e é sujeita a alucinações.- Bravo, senhor Martinho; confio absolutamente em sua perícia ehabilidade. E depois?- E depois comunico tudo isso ao chefe de policia, declaro-lheque nada mais tenho com esse negócio, passo a procuração a qualquermeirinho, ou capitão-do-mato, que se queira encarregar dessa diligência,e em ato contínuo escrevo ao senhor da escrava comunicando-lhe omeu engano, com o que ele por certo desistirá de procurá-la mais poraqui, e levará a outras partes as suas pesquisas. Que tal acha o meuplano?...- Admirável, e cumpre não perdermos tempo, senhor Martinho.- Vou já neste andar, e em menos de duas horas estou aqui devolta, a dar parte do desempenho de minha comissão.- Aqui não, que não poderei demorar-me muito. Espero-o emminha casa, e lá receberá a soma convencionada.- Podem-se retirar, - disse Martinho ao oficial de justiça e aosguardas, que se achavam postados do lado de fora da porta. - Suapresença não é mais necessária aqui. Não há dúvida! - continuou eleconsigo mesmo: - isto vai a dobrar como no lansquenê. Esta escrava éuma mina, que me parece não estar ainda esgotada.E retirou-se, esfregando as mãos de contentamento.- Então, que arranjo fizeste com o homem, meu Álvaro? - perguntouGeraldo, apenas Martinho voltou as costas.- Excelente, - respondeu Álvaro; - a minha lembrança surtiu odesejado efeito, e ainda mais do que eu esperava.Álvaro em poucas palavras deu conta ao seu amigo do mercadoque fizera com o Martinho.- Que caráter desprezível e abjeto o deste Martinho! - exclamouGeraldo. - De um tal instrumento não se pode esperar obra que preste. Ejulgas ter conseguido muita coisa, Álvaro, com o passo que acabas de dar?...- Não muito, porém alguma coisa sempre posso conseguir. Pelomenos consigo deter o golpe por algum tempo, e como diz lá o rifãopopular, meu Geraldo, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.Enquanto Leôncio, persuadido que a sua escrava não se acha aqui noRecife, a procura por todo esse mundo, ela fica aqui tranqüilamente àminha sombra, livre das perseguições e dos maus-tratos de um bárbarosenhor; e eu terei tempo para ativar os meios de arranjar provas edocumentos que justifiquem o seu direito à liberdade. É quanto mebasta por agora; quanto ao resto, já que pareces julgar a minha causairremissivelmente perdida, a justiça divina me inspirará o modo porque devo proceder.- Como te enganas, meu pobre Álvaro!... cuidas que arredando oMartinho ficas por enquanto livre de perseguições e pesquisas contra atua protegida? que cegueira!... não faltarão malsins igualmente esganadospor dinheiro, que pelos cinco contos de réis, que para estes miseráveis é umasoma fabulosa, se ponham à cata de tão preciosa presa. Agora principalmente,que o Martinho deu o alarma, e que esse negócio tem atingido a um certo graude celebridade, em vez de um, aparecerão cem Martinhos no encalço da belafugitiva, e não terão mais que fazer senão seguir a trilha batida pelo primeiro.- És muito meticuloso, Geraldo, e encaras as coisas sempre pelolado pior. É bem provável que peguem as patranhas inventadas pelo
Martinho, e que ninguém mais se lembre de descobrir a cativa <strong>Isaura</strong>nessa moça, por quem me interesso, e embora mil malsins a procurempor todos os cantos do mundo, pouco me importará. Sempre obtenhouma dilação, que poderá me ser muito vantajosa.- Pois bem, Álvaro; vamos que assim aconteça; mas tu não vêsque semelhante procedimento não é digno de ti?... que assim incorresrealmente nos epítetos afrontosos, com que obsequiou-te o tal Leôncio,e que te tomas verdadeiramente um sedutor e acoutador de escravosalheios?...- Desculpa-me, meu caro Geraldo; não posso aceitar a tua reprimenda.Ela só pode ter aplicação aos casos vulgares, e não às circunstânciasespecialíssimas em que eu e <strong>Isaura</strong> nos achamos colocados. Eunão dou couto, nem capeio a uma escrava: protejo um anjo, e amparouma vítima inocente contra a sanha de um algoz. Os motivos que meimpelem, e as qualidades da pessoa por quem dou estes passos, nobilitam omeu procedimento, e são bastantes para justificar-me aos olhos de minhaconsciência.- Pois bem, Alvaro; faze o que quiseres; não sei que mais possadizer-te para demover-te de um procedimento, que julgo não só imprudente,como, a falar-te com sinceridade, ridículo, e indigno da tua pessoa.Geraldo não podia dissimular o descontentamento que lhe causavaaquela cega paixão, que levava o seu amigo a atos que qualificava deburlesco desatino, e loucura inqualificável. Por isso, longe de auxiliá-locom seus conselhos, e indicar-lhe os meios de promover a libertação de<strong>Isaura</strong>, procurava com todo o empenho demovê-lo daquele propósito,pintando o negócio ainda mais difícil do que realmente o era. De bomgrado, se lhe fosse possível, teria entregado <strong>Isaura</strong> a seu senhor somentepara livrar Álvaro daquela terrível tentação, que o ia precipitando na senda dasmais ridículas extravagâncias.Capitulo 17Achando-se só, Alvaro sentou-se junto a uma mesa, e apoiandonela os cotovelos com a fronte entre as mãos, ficou a cismar profundamente.<strong>Isaura</strong>, porém, pressentindo pelo silêncio que reinava na sala, quejá ali não havia pessoas estranhas, foi ter com ele.- Senhor Álvaro, - disse ela chegando-se de manso e timidamente;- desculpe-me... eu venho decerto lhe aborrecer... queria talvez estar só...Não, minha <strong>Isaura</strong>; tu nunca me aborreces; pelo contrário, éssempre bem-vinda junto de mim...- Mas vejo-o tão triste!... parece-me que aqui entrou mais gente,e alteravam-se vozes. Deram-lhe algum desgosto, meu senhor?...- Nada houve de extraordinário, <strong>Isaura</strong>; foram algumas pessoasque vieram procurar o doutor Geraldo.- Mas então, por que está assim triste e abatido?- Não estou triste nem abatido. Estava meditando nos meios dearrancar-te do abismo da escravidão, meu anjo, e elevar-te à posiçãopara que o céu te criou.- Ah! senhor, não se mortifique assim por amor de uma infeliz,
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pomo fatal, mas inocente, que devia
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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