do tronco para o pelourinho, e deste certamente para o túmulo,se teimasse em sua resistência às ordens de seu senhor.Capítulo 9Leôncio impaciente e com o coração ardendo nas chamas de umapaixão febril e delirante não podia resignar-se a adiar por mais tempo asatisfação de seus libidinosos desejos. Vagando daqui para ali por toda acasa como quem dava ordens para reformar o serviço doméstico, quedai em diante ia correr todo por sua conta, não fazia mais do que espreitartodos os movimentos de <strong>Isaura</strong>, procurando ocasião de achá-la asós para insistir de novo e com mais força em suas abomináveispretensões. De uma janela viu as escravas fiandeiras atravessarem opátio para irem jantar, e notou a ausência de <strong>Isaura</strong>.- Bom!... vai tudo às mil maravilhas, murmurou Leôncio comsatisfação; nesse momento passava-lhe pela mente a feliz lembrança demandar o feitor levar as outras escravas para o cafezal, ficando elequase a sós com <strong>Isaura</strong> no meio daqueles vastos e desertos edifícios.Dir-me-ão que, sendo <strong>Isaura</strong> uma escrava, Leôncio, para achar-se asós com ela não precisava de semelhantes subterfúgios, e nada maistinha a fazer do que mandá-la trazer à sua presença por bem ou pormal. Decerto ele assim podia proceder, mas não sei que prestígio tem,mesmo em uma escrava, a beleza unida à nobreza da alma, e àsuperioridade da inteligência, que impõe respeito aos entes aindaos mais perversos e corrompidos. Por isso Leôncio, a despeito de todo oseu cinismo e obcecação, não podia eximir-se de render no fundod'alma certa homenagem à beleza e virtudes daquela escrava excepcional,e de tratá-la com mais alguma delicadeza do que às outras.- <strong>Isaura</strong>, - disse Leôncio, continuando o diálogo que deixamosapenas encetado, - fica sabendo que agora a tua sorte está inteiramente entreas minhas mãos.- Sempre esteve, senhor, - respondeu humildemente <strong>Isaura</strong>.- Agora mais que nunca. Meu pai é falecido, e não ignoras quesou eu o seu único herdeiro. Malvina por motivos, que sem dúvida terásadivinhado, acaba de abandonar-me, e retirou-se para a casa de seupai. Sou eu, pois, que hoje unicamente governo nesta casa, e disponhodo teu destino. Mas também, <strong>Isaura</strong>, de tua vontade unicamentedepende a tua felicidade ou a tua perdição.- De minha vontade!... oh! não, senhor; minha sorte dependeunicamente da vontade de meu senhor.- E eu bem desejo - replicou Leôncio com a mais terna inflexãode voz, - com todas as forças de minha alma, tornar-te a mais feliz dascriaturas; mas como, se me recusas obstinadamente a felicidade, que tu,só tu me poderias dar?...- Eu, senhor?! oh! por quem é, deixe a humilde escrava em seulugar; lembre-se da senhora D. Malvina, que é tão formosa, tão boa, eque tanto lhe quer bem. É em nome dela que lhe peço, meu senhor;deixe de abaixar seus olhos para uma pobre cativa, que em tudo estápronta para lhe obedecer, menos nisso, que o senhor exige...- Escuta, <strong>Isaura</strong>; és muito criança, e não sabes dar ás coisas odevido peso. Um dia, e talvez já tarde, te arrependerás de ter rejeitado
o meu amor.,- Nunca! - exclamou <strong>Isaura</strong>. - Eu cometeria uma traiçãoinfame para com minha senhora, se desse ouvidos às palavras amorosasde meu senhor.- Escrúpulos de criança!.., escuta ainda, <strong>Isaura</strong>. Minha mãe vendoa tua linda figura e a viveza de teu espírito, - talvez por não ter filhaalguma, - desvelou-se em dar-te uma educação, como teria dado auma filha querida. Ela amava-te extremosamente, e se não deu-te aliberdade foi com o receio de perder-te; foi para conservar-te semprejunto de si. Se ela assim procedia por amor, como posso eu largar-te demão, eu que te amo com outra sorte de amor muito mais ardente eexaltado, um amor sem limites, um amor que me levará à loucura ouao suicídio, se não... mas que estou a dizer!... Meu pai, - Deus lheperdoe, - levado por uma sórdida avareza, queria vender tua liberdadepor um punhado de ouro, como se houvesse ouro no mundo quevalesse os inestimáveis encantos, de que os céus te dotaram.Profanação!... eu repeliria, como quem repele um insulto, todo aqueleque ousasse vir oferecer-me dinheiro pela tua liberdade. Livre és tu,porque Deus não podia formar um ente tão perfeito para votá-lo àescravidão. Livre és tu, porque assim o queria minha mãe, e assim o queroeu. Mas, <strong>Isaura</strong>, o meu amor por ti é imenso; eu não posso, eu nãodevo abandonar-te ao mundo. Eu morreria de dor, se me visse forçado alargar mão da jóia inestimável, que o céu parece ter-me destinado, eque eu há tanto tempo rodeio dos mais ardentes anelos de minhaalma...- Perdão, senhor; eu não posso compreendé-lo; diz-me que soulivre, e não permite que eu vá para onde quiser, e nem ao menos queeu disponha livremente de meu coração?!- <strong>Isaura</strong>, se o quiseres, não serás somente livre; serás a senhora,a deusa desta casa. Tuas ordens, quaisquer que sejam, os teus menorescaprichos serão pontualmente cumpridos; e eu, melhor do que faria omais terno e o mais leal dos amantes, te cercarei de todos os cuidados ecarinhos, de todas as adorações, que sabe inspirar o mais ardente einextinguível amor. Malvina me abandona!... tanto melhor! em quedependo eu dela e de seu amor, se te possuo?! Quebrem-se de uma vezpara sempre esses laços urdidos pelo interesse! esqueça-se para semprede mim, que eu nos braços de minha <strong>Isaura</strong> encontrarei sobeja venturapara poder lembrar-me dela.- O que o senhor acaba de dizer me horroriza. Como se podeesquecer e abandonar ao desprezo uma mulher tão amante e carinhosa,tão cheia de encantos e virtudes, como sinhá Malvina? Meu senhor,perdoe-me se lhe falo com franqueza; abandonar uma mulher bonita,fiel e virtuosa por amor de uma pobre escrava, seria a mais feia dasingratidões.A tão severa e esmagadora exprobração, Leôncio sentiu revoltar-seo seu orgulho. escrava insolente! - bradou cheio de cólera. - Queeu suporte sem irritar-me os teus desdéns e repulsas, ainda vá:mas repreensões!... com quem pensas tu que falas?...- Perdão! senhor!... exclamou <strong>Isaura</strong> aterrada e arrependida daspalavras que lhe tinham escapado.- E, entretanto, se te mostrasses mais branda comigo... mas não,
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o podendo conseguir, combinaram de
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escrever-me, como se entre nós nad
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case com um disforme?... oh! isto
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- Então, Isaura, - disse Malvina c
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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e conselhos daquele tão solícito
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desprezo que Leôncio lhe merecia,