pomo fatal, mas inocente, que devia servir de instrumento dadesunião e descalabro daquela nascente família.Chegaram ainda a tempo de presenciar o final da cena ridícula,que Belchior representava aos pés de <strong>Isaura</strong>. Leôncio, porém, que osespiava através das sanefas entreabertas de uma alcova, não avistavaHenrique e Malvina, que haviam parado no corredor junto à porta daentrada.- Oh! oh! - exclamou ele no momento em que Belchior prostrava-seaos pés de <strong>Isaura</strong>. Creio que tenho dentro de casa um ídolo,diante do qual todos vêm ajoelhar-se e render adorações!... até o meujardineiro!... Olá, senhor Belchior, está bonito!... Continue com a farsa,que não está má... mas para tratar dessa flor não precisamos de seuscuidados, não; tem entendido, senhor Belchior!...- Perdão, senhor meu, - balbuciou o jardineiro erguendo-setrêmulo e confuso; - eu vinha trazer estas froles para os basos da sala...- E apresentá-las de joelhos!... essa é galante!... Se continuanesse papel de galã, declaro-lhe que o ponho pela porta fora com doispontapés nessa corcova.Corrido, confuso e azoinado, Belchior, cambaleando e esbarrandopelas cadeiras, lá se foi às cegas em busca da porta da rua.- <strong>Isaura</strong>! ó minha <strong>Isaura</strong>! - exclamou Leôncio saindo da alcova,avançando com os braços abertos para a rapariga, e dando à voz até aliáspera e rude, a mais suave e tema inflexão.Um ai agudo e pungente, que ecoou pelo salão, o faz parar mudo,gélido e petrificado. Tinha avistado no meio da porta Malvina, que, pálidae desfalecida, ocultava a fronte no ombro de seu irmão, que aamparava nos braços.- Ah! meu irmão! - exclamou ela voltando de seu delíquio, -agora compreendo tudo que ainda há pouco me dizias.E com uma das mãos comprimindo o coração, que parecia querer-lheestalar de dor, e com a outra escondendo no lenço as lágrimas, quedos formosos olhos lhe brotavam aos pares, correu a encerrar-se emseu aposento.Leôncio desconcertado pelo terrível contratempo, de que acabavade ser vítima, ficou largo tempo a passear, frenético e agitado, de um aoutro lado, ao longo do salão, furioso contra o cunhado, a cujaimpertinente leviandade atribuía as fatais ocorrências daquela manhã,que ameaçavam burlar todos os seus planos sobre <strong>Isaura</strong>, e excogitandomeios de safar-se das dificuldades em que se via empenhado.<strong>Isaura</strong>, tendo resistido em menos de uma hora, a três abordagensconsecutivas, dirigidas contra o seu pudor e isenção, aturdida, cheia desusto, confusão e vergonha, correu a esconder-se entre os laranjaiscomo lebre medrosa, que ouve ladrarem pelos prados os galgosencarniçados a seguirem-lhe a pista.Henrique altamente indignado contra o cunhado não lhe queria vera cara; tomou sua espingarda e saiu disposto a passar o dia inteiropassarinhando pelos matos, e a retirar-se impreterivelmente para a corteao romper do dia seguinte.Os escravos ficaram pasmos, quando à hora do almoço Leôncioachou-se sozinho à mesa. Leôncio mandou chamar Malvina, mas esta,pretextando uma indisposição, não quis sair de seu quarto. Seu primeiro
movimento foi um ímpeto de cólera brutal; esteve a ponto de atirartoalha, pratos, talheres e tudo pelos ares, e ir esbofetear o desassisado einsolente rapaz, que em má hora viera à sua casa para perturbar atranqüilidade do seu viver doméstico. Mas conteve-se a tempo, eacalmando-se entendeu que melhor era não se dar por achado, e encararcom ares da maior indiferença e mesmo de desdém, os arrufos daesposa, e o mau humor do cunhado. Estava bem persuadido que lheseria difícil, se não impossível, dissimular mais aos olhos da esposao seu torpe procedimento; incapaz, porém, de retratar-se e implorarperdão, resolveu amparar-se da tempestade, que ia despenhar-se sobresua cabeça, com o escudo da mais cínica indiferença. Inspiravam-lheeste alvitre o orgulho, e o mau conceito em que tinha todas as mulheres,nas quais não reconhecia pundonor nem dignidade.Depois do almoço Leôncio montou a cavalo, percorreu as roças ecafezais, coisa que bem raras vezes fazia, e ao descambar do Sol voltoupara casa, jantou com o maior sossego e apetite, e depois foi para osalão, onde, repoltreando-se em macio e fresco sofá, pôs-se a fumartranqüilamente o seu havana.Nesse comenos chega Henrique de suas excursões venatórias, edepois de procurar em vão a irmã por todos os cantos da casa, vaienfim encontrá-la encerrada em seu quarto de dormir desfigurada,pálida, e com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.- Por onde andaste, Henrique?... estava aflita por te ver,- exclamou a moça ao avistar o irmão. - Que má moda é essa de deixar agente assim sozinha!...- Sozinha?!... pois até aqui não vivias sem mim na companhia deteu belo marido?...- Não me fales nesse homem... eu andava iludida; agora vejoque andava pior do que sozinha, na companhia de um perverso.- Ainda bem que presenciaste com teus próprios olhos o que eunão tinha ânimo de dizer-te. Mas, vamos! que pretendes fazer?...- O que pretendo?... vais ver neste mesmo instante... Onde estáele?... viste-o por ai?...Se me não engano, vi-o no salão; havia lá um vulto sobre um sofá.- Pois bem, Henrique, acompanha-me até lá.Por que razão não vais só? poupa-me o desgosto de encararaquele homem...- Não, não; é preciso que vás comigo; estava à tua esperamesmo para esse fim. Preciso de uma pessoa que me ampare e mealente. Agora até tenho medo dele.- Ah! compreendo; queres que eu seja teu guarda-costas, parapoderes descompor a teu jeito aquele birbante. Pois bem; presto-me deboa vontade, e veremos se o patife tem o atrevimento de te desrespeitar.Vamos!Capítulo 6- Senhor Leôncio, - disse Malvina com voz alteradaaproximando-se do sofá, em que se achava o marido, - desejo dizer-lheduas palavras, se isso não o incomoda.- Estou sempre às tuas ordens, querida Malvina, - respondeulevantando-se lesto e risonho, e como quem nenhum reparo fizera no
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Martinho, e que ninguém mais se le
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- Essa agora é bem lembrada! - ret
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o podendo conseguir, combinaram de
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escrever-me, como se entre nós nad
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case com um disforme?... oh! isto
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- Então, Isaura, - disse Malvina c
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não tardarão a chegar por aí o t
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melhores tempos, e espero que o meu
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e conselhos daquele tão solícito
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desprezo que Leôncio lhe merecia,