não sacrificada ao seu furor. Não tinha remédio senão curvar-se semmurmurar ao golpe do destino, e ver de braços cruzados metida emferros, e entregue ao azorrague do algoz a nobre e angélica criatura,que, única entre tantas belezas, lhe fizera palpitar o coraçãoem emoções do mais extremoso e puro amor.Deplorável contingência, a que somos arrastados em conseqüênciade uma instituição absurda e desumana!O devasso, o libertino, o algoz, apresenta-se altivo e arrogante,tendo a seu favor a lei, e a autoridade, o direito e a força, lança a garrasobre a presa, que é objeto de sua cobiça ou de seu ódio, e pode frui-laou esmagá-la a seu talante, enquanto o homem de nobre coração, deimpulsos generosos, inerme perante a lei, aí fica suplantado, tolhido,manietado sem poder estender o braço em socorro da inocente e nobrevítima, que deseja proteger. Assim, por uma estranha aberração, vemosa lei armando o vício, e decepando os braços à virtude.Estava pois Álvaro em presença de Leôncio como o condenado empresença do algoz. A mão da fatalidade o socalcava com todo o seupeso esmagador, sem lhe deixar livre o mínimo movimento.Vinha Leôncio ardendo em fúrias de raiva e de ciúme, eprevalecendo-se de sua vantajosa posição, aproveitou a ocasião paravingar-se de seu rival, não com a nobreza de cavalheiro, mas procurandohumilhá-lo à força de impropérios.- Sei que há muito tempo, - disse Leôncio, continuando o diálogoque deixamos interrompido no capítulo antecedente, - V. S.ª retêm essa escravaem seu poder contra toda a justiça, iludindo as autoridades com falsas alegações,que nunca poderá provar. Porém agora venho eu mesmo reclamá-la e burlar osseus planos, e artifícios.- Artifícios não, senhor. Protegi e protejo francamente uma escrava contraas violências de um senhor, que quer tornar-se seu algoz; eis aí tudo.- Ah!... agora é que sei que qualquer aí pode subtrair um escravoao domínio de seu senhor a pretexto de protegê-lo, e que cada qualtem o direito de velar sobre o modo por que são tratados os escravosalheios.- V. S.a. está de disposição a escarnecer, e eu declaro-lhe quenenhuma vontade tenho de escarnecer, nem de ser escarnecido.Confesso-lhe que desejo muito a liberdade dessa escrava, tanto quantodesejo a minha felicidade, e estou disposto a fazer todos os sacrifíciospossíveis para consegui-la. Já lhe ofereci dinheiro, e ainda ofereço.Dou-lhe o que pedir... dou-lhe uma fortuna por essa escrava. Abra preço...- Não há dinheiro que a pague; nem todo o ouro do mundo,porque não quero vendê-la.- Mas isso é um capricho bárbaro, uma perversidade...-Seja capricho da qualidade que V. S.ª quiser; porventura nãoposso ter eu os meus caprichos, contanto que não ofenda direitos deninguém?... porventura V. S.ª não tem também o seu capricho dequerê-la para si?... mas o seu capricho ofende os meus direitos, e eis aí oque não posso tolerar.- Mas o meu capricho é nobre e benfazejo, e o seu é uma tirania,para não dizer uma vilania. V. S.ª mancha a sua vida com uma nódoaindelével conservando na escravidão essa mulher; cospe o desrespeito ea injúria sobre o túmulo de sua santa mãe, que criou com tanta delicadeza,
educou com tanto esmero essa escrava, para torná-la digna da liberdade quepretendia dar-lhe, e não para satisfazer aos caprichos de V. S.a. Ela por certo ládo céu, onde está, o amaldiçoará, e o mundo inteiro a acompanhará na maldiçãoao homem que retém no mais infamante cativeiro uma criatura cheia de virtudes,prendas e beleza.- Basta, senhor!.. agora fico também sabendo, que uma escrava,só pelo fato de ser bonita e prendada, tem direitos à liberdade. Piquetambém V. S.ª sabendo, que se minha mãe não criou essa raparigapara satisfazer aos meus caprichos, muito menos para satisfazer aos deV. S.ª a quem nunca conheceu nesta vida. Senhor Álvaro, se deseja teralguma linda escrava para sua amásia procure outra, compre-a, que arespeito desta, pode perder toda a esperança.- Senhor Leôncio, V. S.ª decerto esquece-se do lugar onde está,e da pessoa com quem fala, e julga que se acha em sua fazenda falandoaos seus feitores ou a seus escravos. Advirto-lhe, para que mudede linguagem.- Basta, senhor; deixemo-nos de vás disputas, e nem eu vim aquipara ser catequizado por V. S.ª. O que quero é a entrega da escrava enada mais. Não me obrigue a usar do meu direito levando-a à força.Álvaro, desvairado por tão grosseiras e ferinas provocações, perdeude todo a prudência e sangue-frio.Entendeu que para sair-se bem na terrivel conjuntura em que seachava, só havia um caminho, - matar o seu antagonista ou morrer-lhe àsmãos, - e cedendo a essas sugestões da cólera e do desespero, saltou da cadeiraem que estava, agarrou Leôncio pela gola e sacudindo-o com força:- Algoz! - bradou espumando de raiva, - ai tens a tua escrava!mas antes de levá-la, hás de responder pelos insultos que me tens dirigido,ouviste?... ou acaso pensas que eu também sou teu escravo?..- Está louco, homem! - disse Leôncio amedrontado. - As leisdo nosso país não permitem o duelo.- Que me importam as leis!... para o homem de brio a honra ésuperior às leis, e se não és um covarde, como penso...Socorro, que querem assassinar-me, - bradou Leônciodesembaraçando-se das mãos de Álvaro, e correndo para a porta.- Infame! - rugiu Álvaro, cruzando os braços e rangendo os dentesnum sorrir de cólera e desdém...No mesmo momento, atraídos pelo barulho, entravam na sala deum lado <strong>Isaura</strong> e Miguel, do outro o oficial de justiça e os guardas.<strong>Isaura</strong> estava com o ouvido aguçado, e do interior da casaouvira e compreendera tudo.Viu que tudo estava perdido, e correu a atalhar o desatino, quepor amor dela Álvaro ia cometer.- Aqui estou, senhor! - foram as únicas palavras que pronunciouapresentando-se de braços cruzados diante de seu senhor.- Ei-los ai; são estes! - exclamou Leôncio indicando aos guardas<strong>Isaura</strong> e Miguel. Prendam-os!.. prendam-os!...Vai-te, <strong>Isaura</strong>, vai-te, - murmurou Álvaro com voz trêmula esumida, achegando-se da cativa. - Não desanimes; eu não te abandonarei.Confia em Deus e em meu amor.Uma hora depois Álvaro recebia em casa a visita de Martinho. Vinhaeste mui ancho e lampeiro dar conta de sua comissão, e sôfrego por embolsar
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mais que uma escrava. Se tivesses n
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perturbação da paz doméstica, o
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pomo fatal, mas inocente, que devia
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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meios de libertar a menina; ela bem
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melhor matar a gente de uma vez...-
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companheiras, e a tomaria antes por
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petulante se foi colocar defronte d
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