerca <strong>do</strong>s des<strong>do</strong>bramentos da guerra civil que dividiu asociedade sul-rio-grandense entre 1893 e 1895, Bagueira L<strong>ea</strong>l contribuiu para a ratificação deuma aliança implícita entre os positivistas religiosos brasileiros (lidera<strong>do</strong>s por Miguel Lemos) eos positivistas políticos gaúchos (lidera<strong>do</strong>s por Júlio de Castilhos), existente desde as origensda Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Republicano Rio-Grandense e consolidada com apromulgação da Constituição estadual de 14 de julho de 1891. Tal aliança foi r<strong>ea</strong>firmada maisuma vez no final de 1897, quan<strong>do</strong> Miguel Lemos sugeriu o nome de Castilhos para concorrer àpresidência da República, o que acabou por não se concretizar por recusa deste.Através das <strong>cartas</strong> que escreveu aos diretores da Igreja Positivista <strong>do</strong> Brasil, inéditasaté o momento, Bagueira L<strong>ea</strong>l desvelou diversos aspectos desconheci<strong>do</strong>s da RevoluçãoFederalista. Na condição de adepto da religião fundada por Auguste Comte e de médico-militar,presenciou a partir de um ponto de vista inusita<strong>do</strong> às articulações políticas e às movimentaçõesmilitares ocorridas no Rio Grande <strong>do</strong> Sul durante o conturba<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de consolidação daRepública.Embora não fosse um observa<strong>do</strong>r imparcial, visto que, por motivos de ordemprofissional e ideológica, estava identifica<strong>do</strong> com as forças castilhistas, Bagueira L<strong>ea</strong>l nãodeixou de apontar em suas <strong>cartas</strong> os excessos pratica<strong>do</strong>s pelos governistas e as violênciassofridas pelos revolucionários.Com a distribuição que fez em Rio Grande e Pelotas <strong>do</strong>s folhetos edita<strong>do</strong>s pela IgrejaPositivista <strong>do</strong> Brasil, Bagueira L<strong>ea</strong>l também contribuiu para a difusão da literatura e <strong>do</strong> ideáriopositivista no Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Aliás, o médico fluminense foi pioneiro nesta atividade, depoiscontinuada em Porto Alegre pelo núcleo de positivistas religiosos que se organizou em torno deFelizar<strong>do</strong> Júnior.Este artigo sobre a percepção de Bagueira L<strong>ea</strong>l acerca <strong>do</strong>s episódios que marcaram aRevolução Federalista pretendeu contribuir para o estu<strong>do</strong> da recepção e difusão <strong>do</strong>pensamento de Auguste Comte – reinterpreta<strong>do</strong> por Miguel Lemos e por Teixeira Mendes – nasociedade gaúcha.ABSTRACT: The military <strong>do</strong>ctor Joaquim Bagueira L<strong>ea</strong>l remained inthe Rio Grande <strong>do</strong> Sul for four y<strong>ea</strong>rs, between 1893 and 1897,following the contingents of the Army transferred to the south of Brazilbecause of the Federalist Revolution. In that time, Bagueira L<strong>ea</strong>l livedin Rio Grande, Santa Vitória <strong>do</strong> Palmar and Pelotas, and he alsospent some months roamed the country side of Rio Grande <strong>do</strong> Sul,n<strong>ea</strong>r of Uruguay, in company of the forces commanded by Col.Sampaio. In that time, Bagueira L<strong>ea</strong>l wrote a few letters to MiguelLemos and Teixeira Mendes, directors of the Positivist Church ofBrazil (hosted in Rio de Janeiro), of which he was a member. Throughthese letters it is possible to perceive the peculiar way as the brazilianortho<strong>do</strong>x positivists – adepts of the Religion of the Humanity,established by Auguste Comte – analyzed the civil war that opposedthe old liberal ones (allies of Silveira Martins) and the republicansdepositada no Arquivo da Capela Positivista de Porto Alegre (avenida João Pessoa, 1058).


dissidents against the faithful forces to Júlio de Castilhos and theRepublican Party of Rio Grande <strong>do</strong> Sul.KEY-WORDS: Federalist Revolution – Positivism – Republic –Military.

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