que não merece tais extremos, É inútil lutar contra o destino irremediávelque me persegue.- Não fales assim, <strong>Isaura</strong>. Tens em bem pouca conta a minhaproteção e o meu amor!...- Não sou digna de ouvir de sua boca essa doce palavra. Empregueseu amor em outra mulher que dele seja merecedora, e esqueça-seda pobre cativa, que tornou-se indigna até de sua compaixão ocultando-lhea sua condição, e fazendo-o passar pelo vergonhoso pesar de...- Cala-te, <strong>Isaura</strong>... até quando pretendes lembrar-te desse malditoincidente?... eu somente fui o culpado forçando-te a ir a esse baile, etinhas razão de sobra para não revelar-me a tua desgraça. Esquece-tedisso; eu te peço pelo nosso amor, <strong>Isaura</strong>.- Não posso esquecer-me, porque os remorsos me avivam sempre n'almaa lembrança dessa fraqueza. A desgraça é má conselheira, enos perturba e anuvia o espirito. Eu o amava, assim como o amo ainda,e cada vez mais... perdoe-me esta declaração, que é sem dúvida umaousadia na boca de uma escrava.- Fala, <strong>Isaura</strong>, fala sempre, que me amas. Pudesse eu ouvir deteus lábios essa palavra por toda a eternidade.- Era um triste amor na verdade, um amor de escrava, um amorsem sorriso nem esperança. Mas a ventura de ser amada pelo senhorera uma idéia tão consoladora para mim! Amando-me o senhor menobilitava, a meus próprios olhos, e quase me fazia esquecer a realidadede minha humilde condição. Eu tremia ao pensar que descobrindo-lhe averdade, ia perder para sempre essa doce e única consolação que merestava na vida. Perdoe, meu senhor, perdoe à escrava infeliz, que tevea louca ousadia de amá-lo.- <strong>Isaura</strong>, deixa-te de vãos escrúpulos, e dessas frases humildes,que de modo nenhum podem caber em teus lábios angélicos. Se meamas, eu também te amo, porque em tudo te julgo digna do meu amor;que mais queres tu?... Se antes de conhecer a condição em que nasceste,eu te amei subjugado por teus raros encantos, hoje que sei que atantos atrativos reúnes o prestigio do infortúnio e do martírio, eu teadoro, eu te idolatro mais que nunca.- Ama-me, e é essa idéia, que ainda mais me mortifica!... de quenos serve esse amor, se nem ao menos posso ter a fortuna de ser suaescrava, e devo sem remédio morrer entre as mãos de meu algoz..- Nunca, <strong>Isaura</strong>! - exclamou Álvaro com exaltação: - minhafortuna, minha tranquilidade, minha vida, tudo sacrificarei para libertar-tedo jugo desse vil tirano. Se a justiça da Terra não me auxilia nestanobre e generosa empresa, a justiça do céu se fará cumprir por minhasmaos.- Oh! senhor Alvaro!... não vá sacrificar-se por uma pobre escrava,que não merece tais excessos. Abandone-me à minha sina fatal; jánão é pouca felicidade para mim ter merecido o amor de um cavalheirotão nobre e tão amável, como o senhor; esta lembrança me servirá dealento e consolação em minha desgraça. Não posso, porém, consentirque o senhor avilte o seu nome e a sua reputação, amando com talextremo a uma escrava.- Por piedade, <strong>Isaura</strong>, não me martirizes mais com essa malditapalavra, que constantemente tens nos lábios. <strong>Escrava</strong> tu!... não o és,
nunca o foste, e nunca o serás. Pode acaso a tirania de um homem ouda sociedade inteira transformar em um ente vil, e votar à escravidãoaquela que das mãos de Deus saiu um anjo digno do respeito eadoração de todos? Não, <strong>Isaura</strong>; eu saberei erguer-te ao nobre e honrosolugar a que o céu te destinou, e conto com a proteção de um Deusjusto, porque protejo um dos seus anjos.Alvaro, não obstante ficar sabendo, depois da noite do baile, que<strong>Isaura</strong> era uma simples escrava, nem por isso deixou de tratá-la daí emdiante com o mesmo respeito, deferência e delicadeza, como a umadonzela da mais distinta jerarquia social. Procedia assim de acordo comos elevados principios que professava, e com os nobres e delicadossentimentos do seu coração. O pudor, a inocência, o talento, a virtude e oinfortúnio, eram sempre para ele coisas respeitáveis e sagradas, quer seachassem na pessoa de uma princesa, quer na de uma escrava. Suaafeição era tão casta e pura como a pessoa que dela era objeto, enunca de leve lhe passara pelo pensamento abusar da precária ehumilde posição de sua amante, para profanar-lhe a candura imaculada.Nunca de sua parte um gesto mais ousado, ou uma palavra menoscasta haviam feito assomar ao rosto da cativa o rubor do pejo, e nemtampouco os lábios de Alvaro lhe haviam roçado o mais leve beijo pelasvirginais e pudicas faces. Apenas depois de instantes e repetidas súplicasde <strong>Isaura</strong>, havia tomado a liberdade de tratá-la por tu, e isso mesmoquando se achavam a sós.Somente agora pela primeira vez, Álvaro, dominado pela maissuave e veemente emoção, ao proferir as últimas palavras, enlaçando obraço em torno ao colo de <strong>Isaura</strong> a cingia brandamente contra ocoração.Estavam ambos enlevados na doçura deste primeiro amplexo deamor, quando o ruído de um carro, que parou à porta do jardim, e logoapós um forte e estrondoso - ó de casa! - os fizeram separar-se.No mesmo momento entrava na sala o baleeiro de Álvaro, eanunciava-lhe que novas pessoas o procuravam.- Oh, meu Deus!... que será isto hoje!... serão ainda os malditosesbirros?... - refletiu Álvaro, e depois dirigindo-se a <strong>Isaura</strong>:- É prudente que te retires, minha amiga, - disse-lhe; ninguémsabe o que será e não convém que te vejam.- Ah! que eu não sirva senão para perturbar-lhe o sossego! -murmurou <strong>Isaura</strong> retirando-se.Um momento depois Alvaro viu entrar na sala um elegante e belomancebo, trajado com todo o primor, e afetando as mais polidas earistocráticas maneiras; mas apesar de sua beleza, tinha ele na fisionomia,como Lusbel, um não seu quê de torvo e sinistro, e um olhar sombrio, queincutia pavor e repulsão.- Este por certo não é um esbirro, - pensou Álvaro, e indicandouma cadeira ao recém-chegado: - Queira sentar-se, - disse-lhe,e - tenha a bondade de dizer o que pretende deste seu criado.- Desculpe-me, - respondeu-lhe o cavalheiro, passeando umolhar escrutador em roda da sala: - não é a V. S.ª que eu desejavafalar, mas sim ao morador desta casa ou à sua filha.Álvaro estremeceu. Estava claro que aquele mancebo, se bem quenenhuma aparência tivesse de um esbirro, andava à pista de <strong>Isaura</strong>.
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mais que uma escrava. Se tivesses n
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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