passa longas horas entretendo-os sobre os meios de conseguir aliberdade de sua protegida, e procurando confortá-los na esperança demelhor destino.Para nos inteirarmos do que tem ocorrido desde a fatal noite dobaile, ouçamos a conversação que teve lugar em casa de <strong>Isaura</strong>, entreÁlvaro e o seu amigo Dr. Geraldo.Este, na mesma manhã que seguiu-se á noite do baile, deixara oRecife e partira para uma vila do interior, onde tinha sido chamado afim de encarregar-se de uma causa importante. De volta à capital no fimde um mês, um de seus primeiros cuidados foi procurar Álvaro, não sópelo impulso da amizade, como também estimulado pela curiosidade desaber do desenlace que tivera a singular aventura do baile. Não o tendoachado em casa por duas ou três vezes que aí o procurou, presumiuque o meio mais provável de encontrá-lo seria procurá-lo em casa de<strong>Isaura</strong>, caso ela ainda se achasse no Recife residindo na mesma chácara;não se iludiu.Álvaro, tendo reconhecido a voz de seu amigo, que da porta dojardim perguntava por ele, saiu ao seu encontro; mas antes disso, tendoassegurado aos donos da casa que a pessoa que o procurava era umamigo íntimo, em quem depositava toda confiança, pediu-lhes licençapara o fazer entrar.Geraldo foi introduzido em uma pequena sala da frente. Posto quepouco espaçosa e mobiliada com a maior simplicidade, era esta salinhatão fresca, sombria e perfumada, tão cheia de flores desde a porta daentrada, a qual bem como as janelas estava toda entrelaçada de ramose festões de flores, que mais parecia um caramanchão ou gruta deverdura, do que mesmo uma sala. Quase toda a luz lhe vinha pelos fundosatravés de uma larga porta dando para uma varanda aberta, que olhavapara o mar. Dali a vista, enfiando-se por entre troncos de coqueiros,que derramavam sombra e fresquidão em tomo da casa, deslizava pelasuperfície do oceano, e ia embeber-se na profundidade de um céu límpidoe cheio de fulgores.Miguel e <strong>Isaura</strong> depois de terem cumprimentado o visitante e trocadocom ele algumas palavras de mera civilidade, presumindo que queriam estar sós,retiraram-se discretamente para o interior da casa.- Na verdade, Álvaro, - disse o doutor sorrindo-se, - é umadeliciosa morada esta, e não admira que gostes de passar aqui grandeparte do teu tempo. Parece mesmo a gruta misteriosa de uma fada. Épena que um maldito nigromante quebrasse de repente o encanto detua fada, transformando-a em uma simples escrava!- Ah! não gracejes, meu doutor; aquela cena extraordinária produziuem meu espírito a mais estranha e dolorosa impressão: porém, francamente teconfesso, não mudou senão por instantes a natureza de meus sentimentos paracom essa mulher.- Que me dizes?... a tal ponto chegará a tua excentricidade?!..- Que queres? a natureza assim me fez. Nos primeiros momentosa vergonha e mesmo uma espécie de raiva me cegaram; vi quase comprazer o transe cruel por que ela passou. Que triste e pungente decepção!Vi em um momento desmoronar-se e desfazer-se em lama o brilhante casteloque minha imaginação com tanto amor tinha erigido!... uma escrava iludir-me portanto tempo, e por fim ludibriar-me, expondo-me em face da sociedade à
mais humilhante irrisão! faze idéia de quanto eu ficaria confuso e corrido diantedaquelas ilustres damas, com as quais tinha feito ombrear uma escrava empleno baile, perante a mais distinta e brilhante sociedade!...- E o que mais é, - acrescentou Geraldo, - uma escrava queas ofuscava a todas por sua rara formosura e brilhantes talentos. Nemde propósito poderias preparar-lhes mais tremenda humilhação, umcrime, que nunca te perdoarão, posto que saibam que tambémandavas iludido.- Pois bem, Geraldo; eu, que naquela ocasião, desairado e confuso,não sabia onde esconder a cara, hoje rio e me aplaudo por terdado ocasião a semelhante aventura. Parece que Deus de propósitotinha preparado aquela interessante cena, para mostrar de um modopalpitante quanto é vã e ridícula toda a distinção que provém donascimento e da riqueza, e para humilhar até o pó da terra o orgulhoe fatuidade dos grandes, e exaltar e enobrecer os humildes de nascimento,mostrando que uma escrava pode valer mais que uma duquesa.Pouco durou aquela primeira e desagradável impressão. Bem depressaa compaixão, a curiosidade, o interesse, que inspira o infortúnio emuma pessoa daquela ordem, e talvez também o amor, que nem comaquele estrondoso escândalo pudera extinguir-se em meu coração,fizeram-me esquecer tudo, e resolvi-me a proteger francamente e atodo o transe a formosa cativa. Apenas consegui que <strong>Isaura</strong> recobrasseos sentidos, e a vi fora de perigo, corri à casa do chefe de polícia,e expondo-lhe o caso, graças às relações de amizade, que com ele tenho,obtive permissão para que <strong>Isaura</strong> e seu pai, - fica sabendo que érealmente seu pai, - pudessem recolher-se livremente à sua casa, ficandoeu por garantia de que não desapareceriam; e assim se efetuou, adespeito dos bramidos do Martinho, que teimava em não querer largara presa. Todavia, no dia seguinte pela manhã, o mesmo chefe, pesando agravidade e importância do negócio, quis que ela fosse conduzida àsua presença para interrogá-la e verificar a identidade de pessoa.Encarreguei-me de conduzi-la. Oh! se a visses então!... Através daslágrimas, que lhe arrancava sua cruel situação, transparecia, em todo oseu brilho, a dignidade humana. Nada havia nela que denunciasse a abjeção doescravo, ou que não revelasse a candura e nobreza de sua alma. Era oanjo da dor exilado do céu e arrastado perante os tribunais humanos.Cheguei a duvidar ainda da cruel realidade. O chefe de polícia,possuído de respeito e admiração diante de tão gentil e nobrefigura, tratou-a com toda a amabilidade, e interrogou-a com brandura epolidez. Coberta de rubor e pejo confessou tudo com a ingenuidade de umaalma pura. Fugira em companhia de seu pai, para escapar ao amor deum senhor devasso, libidinoso e cruel, que a poder de violências etormentos tentava forçá-la a satisfazer seus brutais desejos. Mas <strong>Isaura</strong>, aquem uma natureza privilegiada secundada pela mais fina e esmeradaeducação, inspirara desde a infância o sentimento da dignidade e dopudor, repeliu com energia heróica todas as seduções e ameaças de seuindigno senhor. Enfim, ameaçada dos mais aviltantes e bárbaros tratamentos,que já começavam a traduzir-se em vias de fato, tomou o partido extremo defugir, o único que lhe restava.- O motivo da fuga, Álvaro, a ser verdadeiro, é o mais honrosopossível para ela, e a toma uma heroína; mas... enfim de contas ela não
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