ardil; fiz-lhes acreditar que aquele modo de viver retraído e sem contato coma sociedade em um país, onde eram desconhecidos, já começava a dar quefalar ao público e a atrair suspeitas sobre eles, e que até a polícia começavaa olhá-los com desconfiança: mentiras, que não deixavam de ter sua plausibilidade...- E tanta, - interrompeu o doutor. - que talvez não andemmuito longe da verdade.- Fiz-lhes ver, - continuou Álvaro, - que por infundadas e fúteisque fossem tais suspeitas, era necessário arredá-las de si, e para issocumpria-lhes absolutamente freqüentar a sociedade. Este embusteproduziu o desejado efeito.- Tanto pior para eles, - retorquiu o doutor; - eis aí um indíciobem mau, e que mais me confirma em minhas desconfianças. Fossemeles inocentes, e bem pouco se importariam com as suspeitas dopúblico ou da policia, e continuariam a viver como dantes.- Tuas suspeitas não têm o menor fundamento, meu doutor. Elestêm poucos meios, e por isso evitam a sociedade, que realmente, impõeduros sacrifícios às pessoas desfavorecidas da fortuna, e eles... masei-los, que chegam... Vejam e convençam-se com seus próprios olhos.Entrava nesse momento na ante-sala uma jovem e formosa damapelo braço de um homem de idade madura e de respeitável presença.- Boa noite, senhor Anselmo!... boa noite, D. Elvira!... felizmenteei-los aqui! - isto dizia Álvaro aos recém-chegados, separando-se deseus amigos, e apressurando-se para cumprimentar a aqueles com todaa amabilidade e cortesia. Depois oferecendo um braço a Elvira e outroao senhor Anselmo, os vai conduzindo para as salas interiores, por ondejá turbilhona a mais numerosa e brilhante sociedade. Os três interlocutoresde Álvaro, bem como muitas outras pessoas, que por ali se achavam,puseram-se em ala para verem passar Elvira, cuja presença causavasensação e murmurinho, mesmo entre os que não estavam prevenidos.- Com efeito!... é de uma beleza deslumbrante! Que porte de rainha!...- Que olhos de andaluza!...- Que magníficos cabelos!- E o colo!... que colo!... não reparaste?...- E como se traja com tão elegante simplicidade! - assim murmuravamentre si os três cavalheiros como impressionados por uma aparição celeste.- E não reparaste, - acrescentou o Dr. Geraldo, - naquelefeiticeiro sinalzinho, que tem na face direita?... Álvaro tem razão; a sua fadavai eclipsar todas as belezas do salão. E tem de mais a mais a vantagemda novidade, e esse prestígio do mistério, que a envolve. Estou ardendode impaciência por lhe ser apresentado; desejo admirá-la mais de espaço.Neste tom continuaram a conversar, até que, passados alguns minutos,Álvaro, tendo cumprido a grata comissão de apresentador daquela novapérola dos salões, estava de novo entre eles.- Meus amigos, - disse-lhes ele com ar triunfante. - convido-ospara o salão. Quero já apresentar-lhes D. Elvira para desvanecer deuma vez para sempre as injuriosas apreensões, que ainda há pouconutriam a respeito do ente o mais belo e mais puro, que existe debaixodo Sol, se bem que estou certo que só com a simples vista ficarampenetrados de assombro até a medula dos ossos.Os quatro cavalheiros se retiraram e desapareceram no meio doturbilhão das salas interiores. Foram, porém, imediatamente substituídos
por um grupo de lindas e elegantes moças, que cintilantes de sedas epedrarias como um bando de aves-do-paraíso, passeavam conversando.O assunto da palestra era também D. Elvira; mas o diapasão era totalmentediverso, e em nada se harmonizava com o da conversação dosrapazes. Nenhum mal nos fará escutá-las por alguns instantes.- Você não saberá dizer-nos, D. Adelaide, quem é aquela moça,que ainda há pouco entrou na sala pelo braço do senhor Álvaro?- Não, D. Laura; é a primeira vez que a vejo, parece-me que nãoé desta terra.- Decerto; que ar espantado tem ela!... parece uma matuta,que nunca pisou em um salão de baile; não acha, D. Rosalina?- Sem dúvida!.., e você não reparou na toilette dela?... meuDeus!... que pobreza! a minha mucama tem melhor gosto para se trajar.Aqui a D. Emília é que talvez saiba quem ela é.- Eu? por quê? é a primeira vez que a vejo, mas o senhor Álvarojá me tinha dado notícias dela, dizendo que era um assombro de beleza.Não vejo nada disso; é bonita, mas não tanto, que assombre.- Aquele senhor Álvaro sempre é um excêntrico, um esquisito;tudo quanto é novidade o seduz. E onde iria ele escavar aquela pérola,que tanto o traz embasbacado?...- Veio de arribação lá dos mares do Sul, minha amiga, e a julgarpelas aparências não é de todo má.- Se não fosse aquela pinta negra, que tem na face, seria maissuportável.- Pelo contrário, D. Laura; aquele sinal é que ainda lhe dá certagraça particular...- Ah! perdão, minha amiga; não me lembrava que você tambémtem na face um sinalzinho semelhante; esse deveras fica-te muito bem,e dá-te, muita graça; mas o dela, se bem reparei, é grande demais; nãoparece uma mosca, mas sim um besouro, que lhe pousou na face.- A dizer-te a verdade, não reparei bem. Vamos, vamos para osalão; é preciso vê-la mais de perto, estudá-la com mais vagar parapodermos dar com segurança a nossa opinião.E, dito isto, lá se foram elas com os braços enlaçados, formandocomo longa grinalda de variegadas flores, que lá se foi serpeandoperder-se entre a multidão.Capitulo 11Álvaro era um desses privilegiados, sobre quem a natureza e afortuna parece terem querido despejar à porfia todo o cofre de seusfavores. Filho único de uma distinta e opulenta família, na idade devinte e cinco anos, era órfão de pai e mãe, e senhor de uma fortuna decerca de dois mil contos.Era de estatura regular, esbelto, bem feito e belo, mais pela nobree simpática expressão da fisionomia do que pelos traços físicos, queentretanto não eram irregulares. Posto que não tivesse o espírito muitocultivado, era dotado de entendimento lúcido e robusto, próprio a elevar-seà esfera das mais transcendentes concepções. Tendo concluído ospreparatórios, como era filósofo, que pesava gravemente as coisas,
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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