eciclagem informal, sempre foram negligencia<strong>do</strong>s no desenho da intervençãogovernamental, conforme retrata a literatura (Furedy, 1993; Medina, 1993). “Poor,underprivileged groups ... are particularly vulnerable in times of modernisation andeconomic change” 151 , ressalta Furedy (1984:168).O Projeto de Coleta Seletiva de Belo Horizonte, ten<strong>do</strong> como parceiro o cata<strong>do</strong>r depapel, representa um significativo avanço em termos de uma política pública deresíduos sóli<strong>do</strong>s voltada para a construção da <strong>cidadania</strong>, à medida que reconheceo direito ao trabalho <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res. Como nos diz Marshall (1967), em seuclássico trabalho sobre a constituição da <strong>cidadania</strong> na sociedade inglesa, o direitoao trabalho é um direito civil básico. Como vimos no capítulo 1, a luta <strong>do</strong>scata<strong>do</strong>res da ASMARE foi, desde o seu início, a luta pelo direito de exercer o seutrabalho (a coleta seletiva) na cidade.Em Belo Horizonte, esta intervenção <strong>do</strong> poder público na reciclagem se fez comum claro senti<strong>do</strong> pedagógico, pois convocou a cidade a participar de uma coletaseletiva que possibilitou novos arranjos sociais: o cata<strong>do</strong>r deixa de ser aqueleque se beneficia <strong>do</strong>s restos <strong>do</strong>s outros e passa a usufruir de uma solidariedadeconsciente <strong>do</strong> munícipe (diversa da caridade), que separa seus recicláveis e osleva ao contêiner mais próximo. Esta opção clara <strong>do</strong> poder público pelaimplantação da coleta seletiva ten<strong>do</strong> como parceiro prioritário os cata<strong>do</strong>res, temum cunho extremamente inova<strong>do</strong>r em termos de política pública de resíduossóli<strong>do</strong>s. Assim, não somente mobiliza-se a população para a reflexão sobre odesperdício imperante em nossa sociedade, como propõe-se alternativas que vãoalém <strong>do</strong>s aspectos meramente tecnológicos. Esta intervenção representa,também, a concretização da conquista <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res, expressa na Lei OrgânicaMunicipal, de que a coleta seletiva fosse feita preferencialmente por cooperativasde trabalha<strong>do</strong>res.Esta opção <strong>do</strong> poder público teve enormes reflexos na melhoria das condições detrabalho e de vida <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res. Nosso argumento central aqui, é que a parceria151 Tradução: Grupos pobres e desprivilegia<strong>do</strong>s... são os mais vulneráveis em tempos demodernização e mudança econômica.140
com a SLU permitiu à ASMARE oferecer aos seus membros incentivos comovale-transporte, uniformes, galpões de triagem, LEVs, entre outros, incentivosestes que possibilitaram ampliar o potencial gera<strong>do</strong>r de renda da Associaçãoestimulan<strong>do</strong> o processo associativo. Além disso, a ação pública contribuiu para amudança de imagem <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res enquanto trabalha<strong>do</strong>res da coleta seletiva,em oposição ao imaginário de mendigo e marginal a eles imputa<strong>do</strong> anteriormente.O aluguel <strong>do</strong>s galpões de triagem pela SLU, permitiu à ASMARE extender a suaárea de atuação, à medida em que a mesma pôde oferecer espaços de trabalhoa um número maior de cata<strong>do</strong>res. O galpões representam proteção contraintempéries, possibilitan<strong>do</strong> aos cata<strong>do</strong>res <strong>do</strong>rmir em casa, o que não aconteciaantes, já que eles tinham que zelar pelo material recolhi<strong>do</strong>, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> na rua. Istopermitiu a descaracterização <strong>do</strong> cata<strong>do</strong>r de papel como “mora<strong>do</strong>r de rua”,passan<strong>do</strong> o mesmo a ser caracteriza<strong>do</strong> como “trabalha<strong>do</strong>r de rua”. Neste aspectoé oportuno relembrar, que o que a intervenção pública faz é dinamizar, acelerar oprocesso de profissionalização <strong>do</strong> “trabalha<strong>do</strong>r de rua “ inicia<strong>do</strong> a partir daorganização da ASMARE, fortalecen<strong>do</strong> esta entidade.O fortalecimento da entidade representativa <strong>do</strong>s cata<strong>do</strong>res permitiu acelerar oprocesso de passagem da “cultura de rua” para a “cultura pública”. Frugoli (1995),assim diferencia as duas: a “cultura de rua”...tende a uma aversão a qualquer tipo de institucionalização, operasegun<strong>do</strong> princípios informais, implica algum tipo de “apropriaçãoprivada” <strong>do</strong> espaço público (que não chega a ser propriamenteilegítima, mas tampouco pode ser completamente legitimada), pautasepor certas regras de transgressão, que, estrategicamente,inserem-se num conjunto de regras e códigos, conheci<strong>do</strong>s de formacompleta apenas por seus integrantes, e estão, na maioria dasvezes, em conflito – embora de forma diferenciada – com a ordemestabelecida pelo poder público (p.70).O autor observa, ainda, que nada impede que grupos de rua encampem lutaspela <strong>cidadania</strong>, mas esse não seria o seu princípio estruturante. Já a “culturapública” seria identificada com141
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