mundo despertou com a notícia do nascimento, no Reino Unido, de LouiseBrown, concebida a partir de um embrião constituído em laboratório (in vitro).Surgiam os denominados “bebês-de-proveta”.A procriação humana artificial – ou medicamente assistida – porfertilização in vitro (F.I.V.) com transferência intra-uterina de embriõesgeneralizou-se e hoje é uma realidade até mesmo em países emdesenvolvimento 5 . O domínio da técnica, no entanto, precede, em geral, a suaregulamentação. Essa realidade, como se intui, transmuda-se em terreno fértilpara desvios, ao menos onde o debate ético é menos enfático. O manuseio doembrião deu lugar a experimentos inusitados, de duvidoso valor científico e quedesafiam a dignidade da natureza humana. Há notícia, por exemplo, dafertilização de óvulos humanos com esperma de animal e vice-versa 6 .De outra banda, a difusão das técnicas de fertilização in vitroestabeleceu um número muito significativo de embriões que, por motivosdiversos, não serão destinados aos procedimentos de reprodução. São osembriões criopreservados, isto é, congelados e com seu desenvolvimentosuspenso. A maioria deles foi obtida para evitar as múltiplas extrações deóvulos das mulheres inscritas em programas de reprodução assistida. Ocorreque o sucesso da reprodução ou o abandono do programa implicam naexistência dos embriões excedentes e no dilema sobre a o seu destino 7 .Discorreremos sobre o embrião humano e sobre o valor que lheemprestam a biologia, a filosofia e o direito. Cumprido esse mister,invocaremos o seu “estatuto”, convencidos, desde logo, que o destino ou a5 Estima-se que haja no Brasil 179 clínicas especializadas em F.I.V. e que estas teriamrealizado no ano de 2002 nove mil tentativas. Uma semana após a criação do Centro deReprodução Humana do Hospital das Clínicas de São Paulo, serviço gratuito, recebeu dez milinscrições para o preenchimento de suas duas mil vagas (Isto É, Edição n.º 1751, de23/04/2003).6 SERRÃO, Daniel. Uso de embriões humanos em investigação científica. Ministério daCiência e do Ensino Superior. Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia. Portugal. 2003.7 Maria Celeste Cordeiro dos Santos alude em seu livro “O equilíbrio do pêndulo, a bioética e alei: implicações médico-legais” ao “Dilemma over Frozen Babie”, sobre o destino de embriõesexcedentes preservados em clínicas do Reino Unido. Após intensa discussão, o Parlamentobritânico autorizou a destruição dos embriões não reclamados, o que ocorreu, efetivamente, nodia 1.º de agosto de 1996.2
aplicação indiscriminada da biotecnologia ao embrião não são indiferentes àsociedade.O momento é dos mais oportunos e nos instiga ao debate, mormenteporque se esboça no Congresso Nacional o projeto de lei que dispõe sobre areprodução assistida 8 .2. Embrião humanoSob o enfoque puramente descritivo, o embrião humano é a fusão dosgametas masculino (espermatozóide) e feminino (óvulo), determinante da uniãode seus núcleos numa única célula (zigoto), num processo que se denominafecundação.Duas assertivas de relevo para o nosso estudo decorrem dessarealidade: (a) todo o organismo vivo se estrutura a partir de uma única célula; e(b) pela fecundação, transmitem-se ao novo ser as características genéticas deseus progenitores. Essas afirmações conduzem, a seu turno, à noção deidentidade biológica do embrião.Com efeito, a fecundação propicia uma diferenciação formidável dascaracterísticas genéticas do embrião pela reunião de células germinativasmasculina e feminina haplóides (i.e., com a metade do número decromossomos encontráveis nas demais células), produzido um ser único noque diz respeito ao seu conteúdo genético.Uma vez constituído o zigoto, um programa interno inscrito no genomadetermina, em condições ambientais favoráveis, a multiplicação das células e ocrescimento contínuo do embrião, o que o faz, indiscutivelmente, um ente vivoda espécie humana.Há que se indagar, contudo, sobre a “condição”, a “natureza”, a“identidade” desse “sujeito” (“subectum”, “suppositum”) que é o embrião8 No dia 20 de março de 2003, foi aprovado, por 15 votos a favor, nenhum contra e nenhumaabstenção, em votação terminativa do Senado Federal, o substitutivo do projeto de lei n.º90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, que dispõe sobre a reprodução assistida. Oprojeto segue agora para a Câmara dos Deputados.3