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A Escrava Isaura

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prosa e verso que na aurora da vida já têm o coração mirrado pelo soprodo cepticismo, ou calcinado pelo fogo das paixões, ou enregeladopela saciedade; desses misantropos enfim, cheios de esplim, que seacham sempre no meio de todos os bailes e reuniões de toda espécie,alardeando o seu afastamento e desdém pelos prazeres da sociedade efrivolidades da vida.Entre eles acha-se um, sobre o qual nos é mister deter por mais umpouco a atenção, visto que tem de tomar parte um tanto ativa nosacontecimentos desta história. Este nada tem de esplenético nem debyroniano; pelo contrário o seu todo respira o mais chato e ignóbil prosaísmo.Mostra ser mais velho que os seus comparsas uma boa dezenade anos. Tem cabeça grande, cara larga, e feições grosseiras. A testa édesmesuradamente ampla, e estofada de enormes protuberâncias, oque, na opinião de Lavater, é indicio de espírito lerdo e acanhado aroçar pela estupidez. O todo da fisionomia tosca e quase grotesca revelainstintos ignóbeis, muito egoísmo e baixeza de caráter. O que, porém,mais o caracteriza é certo espírito de cobiça, e de sórdida ganância, quelhe transpira em todas as palavras, em todos os atos, e principalmenteno fundo de seus olhos pardos e pequeninos, onde reluz constantementeum raio de velhacaria. É estudante, mas pelo desalinho do trajo,sem o menor esmero e nem sombra de elegância, parece mais umvendilhão. Estudava há quinze anos à sua própria custa, mantendo-se dorendimento de uma taverna, de que era sócio capitalista. Chama-se Martinho.- Rapaziada, - disse um dos mancebos, - vamos nós aqui auma partida de lansquenê, enquanto esses basbaques ali estão aarrastar os pés e a fazer mesuras.- Justo! - exclamou outro, sentando-se a uma mesa e tomandobaralhos. - Já que não temos coisa melhor a fazer, vamos às cartas.Demais, no baralho é que está a vida. A vista de uma sota me faz àsvezes estremecer o coração em emoções mais vivas do que as sentiriaRomeu a um olhar de Julieta... Afonso, Alberto, Martinho, andempara cá; vamos ao lansquenê; duas ou três corridas somente...- De boa vontade aceitaria o convite, - respondeu Martinho, -se não andasse ocupado com um outro jogo, que de um momento paraoutro, e sem nada arriscar, pode meter-me na algibeira não menos decinco contos de réis limpinhos.- De que diabo de jogo estás aí a falar?... nunca deixarás de sermaluco?... deixa-te de asneiras, e vamos ao lansquenê.- Quem tem um jogo seguro como eu tenho, há de ir meter-senos azares do lansquenê, que já me tem engolido bem boas patacas?...Nem tão tolo serei eu.- Com mil diabos, Martinho!... então não te explicarás?... quemaldito jogo é esse?...- Ora, adivinhem lá... Não são capazes. uma bisca de estrondo.Se adivinharem, dou-lhes uma ceia esplêndida no melhor hotel destacidade; bem entendido, se encartar a minha bisca.- Dessa ceia estamos nós bem livres, pobre comedor de bacalhauardido, e porque não é possível haver quem adivinhe as asneiras quepassam lá por esses teus miolos extravagantes. O que queremos é o teudinheiro aqui sobre a mesa do lansquenê.- Ora, deixem-me em paz, - disse Martinho, com os olhos atentamente

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