- Nem por sombras posso adivinhá-lo, antes me causa estranhezaesse aparato policial, de que vem acompanhado.- Sua estranheza cessará, sabendo que venho reclamar uma escravafugida, por nome <strong>Isaura</strong>, que há muito tempo foi por mim apreendida no meiode um baile, no qual se achava V. S.ª e devendo eu enviá-la a seu senhor noRio de Janeiro, V. S.ª a isso se opôs sem motivo algum justificável, conservando-aaté hoje em seu poder contra todo o direito.- Alto lá, senhor Martinho! penso que não é pessoa competentepara dar ou tirar direito a quem lhe parecer. O senhor bem sabe que eusou depositário dessa escrava, e que com todo o direito e consentimentoda autoridade a tenho debaixo de minha proteção.- Esse direito, se é que se pode chamar direito a uma arbitrariedade,cessou, desde que V. S.ª nada tem alegado em favor da mesma escrava.E demais, - continuou apresentando um papel, - aqui está ordem expressa eterminante do chefe de polícia, mandando que me seja entregue a dita escrava.A isto nada se pode opor legalmente.- Pelo que vejo, senhor Martinho, - disse Álvaro depois deexaminar rapidamente o papel que Martinho lhe entregara, - aindanão desistiu de seu indigno procedimento, tornando-se por um poucode dinheiro o vil instrumento do algoz de uma infeliz mulher? Reflita, everá que essa infame ação só pode inspirar asco e horror a todo omundo.Martinho achando-se acostado pela policia, julgou-se com direito demostrar-se áspero e arrogante, e, portanto, com imperturbável sangue-frio:- Senhor Álvaro, - respondeu, - eu vim a esta casa somentecom o fim de exigir em nome da autoridade a entrega de uma escravafugida, que aqui se acha acoutada, e não para ouvir repreensões, que osenhor não tem direito de dar-me. Trate de fazer o que a lei ordena e aprudência aconselha, se não quer que use de meu direito...- Qual direito?!...- De varejar esta casa e levar à força a escrava.- Retira-te, miserável esbirro! - bradou Álvaro com força, nãopodendo mais sopear a cólera. - Desaparece de minha presença, senão queres pagar caro o teu atrevimento!...- Senhor Álvaro!... veja o que faz!O Dr. Geraldo, não achando muita razão em seu amigo, por prudênciaaté ali se tinha conservado silencioso, mas vendo que a cólera e imprudênciade Alvaro ia excedendo os limites, julgou de seu dever intervir na questão, eaproximando-se de Alvaro, e puxando-lhe o braço:- Que fazes, Álvaro? - disse-lhe em voz baixa. - Não vês quecom esses arrebatamentos não consegues senão comprometer-te, eagravar a sorte de <strong>Isaura</strong>? mais prudência, meu amigo.- Mas... que devo eu fazer?... não me dirás?- Entregá-la.- Isso nunca!... - replicou Álvaro terminantemente.Conservaram-se todos silenciosos por alguns momentos. Álvaroparecia refletir.- Ocorre-me um expediente, - disse ele ao ouvido de Geraldo,- vou tentá-lo.E sem esperar resposta aproximou-se de Martinho.- Senhor Martinho, - disse-lhe ele, - desejo dizer-lhe duas palavras
em particular, com permissão aqui do doutor.- Estou às suas ordens, - replicou Martinho.- Estou persuadido, senhor Martinho, - disse-lhe Alvaro em vozbaixa, tomando-o de parte, - que a gratificação de cinco contos é omotivo principal que o leva a proceder desta maneira contra uma infelizmulher, que nunca o ofendeu. Está em seu direito, eu reconheço, e asoma não é para desprezar. Mas se quiser desistir completamente dessenegócio, e deixar em paz essa escrava, dou-lhe o dobro dessa quantia.- O dobro!... dez contos de réis! exclamou Martinho arregalandoos olhos.- Justamente; dez contos de réis de hoje mesmo.- Mas, senhor Alvaro, já empenhei minha palavra para com osenhor da escrava, dei passos para esse fim, e...- Que importa!... diga que ela evadiu-se de novo, ou dê outraqualquer desculpa...- Como, se é tão público que ela se acha em poder de V. S.ª ?...- Ora!... isso é sua vontade, senhor Martinho; pois um homemvivo e atilado como o senhor embaraça-se com tão pouca coisa!...- Vá, feito - disse Martinho depois de refletir um instante. - Jáque Sa. tanto se interessa por essa escrava, não quero maisafligi-locom semelhante negócio, que a dizer-lhe a verdade bem merepugna.Aceito a proposta.- Obrigado; é um importante serviço que vai me prestar.- Mas que volta darei eu ao negócio para sair-me bem dele?- Veja lá; sua imaginação é fácil em recursos, e há de inspirar-lhealgum meio de safar-se de dificuldades com a maior limpeza.Martinho ficou por alguns momentos a roer as unhas, pensativo ecom os olhos pregados no chão. Por fim levantando a cabeça e levandoà testa o dedo índice:- Atinei! exclamou. - Dizer que a escrava desapareceu de novo,não é conveniente, e iria comprometer a V. S.ª que se responsabilizoupor ela. Direi somente que, bem averiguado o caso, reconheci que amoça, que Sa. tem em seu poder, não é a escrava em questão, eestá tudo acabado.- Essa não é mal achada... mas foi um negócio tão público...- Que importa!... não se lembra V. S.ª de um sinal em forma dequeimadura em cima do seio esquerdo, que vem consignado no anúncio?direi, que não se achou semelhante sinal, que é muito característico, e estádestruída a identidade de pessoa. Acrescentarei mais que a moça, por quemV. S.ª se interessa, vista de noite é uma coisa, e de dia é outra; que em nadase parece com a linda escrava que se acha descrita no anúncio, e que em vezde ter vinte anos mostra ter seus trinta e muitos para quarenta, e que todaaquela mocidade e formosura era efeito dos arrebiques, e da luz vacilante doslustres e candelabros.- O senhor é bem engenhoso. - observou Alvaro sorrindo-se; -mas os que a viram nenhum crédito darão a tudo isso. Resta, porém,ainda uma dificuldade, senhor Martinho; é a confissão que ela fez empúblico!... isto há de ser custoso de embaraçar-se.- Qual custoso!... alega-se que ela é sujeita a acessos de histerismo,
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pomo fatal, mas inocente, que devia
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tom cerimonioso com que Malvina o t
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meios de libertar a menina; ela bem
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