- Impossível!... que obstáculo pode haver?...- Não sei dizer-lhe, senhor; minha desgraça.Esta amorosa confidência no momento em que se achava no pontomais interessante, foi bruscamente interrompida pela presença de Martinho,que se lhes atravessou pela frente, fazendo uma profunda reverência. Álvaroindignadocarregou o sobrolho, e esteve a ponto de enxotar o importuno, como quem enxotaum cão. Elvira estacou como que petrificada de pavor.- Senhor Álvaro, disse-lhe respeitosamente o Martinho, - com apermissão de V. Sa preciso dizer duas palavras a esta senhora, a quemV. S.a dá o braço.- A esta senhora! - exclamou maravilhado o cavalheiro. - Quetem o senhor que ver com esta senhora?- Negócio de suma importância; ela bem o sabe, melhor do queeu e o senhor.Álvaro, que bem conhecia o Martinho, e sabia quanto era abjeto edesprezível, julgando ser aquilo manobra de algum rival invejoso, e covarde,que se servia daquele miserável para ultrajá-lo ou expô-lo ao ridículo, teveum assomo de indignação, mas contendo-se por um momento:- Tem a senhora algum negócio com este homem? - perguntoua Elvira.- Eu?!... nenhum, por certo; nem mesmo o conheço, - balbuciou amoça, pálida e a tremer.- Mas, meu Deus! D. Elvira, por que treme assim? como estápálida!.., maldito importuno, que assim a faz sofrer!... oh! pelo céu, D.Elvira, não se assuste assim. Aqui estou eu a seu lado, e ai daquele queousar ultrajar-nos!- Ninguém quer ultrajá-los, senhor Álvaro - replicou o Martinho;mas o negócio é mais sério do que o senhor pensa.- Enfim, senhor Martinho, deixe-se de rodeios e diga-nos aquimesmo o que quer com esta senhora.- Posso dizê-lo; mas seria melhor que V. S.a o ignorasse.- Oh! temos mistério!... pois nesse caso declaro-lhe que nãoabandonarei esta senhora um só instante, e se o senhor não quer dizerao que veio, pode retirar-se.- Nessa não caio eu, que não hei de perder o meu tempo, e omeu trabalho, e nem os meus cinco contos. - Estas últimas palavrasresmungou-as ele entre os dentes.- Senhor Martinho, por favor queira não abusar mais da minhapaciência. Se não quer dizer ao que veio, ponha-se já longe da minhapresença...- Oh! senhor! retorquiu Martinho, sem se perturbar; - já quea isso me força, pouco me custa fazer-lhe a vontade, e com bastantepesar tenho de declarar-lhe, que essa senhora a quem dá o braço, éuma escrava fugida!...Álvaro, se bem que conhecesse a vilania e impudência do caráterde Martinho, no primeiro momento ficou pasmo ao ouvir aquela súbitae imprevista delação. Não podia dar-lhe crédito, e refletindo um instanteconfirmou-se mais na idéia de que tudo aquilo não passava de umafarsa posta em jogo por algum indigno rival, com o fim de desgostá-loou insultá-lo. A pessoa do Martinho, que não poucas vezes, na qualidade
de truão ou palhaço, servia de instrumento às vinganças e paixões mesquinhasde entes tão ignóbeis como ele, servia para justificar a desconfiança de Álvaro,que acabou por não sentir senão asco e indignação por tão infame procedimento.- Senhor Martinho, - bradou ele com voz severa, - se alguémpagou-lhe para vir achincalhar-me a mim e a esta senhora, diga quantoganha, que estou pronto a dar-lhe o dobro para nos deixar em paz.A esta sanguinolenta afronta, a larga e impudente cara do Martinhonem de leve se alterou, e por única resposta:- Torno a repetir, - bradou com todo o descaramento, - e emvoz bem alta, para que todos ouçam: esta senhora que aqui se acha, éuma escrava fugida, e eu estou encarregado de apreendê-la e entregá-laa seu senhor.Entretanto <strong>Isaura</strong>, avistando seu pai, que também a procurava portoda a parte com os olhos, largando o braço de Álvaro correu a ele,lançou-se-lhe nos braços, e escondendo o rosto em seu ombro:- Que opróbrio, meu pai! - exclamou com voz sumida e a soluçar.- Eu bem estava pressentindo!...- Este homem, se não é um insolente, ou está louco ou bêbado,- bradava Álvaro pálido de cólera. - Em todo o caso deve ser enxotadocomo indigno desta sociedade.Já alguns amigos de Álvaro agarrando o Martinho pelo braço, sedispunham a pó-lo pela porta a fora, como a um ébrio ou alienado.Devagar, meus amigos, devagar!.., disse-lhes ele com toda acalma. - Não me condenem sem primeiro ouvirem-me. Escutemprimeiro este anúncio que lhes vou ler, e se não for verdade o que eudigo, dou-lhes licença para me cuspirem na cara, e me atiraremda janela abaixo.Entretanto, esta pequena altercação começava a atrair a atençãogeral, e numerosos grupos movidos de curiosidade se apinhavam emtorno dos contendores. A frase fatal - esta senhora é uma escrava! -proferida em voz alta por Martinho, transmitida de grupo em grupo, deouvido em ouvido, já havia circulado com incrível celeridade por todasas salas e recantos do espaçoso edifício. Um sussurro geral se propagarapor todo ele, e damas e cavalheiros, e tudo o que ali se achava, inclusivemúsicos, porteiros e fâmulos, atropelando-se uns aos outros, arrojavam-seafanosos para a sala, onde se dava o singular incidente que estamos relatando.A sala estava literalmente apinhada de gente, que afiava o ouvido e alongavao pescoço o mais que podia para ver e ouvir o que se passava.Foi no meio desta multidão silenciosa, imóvel, estupefata e anelante,que Martinho, sacando tranqüilamente da algibeira o anúncio, que nós jáconhecemos, desdobrou-o ante seus olhos, e em voz bem alta e sonora o leude principio a fim.- Bem se vê, - continuou ele concluída a leitura, - que os sinaiscombinam perfeitamente, e só um cego não verá naquela senhoraa escrava do anúncio. Mas para tirar toda a dúvida, só resta examinarse ela tem o tal sinal de queimadura acima do seio, e é coisa que desdejá se pode averiguar com licença da senhora.Dizendo isto, Martinho com impudente desembaraço seencaminhava para <strong>Isaura</strong>.- Alto lá, vil esbirro!... bradou Álvaro com força, e agarrandoo Martinho pelo braço, o arrojou para longe de <strong>Isaura</strong>, e o teria lançado
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