Todavia no intuito de verificar se era fundada a sua apreensão, antes dechamar os donos da casa quis sondar as intenções do visitante.- Não obstante, - respondeu ele, como estou autorizado pelosdonos da casa a tratar de todos os seus negócios, pode V. S.ª dirigir-sea mim, e dizer o que deles pretende.- Sim, senhor; não ponho a menor dúvida, pois o que pretendonão é nenhum mistério. Constando-me com certeza, que aqui se achaacoutada uma escrava fugida, por nome <strong>Isaura</strong>, venho apreendê-la...- Nesse caso deve entender-se comigo, que sou o depositáriodessa escrava.- Ah!.. pelo que vejo, V. S.ª é o senhor Álvaro!...- Um criado de V. S.ª.- Bem; muito estimo encontrá-lo por aqui; pois saiba tambémque eu sou Leôncio, o legítimo senhor dessa escrava.Leôncio. ... o senhor de <strong>Isaura</strong>! Álvaro ficou como esmagado sob opeso desta fulminante e tremenda revelação. Mudo e atônito, contemploupor alguns instantes aquele homem de sombria catadura, que selhe apresentava aos olhos, implacável e sinistro como Lúcifer, prestesa empolgar a vítima, que deseja arrastar aos infernos. Suor frio porejou-lhepela testa, e a mais pungente angústia apertou-lhe o coração.- É ele!... é o próprio algoz!... ai, pobre <strong>Isaura</strong>!... - foi este o ecolúgubre, que remurmurou-lhe dentro d'alma enregelada pelo desalento.Capitulo 18O leitor provavelmente não terá ficado menos atônito do que ficouÁlvaro, com o imprevisto aparecimento de Leôncio no Recife, e indobater certo na casa em que se achava refugiada a sua escrava.É preciso, portanto, explicar-lhe como isso aconteceu, para que nãopense que foi por algum milagre.Leôncio, depois de ter escrito e entregado no correio as duas cartasque conhecemos, uma dirigida a Álvaro, outra a Martinho, nem por issoficou mais tranqüilo. Devorava-lhe a alma uma inquietação mortal, umciúme desesperador. A notícia de que <strong>Isaura</strong> se achava em poder de umbelo e rico mancebo, que a amava loucamente, era para ele um suplícioinsuportável, um cancro, que lhe corroía as entranhas, e o fazia estrebucharem ânsias de desespero, avivando-lhe cada vez mais a paixão furiosa queconcebera por sua escrava. Achava-se ele na corte, para onde, logo que tevenotícias de <strong>Isaura</strong>, se dirigia imediatamente, a fim de se achar em um centro,de onde pudesse tomar medidas prontas e enérgicas para a captura da mesma.Tendo escrito e entregue as cartas na véspera da partida do vapor pela manhã,levou o resto do dia a cismar. A terrível ansiedade em que se achava não lhepermitia esperar a resposta e o resultado daquelas cartas, sendo muito maismorosas e espaçadas do que hoje as viagens dos paquetes naquela época, emque apenas se havia inaugurado a navegação a vapor pelas costas doBrasil. Demais, ocorria-lhe freqüentemente ao espírito o anexim popular- quem quer vai, quem não quer manda. - Não podia fiar-se na diligência eboa vontade de pessoas desconhecidas, que talvez não pudessemlutar vantajosamente contra a influência de Alvaro, o qual, segundo lho
pintavam, era um potentado em sua terra. O ciúme e a vingança nãogostam de confiar a olhos e mãos alheias a execução de seus desígnios.- É indispensável que eu mesmo vá, - pensou Leôncio, e firmenesta resolução foi ter com o ministro da justiça, com quem cultivavarelações de amizade, e pediu-lhe uma carta de recomendação, - o queequivale a uma ordem, - ao chefe de polícia de Pernambuco, paraque o auxiliasse eficazmente para o descobrimento e captura de umaescrava. Já de antemão Leôncio também se havia munido de umaprecatória e mandado de prisão contra Miguel, a quem havia feitoprocessar e pronunciar como ladrão e acoutador de sua escrava. Osanhudo paxá de nada se esquecia para tornar completa a sua vingança.No outro dia Leôncio seguia para o Norte no mesmo vapor queconduzia suas cartas.Estas, porém, chegaram ao seu destino algumas horas antes que oseu autor desembarcasse no Recife.Leôncio, apenas pôs pé em terra, dirigiu-se ao chefe de policia, eentregando-lhe a carta do ministro inteirou-o de sua pretensão.Tenho a informar-lhe, senhor Leôncio, - respondeu-lhe ochefe - que haverá talvez pouco mais de duas horas que daqui saiuuma pessoa autorizada por V. S.a para o mesmo fim de apreender essaescrava, e ainda há pouco aqui chegou de volta declarando que tinha-seenganado, e que acabava de reconhecer que a pessoa, de quemdesconfiava, não é e nem pode ser a escrava que fugiu a V. S.a.- Um certo Martinho, não, senhor doutor?...- Justamente.- Deveras!... que me diz, senhor doutor?- A verdade; ainda aí estão à porta o oficial de justiça e osguardas, que o acompanharam.- De maneira que terei perdido o meu tempo e a minha viagem!...oh! não, não; isto não é possível. Creia-me, senhor doutor, aquihá patranha... o tal senhor Álvaro dizem que é muito rico...- E o tal Martinho um valdevinos capaz de todas as infâmias.Tudo pode ser; mas a V. S.ª como interessado, compete averiguar essascoisas.- E é o que venho disposto a fazer. Irei lá eu mesmo verificar onegócio por meus próprios olhos, e já, se for possível.- Quando quiser. Ali estão o oficial de justiça e os guardas, queainda agora de lá vieram, e ninguém melhor do que eles pode guiar aV. S.ª e efetuar a captura, caso reconheça ser a sua própria escrava.- Também me é preciso que V. S.ª ponha o - cumpra-se -nesta precatória - disse Leôncio apresentando a precatória contra Miguel -é necessário punir o patife que teve a audácia de desencaminhar e roubar-mea escrava.O chefe satisfez sem hesitar ao pedido de Leôncio, que acompanhadoda pequena escolta, que fez subir ao seu carro, no mesmo momento se dirigiuà casa de <strong>Isaura</strong>, onde o deixamos em face de Álvaro.A situação deste não era só crítica; era desesperada. O seuantagonista ali estava armado de seu incontestável direito para humilhá-lo,esmagá-lo, e o que mais é, despedaçar-lhe a alma, roubando-lhe aamante adorada, o ídolo de seu coração, que ia-lhe ser arrancada dosbraços para ser prostituída ao amor brutal de um senhor devasso, se
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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meios de libertar a menina; ela bem
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