com firmeza. - Essa escrava não lhe pertence mais.- Não me pertence!... - bradou Leôncio levantando-se de umsalto, - o senhor delira ou está escarnecendo?...- Nem uma, nem outra coisa, - respondeu Álvaro com toda acalma: - repito-lhe; essa escrava não lhe pertence mais.- E quem se atreve a esbulhar-me do direito que tenho sobre ela?- Os seus credores, senhor, - replicou Álvaro, sempre com amesma firmeza e sangue-frio. - Esta fazenda com todos os escravos,esta casa com seus ricos móveis, e sua baixela, nada disto lhe pertencemais; de hoje em diante o senhor não pode dispor aqui nem do maisinsignificante objeto. Veja, - continuou mostrando-lhe um maço depapéis, - aqui tenho em minhas mãos toda a sua fortuna. O seu passivoexcede extraordinariamente a todos os seus haveres; sua ruína écompleta e irremediável, e a execução de todos os seus bens vai lhe serimediatamente intimada.A um aceno de Álvaro, o escrivão que o acompanhava apresentoua Leôncio o mandado de seqüestro e execução de seus bens. Leôncio,arrebatando o papel com mão trêmula, passeou rapidamente por ele osolhos faiscantes de cólera.- Pois quê! - exclamou ele, - é assim violenta e atropeladamenteque se fazem estas coisas! porventura não posso obter algumamoratória, e salvar minha honra e meus bens por outro qualquer meio?...- Seus credores já usaram para com o senhor de todas ascondescendências e contemporizações possíveis. Saiba ainda demais,que hoje sou eu o principal, se não o único credor seu; pertencem-me, eestão em minhas mãos quase todos os seus títulos de dívida, e eu nãoestou de ânimo a admitir transações nem protelações de natureza alguma.Dar seus bens a inventário eis o que lhe cumpre fazer; toda equalquer evasiva que tentar será inútil.- Maldição! - bradou Leôncio, batendo com o pé no chão earrancando os cabelos.- Meu Deus!... meu Deus!... que desgraça!... e que... vergonha!...exclamou Malvina, soluçando.Capítulo 22Deixemos por um momento suspensa a cena do capítulo antecedente,e interrompido o diálogo entre os dois mancebos. Eles ai ficamem face um do outro, como o leão altivo e magnânimo tendo subjugadoo tigre daninho e traiçoeiro, que rosna em vão debaixo das possantes garrasde seu antagonista. É-nos preciso explicar por que série de circunstânciasÁlvaro veio aparecer em casa do senhor de <strong>Isaura</strong>, a ponto de vir burlar osseus planos atrozes, mesmo no momento em que iam ter final execução.Depois que <strong>Isaura</strong> lhe fora arrebatada, Álvaro caiu na mais acerbaprostração de ânimo.Ferido em seu orgulho, esbulhado do objeto de seu amor, escarnecidoe vilipendiado pela arrogância de um insolente escravocrata, entregou-se aomais sombrio desespero. Mal soube o seu revés, o Dr. Geraldo correu em socorrodaquela nobre alma tão cruelmente golpeada pelo destino. Graças aos cuidados
e conselhos daquele tão solícito quão inteligente amigo, a dor de Álvaro foi-setornando mais calma e resignada. Por suas exortações Álvaro chegou mesmo aconvencer-se que o melhor partido que lhe ficava a tomar nas difíceis conjunturasem que se achava, era procurar esquecer-se de <strong>Isaura</strong>.Todo o esforço que fizeres, - dizia-lhe o amigo, - em favorda liberdade de <strong>Isaura</strong>, será rematada loucura, que não terá outro resultadosenão envolver-te em novas dificuldades, cobrindo-te de ridículo ede humilhação. Já passaste por duas decepções bem cruéis, a do baile,e esta última ainda mais triste e humilhante. Quase te fizeste réu depolícia, querendo disputar uma escrava a seu legítimo senhor. Pois bem;as seguintes serão ainda piores, eu te asseguro, e te farão ir rolando deabismo em abismo até tua completa perdição.Atendendo a estas e mil outras considerações de Geraldo, Àlvaroprocurou firmar o espírito e a vontade no propósito de renunciar ao seuamor, e a todas as suas pretensões filantrópicas sobre <strong>Isaura</strong>. Foi debalde.Depois de um mês de luta consigo mesmo, de sempre frustradasveleidades de revolta contra os impulsos do coração, Álvaro sentiu-sefraco, e compreendeu que semelhante tentativa era uma luta insensatacontra a força onipotente do destino. Embalde procurou, já nas gravesocupações do espírito, já nas distrações frívolas da sociedade, um meiode apagar da lembrança a imagem da gentil cativa. Ela lhe estava semprepresente em todos os sonhos d'alma, ora resplendente de beleza egraça, donosa e sedutora como na noite do baile, ora pálida e abatida,vergada ao peso de seu infortúnio, com os pulsos algemados, cravandonele os olhos suplicantes como que a dizer-lhe:- Vem, não me abandones; só tu podes quebrar estes ferros queme oprimem.O espírito de Álvaro firmou-se por fim na íntima e inabalávelconvicção de que o céu, pondo em contato o seu destino com o daquelaencantadora e infeliz escrava, tivera um desígnio providencial, e oescolhera para instrumento da nobre e generosa missão de arrebatá-la àescravidão, e dar-lhe na sociedade o elevado lugar que por sua beleza,virtudes e talentos, lhe competia.Resolveu-se portanto, fosse qual fosse o resultado, a prosseguirnessa generosa tentativa, com a cegueira do fanatismo, senão com oarrastamento de uma inspiração providencial.Álvaro partiu para o Rio de Janeiro. Ia ao acaso, sem planonenhum formado, sem bem saber o que devia fazer para chegar aos seusfins; mas tinha como uma intuição vaga de que o céu lhe deparariaocasião e meios de levar a cabo a sua empresa. O que queria emprimeiro lugar era colocar-se nas vizinhanças de Leôncio, a fim depoder colher informações e investigar se porventura algum recurso haveriapara obrigar o senhor de <strong>Isaura</strong> a manumiti-la.Desembarcou na corte com o fim de dirigir-se brevemente paraCampos. Antes porém de partir para seu destino, procurou colher entreas pessoas do comércio algumas informações a respeito de Leôncio.- Oh! conheço muito esse sujeito, - disse logo o primeironegociante, a quem Álvaro se dirigiu. - Esse moço está falido, e emcompleta ruína. Se V. S.ª também é credor dele, pode pôr as suas barbasde molho, porque as dos vizinhos estão a arder. Essa casa bem liquida,mal dará para um rateio, em que toque cinquenta por cento a cada credor.
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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Já são passados mais de dois mese
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por um grupo de lindas e elegantes
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