certo ar desconfiado.- Que tenho!... - replicou Leôncio um pouco perturbado com apergunta. - Ora que tenho!... é o mesmo que perguntar-me se tenhobrio nas faces. Se soubesses como aquele papalvo provocou-meatirando-me insultos atrozes!... Como desafiou-me com mil bravatas eameaças, protestando que havia de arrancar <strong>Isaura</strong> ao meu poder...Se não fosse por tua causa, e também por satisfazer os votos de minhamãe, eu nunca daria a liberdade a essa escrava, embora nenhum serviço meprestasse, e tivesse de tratá-la como uma princesa, só para quebrar aproa e castigar a audácia e petulância desse impudente rufião.- Pois bem, Leôncio; mas eu entendo que <strong>Isaura</strong> mais facilmentese deixará queimar viva, do que casar-se com Belchior.- Não te dê isso cuidado, minha querida; havemos de catequizá-laconvenientemente. Tenho cá forjado o meu plano, com o qual espero reduzi-laa casar-se com ele de muito boa vontade.- Se ela consentir, não tenho motivo para me opor a esse arranjo.Leôncio de feito havia habilmente preparado o seu plano atroz.Tendo trazido do Recife a Miguel debaixo de prisão, juntamente com<strong>Isaura</strong>, ao chegar em Campos fê-lo encerrar na cadeia, e condenar apagar todas as despesas e prejuízos que tivera com a fuga de <strong>Isaura</strong>, asquais fizera orçar em uma soma exorbitante. Ficou, portanto, o pobrehomem exausto dos últimos recursos que lhe restavam, e ainda porsobrecarga devendo uma soma enorme, que só longos anos de trabalhopoderiam pagar. Como Leôncio era rico, amigo dos ministros e tinhagrande influência no lugar, as autoridades locais prestaram-se de boamente a todas estas perseguições.Depois que Leôncio, desanimado de poder vencer a obstinadarelutância de <strong>Isaura</strong>, mudou o seu plano de vingança, foi ele em pessoaprocurar a Miguel.- Senhor Miguel, - disse-lhe em tom formalizado, - tenho comiseraçãodo senhor e de sua filha, apesar dos incômodos e prejuízos que me têm dado, evenho propor-lhe um meio de acabarmos de uma vez para sempre com as desordens,intrigas e transtornos com que sua filha tem perturbado minha casa e o sossegode minha vida.- Estou pronto para qualquer arranjo, senhor Leóncio, - respondeurespeitosamente Miguel, - uma vez que seja justo e honesto.- Nada mais honesto, nem mais justo. Quero casar sua filha comum homem de bem, e dar-lhe a liberdade; porém para esse fim precisomuito de sua coadjuvação.- Pois diga em que lhe posso servir.- Sei que <strong>Isaura</strong> há de sentir alguma repugnância em casar-secom a pessoa que lhe destino, em razão de tola e extravagante paixão,que parece ainda ter por aquele infame peralvilho de Pernambuco, quemeteu-lhe mil caraminholas na cabeça, e encheu-a de idéias extravagantese loucas esperanças.- Creio que ela não deve lembrar-se desse moço senão por gratidão...- Qual gratidão!... pensa vossemecê que ele está fazendo muitocaso dela?... tanto como do primeiro sapato que calçou. Aquilo foi umcapricho de cabeça estonteada, uma fantasia de fidalgote endinheirado,e a prova aqui está; leia esta carta... O patife tem a sem-cerimônia de
escrever-me, como se entre nós nada houvesse, assim com ares deamigo velho, participando-me que se acha casado!... que tal lhe pareceesta?... que tenho eu com seu casamento!... Mas isto ainda não é tudo;aproveitando a ocasião, pede-me com todo o desfaçamento que emtodo e qualquer tempo, que eu me resolva a dispor de <strong>Isaura</strong>, nunca ofaça sem participar-lhe, porque muito deseja tê-la para mucama de suasenhora! até onde pode chegar o cinismo e a impudência!...- Com efeito, senhor!... isto da parte do senhor Álvaro é custosode acreditar!- Pois capacite-se com seus próprios olhos; leia; não conheceesta letra?...E dizendo isto Leôncio apresentou a Miguel uma carta, cuja letraimitava perfeitamente a de Álvaro.- A letra é dele; não resta dúvida, - disse Miguel pasmado doque acabava de ler. - Há neste mundo infâmias que custa-se acompreender.- E também lições cruéis, que é preciso não desprezar, não éassim, senhor Miguel?... Pois bem; guarde essa carta para mostrar à suafilha; é bom que ela saiba de tudo para não contar mais com essehomem, e varrer do espírito as fumaças que porventura ainda lhe toldamo juízo. Faça também vossemecê o que estiver em seu possível afim de predispor sua filha para esse casamento, que é de muita vantagem,e eu não só lhe perdoarei tudo quanto me fica devendo, como lherestituo o que já me deu, para vossemecê abrir um negócio aqui emCampos e viver tranqüilamente o resto de seus dias, em companhia desua filha e de seu genro.- Mas quem é esse genro? V. S.ª me não disse ainda.- É verdade... esquecia-me. É o Belchior, o meu jardineiro; nãoconhece?...- Muito!... oh! senhor!... com que miserável figura quer casarminha filha!... pobre <strong>Isaura</strong>!... duvido muito que ela queira.- Que importa a figura, se tem uma boa alma, e é honesto etrabalhador?... Lá isso é verdade; o ponto é ela querer.- Estou certo que aconselhada e bem catequizada por vossemecehá de se resolver.- Farei o que puder; mas tenho poucas esperanças.- E se não quiser, pior para ela e para vossemecê: o dito por nãodito; fica tudo como estava, - disse terminantemente Leôncio.Miguel não era homem de têmpera a lutar contra a adversidade. Ocativeiro e reclusão perene de sua filha, a miséria que se lhe antolhavaacompanhada de mil angústias, eram para ele fantasmas hediondos,cujo aspecto não podia encarar sem sentir mortal pavor e abatimento.Não achou muito oneroso o preço pelo qual o desumano senhor,livrando-o da miséria, concedia liberdade à sua filha, e aceitouo convênio.Capítulo 20Enquanto Rosa e André espanejavam os móveis do salão, tagarelandoalegremente, uma cena bem triste e compungente se passava em um escuro
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A Escrava Isaura, de Bernardo Guima
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tragava em conseqüência dos torpe
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estranho. Casara-se por especulaç
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mais que uma escrava. Se tivesses n
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pescoço, e a cabeça disforme nasc
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pomo fatal, mas inocente, que devia
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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meios de libertar a menina; ela bem
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melhor matar a gente de uma vez...-
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companheiras, e a tomaria antes por
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petulante se foi colocar defronte d
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Leôncio encerrado em seu quarto a
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vez menos tratável e benigna para
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- Page 49 and 50: - Desculpe-me, - murmurou Isaura -
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