me importaria, se não fosse... - isto aqui entre nós, meu amigo; confioem tua discrição.- Podes falar sem susto, que meu coração é como um túmulopara o segredo da amizade.- Bem; dizia-te eu, que bem pouco me importaria com os arrufose caprichos de minha mulher, se não fosse o completo desarranjo emque desgraçadamente vão os meus negócios. Em conseqüência de umainfinidade de circunstâncias, que é escusado agora explicar-te, a minhafortuna está ameaçada de levar um baque horrendo, do qual não sei seme será possível levantá-la sem auxilio estranho. Ora meu sogro é oúnico que com o auxilio de seu dinheiro ou de seu crédito pode aindaescorar o edifício de minha fortuna prestes a desabar.- Em verdade procedes com tino e prudência consumada. Oh!teu sogro!... conheço-o muito; é uma fortuna sólida, e uma das casasmais fortes do Rio de Janeiro; teu sogro não te deixará ficar mal. Querextremosamente à filha, e não quererá ver arruinado o marido dela.- Disso estou eu certo. Mas isto ainda não é tudo; escuta ainda,Jorge. O meu rival, esse tal senhor Álvaro, que tanto cobiçou a minha<strong>Isaura</strong> para sua amizade, que não teve pejo de seduzi-la, acoutá-la eprotegê-la pública e escandalosamente no Recife, esse grotescocampeão da liberdade das escravas alheias, que protestou me disputar<strong>Isaura</strong> a todo o risco, ficará de uma vez para sempre desenganado desua estulta pretensão. Vê pois, Jorge, quantos interesses e vantagens seconciliam no simples fato desse casamento.- Plano admirável na verdade, Leôncio! - exclamou Jorge enfaticamente.- Tens um tino superior, e uma inteligência sutil e fértil emrecursos!., se te desses á política, asseguro-te que farias um papeleminente; serias um estadista consumado. Esse Dom Quixote de novaespécie, amparo da liberdade das escravas alheias, quando são bonitas,não achará senão moinhos de vento a combater. Muito havemos denos rir de seu desapontamento, se lhe der na cabeça continuar suaburlesca aventura.- Creio que nessa não cairá ele; mas se por cá aparecesse, muitotínhamos que debicá-lo.- Meu senhor, - disse André entrando na sala, - aí estão naporta uns cavalheiros, que pedem licença para apear e entrar.- Ah! já sei, - disse Leôncio, - são eles, são as pessoas quemandei chamar; o vigário, o tabelião e mais outros... bom! já não nosfalta tudo. Vieram mais depressa do que eu esperava. Manda-os apear eentrar, André.André sai, Leôncio toca uma campainha, e aparece Rosa.- Rosa, diz-lhe ele, - vai já chamar sinhá Malvina e <strong>Isaura</strong>, e osenhor Miguel e Belchior. Já devem estar prontos; precisa-se aqui já dapresença de todos eles.- Estou aflito por ver o fim a esta farsa, - disse Leôncio a seuamigo, - mas quero que ela se represente com certo aparato e solenidade,para inculcar que tenho grande prazer em satisfazer o capricho deMalvina e melhor iludir a sua credulidade; mas - fique isto aqui entrenós, - este casamento não passa de uma burla. Tenho toda a certezade que <strong>Isaura</strong> despreza do fundo d'alma esse miserável idiota, que sóem nome será seu marido. Entretanto ficarei me aguardando para
melhores tempos, e espero que o meu plano surtirá o desejadoefeito.- Cá por mim não tenho a menor dúvida a respeito do resultadode um plano tão maravilhosamente combinado.Mal Jorge acabava de pronunciar estas palavras, apareceu à portado salão um belo e jovem cavalheiro, em elegantes trajos de viagem,acompanhado de mais três ou quatro pessoas. Lêoncio, que já iapressuroso recebê-los e cumprimentá-los, estacou de repente.-Oh!... não são quem eu esperava!... murmurou consigo. - Seme não engano... é Álvaro!...- Senhor Leôncio! - disse o cavalheiro cumprimentando-o.- Senhor Álvaro, - respondeu Leôncio, - pois creio que é aesse senhor, que tenho a honra de receber em minha casa.- É ele mesmo, senhor; um seu criado.- Ah! muito estimo... não o esperava... queira sentar-se... quisentão vir dar um passeio cá pelas nossas províncias do Sul?...Estas e outras frases banais dizia Leôncio, procurando refazer-se daperturbação em que o lançara a súbita e inesperada aparição de Álvaronaquele momento crítico e solene.No mesmo momento entravam no salão por uma porta interiorMalvina, <strong>Isaura</strong>, Miguel e Belchior. Vinham já preparados com oscompetentes trajos para a cerimônia do casamento.- Meu Deus!... o que estou vendo!... - murmurou <strong>Isaura</strong>, sacudindovivamente o braço de Miguel: - estarei enganada?... não... é ele.- É ele mesmo... Deus!... como é possível?- Oh! - exclamou <strong>Isaura</strong>; e nesta simples interjeição, que exaloucomo um suspiro, expressava o desafogo de um pego de angústias, quelhe pesava sobre o coração. Quem de perto a olhasse com atençãoveria um leve rubor naquele rosto, que a dor e os sofrimentos pareciamter condenado a uma eterna e marmórea palidez; era a aurora daesperança, cujo primeiro e tímido arrebol assomava nas faces daquela,cuja existência naquele momento ia sepultar-se nas sombras de umlúgubre ocaso.- Não esperava pela honra de recebê-lo hoje nesta sua casa, -continuou Leôncio recobrando gradualmente o seu sangue-frio e seu ararrogante. - Entretanto há de permitir que me felicite a mim e aosenhor por tão oportuna visita. A chegada de V. S.a. hoje nesta casaparece um acontecimento auspicioso, e até providencial.- Sim?!... muito folgo com isso..,.mas não terá V. S.a. a bondadede dizer por quê?...- Com muito gosto. Saiba que aquela sua protegida, aquelaescrava, por quem fez tantos extremos em Pernambuco, vai ser hojemesmo libertada e casada com um homem de bem. Chegou V. S.a.mesmo a ponto de presenciar com os seus próprios olhos a realizaçãodos filantrópicos desejos, que tinha a respeito da dita escrava, e eu daminha parte muito folgarei se V. S.a. quiser assistir a esse ato, que aindamais solene se tornará com a sua presença.- E quem a liberta? - perguntou Álvaro sorrindo-se sardonicamente.- Quem mais senão eu, que sou seu legitimo senhor? - respondeuLeôncio com altiva seguridade.- Pois declaro-lhe, que o não pode fazer, senhor: - disse Álvaro
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mais que uma escrava. Se tivesses n
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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companheiras, e a tomaria antes por
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petulante se foi colocar defronte d
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Já são passados mais de dois mese
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- Por essa já eu esperava; entreta
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