tom cerimonioso com que Malvina o tratava. - Que me queres?...- Quero dizer-lhe, - exclamou a moça em tom severo, e fazendovãos esforços para dar ao seu lindo e mavioso semblante um ar feroz,- quero dizer-lhe que o senhor me insulta e me atraiçoa em sua casa,da maneira a mais indigna e desleal...- Santo Deus!... que estás aí a dizer, minha querida?...explica-te melhor, que não compreendo nem uma palavra do que dizes...- Debalde, que o senhor se finge surpreendido; bem sabe acausa do meu desgosto. Eu já devia ter pressentido esse seuvergonhoso procedimento; há muito que o senhor não é o mesmo paracomigo, e me trata com tal frieza e indiferença...- Oh! meu coração, pois querias que durasse eternamente alua-de-mel?... isso seria horrivelmente monótono e prosaico.- Ainda escarneces, infame! - bradou a moça, e desta vez asfaces se lhe afoguearam de extraordinário rubor, e fuzilaram-lhe nosolhos lampejos de cólera terrível.- Oh! não te exasperes assim, Malvina; estou gracejando - disseLeôncio procurando tomar-lhe a mão.- Boa ocasião para gracejos!... deixe-me, senhor!... que infâmia!...que vergonha para nós ambos!...- Mas enfim não te explicarás?- Não tenho que explicar; o senhor bem me entende. Só tenhoque exigir...- Pois exige, Malvina.- Dê um destino qualquer a essa escrava, a cujos pés o senhorcostuma vilmente prostrar-se: liberte-a, venda-a, faça o que quiser. Oueu ou ela havemos de abandonar para sempre esta casa; e isto hojemesmo. Escolha entre nos.- Hoje?!- E já!- És muito exigente e injusta para comigo, Malvina, - disse Leônciodepois de um momento de pasmo e hesitação. - Bem sabes queé meu desejo libertar <strong>Isaura</strong>; mas acaso depende isso de mim somente?é a meu pai que compete fazer o que de mim exiges.- Que miserável desculpa, senhor! seu pai já lhe entregouescravos e fazenda, e dará por bem feito tudo quanto o senhor fizer. Mas seacaso o senhor a prefere a mim...- Malvina!... não digas tal blasfêmia!...- Blasfêmia!... quem sabe!... mas enfim dê um destino qualquer aessa rapariga, se não quer expelir-me para sempre de sua casa. Quantoa mim, não a quero mais nem um momento em meu serviço; é bonitademais para mucama.- O que lhe dizia eu, senhor Leôncio? acudiu Henrique, que jácansado e envergonhado do papel de mudo guarda-costas, entendeuque devia intervir também na querela. - Está vendo?.. eis aí o frutoque se colhe desses belos trastes de luxo, que quer por força ter em seusalão...- Esses trastes não seriam tão perigosos, se não existissem vismexeriqueiros, que não hesitam em perturbar o sossego da casa dosoutros para conseguir seus fins perversos...- Alto lá, senhor!... para impedir que o senhor não transportasse
o seu traste de luxo do salão para a alcova, percebe?... o escândalocedo ou tarde seria notório, e nenhum dever tenho eu de ver de braçoscruzados minha irmã indignamente ultrajada.- Senhor Henrique! bradou Leôncio avançando para ele, hirto decólera e com gesto ameaçador.- Basta, senhores - gritou Malvina interpondo-se aos doismancebos. - Toda a disputa por tal motivo é inútil e vergonhosapara nós todos. Eu já disse a Leôncio o que tinha de dizer; ele que sedecida; faça o que entender. Se quiser ser homem de brio e pundonor,ainda é tempo. Se não, deixe-me, que eu o entregarei ao desprezo quemerece.- Oh! Malvina! estou pronto a fazer todo o possível para tetranqüilizar e contentar: mas deves saber que não posso satisfazer o teudesejo sem primeiro entender-me com meu pai, que está na corte. Épreciso mais que saibas, que meu pai nenhuma vontade tem de libertar<strong>Isaura</strong>, tanto assim, que para se ver livre das importunações do pai dela,que também quer a todo custo libertá-la, exigiu uma soma por tal formaexorbitante, que é quase impossível o pobre homem arranjá-la.- O de casa!... dá licença? - bradou neste momento com vozforte e sonora uma pessoa, que vinha subindo a escada do alpendre.- Quem quer que é, pode entrar, - gritou Leôncio dando graçasao céu, que tão a propósito mandava-lhe uma visita para interromperaquela importuna e detestável questão e livrá-lo dos apuros em que sevia entalado.Entretanto, como se verá, não tinha muito de que congratular-se. Ovisitante era Miguel, o antigo feitor da fazenda, o pai de <strong>Isaura</strong>, quehavia sido outrora grosseiramente despedido pelo pai de Leôncio.Este, que ainda o não conhecia, recebeu-o com afabilidade.- Queira sentar-se, - disse-lhe, - e dizer-nos o motivo por quenos faz a honra de procurar,- Obrigado! - disse o recém-chegado, depois de cumprimentarrespeitosamente Henrique e Malvina. - V. S.a sem dúvida é o senhorLeôncio?...- Para o servir.- Muito bem!... é com V. S.ª que tenho de tratar na falta dosenhor seu pai. O meu negócio é simples, e julgo que o posso declararem presença aqui do senhor e da senhora, que me parecem ser pessoasde casa.- Sem dúvida! entre nós não há segredo, nem reservas.- Eis aqui ao que vim, senhor meu, - disse Miguel, tirando daalgibeira de seu largo sobretudo uma carteira, que apresentou aLeôncio; - faça o favor de abrir esta carteira; aqui encontrará V. S.ª aquantia exigida pelo senhor seu pai, para a liberdade de uma escrava destacasa por nome <strong>Isaura</strong>.Leôncio enfiou, e tomando maquinalmente a carteira, ficou algunsinstantes com os olhos pregados no teto.- Pelo que vejo, - disse por fim, - o senhor deve ser o pai...aquele que dizem ser o pai da dita escrava. - é o senhor. - não melembra o nome..- Miguel, um criado de V. S.a- É verdade; o senhor Miguel. Folgo muito que tenha arranjado
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Deus me favorecerá em tão justa e
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em particular, com permissão aqui
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Martinho, e que ninguém mais se le
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nunca o foste, e nunca o serás. Po
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pintavam, era um potentado em sua t
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educou com tanto esmero essa escrav
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- Essa agora é bem lembrada! - ret
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o podendo conseguir, combinaram de
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escrever-me, como se entre nós nad
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case com um disforme?... oh! isto
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- Então, Isaura, - disse Malvina c
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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e conselhos daquele tão solícito
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desprezo que Leôncio lhe merecia,