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A Escrava Isaura

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- Nessa não creio eu; como é que você pode ficar satisfeita aqui,se não acha moços para namorar?- Rosa, que mal te fiz eu, para estares assim a amofinar-me comessas falas?...- Olhe a sinhá, não se zangue!... perdão, dona <strong>Isaura</strong>; eu penseique a senhora tinha esquecido os seus melindres lá no salão.- Podes dizer o que quiseres, Rosa; mas eu bem sei, que na salaou na cozinha eu não sou mais do que uma escrava como tu. Tambémdeves-te lembrar, que se hoje te achas aqui, amanhã sabe Deus ondeestarás. Trabalhemos, que é nossa obrigação. deixemos dessasconversas que não têm graça nenhuma.Neste momento ouvem-se as badaladas de uma sineta; eram trêspara quatro horas da tarde; a sineta chamava os escravos a jantar. Asescravas suspendem seus trabalhos e levantam-se; <strong>Isaura</strong> porémnão se move, e continua a fiar.- Então? - diz-lhe Rosa com o seu ar escarninho, - você nãoouve, <strong>Isaura</strong>? são horas; vamos ao feijão.- Não, Rosa; deixem-me ficar aqui; não tenho fome nenhuma.Fico adiantando minha tarefa, que principiei muito tarde.- Tem razão; também uma rapariga civilizada e mimosa comovocê não deve comer do caldeirão dos escravos. Quer que te mandeum caldinho, um chocolate?...- Cala essa boca, tagarela! - bradou a crioula velha, que pareciaser a priora daquele rancho de fiandeiras. - Forte lingüinha devíbora!... deixa a outra sossegar. Vamos, minha gente.As escravas retiraram-se todas do salão, ficando só <strong>Isaura</strong>,entregue ao seu trabalho e mais ainda às suas tristes e inquietadorasreflexões. O fio se estendia como que maquinalmente entre seus dedosmimosos, enquanto o pezinho nu e delicado, abandonando o tamanquinho demarroquim, pousava sobre o pedal da roda, a que dava automáticoimpulso. A fronte lhe pendia para um lado como açucena esmorecida, eas pálpebras meio cerradas eram como véus melancólicos, queencobriam um pego insondável de tristura e desconforto. Estavadeslumbrante de beleza naquela encantadora e singela atitude.- Ah! meu Deus! - pensava ela; nem aqui posso achar umpouco de sossego!... em toda parte juraram martirizar-me!... Na sala, osbrancos me perseguem e armam mil intrigas e enredos para meatormentarem. Aqui, onde entre minhas parceiras, que parecem mequerer bem, esperava ficar mais tranqüila, há uma, que por inveja, ouseja lá pelo que for, me olha de revés e só trata de achincalhar-me.Meu Deus! meu Deus!... já que tive a desgraça de nascer cativa, não eramelhor que tivesse nascido bruta e disforme, como a mais vil dasnegras, do que ter recebido do céu estes dotes, que só servem paraamargurar-me a existência?<strong>Isaura</strong> não teve muito tempo para dar larga expansão às suasangustiosas reflexões. Ouviu rumor na porta, e levantando os olhos viuque alguém se encaminhava para ela.- Ai! meu Deus! - murmurou consigo. - Aí temos novaimportunação! nem ao menos me deixam ficar sozinha um instante.Quem entrava era, sem mais nem menos, o pajem André, que jávimos em companhia do feitor, e que mui ancho, empertigado e

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