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IDENTIDADE CULTURAL Joaquim Cardoso da Silveira Neto (FBB ...

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IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilAS CANÇÕES DE GONZAGÃO: <strong>IDENTIDADE</strong> <strong>CULTURAL</strong><strong>Joaquim</strong> <strong>Cardoso</strong> <strong>da</strong> <strong>Silveira</strong> <strong>Neto</strong> (<strong>FBB</strong>/FACE/SEC-BA)Jail<strong>da</strong> Evangelista do Nascimento Carvalho (UFS)Alecrisson <strong>da</strong> Silva (PIO DÉCIMO)RESUMORefletir acerca dos aspectos <strong>da</strong> formação identitária de um <strong>da</strong>do povo não é realmente umaativi<strong>da</strong>de simples, no entanto, no momento em que a cita<strong>da</strong> reflexão parte de construçõeslingüístico-musicais como as de Luis Gonzaga, o Gonzagão, essa tarefa torna-se um tantoquanto possível e gratificante. Pode-se detectar a presença de traços <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de umagente, partindo-se de marcas tão fortes quanto impressionantes. Luis Gonzaga, em suasinúmeras músicas, muito bem trabalha<strong>da</strong>s, conseguiu construir linguisticamente, usandovariados recursos no campo do idioma, a identi<strong>da</strong>de cultural do povo nordestino. Para isso,muitas vezes, ele apega-se a elementos como descrição de cenas típicas do Nordestebrasileiro, bem como utiliza-se de um vocabulário rico, às vezes, atravessado por variantes emu<strong>da</strong>nças verbais. Para tanto, o presente trabalho científico adotou como metodologia abibliográfica tendo como base a análise e a interpretação <strong>da</strong>s canções de Luis Gonzaga, o Reido Baião. O objetivo geral deste texto é analisar algumas <strong>da</strong>s composições de Gonzagão à luz<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de cultural. Sua importância está em mostrar as formas pelas quais o compositor,em foco, constrói as imagens do povo nordestino.Palavras-chave: Canção; Identi<strong>da</strong>de Cultural e Linguística; Povo Nordestino.1 INTRODUÇÃOÉ possível uma visão crítica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de nordestina, baseando-se noestudo <strong>da</strong>s variações lingüísticas existentes nas composições musicais de Luiz Gonzaga e deseus compositores mais prediletos. To<strong>da</strong> orientação que visa à resolução de uma problemáticapassa pela análise dos detalhes e especifici<strong>da</strong>des, é o caso, por exemplo, deste trabalho deanálise identitária de formação nordestina, pois existe uma estreita relação entre linguagem esocie<strong>da</strong>de e esta relação fun<strong>da</strong>menta o estudo sobre o valor <strong>da</strong> inferência humana no contextosocial.Observa-se, na obra de Luiz Gonzaga, a versatili<strong>da</strong>de intencional de imprimir umacrítica indireta à ação política, manifesta<strong>da</strong> em suas letras de caráter questionativo: “é por issoANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70331


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilque pedimos proteção à vosmicê, homi, por nós escoído para as rédeas do poder” (Vozes <strong>da</strong>Seca). Existem muitos livros e artigos que tematizam e levantam a questão do envolvimento<strong>da</strong> língua aos engajamentos social, político e econômico de uma região, pois o objetivo maiordessa literatura é buscar discutir estas e outras questões. Alguns estudos valem-se de análisese premissas bem fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s que não maculam obras didáticas ou se confrontam com estasobras.O objetivo geral deste artigo é relacionar as produções musicais de Luiz Gonzagae de seus parceiros compositores à idéia de formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de de um povo oprimido nãonas ‘filas, vilas, favelas’, como já afirmou Caetano Veloso, mas oprimido pela seca, pela faltade ordem e progresso e esperança. Dessa forma, busca-se provar que a poesia nordestina doRei do Baião tem a finali<strong>da</strong>de política de engajamento social e denunciador do abandono emque se encontram milhões de brasileiros através de uma linguagem coloquial e valorativa <strong>da</strong>língua que exala <strong>da</strong> boca de to<strong>da</strong> uma população.Em contraparti<strong>da</strong>, o objetivo específico é trazer à tona o espírito regional latentenas canções-poemas aqui analisa<strong>da</strong>s e estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, dentro de numa ótica identitária de formaçãodo conceito do que se vê e se sabe acerca do ‘nordestino’ que se sobressai dos lindos,delicados e paradoxalmente cortantes versos. Para tanto, na investigação <strong>da</strong> obra de LuizGonzaga, afere-se uma observação centra<strong>da</strong> na preocupação de diminuir o impacto <strong>da</strong>sinjunções e determinantes negativas vivi<strong>da</strong>s pelo “homem do sertão”, tentando buscar umaexaltação ao Nordeste. A hipótese que sustenta este trabalho traz a afirmação <strong>da</strong> arte nocontexto relacional de uma região que apresenta, ain<strong>da</strong> hoje, problemas extremos nos diversosaspectos e condições sociais, assim como no que tange ao aspecto de formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>delocal. Segundo Saussure (1971, p. 78):ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70332


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasila língua é um fato social no sentido de que é um sistema convencionaladquirido pelos indivíduos no convívio social. Esta forma de definir a línguaimplica na utilização do seu potencial como elemento orientador <strong>da</strong> soluçãodo problema estabelecido.No processo de análise <strong>da</strong> conjuntura sócio-econômica do Sertão e a influência <strong>da</strong>língua sobre os resultados <strong>da</strong>s interações humanas, vários autores colaboraram com umaanálise mais precisa, uma vez que a língua assiste às necessi<strong>da</strong>des dos elementos humanos <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de em que ela circula ou interage e a sua finali<strong>da</strong>de é o processo de integração com oobjetivo de realizar a existência humana nos diversos aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Enfim, o processocomunicativo é o ponto de parti<strong>da</strong> e fim <strong>da</strong> língua, por isso deve-se estar atento aos aspectosfuncionais e estruturais do objeto de análise.2 LINGUAGEM: temáticas sertanejasA marca de Luiz Gonzaga está na reafirmação <strong>da</strong> música popular brasileira comoa evolução <strong>da</strong> MPB nas classes populares e os regionalismos temáticos nas estra<strong>da</strong>s, oTropicalismo, o samba dos morros no Rio de Janeiro. Ele tem seu estilo próprio e sutil,mantendo um constante diálogo com a história do homem no sertão pernambucano, que sofreem detrimento <strong>da</strong> seca que assola esta região.Para interferir no ambiente e espaço cultural, Luiz Gonzaga utiliza-se <strong>da</strong> língua edos símbolos que podem ser modificados e, uma vez alterados, geram variações lingüísticasque enriquecem o universo social de um grupo que muitas vezes é marginalizado. Conhecer oreal funcionamento <strong>da</strong>s línguas e os fatores intralingüísticos e extralingüísticos que regem aprodução musical do Rei do Baião, faz com que as análises aqui engendra<strong>da</strong>s não trabalhemlingüisticamente com os conceitos de “certo” e “errado”. Em Gonzagão, a língua é questão dereafirmação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de e de denúncia.ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70333


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilNeste contexto, por ser uma ciência, a Lingüística não é sensível às preocupaçõescom o suposto risco de “descaracterização” do idioma, visto que, por sua natureza, a língua sóassimila as transformações que lhe são úteis e necessárias, pois sua variação lingüística é bemmarcante. Esta variação dá-se, normalmente, de região para região. A Lingüística lança, sobreo idioma, seu objeto de estudo, o olhar <strong>da</strong> ciência, com seu método investigativo deobservação dos fenômenos que ocorrem na língua fala<strong>da</strong> e total ausência de preconceitos,condições preliminares para a busca do conhecimento. Neste raciocínio, nas canções dorepertório de Luiz Gonzaga, a linguagem é espontânea, e tratam, muitas vezes, do alvo <strong>da</strong>Lingüística, pois ela representa a língua viva em ação. Apesar de existir certo preconceito queé alimentado diariamente em programas de TV, rádio, coluna social, jornal, revistas e livros epela mídia de uma forma geral com o intuito de sinalizar o que é certo ou errado, Gonzagãoatinge todos os públicos.Segundo Bagno, em Preconceito lingüístico, (2005, p. 13):Fica bastante claro, numa série de afirmações, que já fazem parte <strong>da</strong> imagem(negativa) que o brasileiro tem de si mesmo e <strong>da</strong> língua fala<strong>da</strong> por aqui.Outras afirmações são até bem intenciona<strong>da</strong>s, mas, mesmo assim, compõemuma espécie de “preconceito positivo”, que também se afasta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.A educação ain<strong>da</strong> é privilégio de poucos brasileiros e Luiz Gonzaga só cursou atéo segundo ano primário, ou seja, não passou de mais um brasileiro sem o domínio de umanorma culta. Isso seria importante? Muitas vezes os falantes <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong>des lingüísticas nãopadrãosofrem uma série de preconceitos. Afirmar a existência <strong>da</strong>s variantes lingüísticas noespaço <strong>da</strong> cultura do Nordeste é possibilitar as modificações que sinalizam para um avançosocial do povo que habita o espaço <strong>da</strong>s realizações e manifestações culturais do interior doBrasil. Portanto, a constante presença do português brasileiro falado pelos sertanejosANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70334


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilnordestinos em versos de repentistas, musicistas e compositores é uma maneira dereconfirmar o caráter de valorização <strong>da</strong> língua viva popular.3 LUIZ GONZAGA: reafirmação <strong>da</strong> cultura nordestinaA obra de Luiz Gonzaga estabelece parâmetros claros sobre a evolução e a relação<strong>da</strong>s variações lingüísticas no processo de conscientização do valor e <strong>da</strong> inserção <strong>da</strong> língua nasações humanas. Isto fica claro na análise <strong>da</strong> composição Asa Branca quando vê-se “Intémesmo a asa branca / Bateu asas do sertão”. Neste contexto, fica exposta a utilização <strong>da</strong> grafia“inté”, como um registro <strong>da</strong> fala do homem, inserido no seu contexto social e geográfico, emque o autor utiliza e referencia a ação do contexto, como uma ação resulta<strong>da</strong> <strong>da</strong> absorção dosaspectos negativos do ambiente.Concluindo, Luiz Gonzaga possui uma sensibili<strong>da</strong>de que resulta na interaçãoharmônica entre compositor e plano social e isto é resultado dos inúmeros recursospossibilitados pela língua dinâmica que dominava assim “A asa branca ouvindo o ronco dotrovão”. No contexto <strong>da</strong> evolução musical brasileira, ocorreram inúmeras mu<strong>da</strong>nças para quea arte pudesse comunicar a mensagem de forma engaja<strong>da</strong> e de caráter sócio-político. Mas opreconceito que se percebeu como resultado <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong> mídia em geral foi muito marcantenos anos 60 e esta afirmação colabora com a análise de inúmeros críticos e jornalistas querefutam as ações que funcionaram como elementos negativos no processo de criação doartista.Luiz Gonzaga viveu em diversos momentos este preconceito <strong>da</strong> elite culturalbrasileira. Seu objetivo maior era falar do Nordeste, do pé-de-serra para o universo <strong>da</strong> língua.Seus escritos são ensinamentos que provêm dos leitos dos rios, dos aboios do vaqueiro naANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70335


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilcaatinga, consolando a rês, <strong>da</strong>s conversas <strong>da</strong>s lavadeiras ao redor <strong>da</strong>s cacimbas, dos engenhos,<strong>da</strong>s farinha<strong>da</strong>s, dos “causos” contados pelos sertanejos, pelos repentes, pelos cordelistas, quedenunciam também as injustiças sociais, transformando a vi<strong>da</strong> do sertanejo em um grandecenário cultural.A música de Gonzaga fala, ritmicamente, de uma terra que se entranha na lama eno corpo do ouvinte. Para Muniz (1999, p. 160), “Arrastando seu ouvido, sua cintura, seusquadris, arrastando os pés, o nordestino emancipa-se <strong>da</strong> dor e avança na busca <strong>da</strong> alegria quelhe foi rouba<strong>da</strong> ao longo de muitos séculos de opressão.” O espaço desenhado pelas cançõesde Luiz Gonzaga é quase sempre o do Sertão. Espaço abstrato, cheio de dogmas e valores queviraram estereótipos na boca do próprio povo nordestino. Sua música, no contexto douniverso, que expressa o Sertão a fora contribui para reforçar a percepção do Nordeste comouni<strong>da</strong>de e um espaço à parte no país, uma homogenei<strong>da</strong>de pensa<strong>da</strong> em oposição ao Sul. Elareforça não só a identi<strong>da</strong>de regional em seu público, mas a identi<strong>da</strong>de regional entre eles e suaregião.3.1 A língua como valor e identi<strong>da</strong>de na canção de Luiz GonzagaA língua portuguesa do Brasil é um conjunto de varie<strong>da</strong>des que constrói aidenti<strong>da</strong>de de todo e qualquer povo. Não é difícil observar como a língua portuguesa é fala<strong>da</strong>de modos diferentes pelo Brasil. Também não é difícil de observar como a língua variaconforme o estamento social dos falantes e como estes variam continuamente os modos de seexpressar dentro, por exemplo, de produções artísticas. Esses fatos, facilmente percebidos,apontam para uma característica de to<strong>da</strong>s as línguas: nenhuma delas é uniforme, homogênea esem representativi<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong> cultura. Portanto, to<strong>da</strong>s as línguas erguem-se como produtoANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70336


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilde sujeitos históricos, pois conhecem variação na pronúncia, no vocabulário e na estruturaçãogramatical; to<strong>da</strong>s se materializam como um conjunto de varie<strong>da</strong>des geográficas, sociais econtextuais.E não poderia ser diferente: a ampla diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> experiência social e histórica<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des humanas se reflete no modo como elas falam sua língua. A heterogenei<strong>da</strong>de<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos grupos sociais veste a língua necessariamente na diversi<strong>da</strong>de. Diz-se, então, quenão existe a ou uma língua portuguesa, mas muitas línguas portuguesas. Nesse sentido, aquiloque se disse acima no singular a respeito <strong>da</strong> língua tem-se agora de dizer no plural: umalíngua, sendo um conjunto de varie<strong>da</strong>des, tem não uma, mas muitas gramáticas e muitasmanifestações. Consequentemente, o falante não tem apenas uma, mas várias gramáticaslingüísticas registra<strong>da</strong>s em seu cérebro.É claro que essas gramáticas não são totalmente independentes: como umas sãoparentes <strong>da</strong>s outras no sentido de que, historicamente, elas vão saindo umas <strong>da</strong>s outras, elaspartilham múltiplos aspectos, <strong>da</strong>í a identi<strong>da</strong>de cultural entre elas. Várias áreas se recobrem emca<strong>da</strong> uma dessas gramáticas, como o vocabulário básico, os processos de formação depalavras, o coração <strong>da</strong>s raízes culturais de um povo, isto é, o léxico de uma língua fala<strong>da</strong> oumesmo escrita. Tudo isso é retrato do amadurecimento cultural. Outro <strong>da</strong>do relevante amerecer destaque aqui: as marcas lingüísticas regionais participam dos processos deconstrução <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de. O modo como se fala a língua aproxima os falantesbrasileiros dos conterrâneos lusos. Ao mesmo tempo, o falar regional diferencia as pessoasque residem num mesmo país. Assim, a varie<strong>da</strong>de lingüística regional é, portanto, uma <strong>da</strong>smarcas registra<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cultura e tende a permanecer com o povo mesmo quando este mu<strong>da</strong> deregião.ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70337


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilÉ importante enfatizar, por fim, que, do ponto de vista <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de lingüística,to<strong>da</strong>s as varie<strong>da</strong>des equivalem-se: lingüisticamente não há uma varie<strong>da</strong>de melhor, maisbonita, mais certa do que a outra. E isso porque to<strong>da</strong>s são igualmente organiza<strong>da</strong>s e atendemàs necessi<strong>da</strong>des dos grupos que as usam.Possenti (1996, p. 33) afirma:Um dos tipos de fatores que produzem diferenças na fala de pessoas sãoexternos à língua. Os principais são os fatores geográficos, de classe, dei<strong>da</strong>de, de sexo, de etnia, de profissão, etc. Ou seja: as pessoas que moram emlugares diferentes acabam caracterizando-se por falar de algum modo demaneira diferente em relação a outro grupo. Pessoas que pertencem a classessociais diferentes, do mesmo modo (e, de certa forma, pela mesma razão, adistância – só que esta é social) acabam caracterizando sua fala por traçosdiversos em relação aos de outra classe.No entanto, algumas vezes acontece que a diferença se transforma emdiscriminação e as pessoas de fala ‘diferente’ passam a ser alvo de pesados preconceitossociais, como aconteceu, por exemplo, com os nordestinos que migraram maciçamente para ocentro-sul do país em meados do século XX como o Gonzagão. Precisa-se, então, estarsempre em alerta. A discriminação social pelo modo de a pessoa falar é tão condenável comoqualquer outro gesto discriminatório. É fun<strong>da</strong>mental ressaltar isso porque o preconceitolingüístico, isto é, a discriminação motiva<strong>da</strong> pelo fato de o outro falar diferente está alastradopelo país, mas dele tem-se ain<strong>da</strong> pouca consciência, o que contribui para aumentar os seusefeitos nocivos.Parece que o saudoso Luiz Gonzaga, com as suas e as composições de outrosnomes <strong>da</strong> música regional, começou a trilhar um caminho interessante na luta contra opreconceito lingüístico, o de acostumar os ouvidos sulistas a captar essa grande varie<strong>da</strong>deANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70338


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasillingüística regional brasileira e a perceber o quanto de riqueza ela revela <strong>da</strong> história e <strong>da</strong>cultura de um povo.No Brasil, ain<strong>da</strong> não se conseguiu resolver adequa<strong>da</strong>mente essa questão <strong>da</strong>padronização lingüística. E isso tem gerado inúmeros embaraços para os falantes e estudiosos<strong>da</strong> língua que ficam perdidos em meio a um tiroteio irracional e para o país como um todo quenão encontra os meios adequados para democratizar o acesso a um desejável padrãolingüístico. Para isso, tem-se que dimensionar o problema do padrão historicamente porque éo passado de socie<strong>da</strong>de colonial e escravista que ain<strong>da</strong> embaraça um tratamento adequadodesta importante questão. Enfim, a história nacional gerou uma socie<strong>da</strong>de marca<strong>da</strong> porprofun<strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais. Até hoje não se conseguiu distribuir adequa<strong>da</strong>mente ariqueza nacional, os bens <strong>da</strong> cultura escrita e os outros bens <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Por isso, do pontode vista lingüístico, os nossos valores continuam sendo os <strong>da</strong> reduzidíssima elite letra<strong>da</strong> doséculo XIX. Essa elite sonhava com uma socie<strong>da</strong>de branca e européia e, por isso, abominava anossa diversi<strong>da</strong>de étnica e lingüística.3.2 A música de Gonzaga: cultura e identi<strong>da</strong>de nordestinasLuiz Gonzaga criou uma tradição em todo o Brasil, a de ouvir, <strong>da</strong>nçar e divulgar ascanções que possuem a alma nordestina em to<strong>da</strong>s as direções. Gonzagão foi o nome quetornou as tradições, os costumes, as raízes culturais, os sofrimentos em virtude <strong>da</strong> seca, adescendência africana, as múltiplas etnias bem como as diversas religiões populares num paíscom dimensões continentais como o Brasil. Santos (2004, p. 32) elabora um raciocínio muitoimportante para a compreensão <strong>da</strong> produção artística canta<strong>da</strong> por Luiz Gonzaga e afirmaveementemente que:ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-70339


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilA importância <strong>da</strong> função desempenha<strong>da</strong> pelas obras literárias no processo deconhecimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e cultura do Nordeste é inquestionável. Noentanto, alguns fatores de ordem estrutural <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, eparticular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de sulista, provocaram um refluxo na propostafun<strong>da</strong>mental do movimento literário. Os fatores principais desse desvio depropósitos estão relacionados ao seu público-alvo e às condições <strong>da</strong>educação brasileira nesse período.O Rei do Baião, ao cantar, o quase hino nacional Asa Branca, transcreveu todoum sentimento humano universal de fuga do sofrimento avassalador provocado pela seca. Osentimento religioso, a desesperança e o desengano estão muito presentes, sobretudo, nosquatro primeiros versos, em primeira pessoa e numa linguagem popularíssima influencia<strong>da</strong>pela orali<strong>da</strong>de, o que denota certa vivência de quem a compôs.Quando oiei a terra ardenoQua fogueira de São JoãoEu perguntei a Deus do Céu, aiPor que tamanha judiaçãoDessa maneira, deve-se afirmar, como diz Albuquerque Jr., que o Nordeste foiconstruído pela música regional como o espaço <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de, do passado, não apenas poraqueles filhos de famílias tradicionais e seus descendentes que acabaram entrando em declíniocom as transformações históricas, ocorri<strong>da</strong>s neste espaço, desde o final do século passado(XIX). Ele é também o espaço <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de para milhares de homens pobres, do campo, queforam obrigados a deixar seu local de nascimento, suas terras, para migrar em direção ao Sul,nota<strong>da</strong>mente, São Paulo e Rio de Janeiro, para onde iam em busca de empregos, na pujanteagricultura comercial, mas, sobretudo, no parque industrial que, a partir <strong>da</strong> Primeira Guerra,se desenvolve acelera<strong>da</strong>mente. 11 ALBUQUERQUE JR, A invenção do nordeste e outras artes, p. 151.ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703310


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilA continuação de Asa branca narra a retira<strong>da</strong> de nordestino e sua família de umambiente hostil, que deixa para trás o alazão, o gado morto no chão, as asas brancas quefogem <strong>da</strong> falta de chuva, e o mais importante de tudo que é deixado, o amor de Rosinha, que éao mesmo tempo, uma mulher delica<strong>da</strong> pelo nome que possui, e forte, por ficar e enfrentar oinferno que sobreviver onde não há possibili<strong>da</strong>des de viver.Que braseiro que fornaiaNenhum pé de prantaçãoPor falta d’água perdi meu gadoMorreu de sede meu alazãoInté mesmo a asa brancaBateu asas do sertãoEntonce eu disse, adeus RosinhaGuar<strong>da</strong> contigo meu coraçãoCa<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s composições de Luiz Gonzaga traz um quê característico de umaregião, de uma vivência popular, de uma tradição guar<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo povo como relíquia dopassado, um estado psicológico e emocional do povo, em determinados momentos de sua vi<strong>da</strong>ou de suas ativi<strong>da</strong>des. Em Luiz Gonzaga: o matuto que conquistou o mundo, Oliveira (1991,p. 101) dá a idéia de importância do Gonzagão, frente a alguns nomes <strong>da</strong> crítica nacional:Cantores, músicos, escritores e compositores são unânimes em afirmar queLuiz Gonzaga foi o maior artista do Nordeste em todos os tempos, de umainfluência tamanha em qualquer parte do País e que nenhum acordeonistapega o instrumento sem ensaiar antes uma música do “Rei do Baião”.O professor Sebastião Vila Nova, sociólogo, com mestrado em arte, cultura eantropologia nos Estados Unidos, além de violinista e pesquisador <strong>da</strong> músicabrasileira, confirma que, “como homem, há poucos senões na vi<strong>da</strong> deGonzaga, tanto que era altamente respeitado por todos, e tido como umafigura dignificante na profissão que exercia”.Voltando à canção em foco, ela referência a intensi<strong>da</strong>de do estado passionalvivido pelo sujeito enunciador. O sentimento de falta perpassa to<strong>da</strong>s as estrofes, deixando-seANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703311


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilmanifestar em diferentes formas. Tudo ocorre com o sujeito, nas primeiras quadras, em que seobserva o resultado <strong>da</strong> atuação implacável <strong>da</strong> seca, que teria invadido seu território, devastadoseus bens e retirado sua condição de vi<strong>da</strong>.Inté mesmo a asa brancaBateu asas do sertãoEntonce eu disse, adeus, RosinhaGuar<strong>da</strong> contigo meu coraçãoHoje longe muitas léguasNessa triste solidãoEspero a chuva cair de novoPra mim voltar pro meu sertãoQuando o verde dos teus oiosSe espraiar na prantaçãoEu te asseguro não chore não, viuQue eu vou voltar, viu, meu coraçãoNas últimas estrofes, depois de alguma transformação, esse sujeito manifesta asemoções de um exilado que só recobrará a paz se voltar à terra natal. No trecho central, apassagem de um estado a outro. Na etapa final, tudo indica que o sujeito manifesta convicçãode seu retorno no tempo devido, para sua companheira Rosinha. Em A volta <strong>da</strong> asa branca,de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, há, nas quatro estrofes, o sentimento de êxtase que vive osujeito enunciador com a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> chuva. Na primeira estrofe, o sujeito alegra-se ao ver oretorno <strong>da</strong> ave “Asa branca”, como um aviso <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>da</strong>s primeiras chuvas, a esperança dosertanejo de retornar para a sua terra de origem.Já faz três noitesQue pro norte relampeiaA asa brancaOuvindo o ronco do trovãoJá bateu asasE voltou pro meu sertãoAi, ai, eu vou me emboraANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703312


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilVou cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> prantaçãoNa segun<strong>da</strong> estrofe, o retirante explica que a seca o expulsou de sua terra natal e osujeito busca a religiosi<strong>da</strong>de, ou seja, a fé em Deus pelo retorno <strong>da</strong> chuva e explica que lá asmulheres são sérias e os homens são trabalhadores.A seca fez eu desertar <strong>da</strong> minha terraMas felizmente Deus agora se alembrouDe man<strong>da</strong>r chuvaPr’esse sertão sofredorSertão <strong>da</strong>s muié sériaDos homes trabaiadorAo longo <strong>da</strong> terceira estrofe, percebe-se um sonho realizado durante o qual um riocorre, a cachoeira canta e a terra está molha<strong>da</strong>, pronta para o plantio e para a futura colheitaque irá suster o sertanejo. A chuva é vista nesta estrofe como sendo o anúncio <strong>da</strong> boa novapara num povo que deseja apenas água.Rios correndoAs cachoeira tão zoandoTerra moia<strong>da</strong>Mato verde, que riquezaE a asa brancaA tarde canta, que belezaAi, ai, o povo alegreMais alegre a naturezaNa quarta e última estrofe, o sujeito sente falta <strong>da</strong> mulher ama<strong>da</strong>, sua lin<strong>da</strong> flor dosertão pernambucano, Rosinha, a mulher com a qual pretende casar-se no fim do ano, após oplantio e a colheita. A felici<strong>da</strong>de, no sertão, está atrela<strong>da</strong> à idéia de chuva, pois se há chuva,há, consequentemente, alegria nos corações sertanejos, <strong>da</strong>í o casamento.Sentindo a chuvaANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703313


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilMe arrescordo de RosinhaA lin<strong>da</strong> florDo meu sertão pernambucanoE se a safraNão atrapaiá meus pranosQue que há, o seu vigárioVou casar no fim do ano.Luiz Gonzaga e Umberto Teixeira, em No meu pé de serra, dão uma seqüêncianarrativa às composições Asa branca e A volta <strong>da</strong> asa branca, como que parecendo mostrarque não há como fugir dessa sina nordestina que assola a terra, os tanques e os homens, quesão levados, como no romance de Graciliano Ramos, Vi<strong>da</strong>s secas, a se retirarem do início aofim <strong>da</strong> narrativa. A seca transfigura-se no maior vilão para quem mora na caatinga e no sertãodo Nordeste. Apesar de todo esse sofrimento de perseguição, a ânsia por água é abasteci<strong>da</strong> porsanfoneiros e xote a noite inteira, mostrando, com isso, que o nordestino nunca se entrega àsdificul<strong>da</strong>des impostas pela natureza ári<strong>da</strong> e seca.Lá no meu pé de serraDeixei ficar meu coraçãoAi, que sau<strong>da</strong>de tenhoEu vou voltar pro meu sertãoNo meu roçado eu trabalhava todo diaMas no meu rancho eu tinha tudo que queriaLá se <strong>da</strong>nçava quase to<strong>da</strong> quinta-feiraSanfona não faltavaE tome xote a noite inteiraGonzaga e Morais mu<strong>da</strong>m a trajetória de sofrimento nordestino de seca-retira<strong>da</strong>volta-retira<strong>da</strong>e mostram nos lindos versos <strong>da</strong> composição Propriá que a lembrança, amelancolia <strong>da</strong> esperança, a memória <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e dos parentes deixados nesse sertão cru edevorador <strong>da</strong>s tentativas de reviver, estão a todo momento presentes nos retirantes que largampara trás a tão almeja<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, como se a saga dos nordestinos continuasse ininterruptamente.ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703314


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilTudo que eu tinhaDeixei lá, não trouxe nãoDeixei o meu roçadoPrantadinho de feijãoDeixei a minha mãeO meu pai e meus irmãoE com a RosinhaEu deixei meu coraçãoNoites brasileiras são uma paródia de Meus oito anos, do poeta <strong>da</strong> segun<strong>da</strong>geração romântica do século XIX, Casimiro de Abreu. Gonzagão e Zé Dantas talvez tenhamquerido com essa produção compara<strong>da</strong>, elaborar um elo entre o espírito saudosista românticoe aquele que deseja, estando na capitá, como dizem, retornar para o luar do sertão.Ai, que sau<strong>da</strong>des que eu sintoDas noites de São JoãoDas noites tão brasileirasNas fogueirasSob o luar do sertãoRiacho do navio é com certeza mais uma dentre tantas composições conheci<strong>da</strong>spelo público por causa de seu ritmo e reali<strong>da</strong>de próxima à vivi<strong>da</strong> pelos sertanejos. Mostra,além disso, a vi<strong>da</strong> feliz no interior do Sertão, as caça<strong>da</strong>s, as vaqueja<strong>da</strong>s, os chocaios, ospássaros que cantam durante o raiar do dia, e to<strong>da</strong>s as casas sem rádio que toque as músicasdo próprio Luiz Gonzaga bem como não conte as notícias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de grande.Pra ver o meu brejinhoFazer umas caça<strong>da</strong>sVer as pegas de boiAn<strong>da</strong>r nas vaqueja<strong>da</strong>Dormir ao som do chocaioE acor<strong>da</strong>r com a passara<strong>da</strong>Sem rádio e sem notíciaDas terra civiliza<strong>da</strong>ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703315


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilEm, No ceará não tem disso não, de autoria de Gudoi de Moraes, tem-se maisuma vez, o retorno do retirante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de grande, alvo dos sonhos, de trabalho e conforto.Moraes criou uma composição sobre o espanto e o impacto do sertanejo quando presenciaacontecimentos, fatos e vê coisas que não costumam acontecer nas terras de Padim Ciço, <strong>da</strong>í“No Ceará não tem disso não, / Tem disso não, tem disso não”.Vocês cá <strong>da</strong> capitalMe adescurpe essa expressãoNo Ceará não tem disso não,Tem disso não, tem disso nãoNão, não, nãoNo Ceará não tem disso nãoNem que eu fique aqui dez anosEu não me acostumo nãoTudo aqui é diferenteDos costumes do sertãoNum se pode comprar na<strong>da</strong>Sem topar com um tubarão,Vou vortar pra minha terraNo primeiro caminhão.Em suma, nestes trechos vistos, constata-se uma dicotomia entre o Nordeste e oSudeste entremeados pela linguagem. Dicotomia que se manifesta no desencantamento donordestino, que era feliz na sua cultura cotidiana, em contraste com a frieza <strong>da</strong> “terraciviliza<strong>da</strong>” e sua cultura. Dessa forma, além <strong>da</strong> separação provoca<strong>da</strong> pela migração, onordestino enfrenta o contato com a reali<strong>da</strong>de social estranha à sua. Esse desencantamentoacarreta um sentimento de sau<strong>da</strong>de e conseqüentemente o desejo de retorno para o Nordeste.Os trechos selecionados expressam as sau<strong>da</strong>des do nordestino que abandona o seuroçado e o seu coração no pé de serra para ir procurar os sonhos nas ci<strong>da</strong>des grandes comoSão Paulo e Rio de Janeiro. O sertão, visto pelas composições, é um lugar de rara belezaANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703316


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilmarcado pela alegria e pelo trabalho, onde se <strong>da</strong>nçava xote, xaxado e forró quase to<strong>da</strong> quintafeiraa fim de esquecer <strong>da</strong> seca e do abandono governamental.O caráter festivo existente no Nordeste é ressaltado pelo sertanejo que compara,na música Noites brasileiras, a diferença entre os festejos de São João, realizados no sertãonordestino, e os festejos organizados na ci<strong>da</strong>de. Quanto à música que mais representa asocie<strong>da</strong>de do Nordeste em sua diversi<strong>da</strong>de, Oliveira (1991, p. 122) afirma que:A música mais autenticamente brasileira é o baião, porque tem as cores <strong>da</strong>bandeira nacional, o colorido do céu nordestino iluminado com a canículasolar, a poeira <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s sem asfalto, as hemoglobinas do sangue sertanejoque ferve nos saracoteios <strong>da</strong>s nossas caboclas, de pernas tornea<strong>da</strong>s, de carnerígi<strong>da</strong>, de peitos retesados, de dentes de marfim e aquele cheiro de virgem,no viço <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de. “Ninguém melhor do que Luiz Gonzaga para traduzirtudo isto com a geniali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua inspiração e a vibratili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suasinterpretações jocosas, movimenta<strong>da</strong>s e irônicas”.Os trechos <strong>da</strong>s músicas Vou pra Roça e No Ceará não tem disso não expressama distinção entre o sertão, considerado atrasado, e a ci<strong>da</strong>de, entendi<strong>da</strong> como evoluí<strong>da</strong>. Aochegar “à terra civiliza<strong>da</strong>” o nordestino espanta-se com a cultura onde “Tudo aqui é diferente /Dos costumes do sertão” e as relações sociais são fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na ganância do capital, pois naci<strong>da</strong>de “nã se véve sem se tê dinheiro”. É estranho, ao nordestino, até as inun<strong>da</strong>ções causa<strong>da</strong>spelas chuvas, um fenômeno tão raro no Nordeste. Tendo conseguido cumprir esse desejo, aalegria do nordestino será tão intensa que, após o retorno glorioso, ele desejará vivereternamente.4 CONSIDERAÇÕES FINAISA expressivi<strong>da</strong>de lingüístico-identitário, em todos os aspectos, é a nota mais fortede qualquer texto. Seja em estilo jornalístico, literário, científico ou humorístico, a força <strong>da</strong>ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703317


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilexpressão é o que faz sentido em tudo que se lê ou se ouve. É o que pode levar alguém do risoao pranto, <strong>da</strong> surpresa ao terror, do movimento ao relaxamento, <strong>da</strong> valorização <strong>da</strong> cultura oumesmo à sua desvalorização.Na música, especialmente, na sertaneja, de Luiz Gonzaga, em que a letrafunciona como um texto crítico e analítico, de presença marcante, capaz de levar o ouvinte arefletir, a pensar e questionar sobre tudo o que o rodeia, seja no aspecto interior, autocrítico,cultural, humano, político, seja no sentido crítico-social <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de em que vive, encontrouo Rei do Baião, o seu espaço para produzir e refletir o sentimento de Nordeste existente emmuitos nordestinos ansiosos por conservar sua cultura. Na linguagem musical de Gonzaga,objeto desse trabalho, encontram-se grandes obras-primas <strong>da</strong> arte, ver<strong>da</strong>deiros poemasmusicados, prontos para serem explorados em qualquer situação, com mensagens queremetem a uma análise do comportamento como ser político, colocando-se face a face comas grandes denúncias <strong>da</strong> repressão política imposta pelos governos militares nos anos 60.Após a análise <strong>da</strong>s canções aqui apresenta<strong>da</strong>s, referentes ao tema central destetrabalho, ficou claramente comprova<strong>da</strong> a importância do estudo <strong>da</strong>s músicas nordestinas <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 1960 no Brasil. Elas trazem em suas letras, além de to<strong>da</strong> a poesia já conheci<strong>da</strong> eadmira<strong>da</strong>, uma força expressiva que é capaz de ensinar, conscientizar, denunciar, protestar elevar o leitor ou ouvinte a mu<strong>da</strong>r seu comportamento ante os grandes dramas <strong>da</strong> nossasocie<strong>da</strong>de. Trabalha<strong>da</strong>s em sala de aula, essas mesmas músicas podem servir como um forteelemento motivador do aluno, levando-o a desenvolver seu senso crítico e questionador e aentender melhor a história do nosso país, consciente de seus direitos e deveres ante asocie<strong>da</strong>de, aprimorando sua capaci<strong>da</strong>de de questionar e interferir no mundo à sua volta.Em todo trabalho, técnico deve funcionar a análise dos elementos que respal<strong>da</strong>rama pesquisa. Neste trabalho, verificou-se o valor <strong>da</strong>s composições que Luiz GonzagaANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703318


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasilimortalizou na contribuição ao povo nordestino, <strong>da</strong>ndo-lhe notorie<strong>da</strong>de nacional quanto àlíngua representativa dos traços reais de uma cultura que se mostra forte e original, pois alinguagem é um instrumento de manifestação cultural que associa as possibili<strong>da</strong>des culturaisdo indivíduo com a formação psicológica que define seu comportamento.Neste raciocínio, encontra-se a utilização <strong>da</strong> língua portuguesa e sua influência noprocesso de formação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de dos primeiros colonos. Com a continui<strong>da</strong>de do processode colonização, deu-se a mistura do idioma do colonizador com os dialetos falados peloshabitantes naturais <strong>da</strong> colônia. Aos poucos, foi surgindo uma simbiose que ganharia a forçaatravés <strong>da</strong> generalização de seu uso em todo território. Aos poucos, no Brasil, foi surgindo ummosaico cultural em todo território que culminou com a formação de um “caldo” cultural,segundo o economista brasileiro, Celso Furtado, que explicaria as múltiplas diferenças queexistem no Brasil. Na atuali<strong>da</strong>de, o Nordeste vivencia dificul<strong>da</strong>des inerentes ao modelocolonial que o relegou a uma condição de atraso econômico que vem sendo combatido emuma tentativa de resgatar o progresso.Em meio à reali<strong>da</strong>de econômica, o povo nordestino constrói a sua identi<strong>da</strong>detendo as composições que Luiz Gonzaga imortalizou como elemento positivo a promover acultura em que a socie<strong>da</strong>de está inseri<strong>da</strong> e que caracteriza a variante lingüística e que muitosgramáticos tentam classificar como incorreções, erros, porém que alguns lingüistas,defensores <strong>da</strong> língua como instrumento primordial de comunicação, dizem ser mais umavarie<strong>da</strong>de dentro de um grande leque de possibili<strong>da</strong>des comunicativas <strong>da</strong> língua portuguesafala<strong>da</strong> no Nordeste do Brasil. Na ver<strong>da</strong>de, significam um processo de afirmação de um povofrente a um domínio cultural histórico que encontrou na obra do Rei do Baião uma críticapositiva e um reforço competente do seu valor como afirmação cultural. Daquilo que seANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703319


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, Brasildiscutiu até agora faz-se o caminho de volta ao ponto de início, quando se anunciava nointento de buscar no contexto o elemento estrutural do texto.Como uma <strong>da</strong>s conclusões a que este trabalho chegou está a de que todo equalquer povo sente necessi<strong>da</strong>de de preservar sua cultura como forma de dominar os demais ereafirmar o espírito regionalista como objeto de enfrentamento e conservação <strong>da</strong> essênciacultural por meio <strong>da</strong> língua fala<strong>da</strong> pelo povo. O legado deixado por Gonzaga será um acervopara o futuro do país chamado Nordeste que se firma como um Brasil à parte através do usoímpar que o nordestinos fazem <strong>da</strong> língua portuguesa. Se Luiz Gonzaga não pleiteou umNordeste independente, mesmo assim figurará na galeria dos seus nomes mais importantes,defensor que foi de seus conterrâneos.Concluindo, é importante ressaltar que a cultura nordestina, por muito tempo, nãose configurou como tema principal <strong>da</strong>s primeiras composições do sanfoneiro Luiz Gonzaga.Embora a melodia apresentasse traços nordestinos, o tema recorrente dessas composições erao cotidiano de uma socie<strong>da</strong>de esqueci<strong>da</strong> pelo Brasil. Em Luiz Gonzaga, a cultura nordestinavai se revelar como uma <strong>da</strong>s culturas regionais mais ricas e resistentes, diante do processo degeneralização dos bens culturais produzido pela socie<strong>da</strong>de capitalista.REFERÊNCIASALBUQUERGUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. Recife:Fun<strong>da</strong>ção <strong>Joaquim</strong> Nabuco, 1999.BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. São Paulo: Contexto, 2001.BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1977.CÂNDIDO, Antonio. Literatura e socie<strong>da</strong>de. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2000.FERRATTI, Mundicarmo Maria Rocha. Baião dos Dois: Zé Dantas e Luiz Gonzaga. Recife:Fun<strong>da</strong>ção <strong>Joaquim</strong> Nabuco / Massangana, 1988.ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703320


IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADES:EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ETNICORRACIAIS10 a 12 de novembro de 2010UFS – Itabaiana/SE, BrasilFERREIRA, José de Jesus. Luiz Gonzaga: O rei do baião – Sua vi<strong>da</strong>, seus amigos, suascanções. São Paulo: Ática, 1986.GONZAGA, Luiz (fascículo e CD, série MPB Compositores, nº. 20, Editora Globo, 1997).Martin Claret (org.). Vozes do Brasil: Luiz Gonzaga. São Paulo: Martin Claret, 1990.OLIVEIRA, Gilson.Comunicarte, 1991.Luiz Gonzaga: O matuto que conquistou o mundo. Recife:POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola . Campinas: ABL-MercadoAberto, 1996.RENNÓ, Carlos. Luiz Gonzaga: Vozes do Brasil. 3 ed. São Paulo: Martin Claret, 1995.SANTOS, José Farias dos. Luiz Gonzaga: A música como expressão do Nordeste. SãoPaulo: IBRASA, 2004.SAUSSURE, Ferdinand. As grandes correntes <strong>da</strong> lingüística moderna. 2 ed. São Paulo:Cultrix, 1971.SILVA, Héliton Mendes <strong>da</strong>. Luiz Gonzaga: Discografia do Rei do Baião. Salvador: BDA,1997.Gonzagão Oline. Site NÃO oficial de Luiz Gonzaga. 2005.ANAIS DO IV FÓRUM <strong>IDENTIDADE</strong>S E ALTERIDADESGEPIADDE/UFS/ITABAIANAISSN 2176-703321

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