ao pé dela.- Que monstro, meu Deus!... mas eu já esperava por tudo isto...- É esta a liberdade que pretende dar àquela que a mãe delecriou com tanto amor e carinho. O mais cruel e aviltante cativeiro, ummartírio continuado da alma e do corpo, eis o que resta à sua desventuradafilha... Meu pai, não posso resistir a tanto sofrimento!... restava-meum recurso extremo; esse mesmo vai-me ser negado. Presa, algemada,amarrada de pés e mãos!... oh!... meu pai! meu pai!... isto é horrível!...Meu pai, a sua faca, - acrescentou depois de ligeira pausa com vozrouca e olhar sombrio, - preciso de sua faca.- Que pretendes fazer com ela, <strong>Isaura</strong>? que louco pensamento éo teu?...- Dê-me essa faca, meu pai; eu não usarei dela senão em casoextremo; quando o infame vier lançar-me as mãos para deitar-me essesferros, farei saltar meu sangue ao rosto vil do algoz.- Não, minha filha; não serão necessários tais extremos. Meucoração já adivinhava tudo isto, e já tenho tudo prevenido. O dinheiro,que não serviu para alcançar a tua liberdade, vai agora prestar-nos paraarrancar-te às garras desse monstro. Tudo está já disposto, <strong>Isaura</strong>. Fujamos.- Sim, meu pai, fujamos; mas como? para onde?- Para longe daqui, seja para onde for; e já, minha filha, enquanto nãosuspeitem coisa alguma, e não te carregam de ferros.- Ah! meu pai, tenho bem medo; se nos descobrem, qual será aminha sorte!...- A empresa é arriscada, não posso negar-te; mas ânimo. <strong>Isaura</strong>;é nossa única tábua de salvação; agarremo-nos a ela com fé, eencomendemo-nos à divina providência. Os escravos estão na roça; ofeitor levou para o cafezal tuas companheiras, teu senhor saiu acavalo com o André; não há talvez em toda a casa senão alguma negra lá peloscantos da cozinha. Aproveitemos a ocasião, que parece mesmo nos vir dasmãos de Deus, no momento em que aqui estou chegando. Eu já preveni tudo.Lá no fundo do quintal à beira do rio está amarrada uma canoa; é quanto nosbasta. Tu sairás primeiro e irás lá ter por dentro do quintal; eu sairei por foraalguns instantes depois e lá nos encontraremos. Em menos de uma hora estaremosem Campos, onde nos espera um navio, de que é capitão um amigo meu, e quetem de seguir viagem para o Norte nesta madrugada. Quando romper o dia,estaremos longe do algoz que te persegue. Vamo-nos, <strong>Isaura</strong>; talvez poresse mundo encontremos alguma alma piedosa, que melhor do que eu tepossa proteger.- Vamo-nos, meu pai; que posso eu recear?... posso acaso sermais desgraçada do que já sou?...<strong>Isaura</strong>, cosendo-se com a sombra do muro, que rodeava o pátio,abriu o portão, que dava para o quintal, e desapareceu. Momentos depoisMiguel rodeando por fora os edifícios costeava o quintal,e achava-se com ela à margem do rio.A canoa vogando sutilmente bem junto à barranca, impelida pelobraço vigoroso de Miguel, em poucos minutos perdeu de vista afazenda.Capitulo 10
Já são passados mais de dois meses depois da fuga de <strong>Isaura</strong>, eagora, leitores, enquanto Leôncio emprega diligências extraordinárias emeios extremos, e desatando os cordões da bolsa, põe em atividade apolícia e uma multidão de agentes particulares para empolgar de novo apresa, que tão sorrateiramente lhe escapara, façamo-nos de vela para asprovíncias do Norte, onde talvez primeiro que ele deparemos com anossa fugitiva heroína.Estamos no Recife. É noite e a formosa Veneza da América do Sul,coroada de um diadema de luzes, parece surgir dos braços do oceano,que a estreita em carinhoso amplexo e a beija com amor. É uma noitefestiva: em uma das principais ruas nota-se um edifício esplendidamenteiluminado, para onde concorre grande número de cavalheiros e damasdas mais distintas e opulentas classes. É um lindo prédio onde umasociedade escolhida costuma dar brilhantes e concorridos saraus. Algunsestudantes dos mais ricos e elegantes, também costumam descer davelha Olinda em noites determinadas, para ali virem se espanejar entre osesplendores e harmonias, entre as sedas e perfumes do salão do baile; eaos meigos olhares e angélicos sorrisos das belas e espirituosas pernambucanas,esquecerem por algumas horas os duros bancos da Academia e os carunchosospraxistas.Suponhamos que também somos adeptos daquele templo deTerpsícore, entremos por ele a dentro, e observemos o que por aí vai decurioso e interessante. Logo na primeira sala encontramos um grupo deelegantes mancebos, que conversam com alguma animação. Escutemo-los.- É mais uma estrela que vem brilhar nos salões do Recife, -dizia Álvaro, - e dar lustre a nossos saraus. Não há ainda três meses,que chegou a esta cidade, e haverá pouco mais de um, que a conheço.Mas creia-me, Dr. Geraldo, é ela a criatura mais nobre e encantadoraque tenho conhecido. Não é uma mulher; é uma fada, é um anjo, éuma deusa!...- Cáspite! - exclamou o Dr. Geraldo; fada! anjo! deusa!... Sãoportanto três entidades distintas, mas por fim de contas verás que nãopassa de uma mulher verdadeira. Mas dize-me cá, meu Álvaro; esseanjo, fada, deusa, mulher ou o que quer que seja, não te disse de ondeveio, de que família é, se tem fortuna, etc., etc., etc.?- Pouco me importo com essas coisas, e poderia responder-teque veio do céu, que é da família dos anjos, e que tem uma fortunasuperior a todas as riquezas do mundo: uma alma pura, nobre einteligente, e uma beleza incomparável. Mas sempre te direi que o quesei de positivo a respeito dela é que veio do Rio Grande do Sul emcompanhia de seu pai, de quem é ela a única família; que seus meios sãobastantemente escassos, mas que em compensação ela é linda comoos anjos, e tem o nome de Elvira,- Elvira! - observou o terceiro cavalheiro - bonito nome naverdade!... mas não poderás dizer-nos, Álvaro, onde mora a tua fada?...- Não faço mistério disso; mora com seu pai em uma pequenachácara no bairro de Santo Antônio, onde vivem modestamente,evitando relações, e aparecendo mui raras vezes em público. Nessachácara, escondida entre moitas de coqueiros e arvoredos, vive ela
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case com um disforme?... oh! isto
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- Então, Isaura, - disse Malvina c
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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desprezo que Leôncio lhe merecia,