petulante se foi colocar defronte de <strong>Isaura</strong>.- Boa tarde, linda <strong>Isaura</strong>. Então, como vai essa flor? - saudou opachola do pajem com toda a faceirice.- Bem, respondeu secamente <strong>Isaura</strong>.- Estás mudada?... tens razão, mas é preciso ir-se acomodandocom este novo modo de vida. Deveras que para quem estavaacostumada lá na sala, no meio de sedas e flores e águas-de-cheiro, háde ser bem triste ficar aqui metida entre estas paredes enfumaçadasque só tresandam a sarro de pito e morrão de candeia.- Também tu, André, vens por tua vez aproveitar-te da ocasiãopara me atirar lama na cara?...- Não, não, <strong>Isaura</strong>; Deus me livre de te ofender; pelo contrário,dói-me deveras dentro do coração ver aqui misturada com estacorja de negras beiçudas e catinguentas uma rapariga como tu, que sómerece pisar em tapetes e deitar em colchões de damasco. Esse senhorLeôncio tem mesmo um coração de fera.- E que te importa isso? eu estou bem satisfeita aqui.- Qual!... não acredito; não é aqui teu lugar. Mas também poroutra banda estimo bem isso.- Por quê?- Porque, enfim, <strong>Isaura</strong>, a falar-te a verdade, gosto muito de você,e aqui ao menos podemos conversar mais em liberdade...- Deveras!... declaro-te desde já que não estou disposta a ouvirtuas liberdades.- Ah! é assim! - exclamou André todo enfunado com estebrusco desengano. - Então a senhora quer só ouvir as finezas dosmoços bonitos lá na sala!... pois olha, minha camarada, isso nem semprepode ser, e cá da nossa laia não és capaz de encontrar rapaz demelhor figura do que este seu criado. Ando sempre engravatado,enluvado, calçado, engomado, agaloado, perfumado, e o que mais e, -acrescentou batendo com a mão na algibeira, - com as algibeirassempre a tinir. A Rosa, que também é uma rapariguinha bem bonita,bebe os ares por mim; mas coitada!... o que é ela ao pé de você?...Enfim, <strong>Isaura</strong>, se você soubesse quanto bem te quero, não havias defazer tão pouco caso de mim. Se tu quisesses, olha... escuta.E dizendo isto o maroto do pajem, avizinhando-se de <strong>Isaura</strong>,foi-lhe lançando desembaraçadamente o braço em torno do colo, como quemqueria falar-lhe em segredo, ou talvez furtar-lhe um beijo.- Alto lá! - exclamou <strong>Isaura</strong> repelindo-o com enfado. - Estáficando bastante adiantado e atrevido. Retire-se daqui, se não irei dizertudo ao senhor Leôncio.- Oh! perdoa, <strong>Isaura</strong>; não há motivo para você se arrufar assim.És muito má, para quem nunca te ofendeu, e te quer tanto bem. Masdeixa estar, que o tempo há de te amaciar esse coraçãozinho de pedra.Adeus; eu já me vou embora; mas olha lá, <strong>Isaura</strong>; pelo amor de Deus,não vá dizer nada a ninguém. Deus me livre que sinhó moço saiba doque aqui se passou; era capaz de me enforcar. O que vale, -continuou André consigo e retirando-se, - o que vale é que neste negócioparece-me que ele anda tão adiantado como eu.Pobre <strong>Isaura</strong>! sempre e em toda parte esta contínua importunaçãode senhores e de escravos, que não a deixam sossegar um só
momento! Como não devia viver aflito e atribulado aquele coração!Dentro de casa contava ela quatro inimigos, cada qual mais porfiado emroubar-lhe a paz da alma, e torturar-lhe o coração: três amantes,Leôncio, Belchior, e André, e uma êmula terrível e desapiedada, Rosa. Fácillhe fora repelir as importunações e insolências dos escravos e criados;mas que seria dela, quando viesse o senhor?!...De feito, poucos instantes depois Leôncio, acompanhado pelofeitor, entrava no salão das fiandeiras. <strong>Isaura</strong>, que um momentosuspendera o seu trabalho, e com o rosto escondido entre as mãos seembevecia em amargas reflexões, não se apercebera da presença deles.- Onde estão as raparigas que aqui costumam trabalhar?... perguntouLeôncio ao feitor, ao entrar no salão.- Foram jantar, senhor; mas não tardarão a voltar.- Mas uma cá se deixou ficar... ah! é a <strong>Isaura</strong>... Ainda bem! -refletiu consigo Leôncio, - a ocasião não pode ser mais favorável;tentemos os últimos esforços para seduzir aquela empedernida criatura.Logo que acabem de comer, - continuou ele dirigindo-se ao feitor, -leve-as para a colheita do café. Há muito que eu pretendia recomendar-lheisto e tenho-me esquecido. Não as quero aqui mais nem uminstante; isto é um lugar de vadiação, em que perdem o tempo semproveito algum, em continuas palestras. Não faltam por aí tecidos dealgodão para se comprar.Mal o feitor se retirou, Leôncio dirigiu-se para junto de <strong>Isaura</strong>.- <strong>Isaura</strong>! murmurou com voz meiga e comovida.- Senhor! - respondeu a escrava erguendo-se sobressaltada; depoismurmurou tristemente dentro d'alma: - meu Deus! é ele!... échegada a hora do suplício.Capítulo 8Agora nos é indispensável abandonar por alguns instantes <strong>Isaura</strong>em sua penível situação diante de seu dissoluto e bárbaro senhor parainformarmos o leitor sobre o que ocorrera no seio daquela pequenafamília, e em que pé ficaram os negócios da casa, depois que a notíciada morte do comendador, estalando como uma bomba no meio dasintrigas domésticas, veio dar-lhes dolorosa diversão no momento emque elas, refervendo no mais alto grau de ebulição, reclamavamforçosamente um desenlace qualquer.Aquela morte não podia senão prolongar tão melindrosa e deplorávelsituação, pondo nas mãos de Leôncio toda a fortuna patema, edesatando as últimas peias que ainda o tolhiam na expansão de seusabomináveis instintos.Leôncio e Malvina estiveram de nojo encerrados em casa por algunsdias, durante os quais parece que deram tréguas aos arrufos edespeitos recíprocos. Henrique, que queria absolutamente partir no diaseguinte, cedendo enfim aos rogos e instâncias de Malvina, consentiuem ficar-lhe fazendo companhia durante os dias de nojo.- Conforme for o procedimento de meu marido, disse-lhe ela, -iremos juntos. Se por estes dias não der liberdade e um destino qualquera <strong>Isaura</strong>, não ficarei mais nem um momento em sua casa.
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pintavam, era um potentado em sua t
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educou com tanto esmero essa escrav
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o podendo conseguir, combinaram de
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escrever-me, como se entre nós nad
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case com um disforme?... oh! isto
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- Então, Isaura, - disse Malvina c
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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e conselhos daquele tão solícito
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desprezo que Leôncio lhe merecia,